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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

JURID - Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. [29/10/09] - Jurisprudência


Direito previdenciário. Pedido de uniformização de jurisprudência. Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. Tempo de serviço especial.


Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF Nº 2007.72.95.009899-2/SC

RELATORA: IVANISE CORREA RODRIGUES PEROTONI

RECORRENTE: VILSON JOAO DA CUNHA

ADVOGADO: Rodrigo Coelho e outros

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

ADVOGADO: Procuradoria-Regional do INSS

EMENTA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/ CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL - EPI. NEUTRALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. NÃO CONHECIMENTO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM APÓS 28/05/1998. POSSIBILIDADE.

1. Não havendo similitude fática entre a situação dos autos e os paradigmas invocados, não deve ser conhecido o pedido de uniformização no que respeita à descaracterização ou não da especialidade de tempo de serviço em razão do uso de equipamento de proteção individual - EPI.

2. Considerando que a Constituição Federal assegura, desde sua redação original, e mesmo após alterações posteriores pelas Emendas Constitucionais nºs 20 e 47, a adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria a segurado sujeito a condições especiais de trabalho, e, ainda, que continua em vigor o §5º, do artigo 57, da Lei nº 8.213/91, é possível a conversão de tempo de serviço especial para comum, mesmo após 28/05/1998.

3. Precedente da Turma Nacional de Uniformização (PEDILEF 200461840057125, Relatora Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, Data da decisão: 27/03/2009, DJ 22/05/2009; PEDILEF 200461842523437, Relator Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna, Data da decisão: 18/12/2008, DJ 09/02/2009) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1010028/RN, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008; REsp 956110/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 29/08/2007, DJ 22/10/2007 p. 367).

4. Incidente de uniformização de jurisprudência parcialmente conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional De Uniformização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, NÃO CONHECER EM PARTE DO INCIDENTE e, na parte conhecida, DAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 20 de outubro de 2009.

IVANISE CORREA RODRIGUES PEROTONI
Juíza Federal Relatora

RELATÓRIO

A presente ação foi ajuizada buscando a obtenção de aposentadoria especial ou aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividade especial nos períodos de 15/06/1976 a 12/06/1981, 23/09/1981 a 31/10/1985 e 01/04/1988 a 19/10/2005 (fls. 02/06).

Citado o INSS e instruído o feito, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o pedido inicial de concessão de aposentadoria especial, mediante o reconhecimento dos períodos de 15/06/1976 a 12/06/1981, 23/09/1981 a 31/10/1985, 01/04/1988 a 05/03/1997, 06/03/1997 a 01/07/1997, 02/07/1997 a 30/03/1999, 01/04/1999 a 28/06/2004 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial (fls. 250/254).

Inconformado, o INSS interpôs recurso (fls. 262/265), alegando que é indevida a conversão de tempo de serviço especial em comum após 28/05/1998, nos termos da Súmula nº 16, da Turma Nacional de Uniformização, e que é indevido o reconhecimento dos períodos de 02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial.

A 2ª Turma Recursal de Santa Catarina deu provimento ao recurso do INSS, nos seguintes termos:

"Trata-se de recurso do INSS objetivando a exclusão do reconhecimento das atividades especiais em 02.07.1997 a 30.03.1999 e 29.06.2004 a 19.10.2005. Argumenta a autarquia não ser possível o reconhecimento levado a efeito pela sentença porque os PPP das fls. 26/27 e 29/31 indicam que o nível de exposição ao agente ruído foi inferior ao limite mínimo exigido pela legislação de regência. Além disso, quanto à exposição a hidrocarbonetos aromáticos e radiações não ionizantes (solda), os formulários indicam a utilização de EPI's eficazes na neutralização da insalubridade. Defende o INSS, também, que a conversão de tempo especial em comum está limitada a 28.05.98, nos termos da súmula 16 da TNU.

(...).

O marco final de reconhecimento de labor especial, para fins de conversão em tempo de serviço comum, é 28/05/1998 (art. 28 da Lei 9.711/98).

No caso concreto, em relação ao período de 02.07.1997 a 30.03.1999, o PPP das fls. 26/27 indica que o autor trabalhou na empresa Multibrás S.A. Eletrodomésticos, na função de mecânico de manutenção, sob exposição a ruído de 81 a 89 dB(A) (o que foi confirmado pelo laudo técnico da fl. 228), hidrocarbonetos aromáticos e radiações não ionizantes (solda). Para o contato com hidrocarbonetos e radiações, como consta informação no PPP das fls. 26/27 de que EPI eficazes foram utilizados pelo autor, não é possível o reconhecimento da especialidade pretendida. Embora, em relação ao ruído, o uso de EPI não afaste a especialidade, no caso concreto não é possível o reconhecimento de atividade especial porque a legislação em vigor na época da atividade (Decreto 2.172/97) exigia que o contato com tal agente fosse superior a 90 decibéis. Vale aqui salientar, conforme já fundamentado acima, que o entendimento ora adotado é no sentido de que não há falar em aplicação retroativa da legislação mais beneficia ao segurado, mas sim o de que a legislação que deve regular os casos de contato com o ruído é aquela em vigor na época da prestação do serviço. Ressalto, também, que provavelmente conste também no laudo a eficácia dos EPI's, mas isso não pode ser constatado no caso concreto porque o autor não juntou todas as páginas do laudo que analisavam o seu cargo (da fl. 19 do laudo - fl. 228 dos autos, passa-se à fl. 187 do laudo - fl. 229 dos autos).

Em relação ao período de 29.06.2004 a 19.10.2005, o PPP das fls. 29/30 indica contato com ruído de 83,2 dB(A), radiação não-ionizante e hidrocarbonetos aromáticos. Em relação aos hidrocarbonetos e à radiação, não é possível o reconhecimento da especialidade das atividades porque o PPP noticia a utilização de EPI eficaz, o que o laudo confirma (fl. 240), além de apontar que o contato era eventual. Quanto ao ruído, tanto o PPP das fls. 29/30 como o laudo técnico referido, indicaram exposição de 83,2 dB(A). Considerando que o Decreto previdenciário em vigor na época das atividades (Decreto 4.882, de 18 de novembro de 2003) previu como especial o trabalho sob contato com ruído superior a 85 decibéis não é possível o reconhecimento pretendido pelo autor.

Quanto à hipótese jurídica de conversão de tempo de serviço especial somente até 28.05.1998, o uso da referida data como marco final à conversão em discussão não viola a Constituição, pois essa, ao assegurar o direito à aposentadoria especial, não o fez de forma idêntica sobre a possibilidade de conversão de tempo especial em comum. Tampouco há violação à legislação previdenciária, já que a regra inserta no art. 28 da Lei nº 9.711/98 garante a conversão em comum do tempo de atividade especial exercida somente até 28 de maio de 1998. Embora se trate de norma de transição para conversão em comum do tempo de atividade especial, a sua existência referindo-se a tal marco temporal só pode significar a revogação, ainda que tácita, das normas que garantiam tal direito, no que tange a atividade laboral desempenhada após essa data. No caso concreto essa limitação tem aplicabilidade quanto ao pedido sucessivo porque a pretensão principal deduzida na inicial objetiva o reconhecimento de todo o período laboral do autor como especial, mediante a concessão de aposentadoria aos 25 anos.

Diante do que foi decidido, após a exclusão do tempo de serviço especial reconhecido na sentença no período de 02.07.1997 a 30.03.1999 e 29.06.2004 a 19.10.2005, deverá o juiz de origem reverter o provimento que concedeu aposentadoria ao autor.

Dou por prequestionados os dispositivos normativos invocados pelo réu.

Diante da procedência do recurso do INSS, incabível condenação em honorários advocatícios de sucumbência" (fls. 280/282).

O autor interpôs, então, incidente de uniformização (fls. 283/304), alegando que a decisão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina diverge do entendimento da Turma Recursal do Rio Grande do Sul (Recurso Cível nº 200371120004373) e da 2ª Turma Recursal do Paraná (Recurso Cível nº 200570950140648).

Admitido o incidente de uniformização de jurisprudência pela Presidência da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina (fls. 306/307), os autos foram remetidos à Turma Regional de Uniformização, manifestando-se o Ministério Público Federal pelo conhecimento e parcial provimento do recurso (fls. 311/314).

É o relatório.

IVANISE CORREA RODRIGUES PEROTONI
Juíza Federal Relatora

VOTO

Admissibilidade.

Inicialmente incumbe reconhecer que o incidente de uniformização de jurisprudência foi interposto tempestivamente.

O pedido de uniformização, formulado pela parte autora, com fundamento no artigo 14, §1º, da Lei nº 10.259/01, no entanto, não deve ser conhecido, em parte.

O autor sustenta, em razões de incidente, que "a redação vigente do art. 58, da Lei nº 8.213/91, durante o período controverso, não previa o uso de EPI e/ou EPC como meios hábeis a elidir a nocividade dos agentes insalubres". Defende que "apenas a partir da vigência da Lei nº 9.732/98, que alterou a redação do art. 58, da Lei nº 8.213/91, é que se passou a exigir a elaboração de laudo técnico com expressa menção da utilização de equipamentos individuais ou coletivos de proteção, preceituando, que a redução ou neutralização do agente nocivo deverá ser considerada para fins de concessão da aposentadoria especial. Assim, para as atividades exercidas antes de 13/12/1998, o uso ou a existência do EPI não descaracteriza o seu enquadramento como especial".

Alega que é possível a conversão de tempo de serviço especial em tempo comum mesmo após 28/05/1998.

Sustenta que a decisão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina diverge do entendimento da Turma Recursal do Rio Grande do Sul (Recurso Cível nº 200371120004373) e da 2ª Turma Recursal do Paraná (Recurso Cível nº 200570950140648).

O precedente da Turma Recursal do Rio Grande do Sul (Recurso Cível nº 200371120004373) indicado como paradigma, em razões de pedido de uniformização, não divergem do acórdão recorrido, por falta de similitude fática.

Conforme já relatado, a presente ação foi ajuizada buscando a obtenção de benefício de aposentadoria, mediante o reconhecimento do exercício de atividade especial, o que foi julgado parcialmente procedente em primeira instância.

Não resignado, o INSS interpôs recurso, alegando que é indevida a conversão de tempo de serviço especial em comum após 28/05/1998, nos termos da Súmula nº 16, da Turma Nacional de Uniformização, e que é indevido o reconhecimento dos períodos de 02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial.

A 2ª Turma Recursal de Santa Catarina deu provimento ao recurso do INSS, constando no acórdão, in verbis:

"No caso concreto, em relação ao período de 02.07.1997 a 30.03.1999, o PPP das fls. 26/27 indica que o autor trabalhou na empresa Multibrás S.A. Eletrodomésticos, na função de mecânico de manutenção, sob exposição a ruído de 81 a 89 dB(A) (o que foi confirmado pelo laudo técnico da fl. 228), hidrocarbonetos aromáticos e radiações não ionizantes (solda). Para o contato com hidrocarbonetos e radiações, como consta informação no PPP das fls. 26/27 de que EPI eficazes foram utilizados pelo autor, não é possível o reconhecimento da especialidade pretendida. Embora, em relação ao ruído, o uso de EPI não afaste a especialidade, no caso concreto não é possível o reconhecimento de atividade especial porque a legislação em vigor na época da atividade (Decreto 2.172/97) exigia que o contato com tal agente fosse superior a 90 decibéis. Vale aqui salientar, conforme já fundamentado acima, que o entendimento ora adotado é no sentido de que não há falar em aplicação retroativa da legislação mais beneficia ao segurado, mas sim o de que a legislação que deve regular os casos de contato com o ruído é aquela em vigor na época da prestação do serviço. Ressalto, também, que provavelmente conste também no laudo a eficácia dos EPI's, mas isso não pode ser constatado no caso concreto porque o autor não juntou todas as páginas do laudo que analisavam o seu cargo (da fl. 19 do laudo - fl. 228 dos autos, passa-se à fl. 187 do laudo - fl. 229 dos autos).

Em relação ao período de 29.06.2004 a 19.10.2005, o PPP das fls. 29/30 indica contato com ruído de 83,2 dB(A), radiação não-ionizante e hidrocarbonetos aromáticos. Em relação aos hidrocarbonetos e à radiação, não é possível o reconhecimento da especialidade das atividades porque o PPP noticia a utilização de EPI eficaz, o que o laudo confirma (fl. 240), além de apontar que o contato era eventual. Quanto ao ruído, tanto o PPP das fls. 29/30 como o laudo técnico referido, indicaram exposição de 83,2 dB(A). Considerando que o Decreto previdenciário em vigor na época das atividades (Decreto 4.882, de 18 de novembro de 2003) previu como especial o trabalho sob contato com ruído superior a 85 decibéis não é possível o reconhecimento pretendido pelo autor." (fls. 280/282 - grifei).

No caso dos autos, portanto, no acórdão recorrido foi considerado indevido o reconhecimento dos períodos de 02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial, considerando que a exposição a agentes químicos era neutralizada pela utilização de EPI e que a exposição a ruído ocorria em nível inferior ao limite de tolerância, conforme as provas juntadas aos autos.

Já a Turma Recursal do Rio Grande do Sul, ao julgar o Recurso Cível nº 200371120004373, firmou o entendimento de que "a utilização de equipamento de proteção individual não presume, por si só, a neutralização do agente agressivo. São necessárias provas concretas da qualidade do equipamento, incluindo até mesmo a intensidade da proteção propiciada, em concreto, para o trabalhador. Não basta uma afirmação genérica e formal acerca do emprego dos equipamentos. É necessária a constatação concreta e palpável de que, no caso em apreço, os equipamentos atingiam seu desiderato".

A decisão recorrida, portanto, foi proferida no mesmo sentido da decisão da Turma Recursal do Rio Grande do Sul, pois não reconheceu os períodos controversos como especial (02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005), em razão da neutralização do agente nocivo pelo uso de EPI, comprovado pelas provas dos autos. Note-se que o não reconhecimento dos períodos de 02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial não se deu em razão da utilização de EPI, por si só, mas considerando a efetiva neutralização dos agentes químicos, pelo uso de EPI, comprovado nos autos.

Portanto, não demonstrada a divergência entre decisões sobre a aplicação do direito material, não deve ser conhecido o presente incidente de uniformização (Lei nº 10.259/01, artigo 14, §1º), em relação ao pedido de reconhecimento dos períodos de 02/07/1997 a 30/03/1999 e 29/06/2004 a 19/10/2005 como especial.

O autor alega ainda que a decisão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina diverge do entendimento da 2ª Turma Recursal do Paraná (Recurso Cível nº 200570950140648).

No acórdão recorrido foi firmado o seguinte entendimento:

"Quanto à hipótese jurídica de conversão de tempo de serviço especial somente até 28.05.1998, o uso da referida data como marco final à conversão em discussão não viola a Constituição, pois essa, ao assegurar o direito à aposentadoria especial, não o fez de forma idêntica sobre a possibilidade de conversão de tempo especial em comum. Tampouco há violação à legislação previdenciária, já que a regra inserta no art. 28 da Lei nº 9.711/98 garante a conversão em comum do tempo de atividade especial exercida somente até 28 de maio de 1998. Embora se trate de norma de transição para conversão em comum do tempo de atividade especial, a sua existência referindo-se a tal marco temporal só pode significar a revogação, ainda que tácita, das normas que garantiam tal direito, no que tange a atividade laboral desempenhada após essa data. No caso concreto essa limitação tem aplicabilidade quanto ao pedido sucessivo porque a pretensão principal deduzida na inicial objetiva o reconhecimento de todo o período laboral do autor como especial, mediante a concessão de aposentadoria aos 25 anos" (fls. 280/282).

Já a 2ª Turma Recursal do Paraná, ao julgar o Recurso Cível nº 200570950140648, firmou o entendimento de que é possível o reconhecimento do "direito à conversão após o limite fixado no art. 28 da Lei n. 9.711/98, desde que devidamente comprovado o exercício de labor especial".

Dessa forma, restou comprovada a divergência entre a decisão da 2ª Turma Recursal de Santa Catarina e o entendimento da 2ª Turma Recursal do Paraná, impondo-se o conhecimento do incidente de uniformização de jurisprudência quanto ao pedido de reconhecimento do direito de conversão de tempo de serviço especial em tempo comum, mesmo após 28/05/1998.

Uniformização.

Em suma, a controvérsia estabelecida nos autos diz respeito à possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum após 28/05/1998.

Cumpre anotar que a legislação previdenciária procura compensar o trabalhador pelo maior desgaste pessoal ou pelo risco a que é submetido no ambiente de trabalho, pela redução do tempo de serviço exigido para aposentadoria, ou pela possibilidade de transformação do tempo de serviço especial em comum.

A Constituição Federal de 1988 expressamente assegurou, originariamente no artigo 202, inciso II, a possibilidade de adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria a segurado sujeito a condições especiais de trabalho.

Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:

...

II - após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e, após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;

A Lei de Benefícios define a aposentadoria especial no seu artigo 57, a seguir transcrito:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

...

§ 3º O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e em atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito de qualquer benefício. (Redação original).

A Lei nº 9.032/95 alterou a redação do § 3º e acrescentou o § 5º, ao artigo 57, da Lei de Benefícios:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

...

§ 3º A concessão da aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

...

§ 5º O tempo de trabalho exercido sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão ao tempo de trabalho exercido em atividade comum, segundo critérios estabelecidos pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, para efeito de concessão de qualquer benefício. (Incluído pela Lei nº 9.032, de 1995).

A Medida Provisória nº 1.663-10/98, que alterou dispositivos das Lei nº 8.213/91, extinguiu a possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, revogando expressamente o § 5º, do artigo 57.

Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis nos 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.

...

Art. 32. Revogam-se a alínea 'c' do § 8º do art. 28 e os arts. 75 e 79 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, o § 5º do art. 57 e o art. 127 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e o art. 29 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

No entanto, a Lei nº 9.711/98, de conversão da Medida Provisória nº 1.663-15/98, manteve a redação do artigo 28, mas excluiu do seu artigo 32 a revogação do § 5º, do art. 57 da Lei de Benefícios.

Art. 28. O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998, sob condições especiais que sejam prejudiciais à saúde ou à integridade física, nos termos dos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 1991, na redação dada pelas Leis nos 9.032, de 28 de abril de 1995, e 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e de seu regulamento, em tempo de trabalho exercido em atividade comum, desde que o segurado tenha implementado percentual do tempo necessário para a obtenção da respectiva aposentadoria especial, conforme estabelecido em regulamento.

...

Art. 32. Revogam-se a alínea 'c' do § 8º do art. 28 e os arts. 75 e 79 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, o art. 127 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e o art. 29 da Lei nº 8.880, de 27 de maio de 1994.

Ou seja, a revogação expressa do § 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91 deixou de existir, persistindo apenas a limitação temporal do art. 28, da Lei nº 9.711/98.

Em 15 de dezembro 1998 foi publicada a Emenda Constitucional n.º 20/98 que deu nova redação ao artigo 201 da Constituição, mantendo a possibilidade de adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria a segurado sujeito a condições especiais de trabalho:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

...

§ 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

O artigo 15, da referida Emenda Constitucional, determina expressamente que, "Até que lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º da Constituição Federal, seja publicada, permanece em vigor o disposto nos arts. 57 e 58 da Lei 8.213, de 24.07.1991, na redação vigente à data da publicação desta Emenda".

Em outras palavras, a possibilidade de conversão da atividade especial em comum, prevista no § 5º, do art. 57, da Lei nº 8.213/91 restou expressamente mantida pelo art. 15, da EC nº 20/98, uma vez que este dispositivo não fora revogado pela Lei nº 9.711/98, pois a previsão original de revogação existente nas medidas provisórias que a antecederam presume-se intencionalmente excluída.

Se não bastasse isso, o Decreto nº 4.827, de 2003, deu nova redação ao artigo 70 do Decreto nº 3.048/99, ainda vigente:

Art. 70. A conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dar-se-á de acordo com a seguinte tabela:

... omissis ...

§ 2º As regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.

Em 05/07/2005, foi promulgada a EC 47 que deu nova redação ao artigo 201 da Constituição:

Art. 201. § 1º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.

Assim, considerando que a Constituição Federal assegura, desde sua redação original, e mesmo após alterações posteriores pelas EC nos 20 e 47, a adoção de critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria a segurado sujeito a condições especiais de trabalho, e, ainda, que continua em vigor o § 5º, do artigo 57, da LBPS, é possível o reconhecimento de tempo de serviço especial para fins de conversão em tempo de serviço comum após 28/05/1998, o que, inclusive, vem sendo reconhecido pelo INSS na seara administrativa em inúmeros casos.

Cumpre anotar que essa discussão já se encontra uniformizada no âmbito da Turma Nacional de Uniformização, conforme ementas a seguir transcritas.

EMENTA: CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO A 28 DE MAIO DE 1998. INEXISTÊNCIA DE ARRIMO LEGAL. 1. Conquanto tenha a Medida Provisória nº 1.663-10, de 28.05.1998, em seu artigo 28, determinado, de maneira expressa, a revogação do § 5º do artigo 57 da Lei nº 8.213, de 1991, não se manteve tal determinação na lei de conversão respectiva (a Lei nº 9.711, de 20.11.1998). 2. O fato de o Decreto nº 3.048, de 1999, na redação original de seu artigo 70, haver regulamentado a conversão do tempo de serviço exercido até 28.05.1998, não desautoriza tal conclusão, eis que não poderia dispor diferentemente da lei em sentido formal. Ademais, a própria redação de tal artigo 70 do Decreto veio a ser alterada (através do Decreto nº 4.827, de 2003), de modo que, atualmente, estatui serem as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum dele constantes aplicáveis "ao trabalho prestado em qualquer período". 3. Não prospera o argumento de que, a despeito de haver suprimido a revogação expressa do artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213/1991, teria a Lei nº 9.711/1998, através de seu artigo 28 (o qual, como visto, estatui que "O Poder Executivo estabelecerá critérios para a conversão do tempo de trabalho exercido até 28 de maio de 1998"), mantido a vedação à conversão de tempo de serviço especial em comum. Não se poderia supor que o legislador, deliberadamente, tenha suprimido um dispositivo de dicção clara e direta - "Revogam-se (...) o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991", tal como estatuía a redação original da MP, antes da conversão em lei -, para proibir a conversão do tempo de serviço de maneira subliminar e indireta, através do citado artigo 28. 4. Pedido de uniformização conhecido e improvido.

(Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200461840057125, Relatora Juíza Federal Joana Carolina Lins Pereira, Data da decisão: 27/03/2009, DJ 22/05/2009).

EMENTA PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO LABORADO SOB CONDIÇÕES NOCIVAS À SAÚDE EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE DA CONVERSÃO EM QUALQUER ÉPOCA, POR NÃO TER A LEI Nº 9.711/98 REVOGADO O ART. 57, § 5º DA LEI Nº 8.213/91. APLICAÇÃO DO FATOR MULTIPLICADOR VIGENTE À ÉPOCA EM QUE SE COMPLETAM AS CONDIÇÕES E É FORMULADO O PEDIDO DE APOSENTADORIA, E NÃO NA ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EMENDAS CONSTITUCIONAIS N°S 20/98 E 47/05 REAFIRMARAM A VIGÊNCIA DO ART. 57 DA LEI Nº 8.213/91. AUSÊNCIA DE LIMITES À CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL PARA COMUM. RECURSO CONHECIDO E NEGADO. PROPOSTA DE REVISÃO DA SÚMULA N° 16 DA TNU.

(Turma Nacional de Uniformização, PEDILEF 200461842523437, Relator Juiz Federal Manoel Rolim Campbell Penna, Data da decisão: 18/12/2008, DJ 09/02/2009).

Cumpre anotar ainda que a Súmula 16, da Turma Nacional de Uniformização ["A conversão em tempo de serviço comum, do período trabalhado em condições especiais, somente é possível relativamente à atividade exercida até 28 de maio de 1998 (art. 28 da Lei nº 9.711/98)"], foi cancelada em 27/03/09 (DJ 24/04/2009).

Nesse mesmo sentido é a recente orientação do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO.

1. Com as modificações legislativas acerca da possibilidade de conversão do tempo exercido em atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28/05/1998. Precedente desta 5.ª Turma.

2. Recurso especial desprovido.

(REsp 1010028/RN, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/02/2008, DJe 07/04/2008).

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSENTADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE.

1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética.

2. Tratando-se de correção de mero erro material do autor e não tendo sido alterada a natureza do pedido, resta afastada a configuração do julgamento extra petita.

3. Tendo o Tribunal a quo apenas adequado os cálculos do tempo de serviço laborado pelo autor aos termos da sentença, não há que se falar em reformatio in pejus, a ensejar a nulidade do julgado.

4. O Trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, para fins de aposentadoria comum.

5. Recurso Especial improvido.

(REsp 956110/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 29/08/2007, DJ 22/10/2007 p. 367).

Portanto, o presente incidente de uniformização de jurisprudência deve ser conhecido e provido, para uniformizar o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço especial, para fins de conversão em comum, mesmo após 28/05/1998.

Os autos deve ser devolvido à 2ª Turma Recursal de Santa Catarina, para análise da situação concreta e adequação do julgado, observando-se o entendimento uniformizado.

Ante o exposto, voto por NÃO CONHECER EM PARTE DO INCIDENTE e, na parte conhecida, DAR PROVIMENTO AO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA.

IVANISE CORREA RODRIGUES PEROTONI
Juíza Federal Relatora

D.E. Publicado em 29/10/2009




JURID - Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição. [29/10/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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