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sexta-feira, 30 de outubro de 2009

JURID - Homem é condenado. [30/10/09] - Jurisprudência


Homem que se inspirava em seriado de TV para matar é condenado a 28 anos de prisão.
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Circunscrição: 6 - SOBRADINHO

Processo: 2009.06.1.004262-8

Vara: 301 - VARA CRIMINAL E DE DELITOS DE TRANSITO DE SOBRADINHO - DF

Processo: 2009.06.1.004262-8

Ação: AÇÃO PENAL

Autor: JUSTIÇA PÚBLICA

Réu: SÉRGIO ALEXANDER DIAS CASADIO e outros

Sentença

1 - RELATÓRIO

SÉRGIO ALEXANDER DIAS CASADIO e ORLANDO DA COSTA SILVA, já qualificados, foram denunciados como incursos nas penas do art. 159, § 3º, e art. 211, do Código Penal, em concurso material, (em relação ao primeiro acusado), e art. 159, § 3º, c/c art. 29, também do Código Penal (em relação ao segundo acusado), pela pratica dos fatos ilícitos assim narrados pelo Ministério Público:

Consta do Inquérito Policial nº 004/2009, da Divisão de Repressão a Seqüestros - PCDF, o qual serve de espeque à presente pretensão punitiva, que no dia 08/12/2008, por volta das 19:00 h, na DF 001, pista que liga o Paranoá à BR 020, próximo a uma unidade do Exército Brasileiro e Condomínio RK, já na RA de Sobradinho/DF, o primeiro denunciado SÉRGIO ALEXANDER, com a colaboração do segundo denunciado ORLANDO DA COSTA, de forma livre e consciente, em unidade de desígnios, seqüestraram a vítima CARLITO CAMPINHO SANTO SOBRINHO, que conduzia um veículo VW/Gol, de placa JGU 1923/DF, pela citada rodovia, arrebatando-o do veículo, levando-o para a Colônia Agrícola Vicente Pires.

Para colocar em pratica o desiderato criminoso, os denunciados seguiram a vítima do Condomínio RK até o Paranoá, o qual antes já estava sendo campanada pelos mesmos. Quando a vítima retornava para Sobradinho, o primeiro denunciado abalrroou (sic) propositadamente a traseira do veículo conduzido pela vítima, sendo que esta parou. Ato contínuo, os denunciados desceram do veículo que conduziam, um VW Apolo, estando o segundo denunciado de arma em punho, quando arrebataram a vítima vendando seus olhos e boca com fita adesiva, algemando-a, deixando o local conduzindo Carlito Campinho até a Colônia Agrícola Vicente Pires, mas precisamente para a residência de RÍZIA, companheira e comparsa do primeiro denunciado.

No cativeiro, o primeiro denunciado com a colaboração de sua amásia Rízia, colocaram a vítima em um quarto deixando-o apenas de cueca permanecendo algemada e vendada. A partir de então, passaram a interrogá-lo acerca de um veículo Ford kA, cor branca, bem como a pessoa de Iran. Tendo a vítima confessado o envolvimento nos negócios de Iran, o primeiro denunciado e sua comparsa, usando o próprio celular da vítima, obrigou que esta ligasse para sua família e pedisse a importância de cinco mil reais como resgate para libertá-la.

De pronto a vítima Wellington Ferreira Amaral, cunhado da vítima, depositou na conta corrente desta a importância exigida. A partir de então, o primeiro denunciado e sua comparsa Rízia, utilizando os cartões bancários da própria vítima, passaram a efetuar saques na conta corrente onde foi depositada a quantia exigida.

Mesmo tendo recebido o resgate, o primeiro denunciado com a colaboração de sua comparsa, resolveu estrangular a vítima apertando o seu pescoço com arame e girando-o com uso de uma ferramenta tipo formão, causando-lhe a morte, conforme laudo cadavérico de fls. 97/101. Após escurecer, colocou o corpo no porta-malas do veículo e decidiu ocultar o cadáver na região de cocalzinho/GO.

A denúncia foi recebida em 21/05/2009 (fl. 454, vol. III), oportunidade em que foi decretada a prisão preventiva dos acusados (decisão de fls. 455/457).

Os réus foram citados e apresentaram defesas preliminares (ORLANDO às folhas 475/476 e SÉRGIO à folha 482).

Em audiência de instrução e julgamento realizada no dia 07/07/2009 (fl. 538), foram ouvidas as seguintes pessoas: WELLINGTON FERREIRA AMARAL, LEANDRO GIORDANI RITT, KLEIBER DAMIAN DE SOUZA, ÉRIKA PEREIRA MARINHO, GUSTAVO ALVES MARQUES JÚNIOR, WANDER JACCQUES MARTINS e JOSÉ CASADIO.

Os réus SÉRGIO e ORLANDO foram interrogados na mesma audiência, sendo que ambos negaram envolvimento no crime (fls. 553/556).

Em alegações finais, apresentada em forma de memoriais, o Ministério Público requereu a condenação do réu SÉRGIO ALEXANDER nos termos propostos na denuncia. Todavia, em relação ao réu ORLANDO, requereu sua condenação pela pratica de crime previsto no art. 159, caput, do Código Penal (fls. 673/690).

Por sua vez, a defesa de SÉRGIO CASADIO pediu sua absolvição ante a inexistência de provas suficientes para embasar uma sentença condenatória (memoriais de fls. 701/707). De igual modo, a defesa de ORLANDO pediu sua absolvição por insuficiência de provas (memoriais de fls. 708/719).

É o relatório. Passo a decidir.

2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1 - DOS CRIMES IMPUTADOS AOS ACUSADOS

O Ministério Público atribui aos acusados a prática de crime de extorsão mediante seqüestro (com resultado morte) e crime de destruição ou ocultação de cadáver (somente em relação ao primeiro acusado). Tais delitos estão assim descritos no Código Penal:

Extorsão mediante sequestro

Art. 159. Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem econômica, como condição ou preço do resgate:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º. Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha:

Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§ 2º. Se o fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de 16 (dezesseis) a 24 (vinte e quatro anos);

§ 3º. Se resulta morte:

Pena - reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos.

(...)

Destruição, subtração ou ocultação de cadáver

Art. 211. Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Assim, os réus são acusados de terem seqüestrado a vítima CARLITO CAMPINHO, fato ocorrido no dia 03/02/2008, por volta das 19 horas, na DF 001, pista que liga a cidade satélite do Paranoá à BR 020. Após o seqüestro, a vítima foi levada para um cativeiro situado na Colônia Agrícola Vicente Pires, sendo que o acusado SÉRGIO CASADIO fez diversos contatos e exigiu cinco mil reais para libertá-la. WELLINGTON FERREIRA AMARAL, cunhado da vítima, pagou o resgate, todavia esta foi assassinada por aquele seqüestrador (que contou com o auxílio de sua então companheira RÍZIA na execução da empreitada criminosa) que, não satisfeito, ainda dispensou seu cadáver no Rio Corumbá, nas proximidades da cidade denominada Cocalzinho-GO.

2.2 - DA MATERIALIDADE

A materialidade está comprovada pela farta documentação acostada aos autos, destacando-se: a) Ocorrência Policial de fls. 09/11; b) Laudo de Exame Cadavérico de fls. 102/106; c) Laudo de Perícia Necropapiloscópica de fls.116/122 ; d) Certidão de Óbito de folha 148. Além desses documentos, a prova oral produzida ao longo da instrução processual também não deixa dúvidas acerca da ocorrência dos fatos criminosos noticiados na denúncia.

2.3 - DA AUTORIA EM RELAÇÃO AO ACUSADO SÉRGIO ALEXANDER CASADIO

A autoria em relação ao réu SÉRGIO ALEXANDER é inquestionável, a despeito de sua negativa levada a efeito na ocasião do seu interrogatório judicial. De fato, quando ouvido em juízo (interrogatório de fls. 553/554), este réu retratou-se de sua confissão proferida na fase de investigação policial, alegando que as declarações prestadas no interior da Delegacia de Repressão a Seqüestros - DRS - ocorreram num ambiente de tortura física e psicológica.

Assim, o réu SÉRGIO faz sérias acusações contra os agentes e o delegado da DRS, Leandro Giordani Ritt, sustentando ter sido vítima de tortura. Ocorre que não há o mínimo indício de prova apontando a pratica de algum tipo de ilegalidade por parte desta autoridade contra este acusado, o corréu ORLANDO e os demais suspeitos investigados nestes autos. Nada há que indique que SÉRGIO tenha sofrido algum tipo de violência quando de sua prisão, por força de mandado expedido por este juízo, ou durante o período que permaneceu encarcerado sob custódia da citada autoridade policial.

O que se percebe é que este réu tenta, de maneira desesperada, se livrar das responsabilidades penais decorrentes dos graves e hediondos crimes que praticou e nessa tentativa não se constrange em lançar acusações infundadas assacando a honra de policiais e de delegado de polícia que realizaram um trabalho sério e exitoso no deslinde do grave e intricado caso objeto desta ação penal.

A verdade é que, na ocasião da sua prisão temporária, a polícia já tinha em mãos um cabedal considerável de provas que apontavam o acusado SÉRGIO como o autor do crime que vitimou CARLITO CAMPINHO, de tal modo que a autoridade policial não seria tola o suficiente para macular todo o trabalho que já vinha desenvolvendo há meses, apenas para obter uma confissão que, naquele momento, já não se mostrava tão vital para a conclusão das investigações.

Isso leva a uma conclusão simples: o réu confessou o crime de maneira espontânea. E o fez porque, ao tomar ciência do farto conjunto probatório que o apontava como um dos autores do crime, viu-se diante da possibilidade de auferir alguma vantagem processual (o delegado chegou a alertá-lo acerca dos benefícios penais da confissão e da delação premiada), ou, talvez, a confissão foi movida apenas por uma espécie de desencargo de consciência, num gesto momentâneo, e quem sabe até mesmo sincero, de demonstração de arrependimento e de disposição de "pagar pelos seus pecados".

Vale consignar que SÉRGIO ALEXANDER foi ouvido em duas ocasiões distintas. A primeira ocorreu no dia 26/03/2009 (fls. 32/42). Nessa oportunidade o réu disse, em resumo, o seguinte: a) que decidiu seqüestrar a vítima com o propósito de recuperar um veículo FORD/KA (ou o dinheiro equivalente ao valor do "ágio" desse carro) que havia transferido ao seu cunhado (da vítima) IRAN MARTINS DE SOUZA JÚNIOR, fato ocorrido em meados de agosto de 2008; b) que arrebatou a vítima no dia 03/12/2008, numa estrada de acesso ao Condomínio RK, sendo que, na ocasião, contou com o auxílio de sua então companheira RÍZIA REJANE DE OLIVEIRA ALVES e do corréu ORLANDO; c) que levou a vítima até sua casa em Vicente Pires, onde a manteve cativa enquanto fazia contatos telefônicos com seus parentes exigindo pagamento de resgate para libertá-la; d) que exigiu cinco mil reais para libertar CARLITO, ordenando que seus parentes depositassem essa quantia na conta poupança da própria vítima; e) que o dinheiro foi depositado no dia 04/12/2009, no período da tarde, no entanto, mesmo diante desse fato, decidiu dar cabo à vida da vítima; f) disse que matou a vítima naquele mesmo dia (já no período noturno), estrangulando-a com fios de arame, contando com o auxílio de RÍZIA nessa empreitada; g) após matar a vítima, levou seu corpo até as proximidades da cidade de COCALZINHO-GO e o jogou num rio.

O réu SÉRGIO ALEXANDER prestou declarações detalhadas, narrando cada passo da ação criminosa, deixando evidenciado que agiu com extrema frieza e perversidade. Este réu delatou o comparsa ORLANDO (cuja atuação limitou-se em ajudá-lo a abordar a vítima, imobilizá-la e levá-la em seu veículo até as proximidades do cativeiro), e o envolvimento de sua então companheira RÍZIA. Mas SÉRGIO foi além, pois acabou confessando dois outros crimes graves: o seqüestro e assassinato de ORLY BARBOSA DE ALENCAR (ocorrido no final de novembro de 2008), cuja motivação do crime guarda semelhança com este caso envolvendo a vítima CARLITO; e o assassinato de RÍZIA (ocorrido em janeiro de 2009), crime praticado com a finalidade de se apoderar do dinheiro que esta pessoa havia recebido em razão a venda de um lote, e também como uma espécie de "queima de arquivo".

A segunda vez que SÉRGIO foi ouvido na DRS ocorreu no dia 03/04/2009 (fls. 80/82) Este acusado ratificou a confissão anterior e acrescentou novos detalhes referentes à participação de ORLANDO no sequestro de CARLITO. Ele disse, inclusive, que entregou duzentos reais em espécie à ORLANDO à título de "gratificação", pelo auxílio que esta pessoa lhe prestou, mas deixou claro que em nenhum momento disse ao comparsa que pretendia matar o sequestrado.

A confissão do réu, pela sua riqueza de detalhes, pela sua coerência e, principalmente, pela posterior confirmação dos fatos narrados pelo confitente em razão de diligências promovidas pela polícia, como por exemplo, a localização do cadáver da vítima, já seria suficiente para embasar a prolação de uma sentença contra sua pessoa. Todavia, nada obstante a existência dessa prova irrefutável, há inúmeras outras provas nestes autos que atestam seu envolvimento no crime, corroborando, assim, o que este réu afirmou na Delegacia de Repressão a Seqüestro. Tais provas serão objeto de análise nos parágrafos seguintes.

No dia seguinte ao seqüestro da vítima (04/12/2008), o seqüestrador ligou para seus familiares exigindo pagamento de resgate e fazendo ameaças. Tais ligações foram efetuadas pelo telefone prefixo (61) 9306-3731. Com a quebra do sigilo de dados constatou-se que a ligação partiu do aparelho móvel de IMEI 357.075.003.385.190. Apurou-se que este aparelho já havia sido utilizado para habilitação de chip cadastrado em nome da mãe do acusado SÉRGIO. Constatou-se, também, que o chip 9306-3731 havia sido habilitado neste IMEI no dia 04/12/2008, com os dados cadastrais da vítima CARLITO CAMPINHO. Isso confirma a informação dada por SÉRGIO segundo a qual a habilitação fora realizada com os dados da própria vítima para viabilizar os contatos com seus familiares referentes ao pedido de resgate. Posteriormente, em 08/12/2008, houve nova habilitação de chip (prefixo 9211-9084), com dados cadastrais de DILVANE BERNARDES PIRES, passando a operar na área de Águas Lindas-GO. Foi identificada a pessoa que estava na posse deste aparelho móvel, o adolescente KAIO DIEGO BERNANDES BARROS, que disse ter achado tal aparelho no início de dezembro de 2008, perto de uma parada de ônibus situada ás margens da BR 070. Essa informação está em perfeita consonância com a afirmação feita por SÉRGIO em seu interrogatório na polícia, segundo a qual o celular fora abandonado justamente naquele local quando se dirigiu á cidade de Cocalzinho-GO para abandonar o corpo de CARLITO CAMPINHO (o auto de apresentação e apreensão do celular está às folhas 237/240).

Após receber ligações do seqüestrador exigindo pagamento de resgate para liberar a vítima, o cunhado desta, WELLINGTON FERREIRA AMARAL, no dia 04/12/2008, depositou cinco mil reais na conta poupança nº 13.742-9, Agência 0972, da Caixa Econômica Federal. Já no mesmo dia foi realizado um saque no valor de mil reais dessa conta. Outros valores foram sacados em dias posteriores (conforme comprovam os extratos bancários de fls. 276/286). Esta prova técnica também está em consonância com a informação dada por SÉRGIO ALEXANDER, segundo a qual o preço do resgate foi depositado na conta poupança da própria vítima, sendo que este réu e sua companheira RÍZIA efetuaram saques subseqüentes até a retirada total do montante.

A questão dos saques do valor do resgate leva ainda a outra prova mais contundente: o réu SÉRGIO e sua companheira RÍZIA foram filmados realizando os saques na conta corrente da vítima. De fato, no bem elaborado RELATÓRIO Nº 12, originário da DRS (autos de interceptação telefônica nº 2008.06.1.05301-3, desta vara criminal, em apenso), consta ás folhas 229/236, diversas imagens de SÉRGIO e RÍZIA em caixas eletrônicos e agências lotéricas promovendo os saques do valor do resgate pago pela família da vítima. Apesar de os autores dos saques terem utilizado máscaras cirúrgicas, não há dúvidas de que as pessoas retratadas nas imagens são SÉRGIO e RÍZIA. Dessa forma, soa absurda a alegação feita por este acusado quando de seu interrogatório judicial ao dizer que "não se reconhecia em tais imagens" (sic). Isso é um acinte á inteligência alheia! Mesmo porque, a polícia apreendeu na casa de SÉRGIO as roupas usadas por RÍZIA quando das realizações dos saques, bem como as máscaras cirúrgicas que ambos usavam para tentar impedir que suas identidades fossem descobertas. Ademais, parentes de RÍZIA ouvidos na delegacia (ROOSEVELT ALVES FEITOSA, RAQUEL LIDIANE OLIVEIRA CARVALHO e EVA DE OLIVEIRA ALVES) observaram as imagens e reconheceram, com absoluta certeza, tanto esta pessoa quanto o réu SÉRGIO (é o que pode ser visto das declarações de fls. 43/48)

Vale destacar, ainda, que o SÉRGIO indicou o local onde havia dispensado o cadáver da vítima (disse que jogou o corpo dentro do Rio Corumbá, do alto da ponte existente entre as cidades goianas de Cocalzinho e Corumbá). Essa informação foi confirmada, porquanto autoridades do Estado de Goiás atestaram o encontro do cadáver no citado local (fato ocorrido no dia 05/12/2008) e seu recolhimento ao Instituto Medido Legal de Anápolis, onde, após perícia, foi enterrado "como indigente" no cemitério local (laudo pericial de fls. 101/106). Foi realizada perícia necropapilscópica em 07/04/2009 (fls. 116/122), e ficou constatado que o corpo era realmente de CARLITO CAMPINHO. Acrescente-se que os peritos do IML do Estado de Goiás constaram que CARLITO morreu por afogamento, todavia apresentava "sinas de estrangulamento (sulco cervical típico) e de lesões corporais por ação contundente" (fl. 105), dado que também está em sintonia com a informação prestada por SÉRGIO em sua confissão, quando disse que estrangulou a vítima utilizando um fio de arma amarrado em um formão.

Não bastasse a localização do cadáver da CARLITO CAMPINHO, as informações dadas por SÉRGIO permitiram ainda a identificação dos corpos de suas outras vítimas: ORLY, que foi executado em meados de novembro de 2008 (conforme laudo de fls. 214/235); e RÍZIA REJANE DE OLIVEIRA ALVES, morta em janeiro de 2009, (conforme laudo cadavérico de folhas 152/188).

Dessa forma, quase todas as informações dadas pelo réu em sua confissão foram comprovadas por diligências posteriores realizadas pela polícia. Essa absoluta congruência leva à seguinte constatação: o réu SÉRGIO disse a verdade perante a autoridade policial. A fantasia e a mentira só ocorreram quando este acusado foi ouvido em juízo. E aqui não há espaço para se falar que referida confissão foi obtida mediante tortura. Conforme já consignado no início desta decisão, a alegação do réu, segundo a qual teria sido vítima de violência física e psíquica pratica pelo Delegado LEANDRO RITT e pelos agentes da DRS, não passa de calúnia lançada por alguém que faz do seu direito de defesa uma tentativa de denegrir a honra daqueles que executaram seu trabalho dentro dos estritos limites da legalidade.

A prova, assim, é inquestionável, ao contrário do afirmado pela defesa técnica em seus memoriais (fls. 700/707). A ação praticada pelo réu SÉRGIO CASADIO se amolda, com absoluta precisão, ao tipo penal previsto no art. 159, § 3º, do Código Penal, não havendo espaço para se falar em absolvição.

No que toca ao crime previsto no art. 211 do Código Penal, necessário destacar que o réu SÉRGIO, após estrangular a vítima, transportou seu corpo e o lançou de cima da ponte do Rio Corumbá, entre os municípios goianos Cocalzinho e Corumbá. O corpo só localizado no dia seguinte (05/12/2008), tendo sido transferido para Anápolis onde foi periciado no dia 09/12/2008. Os expertos concluíram que a morte ocorreu por afogamento (fato bem lembrado pela defesa técnica em seus memoriais de fls. 700/707), todavia deixaram consignado que a vítima apresentava "sinais de estrangulamento (sulco cervical típico) e de lesões corporais por ação contundente na face (esquimoses), indicando que teria sofrido "agressão prévia ao afogamento" (fato omitido pela defesa técnica do réu SÉRGIO nos já citados memoriais). Sendo assim, ainda que CARLITO tenha sido jogado com vida no Rio Corumbá, fato de difícil comprovação, diga-se, há que se concluir que o réu SÉRGIO incorreu na pratica do crime previsto no art. 211 do Código Penal, pois sua ação posterior ao estrangulamento do ofendido teve por finalidade ocultar seu cadáver, criando dificuldades não só para a localização do corpo como para a apuração do próprio fato pela polícia.

2.4 - DA AUTORIA EM RELAÇÃO AO ACUSADO ORLANDO DA COSTA SILVA

A principal prova acerca do envolvimento do réu ORLANDO no crime resulta das declarações prestadas pelo corréu SÉRGIO ALEXANDER perante autoridade policial da Delegacia de Repressão a Seqüestro. De fato, este réu, ao ser ouvido no dia 26/03/200 assinalou o seguinte: a) que conheceu ORLANDO em um churrasco ocorrido na casa de sua irmã SERGIANE DIAS CASADIO (casada com o irmão dele de nome OSVALDO), em meados de 2008; b) que colocou ORLANDO a par da situação e pediu sua ajuda para abordar CARLITO; c) que deixou claro para ORLANDO que pretendia seqüestrar a vítima, levando-a para a casa de RÍZIA, com o propósito de obter informações sobre o paradeiro do veículo FORD/KA que havia negociado com IRAN JÚNIOR; c) que ORLANDO aceitou participar do fato de forma gratuita, tendo prestado auxílio direto quando da abordagem de CARLITO, fato ocorrido na estrada que liga o Paranoá á BR 020 (na pista de acesso ao Condomínio RK); d) que ORLANDO chegou a mostrar a arma que portava para intimidar CARLITO e minar sua eventual resistência; e) que CARLITO foi colocado no carro (VW/POLO pertencente a SÉRGIO) com os olhos e bocas vendados com fita adesiva e algemado; f) que ORLANDO o acompanhou no veículo VW/POLO, sendo que RÍZIA ficou encarregada de conduzir o carro da vítima; g) que deixou ORLANDO no centro de Taguatinga, perto da casa onde ele morava; h) que entregou a ORLANDO duzentos reais "pelos serviços prestados", muito embora este corréu não tenha exigido qualquer quantia para auxiliá-lo.

Ao ser novamente interrogado no dia 03/04/2009 (fls. 80/82, volume 1), SÉRGIO ratificou as declarações prestadas anteriormente e forneceu novos detalhes sobre a participação de ORLANDO no crime, ressaltando mais uma vez que este corréu aceitou se envolver gratuitamente no fato, muito embora tenha recebido a "gratificação" de duzentos reais que lhe foi entregue no momento que se despediram no centro de Taguatinga.

A polícia já estava monitorando as ligações telefônicas travadas entre SÉRGIO e ORLANDO, e até conseguiu captar alguns diálogos onde fica de certo modo explícito que aquele primeiro réu costumava recorrer a este último solicitando-lhe ajuda para tentar recuperar veículos cujos proprietários estavam inadimplentes com as instituições financeiras responsáveis pelos financiamentos. E isso acontecia porque ORLANDO era policial militar lotado no BOPE e, por conta de sua condição profissional, fazia uso dos poderes decorrentes do seu ofício para realizar esse tipo de atividade, que ele tinha como "bico", para reproduzir um jargão por ele mesmo usado em uma das conversas interceptadas.

ORLANDO, desde o primeiro momento em que foi ouvido, negou categoricamente os fatos. Em juízo (interrogatório de fls. 555/556, volume III), disse o seguinte: a) que conheceu o réu SÉRGIO apenas em janeiro deste ano; b) que realmente foi procurado por SÉRGIO que lhe pediu ajuda na recuperação de alguns veículos cujos compradores vinham "lhe causado prejuízos"; c) que não chegou a prestar qualquer tipo de ajuda a SÉRGIO, embora este tenha ligado para o seu celular três ou quatro vezes no período de janeiro a fevereiro de 2009; d) que não prometeu ajuda a SÉRGIO e, na verdade, ao se mostrar indisponível sempre que solicitado, "empurrou o problema com a barriga, pois não queria se envolver naquele tipo de situação" (sic); e) que todos os contatos telefônicos que manteve com SÉRGIO foram feitos do aparelho celular prefixo 8415-6764; f) que ao ser detido, sofreu uma espécie de "tortura psicológica" para "confessar" os fatos às autoridades da DRS, porém não cedeu a tais pressões.

Pois bem. Com base nas declarações prestadas por SÉRGIO poder-se-ia cogitar da condenação de ORLANDO, pois, conforme assinalado no item anterior, embora tenha ocorrido a retratação da confissão daquele corréu, essa retratação não passou de uma desesperada tentativa de autodefesa. A questão é que há contra SÉRGIO todo um arcabouço probatório que leva à conclusão irrefutável de que ele participou ativamente do crime. Isso é inegável. Todavia, vale perguntar: afora a delação feita pelo corréu, há outras provas capazes de incriminar ORLANDO? A resposta negativa se impõe, conforme será demonstrado abaixo.

De início, cumpre salientar que as primeiras notícias da participação de mais de uma pessoa no crime surgiram na ocasião em que a vítima CARLITO fez o primeiro contato com seus familiares. Naquela ocasião, ele disse que "ESTAVA NA MÃO DE UNS CARAS" (sic). E não poderia ser diferente, pois a própria complexidade do crime já demandava a participação de mais de uma pessoa na sua organização e execução. É muito pouco provável que alguém consiga praticar um crime de extorsão mediante seqüestro agindo sozinho. Com as filmagens dos saques do valor do resgate restou comprovado que havia uma mulher envolvida no crime: era RÍZIA, então companheira de SÉRGIO. A partir das interceptações telefônicas outros suspeitos apareceram (KLEIBE R DAMIAN, WELSEY BERNANDES PIRES e até mesmo IRAN JÚNIOR, cunhado da vítima). Foi quando surgiu também a pessoa de ORLANDO, policial militar que mantinha contatos com SÉRGIO e que, pelo teor dos diálogos, dava a entender que o auxiliava nas abordagens de pretensas vítimas.

As interceptação telefônicas se iniciaram em 04/12/2008 (autos 2008.06.1.015431-3, volume 1), após prévia quebra de sigilo de dados cadastrais do IMEI 357.075.003.385.190. A partir de então, praticamente todas as ligações realizadas pelo réu SÉRGIO foram monitoradas, até a data de sua prisão temporária em 25/03/2009 (autos 2009.06.1.003296-5). Ao longo desse período, este réu manteve contatos telefônicos com ORLANDO por quatro vezes (conforme pode ser visto do teor do Laudo de Exame de Áudio de fls. 547/601 - 2008.06.1.015431-3, volume 3). Analisando o conteúdo dos diálogos, percebe-se que não há nenhuma referência ao fato criminoso objeto deste processo. É certo que, em alguns trechos das conversas, ORLANDO dá a entender que estaria disposto a prestar auxílio a SÉRGIO na abordagem de algumas pessoas que estão fazendo uso de veículos comercializados por este réu, embora inadimplentes em relação ás suas obrigações contratuais. Malgrado esse fato, a verdade é que não há nenhum diálogo mais sério e incriminador e, pelo que tudo indica, não pode ser descartada a informação dada por ORLANDO em juízo, segundo a qual ele estava apenas "enrolando" SÉRGIO, já que não tinha intenção de se envolver naquele tipo de situação, que poderia ter desdobramentos complicados. É claro que não se esperava que em tais diálogos SÉRGIO e ORLANDO comentassem abertamente sobre o seqüestro e a morte de CARLITO (partindo do princípio, por óbvio, que os réus haviam praticado tal crime em conjunto), mas soa estranho que não tenha havido qualquer referência a tal fato. Assim, surgem especulações por parte daquele que é responsável por analisar tais diálogos: será que se ORLANDO tivesse realmente participado do seqüestro de CARLITO ele não teria ao menos perguntado a SÉRGIO o paradeiro desta vítima e o deslinde do caso? Será que nas conversas não escaparia ao menos uma pergunta sobre o desfecho daquela situação? Por isso, fica difícil dizer se ORLANDO teria participado efetivamente do projeto criminoso levado a termo por SÉRGIO.

Mas a polícia não limitou sua investigação às interceptações telefônicas. Ciente de que era necessário colher maiores dados probatórios para atestar o envolvimento de ORLANDO no crime, a autoridade policial mostrou serviço na tentativa de "fechar o cerco" contra este suspeito. Assim, foi solicitada a quebra do sigilo de dados das ligações telefônicas efetuadas por este réu e por sua companheira TATIANA, bem como a quebra do sigilo bancário destas pessoas (requerimento de fls. 483/504, autos 2008.06.1.015431-3, v. 3). Os pedidos foram deferidos, sendo que o BANCO DE BRASÍLIA encaminhou os extratos das movimentações financeiras de ORLANDO e sua mulher (documentos de fls. 536/543, autos 2008.06.1.015431-3, v. 3). Da análise de tais documentos, não se vislumbra nenhuma movimentação bancária suspeita no período anterior e posterior ao seqüestro e morte da vítima CARLITO. Aqui também a prova documental culminou por favorecer o investigado. E o resultado da quebra de dados telefônicos também não foi satisfatório para a acusação, já que não houve a identificação de chamadas realizadas pelo celular de ORLANDO para o celular de SÉRGIO á época do seqüestro da vítima (é o que pode ser visto do relatório de fls. 794/808, autos 2008.06.1.015431-3, vol. 4). Fica então a pergunta: onde estão os registros das ligações feitas entre SÉRGIO e ORLANDO á época do seqüestro da vítima, levando-se em conta que aquele réu disse ter mantido contato com este ao menos por duas ou três vezes no dia 03/12/2008? Pode-se objetar que ORLANDO pode ter usado outro telefone para falar com SÉRGIO. É possível. Todavia, para o processo penal, marcado pelos princípios constitucionais da presunção de inocência e da ampla defesa, simples conjecturas, (ainda que inferidas num contexto lógico e razoável), não podem servir, por si sós, para embasar a prolação de uma sentença condenatória, principalmente no presente caso, quando se está diante de um crime hediondo, com gravíssimas conseqüências penais e processuais para os eventuais envolvidos.

3 - DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a denúncia e, em conseqüência, CONDENO o acusado SÉRGIO ALEXANDER DIAS CASADIO, já qualificado nos autos, como incurso nas penas do art. 159, § 3º e art. 211, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69, CP). Na oportunidade, ABSOLVO o réu ORLANDO DA COSTA SILVA, também já qualificado, com fundamento no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Em atenção ao disposto no art. 59 do Código Penal, passo a dosar-lhe a pena.

Atendendo à sua culpabilidade, valendo salientar que cometeu um delito grave sendo sua conduta marcada por intensa reprovabilidade; aos seus antecedentes, que não são ruins, já que o réu não registra anterior envolvimento em crimes; sua personalidade, que indica tratar-se de um indivíduo violento, frio e sem freios morais; sua conduta social, que deve ser considerada boa; aos motivos determinantes do crime, o anseio do lucro fácil em detrimento do patrimônio e da vida de terceiros; às circunstâncias, valendo salientar que a vítima foi executada com requintes de crueldade, mesmo após o acusado ter recebido o valor do resgate; às conseqüências que são extremamente graves, já que a vida de um indivíduo foi violentamente ceifada; ao comportamento das vítimas, que não contribuíram para a ocorrência do crime, fixo as seguintes penas: a) quanto ao crime de extorsão mediante sequestro: pena base em 26 anos de reclusão. Não há agravantes ou atenuantes. Também não há causas de aumento ou diminuição, pelo que a pena base passa a ser a definitiva; b) quanto ao crime de ocultação de cadáver: pena base em 2 (dois) anos de reclusão, e 50 (cinqüenta) dias multa, cada dia multa fixado em um trigésimo do salário mínimo, que passa a ser a pena definitiva já que não há outras circunstâncias a serem consideradas.

Assim, em razão do concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), a pena total é de 28 (vinte e oito) anos de reclusão, e 50 (cinqüenta) dias multa, ao valor de um trigésimo do salário mínimo, a ser cumprida em regime inicialmente fechado (art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a alteração promovida pela Lei 11.464/07).

O acusado não poderá apelar em liberdade pelo seguinte: a) em razão da gravidade do fato; b) por ter permanecido preso alo longo da instrução e por ainda persistirem os motivos que autorizaram a decretação da sua prisão preventiva. Recomende-se o réu no presídio em que ele se encontra.

Por força do disposto no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Pena, condeno o réu a pagar á vítima WELLINGTON FERREIRA AMARAL a importância de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), valor pago por esta pessoa á título de resgate.

Condeno-o, finalmente, no pagamento das custas processuais.

Em relação ao réu absolvido, EXPEÇA-SE ALVARÁ DE SOLTURA.

Após o trânsito em julgado, promova-se o lançamento do nome do réu SÉRGIO ALEXANDER no rol dos culpados.

Encaminhe-se cópia desta decisão aos familiares da vítima.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Sobradinho - DF, quarta-feira, 28/10/2009.

Aimar Neres de Matos
Juiz de Direito



JURID - Homem é condenado. [30/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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