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sexta-feira, 9 de outubro de 2009

JURID - Trabalho escravo. [09/10/09] - Jurisprudência


Trabalho escravo: justiça rejeita pedido e mantém fazenda na "Lista Suja".
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO

7ª Vara do Trabalho de Cuiabá -MT

Processo: 01339-2008-007-23-00-8

ATA DE AUDIÊNCIA

Aos 30 (trinta) dias do mês de setembro de 2009 (quarta-feira), o Exmº. Sr. Nicanor Fávero Filho, Juiz Titular da Sétima Vara do Trabalho de Cuiabá/MT, determinou a abertura da audiência relativa à Reclamação Trabalhista Proc. n° 01339.2008.007.23.00-8), entre as partes:

Autor: A. S. CARVÃO E LOGÍSTICA LTDA.

Réu
: UNIÃO FEDERAL

Aberta a audiência às 17:52 h., por ordem do MM. Juiz do Trabalho foram apregoadas as partes.

Ausentes Reclamante e Reclamadas, foi proferida a seguinte

SENTENÇA

I. RELATÓRIO

A autora propôs a presente Ação Declaratória combinada com obrigação de fazer exclusão do nome da autora da "lista suja" em desfavor da União Federal - Ministério Público do Trabalho e Emprego - Procuradoria Regional do Trabalho da 23ª Região, sustentando que fora inserida na conhecida lista suja de exploradores de mão de obra em condições análogas a de escravo, e embora acreditasse não serem justas as multas que lhe foram impostas, preferiu adimpli-las em vez de discuti-las, pois as despesas para tanto seriam maiores. Alega que não houve condenação criminal para a inclusão em malsinada lista e que após fiscalização do MP, entabulou com este Termo de Ajuste de Conduta, que vem sendo cumprido integralmente. Aponta que vem sofrendo prejuízos em razão da manutenção de seu nome na lista e por não conseguir extrajudicialmente a sua retirada, viu-se compelida a buscar a tutela jurisdicional. Indica os fundamentos legais e jurídicos que amparam sua pretensão, atacando a legalidade da Portaria 540/2004, requerendo a concessão de indenização por danos morais pela inclusão indevida de seu nome. Pediu a antecipação de tutela para a retirada de seu nome da lista e a sua confirmação posterior e condenação do Reclamado ao pagamento de indenização por danos morais. Atribuiu à causa o valor de R$ 20.000,00, tendo juntado instrumento procuratório e os documentos de fl.30/292.

Através do despacho de fl.295 foi indeferido o pedido de antecipação de tutela e determinada a retificação da polaridade passiva para constar apenas a União Federal, sendo determinado a intimação do Ministério Público do Trabalho para atuar na condição de custus legis.

Através do petitório de fl.302/315 houve a manifestação do parquet, sustentando a constitucionalidade da Portaria 4540/2004 que criou a Lista suja; da desnecessidade de condenação criminal para a inserção do nome na lista, e que a exclusão da lista não é automática como pretendeu fazer crer a parta autora. Requereu a expedição dos ofícios de fl. 315/316.

A União ofereceu a contestação de fl.323/342, tecendo inicialmente comentários acerca da política nacional para erradicação do Trabalho escravo. Após relata a ocorrência de trabalho escravo na fazenda de propriedade da autora. Sustenta a legalidade do ato administrativo consistente nas fiscalizações e autuações aplicadas pelos auditores fiscal do trabalho em desfavor da parte autora; que o Termo de Ajustamento de Conduta não extingue a punibilidade desencadeada pelas infrações administrativas aplicadas; que não há ilegalidade na emissão da Portaria n. 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego e que a exclusão a partir de dois anos após a inclusão na lista não se dá de fora automática. Pede a improcedência. Juntou os documentos de fl.347/420.

Em nova análise do pedido de antecipação de tutela, A`fl;422/3 foi deferida a pretensão de exclusão do nome da autora da lista suja.

À fl.429/30 fora apresentada petição do Ministério Público reiterando pedido anterior e vista dos autos quando do final para parecer circunstanciado.

Através do despacho de fl.431 foi determinado a expedição de oficio às demais Varas do Trabalho deste Estado indagando acerca da existência de ações trabalhistas em, desfavor da Autora, bem como oficiado a Caixa Econômica Federal e Delegacia da Receita Federal em Cuiabá.

Quanto à defesa e documentos a ela colacionados, a autora manifestou-se à fl.445/448.

Houve respostas negativas das demais Varas do Trabalho deste Regional à consulta de haver ou não ações em desfavor da autora.

Às fl.458/9 a Caixa Econômica Federal informou acerca da existência de algumas poucas irregularidades quanto aos recolhimentos do FGTS, tendo a reclamada através do petitório de fl. 464/5 informado que desconhecia as irregularidades alegadas e que estaria providenciando a sua regularização.

Em audiência de prosseguimento, cuja ata encontra-se à fl.468 foi indeferida a produção e prova testemunhal acerca da sustentada inexistência de trabalho escravo. Na oportunidade a reclamada juntou o documento de fl.469 que comprovaria sua regularização junto ao FGTS.

A fl.471/3 e 476/82 e 484, no qual apontava-se débito da autora junto à Fazenda Nacional, sobre os quais a autora manifestou-se à fl.488/9.

Designada nova audiência de encerramento, esta ocorreu conforme ata de fl.494, alegando as partes não terem outras provas a produzir, sendo também frustrada a segunda tentativa conciliatória.

Em face do não encaminhamento dos autos para parecer do Ministério Público o julgamento fora redesignado, tendo o Parquet se manifestado à fl.501/525, requerendo a reinclusão do nome da autora na lista suja, e declaração de total improcedência dos pedidos.

Dada vistas às partes quanto ao parecer do douto Ministério Público do Trabalho, apenas a autora manifestou-se através da petição juntada à fl.524/5.

É, em síntese, o relatório.

II. FUNDAMENTAÇÃO

A Autora propôs a presente ação buscando sua exclusão da nominada "lista suja" criada pela Portaria 540/2003, do Ministério do Trabalho e Emprego, sustentando que houve "erro no critério de inclusão", pois não responderia a qualquer procedimento judicial criminal sob a acusação da utilização de mão de obra escravo ou em condições a ele análogas, e não havendo condenação criminal não poderia ter sido inserida em malsinada lista, acrescentando que foram detectadas meras irregularidades como assentamento incorreto em CTPS e que apesar de discordar das autuações, preferiu adimplir as multas aplicadas e firmar Termo de Ajustamento de Conduta afim de que não tivesse suas atividades prejudicadas.

Acrescenta ainda, a autora, a ilegalidade da Portaria que instituiu a chamada "lista suja" e que por já ter havido o transcurso do prazo de dois anos após sua inclusão nesta, já deveria ter sido dela excluída e por não ter obtido êxito quanto a tal desiderato na esfera extrajudicial, viu-se compelida a fazê-lo através da presente demanda.

Em primeiro plano, devemos materializar que a alegada ilegalidade da Portaria 540/2003, do Ministério do Trabalho e Emprego não existe, e embora extremamente instigante o debate acerca da inconstitucionalidade ou não da lista, o que poderia render profunda análise, o que desvirtuaria o escopo deste provimento jurisdicional, sugerimos para maiores aprofundamentos a leitura de Fava(1), Viana(2) e Cesário(3), que em artigos especificamente destinados analisam esse tema, cabendo, ora apontar como razão de decidir que a lista não se consubstancia em instrumento de punição, não malferindo o princípio da presunção de inocência, pois tão somente divulga as ações dos fiscais do trabalho e os resultados destas; tampouco viola o direito de propriedade e da legalidade, pois não estando a propriedade cumprindo seu papel social pode ficar sujeita à expropriação, conforme previsão contida no §2º do artigo 184 da Constituição Federal; podem e devem os Ministros de Estado, inclusive o do Trabalho e Emprego, editar medidas que venham implementar os objetivos de suas pastas, conforme exegese dos art. 21, XXIV e 87, I da Constituição e 913 da CLT; e somente após decisão administrativa final ocorre a inclusão do infrator na lista, sendo disponibilizado a esse oportunidade de ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal administrativos, sendo que no tocante a essa última condição, a parte autora em sua exordial reconheceu tal ocorrência., na media em que aponta em que inclusive abriu mão de recursos administrativos Por essas razões, tenho que não há a propalada ilegalidade da Portaria 540/2003 do MTE.

No tocante à argumentação da Autora de que não haveria decisão criminal transitada em julgado reconhecendo a prática do crime tipificado no artigo 149(4), do Código Penal, o quê obstaria a inclusão de seu nome na "lista suja".

Novamente a razão não ampara a alegação exordial, na medida em que não há na Portaria que instituiu a criação da nominada "Lista suja" a exigência de prévia condenação criminal transitada em julgado para que pudesse haver a inserção de algum nome em seu rol, havendo a independência entre os atos praticados pela esfera administrativa e a penal, cabendo destacar que o ato administrativo de inscrição na lista é dotado da mesma presunção de veracidade e de legalidade inerente a todos os atos administrativos.

Ademais, há de ter em conta que as implicações penais distinguem-se daquelas advindas do ato administrativo, na medida em que na esfera penal estas incidem sobre a pessoa física do responsável pela prática criminosa e na administrativa sobre seus bens, atividades e sobre seus direitos de natureza civil.

Por tais breves razões aponto que não houve qualquer vício na inserção do nome da autora na lista suja, especialmente por restar demonstrado pela fiscalização havida, consoante documentos jungidos á contestação que houve a constatação de trabalho em condições degradantes, sendo as fotografias de fl. 355, 361, 362, e 363 retrato fiel das condições às quais eram submetidos os trabalhadores que prestavam serviços quando da inspeção realizada administrativa realizada.

As condições constatadas e relatadas na fiscalização foram e são suficientes à comprovação das condições indignas a que estavam submetidos os trabalhadores, sendo que o descumprimento de obrigações trabalhistas como anotação correta em CTPS, pagamentos de salários atrasados, por exemplo não ensejariam o enquadramento como labor em condições análogas a de escravo ou em condições degradantes. Todavia, ainda que não constatado o labor forçado; em jornadas extenuantes tampouco inviabilizado o direito de deixar o local, as condições em que se davam os locais destinados à alimentação, banho e repouso dos trabalhadores, por si só já atestam o desrespeito à dignidade destes, estando expostos à condições degradantes.

Logo, não há se falar em ausência de amparo fático a justificar as sanções administrativas adotadas em desfavor da autora, não havendo se falar, desde já, em qualquer mácula a sua imagem a justificar seu descabido pedido de indenização por dano moral, porquanto absolutamente legais e legítimas as penalidades havidas, inclusive a de sua inserção no rol dos integrantes dos exploradores de mão de obra em condições análogas a de escravo e/ou em condições degradantes.

Quanto à exclusão do nome da lista em razão do decurso de dois anos após a sua inserção, o artigo 4º da Portaria 540/04(5), aponta que nesse período haverá o monitoramento por parte da Fiscalização do Trabalho a fim de se constatar se não há reincidência, ficando a exclusão também condicionada à comprovação do pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.

Previamente à análise do atendimento ou não das condicionantes de pagamento, é oportuno mencionar que a própria autora aponta à fl. 06, no terceiro parágrafo do item 4, que a sua inclusão na lista se dera em dezembro de 2006, e tendo a presente ação sido proposta em outubro de 2008, nem mesmo os dois anos após a inclusão na lista teria transcorrido, o que poderia ensejar, de plano, o indeferimento da pretensão de exclusão pelo decurso do tempo.

Nada obstante essa circunstância e que poderia ensejar a extinção do feito sem julgamento de mérito, não o sendo em razão da sustentação exordial de que não haveriam fatos a ensejar a autuação praticada pelo órgão fiscalizador e que conduziram a inclusão do nome da autora na "Lista suja", tenho que as condicionantes para a exclusão previstas no §1º do artigo 4º da Portaria 540/04 não foram atendidas em sua integralidade, pois apesar de pagamento das multas de créditos trabalhistas, a resposta encaminhada pelo Serviço de Controle e Acompanhamento Tributário (SECAT) da Delegacia da Receita Federal desta Capital a ofício a ela encaminhada pelo Juízo, aponta que a autora, até de 20 de fevereiro de 2009, possuía débito previdenciário no importe de R$ 114.772,53 referentes apenas ao período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008, tendo havido o pagamento apenas referente aos meses de março a maio de 2008, conforme documentos de fl.471/473.

Em que pese a Autora, ao manifestar-se sobre tais documentos, tenha sustentado a ilegalidade dos débitos noticiados e que estes não teriam natureza previdenciária, não há nos autos qualquer indício de que tais débitos estejam sendo discutidos judicialmente, tampouco há qualquer prova de que estes não tenham vinculação com a presente controvérsia, cabendo apontar que estes são lançados como referentes a meses que integram os dois anos posteriores a inclusão do nome da reclamada na lista suja, o que sinaliza para a sua vinculação, merecendo mencionar que cabia à autora demonstrar que não haveria a conexão com a pretensão ora debatida.

Não atendida a condicionante legal de inexistência de débito previdenciário, não há se falar na exclusão do nome da reclamada do rol dos integrantes da "lista suja", razão pela qual, com as devidas vênias do douto Magistrado subscritor da decisão de fl.422/423, revogo-a autorizando a ré, União Federal, através do Ministério do Trabalho e Emprego, a proceder a imediata reinclusão do nome da autora no rol dos integrantes da "Lista Suja" instituída pela Portaria 540/2004 do Ministério Público do Trabalho e Emprego.

Arbitro em desfavor da parte autora e em benefício da ré, honorários advocatícios no percentual de 15% sobre o valor dado à causa, o que importa em R$ 3.000,00 (três mil reais).

III - DISPOSITIVO

Isso posto, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados por A. S. CARVÃO E LOGÍSTICA LTDA., nos autos do processo n. 01339.2009.007.23.00-7 proposto em desfavor da UNIÃO FEDERAL, nos termos da conforme Fundamentação, que passa a fazer parte integrante do presente Dispositivo para todos os efeitos legais.

Deferida a reinclusão do nome da autora no rol da lista criada pela Portaria 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego.

Custas às expensas do autor no importe de R$ 400,00, referentes as custas previstas no artigo 789, calculadas sobre R$ 20.000,00, dado à causa.

Condeno a parte autora a adimplir honorários sucumbenciais ao réu no importe de R$ 3.000,00, calculados sobre o valor dado à causa.

Em face da antecipação do julgamento tenho as partes como cientes do inteiro teor desta decisão a partir da data e horário previstos para publicação, ou seja, 02/10/2009, às 17:58 horas, conforme ata de fl.532.

Encaminhe-se cópia da presente decisão ao Parquet.

Nada mais.

Encerrou-se às 17:59 horas.

Nicanor Fávero Filho
Juiz do Trabalho

Renan Paz Ribeiro
Secretário de Audiências



Notas:

1 - FAVA, Marcos Neves. Combate ao trabalho escravo "lista suja" de empregadores e atuação da justiça do trabalho. Revista Ltr. São Paulo, v.69, n.11, p.1326-1332,2005. [Voltar]

2 - VIANA, Márcio Túlio. Op cit.. p.925-38. [Voltar]

3 - CESÁRIO, João Humberto. Breve estudo sobre o cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas a de escravo (Lista Suja):aspectos processuais e materiais. Trabalho escravo contemporâneo o desafio de superar a negação. VELLOSO, Gabriel. FAVA Marcos Neves, coordenadores, São Paulo, Ltr, 2006. [Voltar]

4 - Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I - contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) [Voltar]

5 - Art. 4º A Fiscalização do Trabalho monitorará pelo período de dois anos após a inclusão do nome do infrator no Cadastro para verificação da regularidade das condições de trabalho, devendo, após esse período, caso não haja reincidência, proceder a exclusão do referido nome do Cadastro.
§ 1º A exclusão do nome do infrator do Cadastro ficará condicionada ao pagamento das multas resultantes da ação fiscal, bem como, da comprovação da quitação de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.
§ 2º A exclusão do nome do infrator do Cadastro será comunicada aos órgãos de que tratam os incisos I a VIII do art. 3º. [Voltar]



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