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terça-feira, 27 de outubro de 2009

JURID - Ação Civil Pública. Improbidade administrativa. [27/10/09] - Jurisprudência


Ação Civil Pública. Improbidade administrativa. Cumulatividade de função comissionada e mandato de vereador. Impossibilidade.
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Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC.

Apelação Cível n. 2008.053337-6, de Maravilha

Relator: Des. Rui Fortes

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CUMULATIVIDADE DE FUNÇÃO COMISSIONADA E MANDATO DE VEREADOR - IMPOSSIBILIDADE - EXTENSÃO DA REGRA CONFERIDA AOS DEPUTADOS E SENADORES - ART. 54, "b", I E II, DA CF/88 - IMPOSIÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE 03 (TRÊS) REMUNERAÇÕES MENSAIS DO CARGO COMISSIONADO EXERCIDO ILEGALMENTE - SANÇÃO COMPATÍVEL COM O PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO - RECURSO PROVIDO.

"O exercício de mandatos eletivos por servidor público não é vedado na Constituição Federal, cujo art. 38, regula a situação dos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional investidos em mandatos eletivos. Por outro lado, é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, b, e II, b), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 25ª ed., p. 421 e 422).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.053337-6, da comarca de Maravilha (Vara Única), em que é apelante o Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelados Marli Fátima Agostini e Janir Antonio Signor:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público ajuizou ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra Marli Fátima Agostini e Janir Antônio Signor, ambos vereadores do município de Maravilha, objetivando, em suma, o afastamento dos réus dos cargos em comissão ocupados junto ao Poder Executivo Estadual; a primeira no cargo de Gerente da Saúde da Secretaria de Desenvolvimento Regional - Maravilha, e o segundo no cargo de Gerente do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional - Maravilha. Disse que o réus não estariam obedecendo às normas legais atinentes à vedação de cumulação de cargos públicos, pois exercem, simultaneamente, o cargo de Vereador e os cargos estaduais anteriormente mencionados, em clara afronta aos princípios da legalidade, da honestidade e da moralidade administrativas, previstos no art. 37, caput, da CF/88, no art. 11 da Lei n. 8.492/92, e nos arts. 43 e 44 da Lei Orgânica do Município de Maravilha. Por fim, após outras considerações, requereu a procedência da ação, para o fim de declarar-se a impossibilidade do exercício concomitante do cargo de Vereador junto ao município de Maravilha, com o cargo público demissível ad nutum junto ao Governo do Estado de Santa Catarina, bem como a condenação dos requeridos à devolução aos cofres públicos dos valores percebidos no exercício dos cargos em comissão que ostentavam, acrescidos de juros e correção monetária.

Notificados (fl. 160), os réus apresentaram contestação; a Sra. Marli Fátima Agostini arguiu, preliminarmente, a extinção da ação, ante a ausência de interesse e a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, defendeu a inexistência de ilegalidade de acumulação das funções de vereador e de Gerente de Saúde, pugnando, ao final, pela improcedência do pedido (fls. 165 a 180); o Sr. Janir Antônio Signor defendeu, em síntese, que não há ato de improbidade no fato de desempenhar a função de Vereador concomitantemente com a de Gerente do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Desenvolvimento Regional - Maravilha, uma vez que há compatibilidade de horário, devendo a presente ação ser extinta, com fulcro no art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/92 (fls. 182 a 198).

Na seqüência, sobreveio a r. sentença (fls. 210 a 214) que rejeitou a ação civil pública, com fulcro no art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/92, ante a inexistência de má-fé dos requeridos, prejuízo ao erário, improcedência da ação (pedido condenatório) e ausência de interesse de agir (pedido declaratório), consoante o art. 267, VI, do CPC. Sem condenação em custas e honorários.

Irresignado, o representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação, reeditando os argumentos expendidos na inicial, pugnando, ao final, pela reforma do decisum (fls. 218 a 226).

Apresentadas as contrarrazões pelos réus (fls. 230 a 259), a douta Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 267 a 286).

VOTO

Inicialmente, cumpre tecer algumas breves considerações acerca da ação civil pública, como meio adequado para a repressão de atos de improbidade.

Como é cediço, a ação civil pública é via processual adequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionais da Administração Pública e para a repressão a atos de improbidade administrativa, ou ainda atos lesivos, ilegais ou imorais praticados pelo administrador público, conforme preceito contido no art. 12 da Lei n. 8.429/92.

Sobre o tema, Alexandre de Moraes leciona:

"Portanto, a Lei da Ação Civil Pública é a lei processual, pelo que a hipótese motivadora da ação e possibilitadora da condenação por ato de improbidade administrativa baseia-se nas disposições da Lei n. 8.429/92, norma substantiva, de direito material, que foi editada para regulamentar as sanções previstas constitucionalmente no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, corroborando-se a lição de Pazzaglini, Elias Rosa e Fazzio, de que 'ação civil pública, no caso da improbidade administrativa, é ação civil de interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento para proteção de um bem, cuja preservação interessa à toda a coletividade'" (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 2ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 2.679).

Dessa forma, conclui-se que, no caso de apuração de ato de improbidade administrativa, a ação civil pública tem como norma "motivadora e possibilitadora da condenação" a Lei n. 8.429/92; contudo, o rito a ser obedecido é o previsto na Lei n. 7.347/85, até porque compatível com o estabelecido na Lei de Improbidade Administrativa.

Nesse sentido, a jurisprudência deste Tribunal:

"Não há qualquer impeditivo legal seja utilizada a Ação Civil Pública como meio processual para as demandas aforadas com substrato na Lei n. 8.429/92. Além do rito estabelecido no art. 17 desta norma ser o mesmo observado na Lei n. 7.347/85, há perfeita sintonia entre o objeto tutelado por uma e outra". (AC n. 1997.004885-8, de Criciúma. Rel. Des. Luiz Cézar Medeiros).

Feito o memento, passa-se à análise dos questionamentos suscitados pelos réus.

Na espécie, o MM. Juiz rejeitou a ação civil pública, com fulcro no art. 17, § 8º, da Lei n. 8.429/92, ante a inexistência de má-fé dos requeridos, prejuízo ao erário, improcedência da ação e ausência de interesse de agir, consoante o art. 267, VI, do CPC.

Frisa-se que todos os fundamentos sustentados pelo Magistrado a quo, ainda que relacionados como preliminar, estão mais relacionados à questão de procedência ou não do pedido (que deve ser apreciado na análise do mérito) do que com questões processuais que possam implicar na extinção prematura do feito.

Ademais, mesmo que os réus não estejam mais exercendo os cargos em comissão junto ao Poder Executivo Estadual, ainda assim não há falar em ausência de interesse de agir conforme entendeu o MM. Juiz, pois a declaração de impossibilidade de cumulação de cargos em comissão com cargo político, é pressuposto do pedido que visa à devolução dos valores percebidos "indevidamente" pelos réus, durante o exercício dos referidos cargos em comissão.

Dito isso, não se aplica ao caso o disposto no art. 515, § 3º, do CPC, pois ainda que o MM. Juiz tenha julgado extinta a ação, assim o fez mediante o enfrentamento do mérito.

Assim sendo, passa-se à análise da matéria de fundo.

O caso é de procedência parcial do pedido.

Compulsando os autos, constata-se que os réus, após serem empossados nos cargos de Vereadores do município de Maravilha, aceitaram a investidura em cargos comissionados junto ao Poder Executivo Estadual (Gerente de Saúde e Gerente do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Maravilha)

A Lei Orgânica do município de Maravilha, embasada no art. 54, "b", I e II, da Constituição Federal, o qual prevê a impossibilidade de Deputados e Senadores acumularem o exercício de seus cargos eletivos com outros demissíveis ad nutum, estendeu aos seus edis a aludida restrição.

Com efeito, embora a Constituição Federal não estabeleça em seu art. 38, III, a vedação de cumulação dos cargos públicos de Vereador e de outro cargo demissível ad nutum, preocupando-se apenas com a compatibilidade de horários das duas funções públicas exercidas, nada impede que a legislação municipal estabeleça outras restrições referentes à cumulação de cargos públicos por Vereadores, pois isso decorre da competência suplementar conferida aos Municípios pelo art. 30, II, da própria Constituição Federal, que lhes atribuiu a prerrogativa de aditar a legislação federal e a estadual no que couber.

Em verdade, a função de Vereador tem similitude com as de Deputado e Senador, concluindo-se que se a acumulação dos cargos eletivos com outros em comissão prejudica a fiscalização dos atos do Legislativo Federal e Estadual, da mesma forma interfere de modo prejudicial no âmbito do Legislativo Municipal.

A respeito, o mestre Hely Lopes Meirelles assinala que "o exercício de mandatos eletivos por servidor público não é vedado na Constituição Federal, cujo art. 38, regula a situação dos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional investidos em mandatos eletivos. Por outro lado, é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, b, e II, b), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF" (Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 25ª ed., p. 421 e 422).

Sobre o tema, igualmente leciona Celso Ribeiro Bastos:

"A partir da posse, os deputados e senadores não poderão ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis ad nutum, em pessoa jurídica de direito público, em autarquia, em empresa pública, em sociedade de economia mista e em concessionária de direito público.

"Funcionário ad nutum é aquele que ocupa função de confiança de livre provimento e exoneração. Não comporta estabilidade. O funcionário se mantém na função enquanto seu superior hierárquico pode contar com ele com lealdade. A perda da confiança nele depositada determina de pronto seu afastamento.

"Na verdade, seria uma arma a ser utilizada pela Administração, no sentido de que a não-obtenção de voto favorável do parlamentar acarretaria a sua demissão do cargo ad nutum.

"Todas essas proibições objetivam a moralização da vida pública, evitando que o parlamentar, ou se torne um agente passível de ser corrompido, ou um possível corruptor. Entretanto, mais do que isso, são elas, fundamentalmente, meios assecuratórios da independência e autonomia dos poderes entre si, pois a possibilidade de um agente interpenetrar, interferir na atividade de um agente de um ouro poder, quebraria a própria separação dos poderes" (Comentários à Constituição do Brasil, 4º vol., Tomo I, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 228).

Assim sendo, conclui-se que a decisão objurgada merece reparo, pois não observou o princípio da moralidade administrativa e o regime democrático de independência e harmonia entre os poderes.

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS - PRESENÇA DOS REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA REFORMADA - RECURSO PROVIDO.

O texto constitucional não autoriza o exercício simultâneo do mandato de vereador com função exonerável ad nutum em outro órgão público, razão pela qual torna-se prudente afastar o agente que incide em tal ilegalidade do seu cargo de confiança, pois caso contrário estar-se-ia tolerando a perpetração de um ato ilícito. (Agravo de instrumento n. 2006.001719-9, de Videira, rel. Des. Cid Goulart).

Recentemente, este Relator, analisando situação semelhante, assim decidiu:

[...]

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CUMULATIVIDADE DE FUNÇÃO COMISSIONADA E MANDATO DE VEREADOR - IMPOSSIBILIDADE - EXTENSÃO DA REGRA CONFERIDA AOS DEPUTADOS E SENADORES - ART. 54, "b", I E II, DA CF - CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - VERBA SUCUMBENCIAL INCABÍVEL, NA ESPÉCIE - RECURSO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROVIDO, E RECURSO DO ESTADO DESPROVIDO.

"O exercício de mandatos eletivos por servidor público não é vedado na Constituição Federal, cujo art. 38, regula a situação dos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional investidos em mandatos eletivos. Por outro lado, é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, b, e II, b), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF" (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 25ª ed., p. 421 e 422).

[...] (AC n. 2007.012753-4, de Tubarão, j. 21/7/2009).

Constatada que a cumulação de cargos públicos (comissionado e Vereador) se constitui em ato de improbidade administrativa, cumpre frisar que o pedido formulado pelo representante do Ministério Público quanto à condenação dos requeridos à devolução dos valores recebidos durante o exercício dos cargos demissíveis ad nutum junto ao Poder Executivo Estadual, sem requerer a aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/92, é perfeitamente possível na via da ação civil pública, a qual também serve como meio adequado à reparação de danos civis causados por ato de improbidade.

Dito isso, verifica-se que os réus acumularam com a vereança (legislatura de 2004/2008) o exercício de cargos comissionados junto ao Poder Executivo Estadual; (Gerente de Saúde e Gerente do Planejamento, Orçamento e Gestão da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional - Maravilha), o que lhes proporcionou um acréscimo pecuniário expressivo durante o referido período.

Destarte, considerada ilegal a acumulação dos cargos exercidos pelos réus, deve-se aplicar a sanção adequada e proporcional ao ato por eles praticado, ainda que o pedido do recorrente seja pela devolução aos cofres públicos do valor total percebido durante o exercício dos cargos em comissão, acrescido de juros e correção monetária.

Isso porque, quando os réus exerceram ilegalmente as funções comissionadas, concomitantemente com o cargo de Vereador, houve uma prestação de serviço junto ao ente Público Estadual, sendo, por isso, demasiado o pedido de devolução de todos os valores recebidos quando do desempenho do cargo em comissão, na medida em que deve haver uma contraprestação pelo serviço desempenhado.

Logo, entende-se razoável e proporcional a devolução do valor correspondente a 3 (três) remunerações mensais dos cargos comissionados exercidos ilegalmente junto ao Poder Executivo Estadual, a cada um dos réus, sanção que certamente cumprirá seu caráter pedagógico de coibir que venham a praticar novos atos de improbidade administrativa.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para julgar parcialmente procedente o pedido no sentido de condenar os réus ao pagamento correspondente a 3 (três) remunerações mensais dos cargos comissionados exercidos ilegalmente junto ao Poder Executivo Estadual, a título de indenização, a ser destinado em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina (Decreto Estadual n. 2.666/04, art. 4º).

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, decidiu a Terceira Câmara de Direito Público, por votação unânime, dar provimento ao recurso, para julgar parcialmente procedente o pedido no sentido de condenar os réus ao pagamento correspondente a 3 (três) remunerações mensais dos cargos comissionados exercidos ilegalmente junto ao Poder Executivo Estadual, a título de indenização, a ser destinado em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina (Decreto Estadual n. 2.666/04, art. 4º).

O julgamento, realizado no dia 15 de setembro de 2009, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Pedro Manoel Abreu, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desa. Substituta Sônia Maria Schmitz.

Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Exmo. Sr. Dr. André Carvalho.

Florianópolis, 17 de setembro de 2009.

Rui Fortes
Relator

Publicado em 27/10/09




JURID - Ação Civil Pública. Improbidade administrativa. [27/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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