Penal. Tráfico internacional de drogas. Arts. 33 E 40, I, da lei N=nº 11.343/2006. Bis In Idem
Tribunal Regional Federal -TRF5ªR
APELAÇÃO CÍVEL - DANO MORAL - AGRESSÕES VERBAIS E FÍSICAS NO LOCAL DE TRABALHO DA VÍTIMA - PRESENÇA DE COLEGASAPELAÇÃO CRIMINAL Nº 7491-CE (2009.81.00.004087-2)
APTE: CAMILE JAQUI KEISER
REPTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM: 11ª VARA FEDERAL (PRIVATIVA EM MATÉRIA PENAL) - CE
RELATOR: DES. FEDERAL BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ (Convocado)
EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 33 E 40, I, DA LEI Nº 11.343/2006. BIS IN IDEM. QUANTIDADE DA DROGA. FIXAÇÃO DE PENA BASE E DA CAUSA DE AUMENTO. INOCORRÊNCIA. EXCLUDENTES DE ILICITUDE E DE CULPABILIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA DIVERSA. INOCORRÊNCIA DE SITUAÇÃO EXCEPCIONAL AUTORIZADORA. RANSNACIONALIDADE DO TRÁFICO. PRISÃO NA IMINÊNCIA DE EMBARQUE EM VOO INTERNACIONAL. CAUSA DE AUMENTO. APLICAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA, ART. 41, LEI Nº 11.343/2006. INFORMAÇÕES VAGAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE APROVEITAMENTO.MINORANTE DO ART. 33, § 4º, LEI Nº 11.343/2006. AGENTE REINCIDENTE NA MESMA AÇÃO DELITIVA. INAPLICAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO DA APELAÇÃO DA ACUSADA.
I. Diante das consequências do tráfico de entorpecentes, o qual é de ser considerado um crime que abala sobremaneira a estrutura social e a saúde pública, não há que se entender pela inexistência de lesão a bem jurídico de terceiro, não se podendo, ainda, deixar impune qualquer pessoa que contribua, em qualquer escala, para o seu êxito.
II. Dificuldades financeiras não caracterizam por si só o estado de necessidade que corroboraria a excludente de ilicitude, cabível tão somente em situações excepcionais, quando nenhuma outra atitude poderia ser esperada, tendo em vista que outros comportamentos, e não a prática do crime, devem se fazer presentes.
III. A circunstância de a droga haver sido apreendida ainda em território nacional, pela pronta ação policial quando da iminência do embarque em voo com destino a outro país, não descaracteriza a transnacionalidade do tráfico.
IV. A confissão do delito autoriza a aplicação do previsto no art. 65, III, "d" do CP. Contudo, para a concessão da benesse do art. 41 da Lei nº 11.343/2006, as informações não podem se apresentar vagas, sem um maior aproveitamento na persecução penal.
V. Apelação da parte ré parcialmente provida para reduzir a pena-base de 07 (sete) anos para 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão e reduzir a majorante de transnacionalidade do art. 40, I de 1/3 (um terço) para 1/6 (um sexto).
VI. Pena privativa de liberdade fixada, ao final, em 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão. Pena de multa proporcionalmente reduzida para 300 (trezentos) dias-multa com valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CRIMINAL, em que são partes as acima mencionadas.
ACORDAM os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.
Recife, 13 de julho de 2010.
Des. Federal Margarida Cantarelli
Relatora
RELATÓRIO
O Exmº Des. Federal BRUNO LEONARDO CÂMARA CARRÁ (Relator Convocado):
Cuida-se de apelação interposta contra sentença, proferida em 10 de março de 2010 (fls. 156/167), que julgou procedente a pretensão punitiva para condenar CAMILLE JAQUI KEYSER, cidadã sul-africana, pelo cometimento da ação delitiva descrita no art. 33, caput, e/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e à pena de multa de 600 (seiscentos) dias-multa, cada qual valorado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, além das custas processuais.
Diz a denúncia (fls. 96/99) que a acusada foi presa em flagrante em 14 de setembro de 2009, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, quando tentava embarcar no vôo TACV-661 168, com destino à cidade de Praia, capital de Cabo Verde, transportando 1.611,79g (mil, seiscentos e onze gramas e setenta e nove centigramas) de cloridrato de cocaína em sua bagagem, já despachada após check in.
Noticia, ainda, haver ela confessado, perante a autoridade policial, a ação ilícita, pela segunda vez em território brasileiro, tendo recebido, quando da primeira ação, em julho de 2009, pelo transporte de cocaína de São Paulo ao Senegal, US$ 4.000,00 (quatro mil dólares estadunidenses) e, na presente ação, US$ 3.500,00 (três mil e quinhentos dólares estadunidenses).
Em suas razões de apelo (fls. 188/201), aduz estado de necessidade e inexigibilidade de conduta diversa, afastando, por conseguinte, a própria ilicitude e a culpabilidade da conduta; fixação da pena-base acima do mínimo legal, em especial em atenção ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a agente é primária e de bons antecedentes; ocorrência de bis in idem ao ser considerada a natureza e a quantidade da droga apreendida em duas ocasiões: fixação da pena-base acima do mínimo legal e na aplicação da majorante prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006; não aplicação, em seu máximo, da minorante do art. 22, § 4º, do mesmo diploma legal; não observância da causa especial de redução da pena prevista no art. 41; e não aplicação da causa de aumento da transnacionalidade, por não chegar a sair do país.
Em contrarrazões (fls. 201/212), o Ministério Público Federal pugna pelo improvimento do recurso.
Subiram os autos, sendo-me conclusos por força de distribuição.
O Parquet Federal, em parecer de fls. 219/233, opina no sentido de ser desprovido o apelo. É o relatório.
Ao Revisor.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7491-CE (2009.81.00.004087-2)
APTE: CAMILE JAQUI KEISER
REPTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ORIGEM: 11ª VARA FEDERAL (PRIVATIVA EM MATÉRIA PENAL) - CE
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL MARGARIDA CANTARELLI
VOTO
A Exmª Des. Federal MARGARIDA CANTARELLI (Relatora):
A ré CAMILE JAQUI KEISER pretende em seu apelo a absolvição, à míngua de sua conduta derivar de estado de necessidade na qual se encontrava, o qual não lhe permitiu conduta diversa.
Insurge-se, também, pugnando pela reforma da sentença condenatória, pela fixação da pena-base em 7 (sete) anos, acima do mínimo legal, baseando-se na natureza e na quantidade da droga apreendida, não fazendo jus ao princípio da proporcionalidade, uma vez que a agente é primária e de bons antecedentes, bem como ocorrer bis in idem na aplicação da majorante do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006.
Ainda, a aplicação da minorante (art. 33, § 4º) no seu máximo, por lhe serem favoráveis as circunstâncias exigidas, bem como observar a causa especial de redução da pena prevista no art. 41, e a não aplicação da causa de aumento da transnacionalidade (art. 40, I).
No tocante à alegada antijuridicidade diante do estado de necessidade, vejo-a frágil diante das consequências do tráfico de entorpecentes, o qual é de ser considerado um crime que abala sobremaneira a estrutura social e a saúde pública, não se podendo deixar impune qualquer pessoa que contribua, em qualquer escala, para o seu êxito, pelo que afasto a pretensão de vir a ré a ser absolvida, acrescentando que tal situação, por si só, não corrobora a excludente, cabível tão somente em situações excepcionais, quando nenhuma outra atitude poderia ser esperada, eis que outros comportamentos poderiam ser esperados, e não a prática do crime, pois inúmeros são os exemplos que contradizem o alegado.
Sobre a pena-base, considero-a excessiva por se tratar de mera transportadora internacional de drogas, conhecida nos meios policiais como "mula".
Lembro que o art. 42 da Lei nº 11.343/2006 estabelece quatro critérios centrais para a fixação inicial da pena, quais sejam: a) a natureza do produto; b) a quantidade apreendida; c) a personalidade do agente; d) sua conduta social. Logo, não se deve considerar apenas um valor numérico como referência, sendo possível valorar também o perfil da agente.
No caso concreto, a ré Camile Jaqui Keiser agiu como "mula", sendo remunerada por terceiros para atuar no tráfico internacional de drogas. Ou seja, não há registro de propensão ao crime que justifique pena mais severa. Além disso, não consta dos autos qualquer traço negativo sobre sua conduta social. Por fim, considero que a apreensão pouco superior a 1 (um) quilo de cocaína, para os que agem como "mula" na conduta delituosa, não foge do patamar usual, sendo bastante severa a pena-base de 07 (sete) anos, embora também seja pouco razoável fixá-la no mínimo legal.
Assim, em juízo de proporcionalidade sobre a situação pessoal da ré, parece-me mais adequada a fixação da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão, correspondendo esse ligeiro aumento à potencialidade lesiva da droga apreendida e à sua quantidade, tomada objetivamente neste exame.
Já sobre a causa de aumento prevista no art. 40, I da Lei nº 11.343/2006, verifico a incidência de bis in idem, ao se considerar, para a majoração da pena, os mesmos elementos já valorados quando da fixação da pena-base, e não apenas questões atinentes à transnacionalidade da droga.
Neste ponto, inclusive, não se observando o descrito nos demais incisos do art. 40 da já mencionada legislação repressiva, mas tão somente a um deles, no caso o relativo à transnacionalidade, vejo oportuna a redução da majorante fixada na sentença, de 1/3 (um terço) da pena para o mínimo ali cominado, qual seja para 1/6 (um sexto).
Aqui, esclareço não haver como acompanhar a tese expendida pela defesa, da inaplicação da majorante em vista da droga haver sido apreendida ainda em território nacional.
Ora, ao ser presa em flagrante delito, a acusada encontrava-se na iminência de embarcar com a droga para fora do país, com destino a Cabo Verde, o que evidencia, como descrito no dispositivo legal, a transnacionalidade do delito, diante do empreendimento de viagem aérea, para a qual já efetivara os procedimentos necessários de check in, com origem no Brasil e destino final, e ainda possíveis escalas/conexões, fora do território brasileiro, o que demonstra não ser mera intenção delitiva de transpor a fronteira.
No tocante à pretendida aplicação da minorante do art. 41 da Lei nº 11.343/2006, refuto o alegado na apelação, utilizando como fundamento, pela sua lucidez e acerto, o parecer ministerial, verbis:
Em relação ao pleito da apelante em reduzir a pena base com fulcro na causa de diminuição prevista no art. 41 da Lei nº11.343/2006, inexiste nos autos prova da efetiva colaboração da acusada na atividade investigativa, porquanto a recorrente se limitou a declinar o nome de duas pessoas, "James" e "Sam", que, supostamente, a teriam contratado para o transporte da droga.
Contudo, a ré não informou o nome completo dessas pessoas, tampouco onde poderiam ser localizadas, tornando impossível a identificação das mesmas, inexistindo, ainda, garantia de que sejam verdadeiros os nomes informados.
Apenas a reforçar a inaplicabilidade da minorante do art. 41 da Lei nº 11.343/2006, trago à colação excerto de julgado desta Quarta Turma (ACR nº 6118/CE, Rel. Margarida Cantarelli, julgado em 03/02/2008:
PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ARTS. 33 E 40, I, DA LEI
Nº 11.343/2006. (...) ART. 41, LEI Nº 11.343/2006. INFORMAÇÕES VAGAS.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE APROVEITAMENTO. (...)
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VI. A confissão do delito autoriza a aplicação do previsto no art. 65, III, "d", CP, contudo para a concessão da benesse do art. 41 da Lei nº 11.343/2006, as informações não podem se apresentar vagas, sem um maior aproveitamento na persecução penal.
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Já sobre a aplicação do art. 33, §4º como minorante do chamado "tráfico privilegiado", não identifico razão suficiente para deixar de aplicá-la em favor de Camile Jaqui Keiser.
Além de primária e de bons antecedentes, resta claro que a ré, ora apelante, não integra a organização criminosa responsável pelo tráfico internacional de cocaína entre a América do Sul e a Europa. O simples fato de ter praticado conduta semelhante poucos meses antes, transportando carga de cocaína entre Manaus e o Senegal, não pode servir como argumento para que se denegue a causa de diminuição. É possível, assim, fixar a redução nesta fase em 1/6 (um sexto).
Posto isso, dou parcial provimento à apelação para: a) reduzir a pena-base de 07 (sete) anos para 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão; b) reduzir a majorante de transnacionalidade do art. 40, I de 1/3 (um terço) para 1/6 (um sexto).
Em virtude da reforma parcial da sentença, procedo à nova dosimetria da pena.
Se for tomada a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão, sendo aplicada, na segunda fase do sistema trifásico a atenuante genérica do art. 65, III, "d", CP e impossível a redução para abaixo do mínimo legal, resta a pena provisória fixada em 05 (cinco) anos de reclusão.
Com o novo patamar fixado para a majorante do art. 40, I, em 1/6 (um sexto), elevo a pena para 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
Já com o cálculo da minorante do art. 33, §4º em 1/6 (um sexto), tem-se como pena definitiva 04 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, com cumprimento em regime inicialmente fechado nos termos da sentença.
Por se tratar de fixação abaixo do mínimo legal em função da causa de diminuição, deve também a multa ser reduzida proporcionalmente. Assim, nos termos do art. 33 c/c art. 43 da Lei nº 11.343/2006, fixo a pena de multa em 300 (trezentos) dias-multa, com valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo.
É como voto.
JURID - Penal. Tráfico internacional de drogas. Bis In Idem. [19/07/10] - Jurisprudência
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