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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

JURID - Estado indenizará mãe. [09/10/09] - Jurisprudência


Estado terá que pagar indenização à mãe que perdeu filho na maternidade.
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Processo nº 200511200244

Vistos, etc.

1 - Relatório

Maria Gineide dos Santos, qualificada às fls. 02 dos autos, por conduto de defensor público regularmente constituído, ingressou neste Juízo com Ação de Indenização c/c Danos Morais em face do Estado de Sergipe, pessoa jurídica de direito público, ali também identificado, alegando em suma e sem prejuízo do principal, que estava na 41ª semana de gestação e no dia 09 de novembro de 2004, já sentindo dores e estando de posse do encaminhamento emitido por Dr. Gilson Torres Santos dirigiu-se à maternidade Santa Helena, onde foi feito o toque e constatado que a mesma estava com um centímetro de dilatação; que logo após foi informada que o parto não seria normal e que a clínica não estava atendendo pelo SUS para parto cesariano; que no mesmo dia se dirigiu à Maternidade Hildete Falcão sendo atendida pela médica Luciana Barroso Melo, que fez o mesmo exame e disse que não havia dilatação (1,5 cm); que a médica auscultou o feto afirmando ouvir os batimentos cardíacos e movimentos do bebê com dificuldades por estarem lentos; que a médica recomendou que a requerente fosse para casa, mesmo estando a autora com dores e sangrando, porque não tinha dilatação e a maternidade estava lotada; que no dia 10/02/2004 por volta das 5:30 horas a requerente sentiu fortes dores mas ainda sentindo os movimentos do bebê, que em seguida parou; que em razão disto procurou o médico Dr. Gilson e este ao examiná-la constatou que já havia passado da hora do parto e a encaminhou para a Maternidade Hildete Falcão, onde foi constatado que o bebê havia morrido; que somente no dia 13/11/2005 por volta das 02:00 horas, mediante parto induzido foi retirado o bebê; que era o primeiro parto da requerente que esperava com muita ansiedade à vinda de sua filha; que ficou com seqüelas, sentindo muitas dores nas costas necessitando tomar medicamentos caros. Teceu outras considerações sobre o tema. Requereu o julgamento procedente da ação, condenando-se o réu ao pagamento de danos materiais no valor de R$ 300,00 (trezentos reais) mensais até a requerente suspender os medicamentos, e danos morais pelo sofrimento da requerente e o risco de morte que ocorreu por negligência médica, bem como a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Protestou provar o alegado por todos os meios em direito admitidos. Juntou documentos e deu valor à causa, fls. 02/28.

Deferido os benefícios da justiça gratuita às fls. 29.

Devidamente citado às fls. 31, o Estado de Sergipe apresentou contestação requerendo a denunciação à lide da médica Dra. Luciana Barroso de Melo. No mérito alegou que não havia nenhuma indicação do médico que realizou o pré-natal da reclamante de que o parto seria normal; que o próprio histórico da paciente estava a indicar a não necessidade de um parto cirúrgico que inclusive poderia trazer riscos à saúde do menor e da própria paciente; que a requerente sequer chegou a entrar em trabalho de parto, razão pela qual a Dra. Luciana, após verificar a inexistência de qualquer anormalidade com a criança ou com a paciente promoveu o deslocamento da bolsa e sugeriu que a demandante aguardasse o trabalho de parto, vez que não havia indicação em todo o seu pré-natal da necessidade de uma cesária; que o procedimento médico encontra-se perfeitamente compatível com as circunstâncias do caso em concreto; que a medicina somente tem a obrigação de meio e não de resultado. Requereu a improcedência do pedido, fls. 32/41.

Às fls. 44/46, a requerente juntou a revogação do instrumento procuratório firmado com a Defensoria Pública e, na mesma oportunidade, juntou novo instrumento procuratório.

Manifestação da autora sobre a contestação, fls. 48/50. Pugnou pelo julgamento procedente da ação.

Instado a se manifestar, o representante do Ministério Público requereu a intimação das partes para manifestarem seu interesse ou não na produção de provas, fls. 52.

Intimadas as partes, a autora informou não ter interesse na produção de novas provas, fls. 54. O Estado de Sergipe, por sua vez, alegou ter interesse na oitiva da autora, bem como da litisdenunciada Luciana Barroso de Melo, fls. 55.

Em decisão de fls. 56, o MM. Juiz indeferiu o pedido de denunciação da lide e por fim, designou audiência de Instrução e Julgamento para o dia 20 de junho de 2007.

Declarada aberta a audiência, a proposta de conciliação foi recusada. Diante da ausência das testemunhas arroladas pela autora em razão da mudança de endereço das mesmas, o MM. Juiz decidiu suspender a sessão para que a requerente informasse o endereço das testemunhas. Pela ordem, o Procurador do Estado de Sergipe insistiu na oitiva da médica Luciana Barroso e por fim requereu a desistência da oitiva pessoal da requerente, conforme termo de audiência de fls. 64.

Designada audiência para dia 03 de agosto de 2007 a proposta de conciliação foi recusada. Ausente a testemunha do réu Dra. Luciana Barroso de Melo, tomou-se por termo o depoimento da testemunha Maria José dos Santos. O depoimento da testemunha Manoel Messias dos Santos Filho não foi colhido porque não apresentou documento de identificação, fls. 79/81.

Às fls. 84/85, a requerente juntou substabelecimento.

A testemunha do demandado, às fls. 86/91 requereu o adiamento da audiência, o que foi deferido às fls. 92, sendo redesignada para o dia 23 de outubro de 2007, não tendo a mesma sido realizada em razão da MM. Juíza ter declarado a sua suspeição, consoante fls. 100.

Marcada audiência para o dia 13 de novembro de 2007, tomou-se por termo o depoimento das testemunhas Manoel Messias dos Santos Filho e Luciana Barroso Melo, fls. 105/108. Após, a MM. Juíza determinou que fosse oficiada a direção da Maternidade Hildete Falcão para que no prazo de 05 dias fornecesse a este Juízo cópia do livro de registro de atendimento referente ao atendimento da paciente Maria Gineide dos Santos, o que foi cumprido às fls. 110/111.

Intimada a requerente para se manifestar acerca do ofício e documentos, fls. 112, esta alegou não se opor à documentação juntada, fls. 113/114.

O representante do Ministério Público, requereu a intimação das partes para apresentação dos respectivos memoriais, fls. 116.

Memoriais do Estado de Sergipe, pela improcedência do pedido, fls. 118/122 e da autora, às fls. 124/130, pugnando pela procedência.

Parecer do representante do Ministério Público opinando pela procedência em parte do pedido, fls. 131/136.

Os autos vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório. Decido.

2 - Fundamentação

Versam os presentes autos sobre Ação de Indenização c/c Danos Morais proposta por Maria Gineide dos Santos contra o Estado de Sergipe, objetivando o recebimento de indenização por danos materiais e morais, em decorrência da perda do bebê que esperava, em razão da não realização do parto no momento devido.

A ação está devidamente instruída e às partes foi garantido com amplitude o exercício do contraditório. A decisão será tomada com base nas provas carreadas aos autos e no direito regulador da matéria. De logo, observo que o Ministério Público, às fls. 131/136, ao se posicionar parcialmente favorável aos interesses da suplicante, aduziu, dentre outros fundamentos, que:

"Pelo que se extrai dos autos, a autora foi à maternidade em tempo hábil, foi mandada para casa, e no dia seguinte o filho que esperava, e que no dia anterior estava bem, veio a óbito antes do parto.

Se o feto tinha alguma anormalidade ou a gravidez era de risco, o Estado de Sergipe não explicou porque, no caso em análise, a equipe médica não identificou estas circunstâncias no tempo devido.

Mesmo se fosse impossível diagnosticar o sofrimento do feto no caso específico dos autos era do Estado de Sergipe o ônus de demonstrar tal particularidade.

No mais, deveria o Estado ter demonstrado que, mesmo se o parto tivesse sido realizado no primeiro momento em que a autora procurou os serviços da Maternidade Hildete Falcão a criança não lograria êxito em sobreviver.

Ao final da instrução, contudo, conclui-se que o Estado de Sergipe não elidiu a sua culpa (presumida) pelo evento danoso, pois não provou que o resultado decorreu de um fato inevitável.

4) Decidido que o Estado deve ser responsabilizado pelo evento da morte da filha da autora cabe avaliar os pedidos indenizatórios.

O dano moral da perda de um filho é inegável e não merece maiores considerações.

Cabe apenas atentar que ?deve ser eqüitativa a reparação do dano moral para que não se converta o sofrimento em móvel de captação de lucro (de lucro capiendo)?, como ressalta Caio Mário da Silva Pereira (in Responsabilidade Civil, 8ª ed., Forense).

O valor fixado como reparação do dano moral tem o objetivo de produzir uma satisfação no ofendido para compensar-lhe a dor e o sofrimento causado pela ofensa; ao que se poderia assimilar como compensação pela lesão produzida a um bem jurídico imaterial, protegido como direito. Considerando que a lei não tarifou o quantum a ser fixado, o aplicador do direito deve se valer da ponderação e do sentimento de justiça, para fixar o valor pecuniário, inspirado em critérios objetivos, tais como: a gravidade da ofensa, a intensidade do sofrimento do ofendido e a sua situação econômica. Este último, talvez, deva ser um dos aspectos de maior relevo, posto que a reparação do dano, como dito, não deve ser um instrumento de enriquecimento indevido, mas um meio de reparar, pecuniariamente, a dor suportada pela postulante e de desestimular a reiteração das condutas danosas.

Quanto aos danos materiais pugna o autor pelo pagamento de 900 reais (três meses de 300 reais, ver memoriais) por gastos com remédios. Ocorre que a autora só apresentou com inicial as receitas prescrevendo os medicamentos, mas não comprovou que o mesmos foram adquiridos com ônus para a mesma.

Sendo assim, que seja julgado procedente, em parte, o pedido, observando-se que autora foi perdedora em parte mínima e que foi assistida pela Defensoria Pública no início do processo."

Inexiste preliminar a solver, passo a análise do mérito da causa. Entendo ser o caso de julgar procedentes em parte os pleitos autorais. As alegações formuladas pela requerente merecerem ser acolhidas parcialmente, por possuírem embasamento legal apto a respaldar o pedido. Alegou-se na exordial que encontrava-se grávida, na 41ª semana de gestação, sentindo fortes dores e, estando com sangramento dirigiu-se à Maternidade Hildete Falcão; que fez alguns exames tendo a médica Dra. Luciana Barroso Melo recomendado que fosse para casa já que não havia dilatação; que em razão da demora na realização do parto o bebê veio a falecer.

Analisando os autos, vê-se que houve omissão do requerido ao não providenciar o parto de acordo com a urgência que o caso reclamava, vez se tratar de uma situação que poderia levar a criança a óbito, como de fato ocorreu.

A responsabilidade civil do Ente Público por omissão desafia a aplicação da teoria da responsabilidade civil subjetiva, sendo possível distinguir a omissão específica da omissão genérica. Aquela estaria vinculada à falta do serviço, seja porque não teria sido prestado, porque fora prestado de modo imperfeito ou com atraso, enquanto esta estaria relacionada com a inércia do ente público em caso que seria possível esperar que agisse, evitando dano.

A natureza da atividade estatal impõe a seus agentes um dever especial de diligência, consistente em prever as conseqüências de sua conduta ativa e omissiva, adotando todas as providências necessárias para evitar a consumação de danos a terceiros.

Se o agente estatal infringir esse dever de diligência, atuando de modo displicente, descuidado, inábil, estará configurada a conduta ilícita e surgirá, se houver dano a terceiro, a responsabilidade civil.

Observe-se que esse dever de diligência é especial e rigoroso. Não é equivalente àquele que recai sobre todo e qualquer indivíduo que convive em sociedade. A natureza funcional das competências estatais produz o surgimento de um dever de cautela redobrada.

Quando em discussão eventual responsabilização do ente público pela falta do serviço, haveria presunção de culpa em seu desfavor, cabendo-lhe demonstrar, para se eximir do dever de indenizar, que se comportou com diligência, perícia e prudência.

No caso sob análise, a culpa do Estado de Sergipe é subjetiva e não foi elidida por prova em contrário, já que não ficou demonstrado que ele não deu causa ao fato ocorrido, nem muito menos que adotou as diligências necessárias para a realização do parto, tendo em vista a natureza da matéria sob exame.

Assim, resolvendo-se a questão no sentido de que o Estado deve ser responsabilizado, penso que o dano material não ficou comprovado, juntando a requerente apenas prescrições médicas, não juntando aos autos qualquer documento que comprove que a mesma efetuou gastos com a compra dos medicamentos.

O dano moral, por outro lado, mostra-se inegável. Não resta dúvida de que a autora sofreu com a situação de ter perdido o seu bebê, em razão da demora na realização do parto, conforme narrado na exordial. Tal sinistro não pode ter sua ocorrência atribuível à conduta da requerente, sob prisma algum. Assim, entendo cabível a indenização do dano moral.

Esse é o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, conforme se infere do julgado a seguir transcrito:

EMENTA: ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATO OMISSIVO - MORTE DE PORTADOR DE DEFICIÊNCIA MENTAL INTERNADO EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DO ESTADO.

1. A responsabilidade civil que se imputa ao Estado por ato danoso de seus prepostos é objetiva (art. 37, § 6º, CF), impondo-lhe o dever de indenizar se se verificar dano ao patrimônio de outrem e nexo causal entre o dano e o comportamento do preposto.

2. Somente se afasta a responsabilidade se o evento danoso resultar de caso fortuito ou força maior ou decorrer de culpa da vítima.

3. Em se tratando de ato omissivo, embora esteja a doutrina dividida entre as correntes dos adeptos da responsabilidade objetiva e aqueles que adotam a responsabilidade subjetiva, prevalece na jurisprudência a teoria subjetiva do ato omissivo, de modo a só ser possível indenização quando houver culpa do preposto.

4. Falta no dever de vigilância em hospital psiquiátrico, com fuga e suicídio posterior do paciente.

5. Incidência de indenização por danos morais.

7. Recurso especial provido. (Resp 602102/RS, Relatora: Ministra Eliana Calmon, segunda Turma, Julgado em 06/04/2004).

Dentro de tal ótica, observo que a temática acerca do quantum a ser fixado a título de danos morais exige do Magistrado a necessária cautela, a fim de que a proporcionalidade e razoabilidade se façam observadas em casos deste jaez.

Assim, destaco que a requerente, pessoa carente e de prendas do lar, teve uma perda irreparável, que foi a inesperada e absurda morte do seu filho, justamente quando estava prestes a nascer. Nenhum valor do mundo, por certo, será suficiente para fazer cessar o sofrimento decorrente de tal situação. Inobstante tal aspecto, o ordenamento jurídico busca possibilitar uma resposta para tal ocorrência, que reside justamente na indenização por dano moral, cujo valor, portanto, deve ser arbitrado em quantia compatível com tal perda, de modo a trazer um certo alento para tanto sofrimento.

O Estado de Sergipe, por seu turno, é ente estatal que responde pela insuficiência do serviço, mas dentro dos critérios já apontados, tendo em vista a natureza dos interesses que protege e de acordo com o princípio da solidariedade estabelecido, quanto à obrigação de reparar os danos provocados aos administrados.

Diante de tal contexto, usando do prudente arbítrio e frente à realidade estampada nos autos, entendo como justo e adequado que o dano moral seja fixado no valor de R$ 116.250,00 (cento e dezesseis mil, duzentos e cinqüenta reais), que corresponde, aproximadamente, a 250 (duzentos e cinqüenta) salários mínimos, servindo este, tão-somente, como parâmetro indicativo do aludido valor, consoante orientação do Superior Tribunal de Justiça.(1)

O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IPC, além de serem aplicados juros de mora fixados no percentual de 0,5% (meio por cento) incidentes desde o evento danoso, a teor do que dispõe a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.

3 - Dispositivo

Ex positis,

Julgo procedentes, em parte, os pedidos constantes na Ação de Indenização c/c Danos Morais (Processo nº 200511200244) proposta por Maria Gineide dos Santos contra o Estado de Sergipe, em razão do que condeno o demandado a pagar à requerente, a título de indenização por danos morais, a quantia de R$ 116.250,00 (cento e dezesseis mil, duzentos e cinqüenta reais), o que faço com base nas razões acima e anteriormente expendidas, devendo os valores ser corrigidos monetariamente pelo IPC, além de serem aplicados juros de mora fixados no percentual de 0,5% (meio por cento) incidentes desde o evento danoso, a teor do que dispõe a Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, julgo improcedente o pedido quanto aos danos materiais, na forma das razões declinadas.

Considerando que a autora decaiu de parte mínima do pedido, condeno o réu, ainda, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), na forma do art. 20, §§ 3º e 4º do Estatuto Processual Civil Pátrio e mais, levando em conta o local da prestação dos serviços, o tempo de sua durabilidade e o zelo com que foram prestados pelo procurador da parte vencedora, sendo 50% (cinqüenta por cento) dos honorários para a Defensoria Pública e os outros 50% (cinqüenta por cento) para os demais patronos que funcionaram no patrocínio da causa da requerente, em partes iguais.

Custas de lei.

Com ou sem recurso voluntário, remessa dos autos ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado, em respeito ao disposto no art. 475, do Código de Processo Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei 10.352/2001.

P.R.I.

Aracaju, 17 de setembro de 2009.

Dr. Marcos de Oliveira Pinto
Juiz de Direito



Notas:

1 - http://www.stj.gov.br/portal_stj/objeto/texxto/ impressao.wsp?tmp.estilo=&tmp.area=398&tmp.texto=93679 [Voltar]



JURID - Estado indenizará mãe. [09/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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