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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

JURID - Área será devolvida. [29/10/09] - Jurisprudência


Grupo Pão de Açúcar terá de devolver área do Extra Sul ao patrimônio público.
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Circunscrição: 1 - BRASÍLIA

Processo: 2001.01.1.102555-7

Vara: 115 - QUINTA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Processo: 2001.01.1.102555-7

Ação: AÇÃO POPULAR

Autor: PAULO TADEU VALE DA SILVA

Réu: JOAQUIM DOMINGOS RORIZ e outros

Sentença

Cuida-se de Ação Popular proposta por Paulo Tadeu Vale da Silva em face de Joaquim Domingos Roriz, Francisco Sebastião Morais, Odilon Aires Cavalcante, Lázaro Marques Neto, Marcus Vinícius Souza Viana, Juvenal Antunes Pereira, Companhia Brasileira de Distribuição e o Distrito Federal, tendo o Ministério Público aditado a inicial (fls. 128-130) para incluir a Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP no pólo passivo, o que foi deferido pela decisão de fl. 131.

Alega o autor popular que a TERRACAP firmou contrato de concessão de direito real de uso com opção de compra com a Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar), sem licitação, tendo por objeto imóvel com área de 50.008,56 m², localizada no SIA, Trecho 12, Lote 105, que seria considerada área nobre e privilegiada da cidade de Brasília; que a área negociada estava localizada em área 261.363,38 m², que fora objeto de desafetação, a partir de projeto de Lei de iniciativa do Executivo Distrital, convertido na Lei Complementar 392, de 14 de junho de 2001, que teria tramitado na Câmara Legislativa do Distrito Federal com pressa e agilidade que causaram estranheza, sustentando o autor que tal se devia não à eficiência administrativa, mas à subordinação de interesses da Administração Pública a interesses privados; que, três meses após a desafetação daquela área pela Lei Complementar 392, parte dela fora negociada em de forma privilegiada, com valores abaixo dos de mercado e sem o devido procedimento licitatório; que, não obstante a existência da Lei Distrital 2.427/199, que instituiu o PRÓ-DF (Programa de Promoção do Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Distrito Federal), se fazia necessária a realização de procedimento licitatório, nos termos da Constituição Federal e da Lei 8.666/93, porque não haveria hipótese de dispensa ou inexigibilidade; que houve lesividade ao patrimônio público, pois o bem fora vendido abaixo do valor da avaliação da TERRACAP e do preço que seria obtido com a realização de concorrência pública.

Ao final, pugnou pela concessão de pedido liminar para a suspensão dos efeitos do ato atacado e, no mérito, pela declaração de nulidade da alienação do Lote 105, Trecho 12 do Setor de Indústrias e Abastecimento - SIA, reintegrando-o ao patrimônio público e a condenação dos requeridos à reparação dos prejuízos provocados aos cofres públicos em decorrência desse ato.

Juntou documentos às fls. 21-116.

O pedido de liminar foi negado (fls. 117 e 346).

Todos os requeridos foram citados (fls. 125, 127, 133, 177, 190 e 288).

O Distrito Federal apresentou contestação às fls. 157-164 e juntou documentos às fls. 165-172.

Lázaro Marques Neto apresentou contestação às fls. 206-220 e juntou documentos às fls. 222-224.

A Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP apresentou contestação às fls. 225-242 e juntou documentos às fls. 244-245.

Juvenal Antunes Pereira apresentou contestação às fls. 246-261 e juntou documentos às fls.263-264.

Joaquim Domingos Roriz apresentou contestação às fls. 266-278.

A Companhia Brasileira de Distribuição apresentou contestação às fls. 318-333 e juntou documentos às fls. 335-345.

Odilon Aires Cavalcante apresentou contestação às fls. 353-355 e juntou documentos às fls. 356-724.

Francisco Sebastião Morais apresentou contestação às fls. 726-743.

Aduzem os requeridos Distrito Federal, Lázaro Marques Neto, Joaquim Domingos Roriz e Odilon Aires Cavalcante ilegitimidade passiva, pois que não teriam qualquer participação no ato impugnado. Ainda em preliminar, alegam os réus, em suma, que a inicial seria inepta, devendo ser indeferida, porque não comprovada a lesividade ao patrimônio público nem ilegalidade do ato administrativo impugnado, pois que fundamentado em Leis Distritais alusivas ao Pró-DF, estando ausentes, assim, os requisitos da Ação Popular; no mérito, que a venda do imóvel se deu com base no PRÓ-DF (Programa de Promoção de Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável do Governo do Distrito Federal), instituído pela Lei 2.427/99, que substituiu o PRODECON (Programa de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal), sendo que este havia substituído o PROIN (Programa de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal), programas que teriam por escopo fomentar a absorção de mão-de-obra e a arrecadação de tributos, tudo em prol do interesse público, sendo ilógico e incabível viabilizar a alienação de imóveis com base no PRÓ-DF por meio de procedimento licitatório que visasse ao melhor preço; que fora observado todo o procedimento administrativo pertinente previsto no PRÓ-DF, conforme a Lei 2.427/99 e o Decreto 22.314/2001; que a concessão do direito real de uso está autorizada pelo Decreto 271/67; que não ocorreu ilegalidade ou lesão ao patrimônio público. Requereram o indeferimento da inicial ou a improcedência dos pleitos nela deduzidos.

O requerido Marcus Vinícius Souza Viana, embora citado (fl. 133), não apresentou contestação.

O autor apresentou réplica às fls. 754-757.

Restou deferida prova pericial requerida pelo Ministério Público (fls. 770-776 e 782), a fim de que se procedesse à avaliação do imóvel vendido.

O laudo pericial foi lançado às fls. 876-910, com esclarecimentos às fls. 1018-1046, após manifestação do Ministério Público (fls. 990-993).

Os requeridos Odilon Aires Cavalcante (fl. 1074), Paulo Tadeu Vale da Silva (fls. 1075-1076) e Companhia Brasileira de Distribuição (fls. 1077-1078) apresentaram manifestação sobre o laudo pericial, todos ressaltando a constatação do perito do Juízo quanto à compatibilidade do valor do imóvel com o preço de mercado à época da venda. Não se manifestaram os demais requeridos.

Alegações finais foram apresentadas pelos réus Companhia Brasileira de Distribuição (fls. 1117-1119), Joaquim Domingos Roriz (fls. 1122-1124), Odilon Aires Cavalcante (fls. 1125-1130), Lázaro Marques Neto (fls. 1131-1145) e Distrito Federal (fl. 1160), os reiteram os termos das contestações e repisam não ter havido lesividade ao erário, conforme fora constatado pelo perito do Juízo. O Autor Popular manifestou-se às fls. 1146-1148, reiterando os termos da inicial e lançando dúvidas acerca da avaliação do perito quanto ao metro quadrado na área do imóvel alienado, sustentando que na época da alienação o valor não custaria a quantia ínfima de R$ 171,09 (cento e setenta e um reais e nove centavos).

Também o Ministério Público lançou parecer às fls. 1162-1183, no qual opina pelo reconhecimento da intempestividade das contestações de Companhia Brasileira de Distribuição (fls. 318-334), Odilon Aires Cavalcante (fls. 353-355) e Francisco Sebastião Morais (fls. 726-744). Sustenta o Parquet, também, que os requeridos Joaquim Domingos Roriz, Odilon Aires Cavalcante, Lázaro Marques Neto e o Distrito Federal, porque não teriam participado direta ou indiretamente na concessão de direito real de uso e na alienação do imóvel em questão. No mérito, deduz o Ministério Público que, conquanto tenha sido verificada a ilegalidade da alienação do imóvel descrito na inicial, ante a ausência de licitação, conforme exigido pela Constituição Federal e pela Lei 8.666/93, não teria havido lesão ao patrimônio público sob o ângulo material, tendo em vista a constatação do Perito Judicial de que o imóvel fora negociado conforme preço de mercado à época. Alega, por último, que a declaração de nulidade da concessão de direito real de uso e da alienação do imóvel, após decorridos mais de 8 (oito) anos, considerada a instalação de Hipermercado no local e a necessária devolução, pela TERRACAP, dos valores auferidos com a venda, com todos os acréscimos legais e eventuais indenizações, não atenderia aos interesses da coletividade, devendo-se reconhecer a ocorrência de fato consumado e preservar-se o postulado da segurança jurídica.

É o relatório. Decido.

Ab initio, há que se registrar que merece acolhida a alegação de ilegitimidade passiva do Distrito Federal, Lázaro Marques Neto, Joaquim Domingos Roriz e Odilon Aires Cavalcante, eis que não ficou demonstrada quanto a esses requeridos qualquer vínculo direto com o ato atacado nesta ação popular.

Com efeito, quanto à legitimidade passiva, dispõe o art. 6º da Lei 4.717/95 (Lei da Ação Popular), in verbis:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

Conforme documento de fls. 166-172, o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso, com Opção de Compra fora firmado entre a TERRACAP e a Companhia Brasileira de Distribuição, assinando em nome daquela empresa pública o seu presidente em exercício, Francisco Sebastião Morais, o Diretor de Desenvolvimento e Comercialização, Marcus Vinícius Souza Viana e o Chefe da Procuradoria Jurídica, Juvenal Antunes Pereira.

Assim, em relação ao Distrito Federal, sendo pessoa jurídica distinta da TERRACAP, em que pese esta integre sua administração descentralizada, não se verifica que se lhe possa imputar a prática do indigitado ato/contrato administrativo de concessão de direito real de uso e alienação do imóvel. Sobre o ponto, confira-se a ilustrativa julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ATO PRATICADO POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO. CONFIGURADA.

1. A ação popular reclama cúmulo subjetivo no pólo passivo, cujo escopo é o de alcançar e convocar para o âmbito da ação, não apenas os responsáveis diretos pela lesão, mas todos aqueles que, de forma direta ou indireta, tenham concorrido para sua ocorrência, bem assim os que dela se beneficiaram.

2. É cediço em abalizada doutrina sobre o thema que: "(...) a insubsistência do ato atacado passa a ser uma inovação no statu quo ante que se coloca em face de todos os co-réus. Daí a necessidade, sentida pelo legislador, de que venham aos autos todos os legítimos contraditores, até para que se cumpra o art. 47 do CPC (...)." Rodolfo de Camargo Mancuso, in Ação Popular, RT, 5ª ed., 2003, p-172 3. Consectariamente, devem ser citados para integrar o litisconsórcio passivo necessário simples, os sujeitos elencados no art. 6° c/c art. 1°, da Lei 4717/65, verbis: "Art. 1º: Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos." omissis "Art. 6°: A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

§ 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo.

§ 2º No caso de que trata o inciso II, item "b", do art. 4º, quando o valor real do bem for inferior ao da avaliação, citar-se-ão como réus, além das pessoas públicas ou privadas e entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

§ 3º A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

4. A Ação Popular, in casu, ajuizada em face da COMPANHIA ENERGÉTICA DO ESTADO DO MARANHÃO-CEMAR e do ESTADO DO MARANHÃO, aduzindo a prática de ato ensejador de dano ao erário, consubstanciado no pagamento, pela primeira demandada, de publicação de matéria na imprensa local veiculando mensagem de felicitação a Governador daquele Estado, pela passagem seu aniversário natalício, na qual o Juiz Singular excluiu o Estado do Maranhão do pólo passivo, mantendo, apenas, Companhia de Energia Elétrica do Estado do Maranhão.

5. A exegese da legislação aplicável à Ação Popular revela que as pessoas jurídicas de direito público, cuja citação se faz necessária para integrar o litisconsórcio passivo necessário simples, restringem-se àquelas cujos atos estejam sendo objeto da impugnação, vale dizer, no caso sub judice, a Companhia Energética do Estado do Maranhão - CEMAR, posto Sociedade de Economia Mista, com personalidade própria e patrimônio distinto do Estado do Maranhão.

Precedentes do STJ: REsp 258.122/PR, DJ 05.06.2007 e REsp 266219/RJ, DJ 03.04.2006).

6. Recurso especial desprovido.

(REsp 879.999/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/09/2008, DJe 22/09/2008)

Quanto aos requeridos Odilon Aires, à época Secretário de Assuntos Fundiários do Distrito Federal, e Lázaro Marques Neto, então Secretário do Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal, não se pode considerar que os mesmo tenham participado do ato atacado pelo simples fato de ocuparem pastas na administração direta do governo distrital em relação às quais há tão-somente vínculo quanto à matéria de que tratou o ato impugnado, é dizer, pelo só fato de haver relação com as questões atinentes ao PRO-DF.

Também quanto ao requerido Joaquim Domingos Roriz, que ocupava o cargo de Governador do Distrito Federal quando da prática do ato impugnado igualmente não se verifica que haja responsabilidade, haja vista que o único vínculo que se poderia vislumbrar decorreria da circunstância de ter o requerido subscrito o Projeto de Lei (fl. 24) que resultou na edição da Lei Complementar 392/2001 (fl. 39), a qual desafetou 261.363.383 m² de área pública de uso comum do povo nos trechos 05, 07, 09 e 10 a 16 do Setor de Indústria e Abastecimento, mas isso não constitui liame suficiente a ter-se o requerido como autoridade responsável pelo ato atacado, até porque não há qualquer referência no Projeto de Lei, tanto menos na Lei aprovada, quanto à específica área que fora objeto da desafetação, a qual apenas contém a área que fora posteriormente objeto da concessão e da alienação, tampou há menção de que seria destinada à política instituída pelo PRO-DF.

Portanto, em relação aos requeridos Distrito Federal, Lázaro Marques Neto, Joaquim Domingos Roriz e Odilon Aires Cavalcante, o feito deve ser extinto sem julgamento do mérito, por ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267, VI, CPC.

Também deve-se registrar que o requerido Marcus Vinícius Souza Viana tornou-se revel ao não contestar a demanda. Outrossim, também se tornaram revéis os requeridos Companhia Brasileira de Distribuição e Odilon Aires Cavalcante, tendo em conta que apresentaram contestações intempestivas, considerando o prazo de 20 dias para contestar, nos termos do inciso IV do § 2º do art. 7º da Lei 4.717/65, e contado o prazo da juntada do último mandado citatório nos autos, ocorrida no dia 07 de maio de 2002, conforme fl. 286-verso, e verificando-se que os réus referidos manifestaram-se nos autos somente nos dias 22 de julho de 2002 (fl. 318) e 15 de agosto de 2002 (fl. 353), respectivamente.

Contudo, embora constatada a revelia dos requeridos acima referidos, não se tem, no caso, os efeitos da revelia consistentes na presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial, conforme preceitua o art. 319, CPC, haja vista incidir na espécie o disposto no inciso I do art. 320, CPC, ou seja, houve contestação pelos demais requeridos, devendo-se registrar que a causa de pedir e o pedido são os mesmos em relação a todos os requeridos. Assim, devem ser conhecidas e analisadas as defesas dos demais requeridos para o julgamento da causa.

Prossigo no exame do feito.

A Ação Popular é instrumento de envergadura constitucional posto à disposição do cidadão, nos termos do art. 5º, LXXIII, CF, segundo o qual "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". A normatização infraconstitucional está contida na Lei 4.717/65, que foi recepcionada pela Carta Constitucional de 1988.

Analiso a preliminar que sustenta ser o caso de indeferimento da inicial, sob o argumento de que não estariam presentes os requisitos daquela Ação Constitucional, tais a ilegalidade e a lesividade ao patrimônio público.

Trata-se, contudo, de matéria que se confunde com o mérito da presente Ação Popular.

Com efeito, se restar evidente, segundo o exposto na inicial, que a pretensão deduzida pelo autor popular nada tem de ilegal ou lesivo ao patrimônio público, deve o magistrado indeferir a inicial. Mas, na espécie, não há essa manifesta ausência dos requisitos deste nobre instrumento processual, sendo imprescindível o ingresso no mérito para proceder-se a essa análise.

Rejeito, pois, a preliminar de indeferimento da inicial.

Quanto ao mérito da Ação Popular, trata-se de impugnação ao contrato de concessão de direito real de uso do lote 105, Trecho 12 do SIA - Setor de Indústria e Abastecimento, com pedido de declaração de nulidade da alienação do mesmo imóvel, adquirido, da TERRACAP, pela Companhia Brasileira de Distribuição. O autor lança suspeitas sobre os procedimentos que levaram ao contrato de concessão e alienação daquele imóvel, inclusive quanto à agilidade da tramitação na Câmara Legislativa do Projeto de Lei que resultou na Lei Complementar 392/2001, a qual desafetou área em que inserido o imóvel objeto da contratação descrita na inicial, sustentando ter havido burla ao procedimento licitatório.

O fundamento da defesa de mérito dos requeridos assenta-se na legalidade dos atos atacados, pois que estariam autorizados pela Lei Distrital 2.427/99, que instituiu o PRÓ-DF (Programa de Promoção de Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável do Governo do Distrito Federal) e pelo Decreto 271/67, que prevê a concessão de direito real de uso. Sustentam que o fim do PRO-DF é o desenvolvimento econômico do Distrito Federal, com geração de empregos e o aumento da produção industrial, mediante a concessão de incentivos a empresas que venham a se instalar na região. Defendem, também, que não houve lesividade ao erário, conforme atestado pelo expert do Juízo.

Vejamos o que dispõe a Lei 2.427/99, nos artigos de maior relevo para a causa em análise:

Art. 1° Fica instituído o Programa de Promoção do Desenvolvimento Econômico Integrado e Sustentável do Distrito Federal - PRÓ-DF, na forma definida nesta Lei.

Parágrafo único. Ficam extintos o Programa de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal - PRODECON e o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal - CDE, instituídos pela Lei n° 289, de 03 de julho de 1992, alterada pela Lei n° 409, de 15 de janeiro de 1993, e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Econômico e Social do Distrito Federal - PADES, criado pela Lei n° 1.314, de 19 de dezembro de 1997, cujos objetivos e finalidades passam a ser atendidos pelo PRÓ-DF.

Art. 2° O PRÓ-DF tem como objetivo a promoção do desenvolvimento econômico integrado e sustentável do Distrito Federal, mediante a implantação, expansão, modernização e reativação de empreendimentos produtivos dos setores econômicos que atendam aos critérios estabelecidos nesta Lei e no regulamento.

(omissis)

Art. 4° A implementação do PRÓ-DF dar-se-á por intermédio da concessão de incentivos e benefícios fiscais, tributários, creditícios, econômicos e de infra-estrutura, e outros benefícios previstos em lei.

Art. 12. O benefício de natureza econômica compreenderá a concessão do terreno para implantação do projeto, em condições favorecidas, na forma do regulamento. (ALTERADO - Lei nº 2.719, de 01 de junho de 2001)

I - VETADO.

II - concessão de terreno para implantação do projeto a ser beneficiado, na forma do regulamento.

§ 1° O Poder Executivo poderá construir galpões industriais coletivos em regiões administrativas do Distrito Federal, preferencialmente localizados nas ADE, para fins de cessão, por prazo fixado em regulamento, preferencialmente a micro e pequenas indústrias. (ALTERADO - Lei nº 2.719, de 01 de junho de 2001)

§ 2° Os terrenos referidos no caput deste artigo serão concedidos mediante contrato de concessão de direito real de uso, com opção de compra, pelos prazos e descontos a seguir indicados: (ALTERADO - Lei nº 2.719, de 01 de junho de 2001) (destaquei)

Registre-se que o texto original da Lei 2.427/99 não contemplava, como incentivo econômico, a hipótese de concessão de direito real de uso com opção de compra, o que veio a ser inserido pela Lei 2.719/2001. De toda sorte, em que pese da interpretação isolada dessa norma (§2º do art. 12 da Lei 2.427/99 com a redação da Lei 2.719/2001) seja possível concluir, para efeito de congruência interna do Diploma Legal em questão, que a opção de compra se daria sem o regular procedimento licitatório, tal exegese não pode prevalecer à luz do texto constitucional.

Com efeito, determina o art. 37, inciso, XXI da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(omissis)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Por sua vez, afirma também a Carta Magna que compete privativamente à União legislar sobre licitação e contratação, nos termos do art. 22, XXVII, do seu texto, in verbis:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(omissis)

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Já a disciplina infraconstitucional sobre licitações e contratação está prevista na Lei Federal 8.666/93, cujos casos em que se autoriza afastar o regular procedimento licitatório estão contidos nos arts. 24 e 25, hipóteses classificadas em dispensa e inexigibilidade de licitação, respectivamente. Sobre o ponto, confira-se a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 25ª edição, Malheiros Editores, 2008, p. 532):

"Certamente em atenção à diversidade de hipóteses em que é cabível a adjudicação direta, isto é, a eleição da contraparte independentemente de licitação, a Lei 8.666 tanto prevê casos de dispensa de licitação (art. 24) quanto de sua inexigibilidade (art. 25).

Em tese, a dispensa contempla hipóteses em que a licitação seria possível; entretanto, razões de tomo justificam que se deixe de efetuá-la em nome de outros interesses públicos que merecem acolhida. Já, a inexigibilidade resultaria de inviabilidade da competição, dada a singularidade do objeto ou do ofertante, ou mesmo - deve-se acrescentar - por falta dos pressupostos jurídicos ou fáticos da licitação não tomados em conta no arrolamento dos casos de licitação dispensável." (grifos no original)

Tratando-se, como no caso, de alienação de bem imóvel de propriedade da Administração, as regras estão dispostas no art. 17, incisos e parágrafos.

Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

a) dação em pagamento;

b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; (Redação dada pela Lei nº 11.952, de 2009)

c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

d) investidura;

e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; (Incluída pela Lei nº 8.883, de 1994)

f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição; (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)

h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)

i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; (Incluído pela Lei nº 11.952, de 2009)

Veja-se que quando a Administração pretenda vender bens imóveis sempre se exigirá autorização legislativa. Também deverá haver avaliação prévia e licitação na modalidade de concorrência, sendo esta dispensada somente nas hipóteses descritas nos incisos acima descritos.

No caso, a alienação se deu sem qualquer autorização legislativa e a dispensa de licitação não encontra suporte em qualquer das hipóteses dos incisos do art. 17 acima transcritos, ou mesmo na redação anterior, que vigia à época do ato impugnado, o dispositivo contido no inciso "f" ("alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim"), segundo os termos da Lei 8.883/94, que somente contemplava a dispensa nos casos de concessão de direito real de uso em programas habitacionais, tendo a redação atual, dada pela Lei 11.481/2007, incluído a hipótese de regularização fundiária. Como se vê, nenhuma dessas hipóteses diz respeito ao caso dos autos.

Além da falta de autorização legislativa para a alienação do imóvel, a própria concessão de direito real de uso não obedeceu à disciplina contida no Decreto nº 271/67, conforme bem observado pelo Ministério Público, que se manifestou nestes termos (fls. 1170-1171):

"A própria concessão de direito real de uso perpetrada pelos requeridos já encontrava-se em desacordo com as normas disciplinadoras, ou seja, o Decreto nº 271/67, in verbis:

Art. 7º É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)

§ 1º A concessão de uso poderá ser contratada, por instrumento público ou particular, ou por simples têrmo administrativo, e será inscrita e cancelada em livro especial.

§ 2º Desde a inscrição da concessão de uso, o concessionário fruirá plenamente do terreno para os fins estabelecidos no contrato e responderá por todos os encargos civis, administrativos e tributários que venham a incidir sôbre o imóvel e suas rendas.

§ 3º Resolve-se a concessão antes de seu têrmo, desde que o concessionário dê ao imóvel destinação diversa da estabelecida no contrato ou têrmo, ou descumpra cláusula resolutória do ajuste, perdendo, neste caso, as benfeitorias de qualquer natureza.

§ 4º A concessão de uso, salvo disposição contratual em contrário, transfere-se por ato inter vivos, ou por sucessão legítima ou testamentária, como os demais direitos reais sôbre coisas alheias, registrando-se a transferência.

A simples leitura da legislação espanca qualquer dúvida quanto à ausência de previsão legal para a inserção nos contratos de concessão de direito real de uso de cláusula com previsão de "opção de compra" para as alienações de imóveis realizadas por meio de concessão, como consta no instrumento contratual de fls. 166/172 firmado entre a Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP e a Companhia Brasileira de Distribuição."

Resulta manifesto, pois, que o ato atacado, qual seja, o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso com Opção de Compra se formou à margem da Lei e da Constituição, daí que, a rigor, incidiriam as conseqüências previstas no art. 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), especificamente por vício de forma, porque não observados todos os procedimentos legais, tal como a autorização legislativa para a alienação e o regular procedimento licitatório, que seriam necessários para a alienação em questão e ilegalidade do objeto, exatamente porque o resultado do ato importou violação de lei. Confiram-se, in verbis, os termos do dispositivo legal citado:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:

a) incompetência

b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.

Quanto à lesividade ao patrimônio público do ato considerado, nos termos da Lei, nulo, doutrina e jurisprudência debatem acerca dos casos em que é dispensável ou não a comprovação, pelo autor popular, do efetivo dano ao erário. Assim, por exemplo, veja-se o que diz sobre o ponto Geisa de Assis Rodrigues ao discorrer sobre o art. 2º acima visto (Ações Constitucionais, organizador Fredie Didier Jr., Ed. Juspodium, 2006, p. 224 a 225):

A norma insere no conceito de nulidade o potencial lesivo ao ato aos bens tutelados pela ação popular. Há as seguintes posições doutrinárias sobre o tema: a) necessidade de conjugação lesividade e ilegalidade; b) basta a lesividade; c) a lesividade contém a ilegalidade. Na jurisprudência o entendimento prevalente é de que não basta a lesividade do ato impugnado se não também sua ilegalidade, embora a atual dicção da CF enfatize a lesividade.

Quando se trata de proteção à moralidade administrativa, compreendemos, acompanhados da quase unanimidade da doutrina, que a moralidade administrativa está protegida de forma autônoma, prescindindo da ofensa ao patrimônio público, nesse mesmo sentido há precedente jurisprudencial.

No caso da ação popular ambiental também basta o dano ao meio ambiente, porque a responsabilidade para proteção do meio ambiente independe de culpa, basta haver nexo de causalidade entre a conduta comissiva ou omissiva e a lesão ao ecossistema.

No caso de proteção ao patrimônio público, além de demonstrar a lesão ao Erário o ator popular deve estabelecer a existência de vício de incompetência, ou de forma, a ilicitude do objeto, a inexistência de motivos ou o desvio de finalidade.

Sem embargo dessa discussão, doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar de lesividade presumida as hipóteses contidas no art. 4º da Lei da Ação Popular. Na espécie, tenho que, além de o ato impugnado haver incidido nas normas do art. 2º, "b" e "c" (vício de forma e ilegalidade do objeto), regras de caráter mais genérico, incorreu, simultaneamente, nos dispositivos contidos no art. 4º daquela Lei que cuidam dos casos de malferimento ou regras licitatórias ou dispensa indevida do procedimento licitatório. Vejamos os dispositivos legais em questão:

"Art. 4º São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º.

I - A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de habilitação, das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

II - A operação bancária ou de crédito real, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias, regimentais ou internas;

b) o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de escritura, contrato ou avaliação.

III - A empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:

a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma geral;

b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam o seu caráter competitivo;

c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na limitação das possibilidades normais de competição.

IV - As modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos instrumentos.,

V - A compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não cabível concorrência pública ou administrativa, quando:

a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, ou constantes de instruções gerais;

b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da operação;

c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da operação.

VI - A concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja a sua modalidade, quando:

a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de instruções e ordens de serviço;

b) resultar em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador.

VII - A operação de redesconto quando sob qualquer aspecto, inclusive o limite de valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais.

VIII - O empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:

a) concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares, regimentais ou constantes de instruções gerias:

b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da avaliação.

IX - A emissão, quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e regulamentadoras que regem a espécie." (destaquei)

Vale lembrar que a interpretação teleológica das normas em questão nos conduz à conclusão de que os atos praticados sem observação das regras de licitação, pelos efeitos intrínsecos de violação a princípios básicos da atuação administrativa, estão todos (aqueles atos) inarredavelmente sujeitos ao decreto de nulidade, exegese que busca dar maior efetividade ao próprio preceito constitucional que instituiu a Ação Popular como remédio para a reparação não só de lesividade ao patrimônio público, mas à moralidade administrativa, nos termos do art. 5º, LXXIII da Constituição Federal, acima transcrito.

Sobre o ponto (lesividade presumida), confira-se a jurisprudência:

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. (...) REQUISITOS DE ILEGALIDADE E LESIVIDADE PARA A AÇÃO POPULAR. JURISPRUDÊNCIA.

(omissis)

7. O ônus da prova que o Autor popular atrai diz respeito ao dano provocado pela ação ou omissão atacada, desde que não se cuide de lesividade presumida prevista no artigo 4º da Lei de regência, ou quando há lesão à moralidade administrativa, pois, nesta hipótese, é decorrência da própria ilegalidade ou ilegitimidade do ato.

8. Agravo parcialmente conhecido e, nessa parte, negado provimento. (20070020078587AGI, Relator FÁBIO EDUARDO MARQUES, 1ª Turma Cível, julgado em 12/12/2007, DJ 08/01/2008 p. 610)

AÇÃO POPULAR. LICITAÇÕES. ANULAÇÃO. ADOÇÃO DE RELATÓRIO ANTERIOR. EXISTÊNCIA. ILEGALIDADE. COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. LESIVIDADE. MALFERIMENTO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS.

I - O acórdão proferido pelo Tribunal a quo ao manter a decisão monocrática de procedência do pedido, em autos de ação popular na qual se buscava a nulidade de procedimentos licitatórios em decorrência de irregularidades, foi expresso ao mencionar que adotava o relatório já anteriormente prolatado por desembargador sorteado, não se verificando, dessa forma, qualquer nulidade a título de afronta aos artigos 165 e 458 e 535, do Código de Processo Civil.

II - A ilegalidade foi devidamente comprovada na instância ordinária, condenando-se o réu às perdas e aos danos dela decorrentes, tendo em conta a fraude perpetrada no respectivo procedimento licitatório, cujas provas não podem ser reexaminadas por esta eg. Corte de Justiça, em razão do óbice contido na Súmula 7/STJ.

III - Determinadas ilegalidades de atos administrativos, por si sós, conduzem à ocorrência de lesão patrimonial aos cofres públicos, principalmente quando se está diante de malferimentos a importantes princípios administrativos, tal como o da moralidade. Precedentes: EREsp nº 14.868/RJ, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 18/04/2005, REsp nº 479.803/SP, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 22/09/2006.

PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PRESSUPOSTOS. ILEGALIDADE. LESIVIDADE.

1. A ação popular é meio processual constitucional adequado para impor a obediência ao postulado da moralidade na prática dos atos administrativos.

2. A moralidade administrativa é valor de natureza absoluta que se insere nos pressupostos exigidos para a efetivação do regime democrático.

3. Contrato de risco sem autorização legislativa e sem estudos aprofundados de viabilidade do êxito que foi assumido por administrador público para pesquisar petróleo em área não tradicionalmente vocacionada para produzir esse combustível.

4. Ilegalidade do ato administrativo que, por si só, conduz a se ter como ocorrente profunda lesão patrimonial aos cofres públicos.

5. A lei não autoriza o administrador público a atuar, no exercício de sua gestão, com espírito aventureiro, acrescido de excessiva promoção pessoal e precipitada iniciação contratual sem comprovação, pelo menos razoável, de êxito.

6. Os contratos de risco para pesquisar petróleo devem ser assumidos pelo Estado em níveis de razoabilidade e proporcionalidade, após aprofundados estudos técnicos da sua viabilidade e autorização legislativa.

7. A moralidade administrativa é patrimônio moral da sociedade. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem proteger esse patrimônio de modo incondicional, punindo, por mínima que seja, a sua violação.

8. "Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato impugnado" (STF, RE 160381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.08.94, p. 20052).

9. "O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a administração pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e histórico" (STF, RE 120.768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 13.08.99, p. 16).

10. "... o entendimento de que, para o cabimento da ação popular, basta a demonstração da nulidade do ato administrativo não viola o disposto no artigo 153, parágrafo 31, da Constituição, nem nega vigência aos arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65, como já decidiu esta Corte ao julgar caso análogo (RE 105.520)" (RE 113.729/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 25.08.89, pg. 13558).

11. "Antes mesmo de promulgada a vigente Carta, o STF orientou-se no sentido de que para cabimento da ação popular basta a demonstração da nulidade do ato , dispensada a da lesividade, que se presume (RTJ 118, p. 17 e 129, p. 1.339" (Milton Flaks, in "Instrumentos Processuais de Defesa Coletiva", RF 320, p. 34).

12. "... ultimamente a jurisprudência têm se orientado no sentido de que basta a demonstração da ilegalidade, dispensada a da lesividade, que se presume" (Luis Roberto Barroso, "Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política - Ação Popular e Ação Civil Pública. Aspectos comuns e distintivos". Jul - set. 1993, nº 4, p. 236).

13. Invalidação do contrato firmado em 11.09.79, entre a PETROBRÁS e a PAULIPETRO. Ilegalidade reconhecida. Lesividade presumida.

14. Embargos de divergência conhecidos, porém, rejeitados.

(EREsp 14.868/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/03/2005, DJ 18/04/2005 p. 206)

Importante ressaltar que, neste caso, a ausência do requisito legal e constitucional da licitação no ato de compra e venda do imóvel público é em si uma lesão ao patrimônio público, seja porque retirou de terceiros eventualmente interessados a oportunidade de ofertar, quiçá valor superior, seja da Administração, de obter valor maior que o auferido, mesmo que a perícia realizada tenha constatado o respeito ao valor de mercado do bem vendido. Em verdade, é de se notar que tratou a Administração uma compra e venda de bem público como ato negocial entre partes privadas, quando deveria tê-lo feito como ato de venda de bem público a particular e, portanto, submetido a todas as regras legais e constitucionais a essas submetido.

Nessa trilha, mostrava-se totalmente dispensável a perícia realizada nos autos (fls. 876-886) para aferição da compatibilidade do valor da alienação com o valor de mercado de terreno similar ao que fora objeto da contratação nula que se verificou nos autos. Com efeito, cuidando-se de lesividade presumida e de ofensa à moralidade administrativa, independentemente de comprovação de dano ao patrimônio público no seu aspecto material, é decorrência necessária a desconstituição do ato atacado, porque nulo, nos termos da Lei, porque ofensivo à esfera de interesses imateriais da Administração Pública.

Assim, não vejo como afastar a conseqüência que a Lei da Ação Popular impõe quanto ao reconhecimento de que o ato impugnado, qual seja, a alienação do imóvel descrito na inicial, por meio do contrato de fls. 166-172, é nulo, devendo-se restituir a situação jurídica dos contratantes Companhia Imobiliária de Brasília e Companhia Brasileira de Distribuição ao status quo ante, revertendo-se o bem alienado ao domínio público e devendo a TERRACAP devolver à sociedade empresária adquirente o valor que percebeu pelo pagamento do imóvel, atualizado monetariamente até a data da restituição.

Quanto ao pedido contido na inicial de condenação dos requeridos "na reparação dos prejuízos provocados aos cofres públicos" não há como julgá-lo procedente, uma vez que não restou demonstrado o valor de eventuais perdas e danos causados pelo ato que ora se reconhece como nulo, a implicar a incidência do disposto no art. 11 da Lei 4.717/65, segundo o qual a "sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa", uma vez que, na espécie, a reparação do dano se dá simplesmente com a restituição do imóvel alienado ao patrimônio público.

Por todo o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, em relação aos requeridos DISTRITO FEDERAL, LÁZARO MARQUES NETO, JOAQUIM DOMINGOS RORIZ e ODILON AIRES CAVALCANTE, por ilegitimidade passiva, nos termos do art. 267,VI, CPC e, quanto aos demais requeridos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos declinados na inicial da presente Ação Popular, para, resolvendo o mérito da lide, nos termos do art. 269, I, CPC, DECLARAR NULA A ALIENAÇÃO do imóvel objeto da contratação entre Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP e a Companhia Brasileira de Distribuição, qual seja, a área de 50.008,56 m², localizada no SIA, Trecho 12, Lote 105 (contrato de fls. 166-172), restituindo-se as partes contratantes ao status quo ante, devendo-se reverter o bem alienado ao patrimônio público, com devolução ao adquirente, Companhia Brasileira de Distribuição, do valor da alienação, atualizado desde a data do desembolso até a data da efetiva restituição .

Condeno os requeridos, à exceção daqueles em relação aos quais o feito foi extinto sem julgamento do mérito, ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Face ao certificado à fl. 1047, oficie-se à Corregedoria do TJDFT, informando sobre a atuação do Sr. Perito nomeado por este Juízo, que, retendo os autos por mais de um ano, acabou por retardar o julgamento deste feito.

Quanto aos honorários periciais, já houve depósito pela Companhia Brasileira de Distribuição (fl. 974), devendo ser expedido o respectivo alvará em favor do Sr. Perito, após o trânsito em julgado desta sentença.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Brasília - DF, terça-feira, 27/10/2009 às 18h14.

Rômulo de Araújo Mendes
Juiz de Direito



JURID - Área será devolvida. [29/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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