Anúncios


quarta-feira, 28 de outubro de 2009

JURID - Usucapião. Sucessão da posse. Exercício continuado no tempo. [28/10/09] - Jurisprudência


Usucapião. Sucessão da posse. Exercício continuado no tempo do poder fático sobre a coisa com características do domínio.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!


Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.

Número do processo: 1.0024.02.827085-8/001(1)

Relator: SELMA MARQUES

Relator do Acórdão: SELMA MARQUES

Data do Julgamento: 30/09/2009

Data da Publicação: 19/10/2009

Inteiro Teor:

EMENTA: USUCAPIÃO. SUCESSÃO DA POSSE. EXERCÍCIO CONTINUADO NO TEMPO DO PODER FÁTICO SOBRE A COISA COM CARACTERÍSTICAS DO DOMÍNIO. IMPRESCINDIBILIDADE. TUTELA POSSESSÓRIA. CLANDESTINIDADE. VÍCIO. ESBULHO. CONCESSÃO. O reconhecimento da usucapião exige por parte do requerente a demonstração do exercício ininterrupto e inequívoco perante a comunidade do poder fático sobre o imóvel, como se proprietário fosse - ainda que utilizada a figura da sucessão da posse -, pelo lapso temporal exigido pela legislação. A simples utilização da coisa, sem que reste demonstrado o animus domini, não permite a flexibilização do direito de propriedade. A clandestinidade da posse relativamente àquele que tem interesse em recuperá-la é vício que autoriza a concessão da tutela possessória em favor de quem sofreu o esbulho.

APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.02.827085-8/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): GIL ALVARENGA ESPÓLIO DE, REPDO P/ INVTE VILMA ANTÔNIA REIS ALVARENGA - APELADO(A)(S): RUTH GOMES DA CRUZ E OUTRO(A)(S) - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. SELMA MARQUES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Belo Horizonte, 30 de setembro de 2009.

DESª. SELMA MARQUES - Relatora

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª. DESª. SELMA MARQUES:

VOTO

Trata-se de apelação interposta contra a r. sentença de f. 329/340 que julgou conjuntamente a ação de usucapião ajuizada por Ruth Cardoso contra Espólio de Gil Alvarenga e a demanda de reintegração de posse que este ajuizou contra aquela. O juízo sentenciante reconheceu a presença dos requisitos da usucapião e declarou o domínio do lote objeto da demanda nas mãos de Ruth Gomes da Silva, julgando improcedente o pedido de reintegração de posse na demanda ajuizada pelo Espólio de Gil Alvarenga.

Inconformado apela o Espólio de Gil Alvarenga, autor da demanda possessória e réu na usucapião às f. 341/354, pugnando pela necessidade de reforma da sentença. Diz que era possuidor e proprietário do lote 27 na quadra 27 antiga quadra 5 do bairro Lagoinha, antigo bairro Santa Branca - Venda Nova.

Esclarece inicialmente que "o imóvel objeto da ação é o de n. 232 (duzentos e trinta e dois) da antiga Rua Ambrosina, Rua Jardim de Alá, e não o de nº 234 (duzentos e trinta e quatro) da mesma rua. Este esclarecimento é necessário, pois, à parte apelada, na tentativa vil de ludibriar o Poder Judiciário, tece vários comentários e junta vários documentos referentes ao imóvel n.234, nos dois processos", (f. 343). Anota que grande parte dos documentos juntados pela autora da ação de usucapião, bem como a prova testemunhal, diz respeito a prédio diverso daquele sobre qual recai a pretensão de usucapir. Alega que com o falecimento de Gil Alvarenga que mensalmente visitava o lote 27, ficou o prédio suscetível a invasões clandestinas e outros atos de violência como aqueles perpetrados por Ruth Gomes em 1997, ou seja, segundo alega a pouco mais de cinco anos a contar como termo final a data da notificação. Ainda em relação à data em que teve início a posse da demandada na possessória aponta que somente houve a ligação da energia elétrica a partir de 1997.

Sustenta a parte apelante que a prova testemunhal que produziu tem o condão de demonstrar que em 1994 não havia o exercício de qualquer poder fático sobre o imóvel, nem por Ruth Gomes, nem pelo pai da ré da possessória. Diz que suas testemunhas devem merecer maior credibilidade que as da autora, posto que destituídas de qualquer vínculo de vizinhança ou outra relação de proximidade. Afirma que não bastasse a existência dos referidos laços na prova testemunhal da autora da ação de usucapião, os depoimentos colhidos apresentam inúmeras contradições. A título de exemplo faz menção à forma geométrica do lote 27 que não condiz com aquela referida pela prova testemunhal, bem como à diferença de datas acerca de quanto teria a senhora Ruth Gomes passado a residir no imóvel.

Salienta também ser inequívoca a posse do imóvel pelo de cujos ante a transmissão da posse e propriedade da coisa operada ainda em 1963 em favor de Gil Alvarenga. Anota que "existe sim prova de que a apelante exerceu posse após a aquisição do imóvel. A demonstração da posse da parte apelante, em um imóvel do qual não reside o exerce atividade, sem nenhuma benfeitoria passa necessariamente pelos deveres de cuidado do imóvel. Seria ingênuo e ilógico esperar que uma pessoa que não fez benfeitorias em seu imóvel, além de uma cerca, o visite todos os dias para se comprovar a posse, ou qualquer ato de habitação no ambiente. O autor da herança visitava uma vez por mês o imóvel objeto da ação, por causa de outro próximo, ao qual mantinha alugado. E assim o fez, até sua morte. Este fato tornou-se incontroverso nos autos". (f. 348). Ressalta que quem não cumpriu o ônus probatório em relação à posse exercida pelo seu pai foi a apelada.

Resposta ao recurso oferecida às f. 351/362, em óbvia contrariedade ao apelo interposto.

Presentes os requisitos legais, admito o apelo.

A resolução das duas demandas ajuizadas, quais sejam, a possessória e a de usucapião estão diretamente relacionadas ao exercício da posse sobre o lote 27, de n. 232, na quadra 27. Aliás, é justamente tal conexão que afasta a incidência do art. 923, do CPC. Os debates instaurados nos dois processos, embora tenham diferente repercussão no tocante ao domínio, versam sobre posse. Não se discute de forma direta na ação de usucapião o domínio, ou tampouco o direito à posse como decorrência da titularidade do direito de propriedade, que é justamente a situação vedada pelo art. 923, CPC. Na usucapião a aquisição do domínio apenas poderá ser a conseqüência da demonstração da posse pelo período exigido na lei, que, na espécie, é de vinte anos. Em suma, em ambas as demandas o que se discute, e o que tem de ser provado, é a posse.

Segundo Pontes de Miranda, no que referendado por Adroaldo Furtado Fabrício, "Rigorosamente a posse é o estado de fato de quem se acha na possibilidade de exercer poder como o que exerceria quem fosse proprietário ou tivesse, sem ser proprietário, poder que sói incluso no direito de propriedade (usus, fructus, abusus). A relação inter-humana é com exclusão de qualquer outra pessoa, portanto, a relação entre o possuidor e o alter; a comunidade". (Tratado de Direito Privado. T. 10, p. 7. Apud: Adroaldo Furtado Fabrício. Comentários... 9ª ed. 2008, p. 402).

A prova testemunhal produzida pela autora consignou que, ante a figura da sucessão da posse, a autora exerce desde muito poder fático inerente ao domínio sobre o imóvel usucapiendo.

Aliás, cumpre desde logo deixar consignado que eventual posse do pai da autora lhe foi regularmente transferida pela figura da sucessão da posse.

Saliente-se que a posse que alguém teve, com os requisitos para usucapir, e transferiu ou cedeu a outrem, pode ser por este juntada à sua própria a fim de perfazer o lapso temporal necessário a usucapir. E isto, quer a transmissão da posse se dê em decorrência da realização de algum negócio jurídico, (inter vivos, a título singular), quer ocorra em decorrência da sucessão hereditária, (causa mortis, a título universal).

Na espécie interessa como já salientado a figura da sucessão da posse, "na qual não há propriamente duas posses que acedem uma à outra, mas sim a continuação da mesma posse, com novo titular. O herdeiro é tido como continuador da posse do defunto, independentemente de efetiva tomada da posse, no sentido de apreensão material da coisa: a posse deste passa àquele ex vi legis". (Adroaldo Furtado Fabrício. Comentários... 9ª ed. 2008, p. 575).

Necessário, ainda, registrar que "o sucessor causa mortis na posse, de resto, não pode usucapir só, se há outros herdeiros aos quais a posse terá igualmente passado. Ou propõem todos a ação, em litisconsórcio ativo, ou a propõe o espólio, ou o herdeiro em cujo quinhão venha a ser incluída com exclusividade a posse; ou entre si negociam as cotas ideais, de tal sorte que à successio in usucapionem se adite a accessio possessionis por ato entre vivos". (Adroaldo... p. 576).

Ou seja, o poder fático com características do domínio exercido por alguém que tenha vindo a falecer, somente aproveitará a seus herdeiros para fins de usucapião quando considerados em sua integralidade, ou quando os outros sucessores em decorrência de algum negócio ou por mera liberalidade, tenham, comprovadamente, cedido ao autor da ação a posse à qual fazem jus em decorrência de sua condição de herdeiros.

Note-se que, pelo documento de f. 37/38 dos autos da ação de usucapião, é justamente este último o caso dos autos, pois Jadir Rodrigues Ferreira e Otacílio Gomes da Cruz, que figuravam juntamente com Ruth Gomes como herdeiros de Raimundo Gomes Pereira, cederam seu incerto e eventual "direito" possessório sobre o lote 27 à irmã.

Necessário voltar então à demonstração do exercício da posse pela autora.

Neste sentido, destacam-se os inúmeros documentos que instruíram a própria inicial da ação de usucapião. Demonstram os referidos documentos que a autora juntamente com seu pai Raimundo Gomes Pereira residia à Rua Jardim de Alá, n. 234, prédio que corresponde ao lote 26 do loteamento 27, sendo contíguo ao lote sobre o qual recaem as pretensões deduzidas nos autos. Neste sentido, é relevante observar o croqui de f. 08 da ação de reintegração de posse. Daí, diversamente do aduzido nas razões recursais, não obstante a pretensão de usucapir recaia sobre o lote 27 do loteamento 27, n. 232, inexiste equívoco na referida documentação. É que conforme a inicial "o pai da requerente observando que o lote de nº 27, confrontante a seu imóvel (lote de n. 26), conforme foto em anexo, estava a ermo, passou a cuidar e zelar pelo mesmo, tendo inclusive cercado o lote nº 27". Ainda na peça de ingresso observa-se que a partir de então o pai da autora teria começado a plantar no referido lote, fazendo dele quase que o quintal de sua casa, a qual estava no lote 26. Assim, segundo a inicial teria Raimundo Gomes Pereira, pai da autora da ação de usucapião, se mantido na posse mansa e pacífica dos lotes 26 e 27.

No entanto, impende destacar que a menos que sejam comprovadas as referidas alegações elas pouco valem para fins de ser atendida a pretensão da apelada, mormente porque a prova documental não tem o condão de demonstrar que o lote 27 sobre o qual recai ambas as demandas, era possuído por seu pai, como se fosse o quintal de sua casa localizado no lote 26.

Assim, necessário desde logo apreciar a prova testemunhal.

Lacy Silvério, que mudou para Rua Andiroba em 1976, asseverou que naquela época o bem era ocupado pelo pai da autora da ação de usucapião, sendo que hoje é esta que exerce a posse. Registrou ainda que o pai da autora plantava verduras no imóvel, (f. 295). No mesmo sentido foi o depoimento de Geraldo Gonçalves da Silva que consignou:

"que reside no bairro Venda Nova desde 1971; naquela época, Raimundo Gomes Pereira cercou o lote, e plantou diversas culturas, sendo que o lote era paralelo ao lote de sua residência; o imóvel tem forma retangular, e fica de frente para praça; atualmente é a autora quem ocupa o imóvel, sendo que no local existe uma residência, conjugada com um salão, em que a suplicante explora para confecção de salgados; quando se casou, Ruth deixou o imóvel e ficou cerca de dois anos residindo na companhia do marido; nesse período, o pai da autora continuou zelando do imóvel; com a morte do marido, Ruth voltou a residir no imóvel; dos anexos fotográfico de fls. 50/56, identifica como sendo o imóvel acima referido as fotografias de fls. 51 (segunda foto), 53, 54 e 55; que nunca soube de nenhuma disputa judicial envolvendo o imóvel... . o imóvel tem a frente voltada para uma praça conhecida como Praça 1204; examinando o documento de fls. 96, identifica como sendo o imóvel usucapiendo, o lote de nº 27; que a pessoa de Dona Ruth é apenas sua vizinha". (f. 296).

Também no depoimento de Conceição Eliana Gonçalves da Silva à f. 297 resta consignado que o pai da autora plantou várias culturas no lote, que tratava-se de um lote de esquina, com a frente voltada para praça, cujo formato é parecido com um losango.

Necessário desde logo deixar assentado que diante da escorreita identificação e localização do imóvel - defronte à Praça Gerolisa Machado - procedida pela prova testemunhal, é de somenos importância o fato de que a forma geométrica do imóvel teria sido indicada incorretamente. Ressalte-se que as testemunhas apontaram o imóvel correspondente ao lote 27, de n. 232 - confrontante com o lote 26 de n. 234 - onde o pai da autora desenvolvia algumas culturas em fotografias, que ademais coincidem com a planta do imóvel juntada na possessória pela própria parte apelante.

Todavia, necessário retomar o conceito de posse para fins de usucapião, que exige que a coisa seja tida, inequivocamente, como sua por aquele que pretende usucapi-la. Note-se que o máximo que a prova testemunhal consignou foi que eventualmente o pai da autora plantava no lote 27, vizinho ao 26 onde residia, determinadas culturas. No entanto, tal situação, utilizar-se de um terreno vazio ao seu lote para plantar verduras e congêneres não implica por si só no 'animus domini', que para fins de usucapião é exigido. Não se está negando que eventualmente o pai da autora realmente praticasse a conduta referida pela prova testemunhal, questiona-se sim se tal atitude por si só implica na exteriorização do domínio a ponto de gerar a aquisição da propriedade. Para isto seria necessário prova mais robusta. Seria necessário que ao agir desta forma o Senhor Raimundo Gomes Pereira, muito mais do que beneficiar-se do terreno vazio a sua porta, portava-se perante a comunidade como se fosse seu dono, como se não reconhecesse sobre aquele terreno direito superior ao seu, como se realmente quisesse tornar-se proprietário da coisa. Contudo, tal contexto não pode ser extraído da prova testemunhal produzida. Portanto, a relação exercida com a coisa pelo pai da autora não pode ser tomada como posse dotada de animus domini sobre o lote 27, ou seja, como se o domínio deste de fato per de fato lhe pertencesse.

Lado outro, as duas testemunhas da parte apelante que estiveram no imóvel no início de 1994 justamente porque na época o senhor Gil Alvarenga tinha a intenção de vender-lhes o lote 27, atestam que não havia benfeitorias no lote, mas apenas mato, o que se tomado em consideração que o senhor Raimundo Gomes Pereira faleceu em 1998, certidão de f. 28 dos autos da ação de usucapião, apenas evidencia a relação eventual e destituída de animus domini do pai da apelada - autora da demanda de usucapião - com a coisa.

Deste modo, inequívoco que a prova demonstrando eventual posse do pai da autora da ação de usucapião é por demais frágil para fins de demonstrar a vontade do senhor Raimundo em converter-se proprietário do lote 27. Ou seja, não presta para fins de usucapião extraordinária, onde a "posse necessariamente será acompanhada do animus domini. Consiste no propósito de o usucapiente possuir a coisa como se esta lhe pertencesse. O possuidor que conta com animus domini sabe que a coisa não lhe pertence, porém atua como o desejo de se converter em proprietário, pois quer excluir o antigo titular". (Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves. Direitos Reais. 2007, p. 273).

Noutro giro, insta salientar que a posse da apelada por si mesma somente restou inconteste a partir da construção que edificou sobre o imóvel. Segundo a perícia realizada o lote 27 da quadra 27 apresenta área coberta de cerca de 300 m² composta por 1 bar, 01 cozinha, 02 WC, 02 Depósitos e uma área coberta, que datariam de cerca de cinco anos. Tal construção dataria de pelo menos cinco anos da data da perícia, podendo-se mesmo, como, aludido pela parte autora da possessória, asseverar que data do ano de 1997. Ademais nesta data foi ligada a luz no lote n. 232. Ressalte-se que não se olvida que a construção periciada seria oriunda de um barracão feito anteriormente, onde a autora teria até mesmo residido com seus filhos. No entanto, tal construção não pode ser tida, ante a prova testemunhal produzida pela parte autora da possessória - merecedora de tanta credibilidade quanto aquela produzida pela autora da demanda de usucapião -, como anterior a 1994.

Note-se, portanto, que nos autos apenas foi demonstrado que a autora da ação de usucapião atuava com a vontade de converter-se em proprietária da coisa, apenas ela tinha animus domini.

No entanto sobre sua posse, embora legítima perante terceiros, paira o vício da clandestinidade relativo aos herdeiros de Gil Alvarenga. Isto porque embora exercida de forma ostensiva perante a comunidade local, não o foi perante os herdeiros de Gil Alvarenga, falecido ainda em 1994. Ou seja, embora o caráter ostensivo da posse frente à vizinhança, ela permaneceu oculta em relação àqueles que eram despojados, justamente aqueles que teriam interesse em recuperá-la.

Neste sentido:

"Clandestina é a posse que se adquire contra quem é praticado o apossamento (clam), em relação àquele contra quem é praticado o apossamento. Contrapõe-se-lhe a que é tomada e exercida pública e abertamente. A clandestinidade é defeito relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em recuperar a coisa possuída clam, não obstante ostentar-se às escancâras em relação aos demais.

"Saliente-se que a violência e a clandestinidade, como vícios relativos, somente podem ser acusadas pela vítima; em relação a qualquer outra pessoa, a posse produz seus efeitos normais. E, como vícios, temporários, podem ser purgados, com a sua cessação, desde que não consista a mudança em ato do próprio possuidor vicioso". (Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Volume IV. Direitos Reais. 20ª ed. 2009, p. 23).

Repita-se que a posse da autora da ação de usucapião foi adquirida às ocultas de quem exercia a posse atual da coisa, quem em decorrência do direito de saisine eram os herdeiros de Gil Alvarenga, que logo que tiveram ciência de tal situação, que, portanto, em relação a eles não foi purgada com o passar do tempo, notificaram a apelada para que desocupasse o imóvel, o que foi efetivado à f. 48 dos autos da possessória em 03 de maio de 2001, data a partir de quando restou configurado o esbulho frente ao espólio de Gil Alvarenga, que ademais vinha arcando com os impostos referentes à coisa.

A clandestinidade da posse da autora da ação de usucapião resta acentuada quando verificado pela perícia que a construção não foi aprovada pelos órgãos competentes, não havendo sequer documentação disponível (habite-se) relativo à data da construção.

Note-se que o caráter clandestino da ocupação do lote 27 pela autora da usucapião frente aos herdeiros de Gil Alvarenga, embora não tenha repercussão erga omnes, sendo, pois, legítima frente à vizinhança, macula sua posse justamente em relação à parte autora da possessória, em relação a quem resta perpetrado o esbulho justificador da tutela possessória.

Cumpre ainda enfrentar a questão acerca das acessões realizadas no imóvel. Frise-se que embora descritas minuciosamente pela perícia realizada, não há falar em sua indenização, pois o caráter clandestino com que era exercida a posse afasta a boa fé necessária à justificar a indenização pelas edificações realizadas no lote 27.

Forte no art. 547 do Código revogado "Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções, mas tem direito à indenização. Não o terá, porém, se procedeu de má fé, caso em que poderá ser constrangido a repor as coisas no estado anterior e a pagar os prejuízos".

Ora, diante da clandestinidade, surge a má fé da autora da ação de usucapião ao edificar no imóvel. Demais, não se pode perder de vista o caráter da construção realizada no lote 27. É que sequer tem por desiderato cumprir a função social referente à moradia, que via de regra deve ser inerente à usucapião. Observe-se que se trata de construção comercial destinada a realização de festas que certamente já trouxe benefícios financeiros o bastante para a parte ré da possessória, que ademais não está sendo condenada em nenhuma parcela a título de fruição da coisa.

Isso posto, DOU PROVIMENTO ao recurso para: 1) julgar improcedente o pedido da senhora Ruth Gomes da Silva e outro de usucapir o lote 27, localizado à Rua Jardim Alá, n. 232, lagoinha/Venda Nova; 2) julgar procedente o pedido de reintegração de posse formulado pelo Espólio de Gil Alvarenga, determinando sua imediata reintegração no lote 27, n. 232.

Custas recursais pela parte apelada, restando suspensa a exigibilidade do pagamento em relação a ambas por ter-lhe sido deferida a justiça gratuita.

Custas processuais relativas a cada uma das demandas e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), pela senhora Ruth Gomes da Cruz, suspensa, contudo, a exigibilidade do pagamento ante a justiça gratuita deferida.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): FERNANDO CALDEIRA BRANT e MARCELO RODRIGUES.

SÚMULA: DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.




JURID - Usucapião. Sucessão da posse. Exercício continuado no tempo. [28/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Um comentário:

  1. Acessem o melhor site de Pesquisa Jurídica

    http://www.legjur.com

    o site contém Legislação, Jurisprudência e Súmulas

    ResponderExcluir