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terça-feira, 27 de outubro de 2009

JURID - Habeas corpus. Crimes de homicídio, esbulho possessório. [27/10/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Crimes de homicídio, esbulho possessório, dano, cárcere privado e quadrilha. Prisão preventiva. Reiteração criminosa.
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Tribunal Regional Federal - TRF 1ª Região.

HABEAS CORPUS 2009.01.00.047341-3/BA

Processo na Origem: 200933010009115

RELATOR(A): DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES

IMPETRANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

IMPETRADO: JUIZO FEDERAL DA SUBSECAO JUDICIARIA DE ILHEUS - BA

PACIENTE: ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA

E M E N T A

PENAL E PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - CRIMES DE HOMICÍDIO, ESBULHO POSSESSÓRIO, DANO, CÁRCERE PRIVADO E QUADRILHA -- PRISÃO PREVENTIVA - REITERAÇÃO CRIMINOSA - PRESENÇA DE HIPÓTESE QUE JUSTIFICA A PRISÃO PREVENTIVA, PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - ART. 312 DO CPP - ORDEM DENEGADA.

I - "A reiteração criminosa é fundamento idôneo para a segregação antecipada, a fim de resguardar a ordem pública, prevenindo-se, assim, a reprodução de fatos delituosos." (STJ, HC 56.206/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJU de 21/05/2007, p. 597).

II - Dadas as peculiaridades do caso - em que restou demonstrado, de maneira concreta, que o paciente insiste na atividade criminosa, pois, mesmo após o conhecimento, pelo Sistema de Justiça Criminal (Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário), acerca da atividade delituosa por ele perpetrada, relativa à prática de crimes supostamente relacionados à disputa de terras entre a comunidade indígena Tupinambá e produtores rurais locais, situadas nos Municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no Estado da Bahia, voltou ele novamente a delinqüir -, não há como ser revogada a prisão preventiva, decretada para a garantia da ordem pública.

III - Hipótese em que sobrevieram evidências de que o investigado, valendo-se da sua condição de indígena, é protagonista de diversos crimes na região, a pretexto da legitimidade da sua luta pela posse de áreas de terras supostamente situadas na reserva da Tribo Tupinambá, em reiteração criminosa recente e atual, suficiente para a decretação de sua prisão preventiva, para a garantia da ordem pública, a teor do art. 312 do CPP.

IV - Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Decide a Turma denegar a ordem de Habeas Corpus, à unanimidade.

3ª Turma do TRF da 1ª Região - 22/09/2009.

Desembargadora Federal ASSUSETE MAGALHÃES
Relatora

RELATÓRIO

A EXMª SRª DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES (RELATORA): - Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo Ministério Público Federal em favor de Rosivaldo Ferreira da Silva, contra decisão proferida pelo ilustre Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Ilhéus/BA, que, mediante representação da autoridade policial (Pedido de Prisão Preventiva 2003.33.01.000911-5/BA), decretou a prisão cautelar do ora paciente, cacique da tribo indígena Tupinambá Serra do Padeiro, para garantia da ordem pública, em contrariedade à manifestação do órgão ministerial (fls. 40/50).

Sustenta que, embora a manifestação ministerial não vincule o Magistrado, não pode ser desprezada em sua decisão, tanto em decorrência dos interesses indígenas envolvidos, quanto do sistema acusatório adotado, que confere ao órgão ministerial a titularidade da ação penal e impõe limites à atuação do juiz, na fase pré-processual.

Alega, ainda, que "não há provas suficientes da materialidade nem da autoria dos delitos indicados pela autoridade judiciária, ou seja, não há fumus comissi delicti, considerando, sobretudo, que ainda não houve denúncia em relação aos supostos crimes cometidos" (fl. 05/v). Além disso a decisão impugnada ancora-se em fundamentos vagos, imprecisos e em meras suposições, ao asseverar que "poderá ocorrer um forte recrudescimento de violência na região".

Aduz que a maior parte dos Inquéritos e dos boletins de ocorrência, referidos pela autoridade policial, na representação, noticia "crimes relacionados à invasão de imóveis rurais localizados em provável área indígena, tais como esbulhos possessórios, dano e ameaças a fazendeiros da região" (fl. 02/v); que, "fora deste contexto de ilícitos cometidos em meio ao processo de retomada das terras, destacam-se as duas investigações referentes aos crimes de homicídio"; que, "em relação ao homicídio de um homem, vulgo Chicão, até o momento não consta nos autos qualquer prova que confirme a participação do representado na prática criminosa", havendo "informações de que já foi descoberto o autor do aludido crime, tratando-se de pessoa que não tem qualquer relação com a comunidade indígena, consoante comprovam os documentos em anexo" (fls. 07 e verso); que,"no que concerne ao crime de tentativa de homicídio, tendo como vítima José Carlos Carvalho dos Santos, proprietário da Gruta Baiana, de igual forma não há indícios mínimos que sustentem, pelo menos por ora, a participação do paciente na conduta delitiva. Há apenas a declaração da vítima, que por óbvio é insuficiente para a decretação de medida tão drástica quanto a que implica em segregação da liberdade do indivíduo" (fl. 07/v).

Aduz que "é verdade que os indígenas da Tribo Tupinambá há alguns anos vêm se engajando num movimento de retorno de terras que afirmam, legitimamente, lhes pertencer". Afirma que, "contudo, este é um problema sociocultural que se arrasta por tempo razoável, dentro de circunstâncias de normalidade do que se espera de um movimento de retomada de terras".

Argumenta, ainda, que os conflitos indígenas por disputas de terra são um problema de ordem social, que tem raízes históricas ligadas ao direito sobre as terras que tradicionalmente ocupam, tratando-se de "fato cuja repercussão é muito mais de índole sociocultural do que penal e, portanto, incapaz de implicar medida tão grave que é a segregação da liberdade" (fl. 06/v).

Requer o deferimento do pedido de liminar, para determinar a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, e, no mérito, a concessão da ordem, para revogar a prisão preventiva (fls. 2/9v).

O pedido formulado em sede de liminar foi indeferido (fl. 16).

As informações requisitadas foram prestadas pela ilustre autoridade apontada como coatora (fls. 37/39) e vieram acompanhadas de documentos (fls. 40/50)

A PRR/1ª Região opinou pela denegação da ordem (fls. 64/70).

É o relatório.

VOTO

A EXMª SRª DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES (RELATORA): - Como visto no relatório, trata-se de habeas corpus impetrado pelo Ministério Público Federal em favor de Rosivaldo Ferreira da Silva, contra decisão do ilustre Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Ilhéus/BA, que, mediante representação da autoridade policial, decretou a prisão preventiva do paciente, para garantia da ordem pública - em contrariedade à manifestação do órgão ministerial -, nos seguintes termos:

"O DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL em Ilhéus, representou pela decretação da prisão preventiva de ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA, vulgo "Cacique Babau", (qualificação desconhecida), relatando que deu início ao Inquérito Policial nº 2-362/08, a fim de investigar uma série de delitos praticados pelo investigado) especialmente aqueles previstos no arts. 121 (homicídio), 161, II ( esbulho possessório), 163, l e III ( dano ao patrimônio publico), 148 (cárcere privado) e 288 (quadrilha) todos do Código Penal, vários outros procedimentos existentes na DPF/Ilhéus, nos quais se investiga o seu envolvimento nesses crimes, pelo que requer seja decretada sua prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, mormente pela configuração do crime de quadrilha.

O MPF, após ter vista dos autos, manifestou-se contrariamente ao requerimento da autoridade policial, por entender que não existem provas suficientes da materialidade e autoria dos diversos delitos que lhe são atribuídos, além do que a medida cautelar seria contraditória, pois ainda não houve formalização de denúncia.

É o relatório. Decido.

A exemplo do que restou consignado em outro procedimento criminal da mesma natureza, cumpre uma pequena digressão dos fatos, por se tratar de questão de caráter étnico-social complexo, fazendo-se necessário contextualizar o tema para sua melhor compreensão pelos destinatários desta decisão.

O presente inquérito investiga delitos ocorridos em razão de controvérsia na disputa de terras entre a Comunidade Indígena Tupinambá e 600 (seiscentos) produtores rurais, abrangendo uma área de 470 milhões de metros quadrados, espalhadas por 03 municípios baianos contíguos (Ilhéus, Buerarema e Una).

Somente nesse contexto, e guardando o prudente distanciamento das convicções étnico-sociais que envolvem o fato, será possível obter o necessário discernimento para decidir.

A Comunidade Tupinambá, entidade que pretende ocupar a área, se divide em 09 (nove) lideranças, dentre elas a Comunidade Indígena Tupinambá Serra do Padeiro, liderada pelo ora investigado, Cacique Babau, a quem se atribui o extenso rol de delitos descritos na peça de representação.

Cumpre informar, ainda, que as áreas em litígio, embora já tenha sido objeto de estudos pela FUNAI, ainda não foram demarcadas, cujo procedimento encontra-se na fase de contraditório administrativo.

Não obstante, muito antes de se dar início ao estudo técnico de demarcação, várias propriedade foram invadidas, sempre com violência e ameaça, culminando com a expulsão dos produtores rurais da área, que por sua vez ajuizaram ações de reintegração e interditos proibitórios nesta Subseção Judiciária, com vistas à proteção possessória.

A orientação jurisprudencial pacífica do Tribunal Regional Federal da 1ª R., seja das Turmas seja da Corte Especial, é de manter os proprietários rurais na posse da terra, até ultimação dos laudos antropológicos.

A primeira conclusão que se chega, após os esclarecimentos preliminares, é a de que qualquer medida ou ação a ser adotada pelo poder público deve ser no sentido da manutenção do status quo sobre as áreas de terras em disputa, até conclusão final do processo demarcatório, sob pena de chancela aos atos de violência, sendo essa a posição adotada por este juízo em busca da paz social.

Entrementes, no plano criminal, a situação está a exigir uma postura diferenciada deste juízo, para garantia da ordem pública.

Após analisar detidamente as informações trazidas pelo Delegado de Polícia, verifica-se que dentre as diversas facções indígenas, apenas a comunidade Tupinambá Serra do Padeiro, sob a liderança do Cacique Babau, é que vem praticando atos de violência, ameaça, perturbação da ordem, obstrução de rodovias, com o objetivo de ocupação imediata das terras que pretende ver demarcada.

O rol de delitos que lhe são atribuídos, todos com materialidade comprovada e, a maioria deles com fortes indícios de autoria, comprovam os métodos de violência desmedida, prejudicando sobremaneira as demais facções da comunidade tupinambá e o próprio desenrolar do processo demarcatório.

Registro, nesse particular, que no Relatório da FUNAI (DOU, seção 1, de 20.04.09, p. 56) foi consignado que em alguns trechos do território a serem demarcados não foi possível a identificação dos proprietários, justamente pela existência de conflito entre indígenas e a Polícia Federal, expondo o Grupo Técnico em situação de risco.

Apenas para exemplificar, relaciono abaixo os diversos procedimentos já instaurados contra o investigado Cacique BABAU, todos eles praticados, não para defender área indígena já demarcada, o que seria mais que legítimo, mas para atropelar o procedimento demarcatório já em andamento, todos eles sob o signo da violência e ameaça contra os atuais possuidores:

São esses alguns dos procedimentos criminais catalogados contra o investigado:

a) Ação penal nº 2008.33.01.000605-8 - em que o investigado foi denunciado pelo MPF pelo delito do art. 262 do CP, por promover o bloqueio de vias de acesso às propriedades rurais da região, impedindo transporte de produtos agrícolas, com o uso de violência, recebida em 26 de junho de 2008;

b) IPL n° 1076-0 - no qual se investiga o crime de dano e cárcere privado, que deu azo ao decreto de prisão preventiva, os seguintes incidentes envolvendo, Rosivaldo Ferreira da Silva, vulgo BABAU, e seus seguidores;

c) IPL nº 2-491/07 - instaurado para apurar invasão da Fazenda São Jerônimo ocorrida, em 29.09.07, por índios liderados pelo Cacique BABAU, ocasião em que se apoderaram de 300 arrobas de cacau e 5.000 Kg de seringa;

d) IPL nº 172/2009 - em que se apura homicídio ocorrido na Fazenda Santa Rose, invadida pelos tupinambás Serra do padeiro em 26/05/2009, na qual testemunha relata a participação do Cacique BABAU no evento criminoso;

e) IPL nº 2-202/2009 - investiga o fato do agricultor JOSÉ CARLOS CARVALHO DOS SANTOS ter sido vítima de tentativa de homicídio por índios da etnia Tupinambá as Serra do Padeiro que, liderados pelo Cacique Babau, adentraram na Fazenda Gruta Baiana, localizada no Município de Una e efetuaram vários disparos de armas de fogo contra a vítima que se encontrava na sede da Fazenda. Já foi realizado Exame de Local da referida fazenda onde foram encontradas várias marcas de disparos de arma de fogo, bem como alguns projéteis e cartuchos. A vítima escapou porque conseguiu rastejar pela mata até a sua casa.

f) IPL nº 192/2009 - instaurado para apurar incêndio criminoso ocorrida na Fazenda Santa Rosa e Termo circunstanciado nº 2-004/2009 para apuração do esbulho;

g) Ocorrência nº 809/09 - Osmario Reis da Silva relata ocorrência de invasão na Fazenda Unida, onde trabalham e residem aproximadamente 200 pessoas, que ficaram impedidas de adentrar em suas áreas em razão do bloqueio das estradas pelos indígenas da Serra do Padeiro;

h) Ocorrência nº 899/09 - O indígena da etnia tupinambá presta queixa contra o Cacique BABAU, em virtude deste ter lhe ameaçado de morte o denunciante e seu filho, que residem na Fazenda Aliança;

i) Registro 01/2008 - Ameaça de morte a fazendeiros da Fazenda conjunto São José, utilizando veículo da FUNAI, com utilização de armas de grosso calibres, fato ocorrido em 21/12/2007;

j) Ação de Busca e apreensão nº 1837188-6/08 - Roubo de maquinário da Prefeitura de Buerarema em 29/01/2008, sob ameaça de facções, escopetas e revólveres, o que resultou em Mandado de Busca e apreensão expedido pelo Juízo da Comarca daquele Município/BA;
Impende informar ainda que o paciente teve sua prisão decretada pelo Juízo da Comarca de Buerarema/BA, em 26/03/2007, pelo roubo dos equipamentos acima mencionado.

O relatório detalhado das ocorrências e inquéritos e os documentos comprobatórios encontram-se nos autos (fls. 12/317).

A extensa relação dos procedimentos que o investigado tem contra si, demonstra a contumácia na prática de violência em toda a região, desafiando as autoridades públicas e proprietários rurais, praticando vandalismo; depredação de bens públicos; esbulho; ameaça; cárcere privado, impedindo a livre locomoção de pessoas na área de sua atuação, além de saques de bens nas propriedades rurais, sendo que tais delitos, pela sua própria natureza, sempre praticados em bando, precedidos de violência e grave ameaça.

Ao que parece, e pelo modo de proceder, o representado tem certeza de que sua condição de "indígena" lhe garante imunidade penal, permitindo a promoção da barbárie na região.

A insatisfação com esse comportamento já se manifesta dentro da própria comunidade indígena, como se pode aferir do depoimento de um outro Cacique tupinambá, Moises Silva Souza (fls. 304/305), que se diz ameaçado pelo investigado, verbis:

"Que não concorda com aos atos que vem sendo cometidos pelo cacique Babau da comunidade tupinambás Serra do Padeiro; que esse cacique vem na região, coagindo o cacique declarante, ameaçando e desrespeitando o estatuto da comissão de cacicados; que os índios sob o comando do cacique BABAU são vistos constantemente portando armas de fogo. Que em razão dos atos provocados pelo cacique BABAU as crianças da região estão há oito dias sem poderem ir para as escolas, que o cacique BABAU vem ameaçando as famílias moradores da Fazenda Unacau, que também fica próxima da Aldeia rio Una; que os índios tupinambás não concordam com as atitudes do Cacique BABAU com caíque, que entende que os atos cometidos pelo BABAU não é de índio e sim de vândalo; que comparece nesta data na Delegacia por se sentir ameaçado pelas atitudes exclusivas do caíque BABAU, solicitando providências de forma a assegurar sua integridade física" (gn)

É cediço que a prisão cautelar é medida excepcional, devendo a Autoridade Judiciária competente, ao decidir sobre ela, constituir sua fundamentação no fumus boni iuris (prova da existência do crime e indícios suficientes da autoria), bem como no periculum libertatis (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal).

Sem razão, data vênia, o MPF ao dizer que a prisão preventiva não é viável na ausência de denúncia. A dicção do art. 311 do CPP é no sentido oposto, ao asseverar que, "Em qualquer fase, do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz..."

Analisando detidamente os autos, verifico que a materialidade e os indícios de autoria encontram-se devidamente evidenciados em vários dos inquéritos e procedimentos criminais instaurados contra o representado, os quais foram elencados a título de exemplo, instruídos com depoimentos, fotografias e laudos periciais.

É imperioso, portanto, o decreto de prisão preventiva do investigado para a garantia da ordem pública, haja vista que por sua liderança junto ao grupo indígena dos tupinambás Serra do Padeiro, poderá ocorrer um forte recrudescimento de violência na região, inclusive com outras mortes.

Além disso, as suas ações não só prejudicam o prosseguimento da demarcação como se demonstrou acima, como influenciam negativamente as outras 08 (oito) lideranças Tupinambás, que até o momento se mantém de forma pacífica aguardando o desfecho do procedimento, para só então ocupar as áreas delimitadas.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar recentemente os requisitos da preventiva, no RHC 97449/RJ, acórdão publicado em 26-06-2009, a Min. ELLEN GRACIE certificou o entendimento de que "a garantia da ordem pública visa, entre outras coisas, evitar a reiteração delitiva, assim resguardando a sociedade de maiores danos" (HC 84.658/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005), além de se caracterizar-se pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação" (HC 90.398/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007), além do que é representada pelo imperativo de se impedir a reiteração das práticas criminosas, como se verifica no caso sob julgamento. A garantia da ordem pública se revela, ainda, na necessidade de se assegurar a credibilidade das instituições públicas quanto à visibilidade e transparência de políticas públicas de persecução criminal."

Desse modo, tenho que se encontram sobejamente demonstrados os pressupostos e requisitos exigidos pelo diploma processual penal para a decretação da medida de cautela requerida pelo Delegado de Polícia Federal, pois só assim se evitará que o investigado volte a cometer atos delituosos; que não represente perigo à sociedade e à própria comunidade indígena, ao tempo em que se assegura a credibilidade das instituições, abalada pela aparente imunidade que o acusado goza no meio social.

Diante do exposto, presentes os requisitos na forma da fundamentação retro, DECRETO a prisão preventiva de ROSIVALDO FERREIRA DA SILVA, vulgo "Cacique Babau", com base no art. 312 e 315 do CPP, determinando a imediata expedição de mandado de prisão" (fls. 40/50).

Adoto, como razões de decidir, os percucientes argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Procurador Regional da República Aldenor Moreira de Souza, litteris:

"Importa salientar que é a segunda vez que o paciente tem contra si decretada a prisão preventiva pela prática de crimes supostamente relacionados à disputa de terras entre a comunidade indígena Tupinambá e produtores rurais locais, situados nos Municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no Estado da Bahia.

A exemplo da presente, a primeira custódia preventiva também ensejou a impetração de habeas corpus por parte do Órgão ministerial oficiante na Subseção Judiciária de Ilhéus - BA, objetivando a sua cassação.

Naqueles autos (HC n° 2008.01.00.055412-4), este Órgão, entendendo não subsistirem os requisitos para a manutenção da prisão preventiva do paciente, manifestou-se pela concessão da ordem de revogação da sua custódia, ressalvando, porém, a possibilidade da sua renovação, nos seguintes termos:

Quanto ao argumento de que a prisão preventiva do paciente seria necessária como "(...) garantia da ordem pública bem como assegurar a aplicação da lei penal, haja vista que por sua liderança junto ao grupo indígena dos tupinambás, poderá ocorrer um forte recrudescimento de violência por ocasião da operação e reintegração de posse (...)." - fl. 120 -, cumpre ressaltar que a simples suposição de que poderá haver resistência do paciente por ocasião do futuro cumprimento das liminares concedidas nas diversas ações possessórias não é o bastante para ensejar o decreto da sua prisão preventiva.

Se porventura o paciente vier a dificultar ou tentar impedir o cumprimento de ordem judicial nesse sentido, será o caso de sua prisão em flagrante e não preventiva. Incabível a custódia preventiva com o único fim de garantir futuro cumprimento de ordem judicial.

Importa ressaltar que, conforme noticia a peça inaugural, o paciente está sendo investigado pela prática dos crimes previstos nos arts. 288, 163, I e II, e 148 c/c 14, parágrafo único, todos do CP. Se no curso das investigações sobrevierem indícios suficientes da autoria e prova da materialidade dos crimes que lhe são imputados, nada obsta que, atendidos os demais requisitos do art. 312 do CPP, seja renovado o pedido de sua prisão preventiva.

Nessa linha de entendimento, essa colenda Terceira Turma concedeu a ordem, cujo acórdão restou assim ementado:

"PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - ART. 312 DO CPP - EXCEPCIONALIDADE - ART. 5°, INCISOS LVII E LXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ELEMENTOS FÁTICOS CONCRETOS QUE INDIQUEM A NECESSIDADE DA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA PARA GARANTIR A ORDEM PÚBLICA OU ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL - CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO - PRECEDENTES - ORDEM CONCEDIDA.

I - Por força dos mandamentos insertos no art. 50, LVII e LXVI, da Constituição Federal, a prisão preventiva é medida que deve ser decretada e mantida, apenas, quando for absolutamente imprescindível, dada sua natureza excepcional.

II - Hipótese em que a prisão preventiva do paciente, cacique da tribo indígena Tupinambá Serra do Padeiro, ocorreu em um contexto de conflitos fundiários em Ilhéus/BA e teve por objetivo evitar ou reduzir a possibilidade de eventual resistência indígena ao cumprimento de liminares proferidas em ações possessórias.

III - Todavia, além de o decisum, no particular, fundamentar-se em mera suposição, a custódia preventiva não é a medida processual adequada para resguardar o cumprimento de provimentos judiciais em ações possessórias, sob pena de desvirtuamento do instituto.

IV - A prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, por sua natureza instrumental, está ligada à proteção do processo, contemplando os casos em que esteja presente risco real de fuga, não sendo suficiente a mera suposição, não lastreada em elementos fáticos concretos, de que o paciente poderá evadir-se.

V - "Suposição de que o paciente poderá fugir e se esquivar da eventual condenação penal não justifica sua segregação cautelar, se divorciada de elementos fáticos concretos que autorizem esta conclusão" (HC 106.112/BA, Rel. Ministra Convocada Jane Silva, 6ª Turma do STJ, DJe de 08/09/2008).

VI - Ordem concedida. (HC 2008.01.00.055412-4/BA, Rel. Desembargadora Federal Assusete Magalhães, Terceira Turma, e-DJF1 p.239 de 09/01/2009)"

De fato, a ressalva quanto à possibilidade e à necessidade de decretação da prisão preventiva do paciente no futuro veio a se concretizar, ante os novos fatos que constituíram os fundamentos da decisão de fls. 40/50, ora questionada, principalmente pelas evidências de que o investigado, valendo-se da sua condição de indígena, é, realmente, o protagonista de diversos crimes na região, a pretexto da legitimidade da sua luta pela posse de áreas de terras supostamente situadas na reserva da Tribo Tupinambá.

Com efeito, verifica-se, pois, mesmo sendo o caso de se excluir os crimes de homicídio e de tentativa de homicídio, objeto das investigações, conforme acenado na impetração, que o atual decreto da prisão preventiva do paciente ainda se faz sustentar na necessidade de preservação da ordem pública, ante a demonstração de que referido indígena persiste na sua conduta delituosa, praticando, ao longo de vários anos, as mesmas espécies de crimes (arts. 288, 161, II, 163, I e III, e 148, todos do CP), a pretexto de reivindicar o direito de posse das terras situadas na suposta área da reserva Tupinambá, ainda não demarcada.

A ninguém, indígena ou não, é dado o direito de "fazer justiça com as próprias mãos". Com efeito, eventual direito sobre a área em "conflito" demanda reconhecimento em procedimento demarcatório próprio, a cargo do órgão governamental competente. Vale dizer que a sua falta não legitima o emprego de violência de qualquer espécie.

Nesse ponto, é relevante destacar, da decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, que a comunidade indígena de Tupinambá possui nove lideranças, e somente a Serra do Padeiro, liderada pelo investigado, Cacique BABAU, é que pratica o extenso rol de crimes noticiados na representação, conforme enumerados às fls. 44/46.

De outra parte, a falta de denúncia não configura empecilho à decretação da prisão preventiva, tanto que permitida em qualquer fase do inquérito policial (CPP, art. 311). Isso em nada ofende a qualidade de dominus litis e a titularidade da opinio delicti atribuídas ao órgão do Ministério Público, uma vez que, no âmbito federal, após efetuada a prisão a autoridade policial tem 15 (quinze) dias para concluir o inquérito, prorrogável por igual período (Lei n° 5.010/66. Nesse caso, de posse dos autos do inquérito policial, o Ministério Público tem mais 05 (cinco) dias para oferecer a denúncia (CPP, art. 46).

Nessa oportunidade, aí sim, é que o Ministério Público terá os elementos necessários à formação do seu convencimento, podendo ou não denunciar o investigado pelos fatos apurados. Mesmo assim, o juízo sobre a existência ou não de crime, a ensejar a propositura da corresponde ação penal, não é absoluto de apenas um Órgão ministerial, visto que o juiz pode não acolher o pedido de arquivamento do inquérito e remetê-lo ao Procurador-Geral nos termos do art. 28 do CPP.

Com essas considerações, ante as evidências de que a prisão preventiva do paciente se faz necessária como garantia da ordem pública, bem assim porque os fatos noticiados nos autos denotam que o investigado vem, de longas datas, cometendo vários crimes na região a pretexto da luta pela causa silvícola, atemorizando a população local, inclusive os indígenas que não comungam dos seus métodos, restando, pois, provada a materialidade e os indícios de autoria, suficientes para a prisão cautelar, mesmo porque nessa fase não é indispensável a existência de provas cabais da autoria, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina pela denegação da ordem, sem prejuízo de futura revogação da prisão, caso ultrapassados os prazos para a conclusão do inquérito e para o oferecimento da denúncia, conforme assinalado em linhas anteriores (fls. 64/70).

Nessas hipóteses, a jurisprudência pátria tem entendido pela necessidade da manutenção da custódia cautelar, na linha dos seguintes arestos do colendo STF e do egrégio STJ, in verbis:

"HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. INOCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU QUE SE FURTA À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA CARACTERIZADA PELA REITERAÇÃO CRIMINOSA. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.

I - O não comparecimento a sessões de julgamento e a mudança de endereço sem comunicação ao juízo são elementos aptos a configurar a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal por meio da prisão preventiva.

II - A reiteração criminosa, ademais, por si só, caracteriza a ameaça à ordem pública, autorizadora da custódia cautelar.

III - Ordem denegada." (STF, HC 92.697-5/CE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 12/02/2008, DJe-055, de 28/03/2008, p. 848)

"HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. PRISÃO EM FLAGRANTE. POSSIBILIDADE CONCRETA DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, a reiteração de condutas ilícitas, o que denota ser a personalidade do paciente voltada para a prática delitiva, obsta a revogação da medida constritiva para garantia da ordem pública.

2. As peculiaridades concretas das práticas supostamente criminosas evidenciam que a liberdade do réu pode ensejar, facilmente, a reiteração da atividade delitiva, indicando a necessidade de manutenção da custódia cautelar.

3. Condições pessoais favoráveis do réu que não são garantidoras de eventual direito subjetivo à liberdade provisória, se a necessidade da prisão processual é recomendada por outros elementos dos autos, hipótese verificada in casu.

4. Ordem denegada." (STJ, HC 84.379/GO, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora Convocada do TJ/MG), 5ª Turma, unânime, julgado em 04/10/2007, DJU de 22/10/2007, p. 337)

"PROCESSUAL PENAL. RHC. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA, ESTELIONATO E USO DE DOCUMENTO FALSO. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DECRETO CONSTRITIVO FUNDAMENTADO. RECURSO DESPROVIDO.

1. A real periculosidade do réu, revelada na habitualidade, e a necessidade de fazer cessar a sua reiteração criminosa são motivos concretos, capazes de justificar o decreto de prisão preventiva, por demonstrar a necessidade de se resguardar a ordem pública e a aplicação da lei penal. Precedentes do STF e do STJ.

2. As condições subjetivas favoráveis do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando preenchidos seus pressupostos legais.

3 A prisão cautelar justificada no resguardo da ordem pública visa prevenir a reprodução de fatos criminosos e acautelar o meio social, retirando do convívio da comunidade o indivíduo que diante do modus operandi ou da habitualidade de sua conduta demonstra ser dotado de periculosidade.

4. Recurso desprovido, em conformidade com o parecer ministerial." (STJ, RHC 18.218/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, julgado em 21/06/2007, unânime, DJU de 06/08/2007, p. 537)

De fato, "A reiteração criminosa é fundamento idôneo para a segregação antecipada, a fim de resguardar a ordem pública, prevenindo-se, assim, a reprodução de fatos delituosos." (STJ, HC 56.206/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, unânime, DJU de 21/05/2007, p. 597).

Ademais, o auto de qualificação e interrogatório de Jackson Santos Cruz, que acompanha a inicial - embora juntado ao processo para comprovar a ausência de envolvimento do cacique Babau no homicídio de Chicão -, é indicativo da natureza violenta do paciente, mencionada pelo Magistrado no decreto prisional:

"QUE o cacique BABAU foi até a casa do seu tio JOSÉ ANTÔNIO, cerca de vinte e cinco dias atrás, procurando o interrogado para matá-lo; QUE o cacique BABAU informou a seu tio que iria matar o interrogado em razão de terem sido presos, além dele, outros quinze índios"; (fls. 13/14)

Diante desses elementos, ponho-me de inteiro acordo com as razões expostas pelo Magistrado, em suas informações (fls. 37/39), uma vez que tais processos, em conjunto, são demonstrativos concretos de que o paciente tem, repetidamente, desafiado parcela significativa da sociedade, as instituições democráticas e o próprio Poder Judiciário, circunstâncias que impõem a manutenção da prisão preventiva.

Portanto, dadas as peculiaridades do caso concreto - em que restou patente que o paciente insiste na atividade criminosa, pois, mesmo após o conhecimento, pelo Sistema de Justiça Criminal (Polícia Judiciária, Ministério Público e Judiciário), acerca da atividade delituosa por ele praticada, relativa a crimes supostamente relacionados à disputa de terras entre a comunidade indígena Tupinambá e produtores rurais locais, situadas nos Municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no Estado da Bahia, voltou novamente a delinqüir -, não há como ser revogada a prisão preventiva.

Ademais, impossível, na via angusta do habeas corpus, revolver o conjunto fático-probatório - que, aliás, não consta integralmente do presente writ -, para se concluir que o paciente não praticou as condutas delituosas que lhe são imputadas, como se pretende, no remédio heróico, ou de que não há provas da materialidade delitiva e suficientes indícios de autoria - como sustenta o impetrante -, ao contrário do asseverado pela decisão impugnada, a fl. 48. Ademais, é sabido que, em se tratando de habeas corpus, a prova deve ser precontituída, e, no particular, o impetrante juntou, à inicial, apenas o depoimento de fls. 10/14, sequer trazendo a cópia da decisão que decretara a prisão preventiva do impetrante.

Pelo exposto, denego a ordem de habeas corpus, sem prejuízo de revisão, pelo ilustre Juízo a quo, no decorrer das investigações ainda em curso, caso ultrapassados os prazos para a conclusão do Inquérito Policial e para o oferecimento da denúncia, conforme ressaltado pela PRR/1ª Região.

Defiro o pedido de desentranhamento do parecer de fls. 55/61 e sua substituição pelo de fls. 64/70, conforme requerido pela PRR/1ª Região (fl. 63), com a conseqüente renumeração dos autos.

É como voto.

e-DJF1: 16/10/2009




JURID - Habeas corpus. Crimes de homicídio, esbulho possessório. [27/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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