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sexta-feira, 23 de julho de 2010

JURID - Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. [23/07/10] - Jurisprudência


Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço. Data escolhida pelo produtor rural.
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Superior Tribunal de Justiça - STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 910.537 - GO (2006/0270411-5)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: EDUARDO DIAS

ADVOGADO: OSVALDO BONIFÁCIO JUNIOR

RECORRENTE: COMÉRCIO E INDÚSTRIA BRASILEIRAS COIMBRA S/A

ADVOGADOS: BEATRIZ M A CAMARGO KESTENER

NANCY GOMBOSSY M FRANCO E OUTRO(S)

RAFAEL FERNANDES MACIEL E OUTRO(S)

ADVOGADA: MIRIAN DE FATIMA LAVOCAT DE QUEIROZ

RECORRIDO: OS MESMOS

EMENTA

Direito Agrário. Contrato de compra e venda de soja. Fechamento futuro do preço, em data a ser escolhida pelo produtor rural. Ausência de abusividade. Emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) em garantia da operação. Anulação do título, porquanto o adiantamento do preço consubstanciaria requisito fundamental. Reforma da decisão. Reconhecimento da legalidade da CPR. Precedente.

1 - A Lei 8.929/94 não impõe, como requisito essencial para a emissão de uma Cédula de Produto Rural, o prévio pagamento pela aquisição dos produtos agrícolas nela representados. A emissão desse título pode se dar para financiamento da safra, com o pagamento antecipado do preço, mas também pode ocorrer numa operação de 'hedge', na qual o agricultor, independentemente do recebimento antecipado do pagamento, pretende apenas se proteger contra os riscos de flutuação de preços no mercado futuro.

2- A Cédula de Produto Rural é um título de crédito e, como tal, é regulada por princípios como o da cartularidade e da literalidade, consubstanciando um título representativo de mercadoria. Para que ela possa desempenhar seu papel de fomento agrícola, é importante que se confira segurança ao negócio, garantindo que, no vencimento da cártula, os produtos por ela representados sejam efetivamente entregues.

3- O pagamento pela safra representada no título pode se dar antecipadamente, parceladamente ou mesmo após a entrega dos produtos. Ele poderá estar disciplinado na própria Cédula de Produto Rural, mediante a inclusão de cláusulas especiais com esse fim, como autoriza o art. 9º da Lei 8.929/94, ou poderá constar de contrato autônomo, em relação ao qual a Cédula de Produto Rural funcionará como mera garantia.

4- Inexiste abusividade na assinatura de promessa de compra e venda envolvendo safra agrícola, com fixação futura de preço. A determinação do preço em data futura não representa condição potestativa na hipótese em que é dado ao agricultor optar pela data na qual a operação será fechada. Referida modalidade de contratação representa importante instrumento à disposição do produtor rural, para planejamento de sua safra, disponibilizando-lhe mecanismos para se precaver contra oscilações excessivas de preço.

Recurso especial conhecido e provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 25 de maio de 2010(Data do Julgamento).

MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por EDUARDO DIAS, visando impugnar acórdão exarado pelo TJ/GO no julgamento de recurso de apelação.

Ação: de nulidade de Cédula de Produto Rural (CPR) e desconstitutiva de contrato de compra e venda de soja, proposta por EDUARDO DIAS em face de INDÚSTRIAS BRASILEIRAS COINBRA S/A.

O autor alega que firmou com a ré contrato mediante o qual se comprometeu a vender 1.000 sacas de soja por ocasião da colheita, vinculando a um Cédula de Produto Rural (CPR). Ocorre que, pela versão exposta na inicial, o contrato conteria uma série de irregularidades, entre elas: (i) o pagamento pela safra contratada não se deu de forma antecipada, do que decorreria a nulidade da CPR; (ii) o preço pela soja foi fechado, pela ré, em valor inferior ao praticado no mercado; (iii) o contrato deveria ser rescindido por onerosidade excessiva; (iv) haveria cláusulas abusivas no contrato de adesão; (v) a multa, fixada em 10%, não poderia ter excedido a 2%; (vi) a ré se valeu da inexperiência do autor ao contratar, do que decorreria lesão; (vii) o autor não teria meios para entregar a produção, visto que a safra fora prejudicada pela praga Ferrugem, consubstanciando caso fortuito ou de força maior; (viii) haveria ofensa ao princípio da função social do contrato que, no entender do autor, estaria direcionado à defesa do agricultor.

Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados para o fim de declarar nula a CPR, por falta de antecipação do preço, e reduzir a multa contratual ao patamar de 5%. Por mim, reputou válido o contrato, julgando improcedentes os pedidos de nulidade e desconstituição dessa avença.

Acórdão: deu provimento à apelação do produtor rural e negou provimento à apelação de Coinbra (fls. 722 a 745, 5º vol.), nos termos da seguinte ementa:

"DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA A TERMO. LESÃO CONTRATUAL E ONEROSIDADE EXCESSIVA. NÃO OCORRÊNCIA. FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. NÃO OBSERVÂNCIA. NULIDADE. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. AUSÊNCIA DE ADIANTAMENTO DE PREÇO. DESCARACTERIZAÇÃO.

1. Não havendo prova de que o produtor rural assinou o contrato sobre premente necessidade, nem verossimilhança na alegação de inexperiência de sua parte, não se há de falar em lesão contratual, ainda mais quando a alegada desproporção das prestações contratuais decorre de fato posterior à contratação. Ressalte-se, ademais, que a paridade de conhecimento e experiência entre os contratantes não constitui, por si só, fato suficiente à caracterização da lesão. 2. - A ocorrência de praga nas lavouras e as oscilações do mercado financeiro não são fatos imprevisíveis e/ou extraordinários, e, assim, não constituem motivos suficientes para ensejar a rescisão do contrato por onerosidade excessiva. 3 - Verificado que o contratante hipersuficiente, valendo-se de sua supremacia financeira, impôs ao outro contratante condições contratuais que, ao tempo da execução do contrato, revelaram-se potencialmente danosas ao perfeito e duradouro funcionamento da cadeia produtiva de grãos, impõe-se a rescisão do referido ajuste, por inobservância da função social do contrato. 4 - A 'mens legis' do diploma legal que criou a Cédula de Produto Rural (Lei nº 8.929/94) era de criar um título de crédito que propiciasse o fomento da atividade agrícola através da capitalização do produtor rural, e não a de dotar o beneficiário de mais um instrumento de coação deste mesmo produtor. Assim, é nula a Cédula de Produto Rural com garantia pignoratícia e hipotecária quando emitida por imposição abusiva do contratante financeiramente hegemônico, e sem que haja o adiantamento de qualquer parcela do preço ao emitente."

Recurso especial: foi interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Alega-se violação dos arts. 3º e 11 da Lei nº 8.929/94, 458 e 535 do CPC e 421,422, 478, 481 e 482 do CC/02, além de dissídio jurisprudencial.

Admissibilidade: o recurso foi admitido na origem.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitação da lide

Cinge-se a lide a definir a validade de um contrato de compra e venda futura de soja e de Cédula de Produto Rural a ele vinculado. A discussão se estabelece em torno dos seguintes elementos: (i) suposta existência de lesão contratual; (ii) possível onerosidade excessiva; (iii) ofensa à função social do contrato; e (iv) invalidade da CPR por falta de antecipação do pagamento do preço.

II - Negativa de prestação jurisdicional: ofensa ao art. 535 do CPC

O acórdão recorrido manifestou-se sobre todos os pontos suscitados nas apelações, inclusive sobre os vários temas enumerados nas razões recursais e reputados de omissos ou contraditórios, alcançando solução tida como a mais justa e apropriada para a hipótese vertente. O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. O Tribunal não está obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC, utilizando-se dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso.

Dessa forma, está correta a rejeição dos embargos de declaração, visto que inexiste omissão ou contradição a ser sanada e, por conseguinte, ausência de ofensa ao art. 535 do CPC.

III - A função social do contrato: arts. 421 e 422 do CC/02

O acórdão recorrido afastou a ocorrência de lesão (fls. 722 a 724) e de onerosidade excessiva (fls. 725 a 732). Assim, não há interesse para a parte em discutir suposta violação do art. 478 do CC. A tese acolhida pelo TJ/GO foi a de que o contrato descumpriu sua função social (fls. 732 a 738). O motivo seria o de que a recorrente teria imposto ao recorrido a aceitação de cláusulas contratuais desvantajosas, notadamente quanto à fixação de preço e emissão da CPR. Assim, para análise da tese de má aplicação do princípio da função social dos contratos, o recurso especial deverá ser analisado sob duas óticas: por um lado, a da violação do art. 422 do CC/02; por outro, a possibilidade de comprometimento da safra mediante emissão de CPR sem antecipação de preço, conduzindo à violação aos arts. 3º e 11 da Lei 8.929/94.

III.1) A fixação do preço

Com o advento do CC/02, consolidou-se uma tendência já iniciada sob a égide da lei anterior - de se considerar o contrato não apenas um mero instrumento regulatório de interesses privados, mas um elemento que fomenta a circulação e, principalmente, a criação de riquezas, em benefício de todo o tecido social. Disso decorreria que não apenas as partes, mas toda a sociedade seria interessada no melhor desenvolvimento das relações contratuais. Essa ideia, que encerra o embrião do princípio da função social do contrato insculpido no art. 421 do CC/02, desenvolveu-se no sentido de se exigir que os negócios jurídicos, a par de regular simplesmente relações privadas, respeitem também princípios de solidariedade, de justiça, de fraternidade, de boa-fé. A inobservância desses princípios levaria à ineficácia superveniente do contrato.

Individualizaram-se, com isso, três hipóteses em que o princípio da função social do contrato considerar-se-ia desrespeitado: a) lesão a interesses coletivos; b) lesão à dignidade humana; c) impossibilidade de obtenção do fim último visado pelo contrato (GOMES, Orlando. Contratos. Atualizado por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino, Coordenação de Edvaldo Brito, Forense: Rio de Janeiro, 2007, pp. 48 e ss).

Na hipótese dos autos, o primeiro motivo pelo qual o TJ/GO entendeu que a função social do contrato em discussão teria sido frustrada foi o de que o instrumento possibilitava a fixação unilateral do preço pela recorrente. Nas palavras do acórdão recorrido, essa circunstância estaria evidenciada, porque "o contrato prevê que o preço seria apurado pela média dos preços praticados pelas 'empresas' de referência nominadas no instrumento contratual (Caramuru, Cargil e Selecta). Sucede que tais sociedades mercantis, dominam, junto com a recorrida, o mercado de soja na região, e servem de referência recíproca uma para a outra. Em última instancia, portanto, o preço, também nesse caso, acaba sendo ditado pela própria apelante, isto é, de forma unilateral" (grifo nosso).

Contudo, diferentemente do que sustentou o TJ/GO, a variação da média de preços de mercado para uma commodity negociada internacionalmente não pode ser controlada apenas por alguns dos participantes do mercado, ainda que se trate dos principais compradores do produto no mercado nacional. Referido controle só seria possível na hipótese de formação de cartel, cuja ocorrência fora peremptoriamente negada pelo acórdão recorrido (fl. 736).

O motivo é o de que, sendo internacional a cotação de preços do produto, sua variação necessariamente obedecerá às variações mundiais de oferta e demanda. O que influencia tais variações são os mais diversos fatores, como os períodos de supersafra, eventuais pragas que reduzam significativamente a colheita, crises internacionais que inibam o consumo, entre outros. Não raro, a redução singificativa da safra de um país que seja um grande produtor pode impulsionar para cima o preço desse bem em todo o mundo. Já a produção excedente ou a redução mundial do consumo implicará necessariamente a queda geral de preços. Não há, em princípio, um método de controle para essa flutuação. A eventual manutenção de preço baixo pelas principais compradoras nacionais incentivaria a importação direta da commodity pelos produtores, do que decorreria a imediata correção do preço interno.

A determinação, portanto, de que o preço do produto seja fixado pela média de mercado praticada das principais empresas compradoras, por si só, sem que se demonstre eventual formação de cartel, não implica possibilitar a fixação unilateral do preço. Aliás, ao contrário: a possibilidade de redução de colheita, de supersafra, de inibição de consumo e assim por diante produzem uma influência tão forte na variação de preços das commodities que é justamente para mitigar esses riscos que foi criado o sistema de securitização representado pelas Cédulas de Produto Rural (CPR), o que nos leva ao segundo motivo pelo qual o TJ/GO entendeu que se violou o princípio da função social dos contratos.

III.2) A suposta imposição abusiva de emissão da CPR

O acórdão recorrido menciona que "houve a emissão de Cédula de Produto Rural, com cláusula pignoratícia (da colheita futura) e hipotecária (de imóvel rural do recorrente), sem que houvesse o pagamento do preço (contraprestação). Ora, por tratar-se de ato jurídico de graves conseqüências para o produtor rural - que além de não receber apoio financeiro, tem onerado seu patrimônio atual e futuro -, e extremamente benéfico à primeira apelada - que sem despender qualquer soma, obtém um título de crédito relativo à colheita do produtor (...) não há dúvida de que a emissão do referido título decorreu de imposição abusiva da recorrida (...)". Para o TJ/GO, o pagamento do preço pelos produtos relacionados na CPR deve se dar antecipadamente, sendo essa a única forma de esse título servir como instrumento de fomento da produção rural.

Todavia, o pagamento antecipado do preço não é o único meio de fomentar o desenvolvimento do setor agrícola, em benefício da produção. Em julgamento recente (REsp 1.023.083/GO, de minha relatoria, 3ª Turma, julgado em 15/4/2010, ainda não publicado), teci as seguintes considerações acerca do assunto:

"O acórdão recorrido determinou a anulação da sentença, com devolução do processo à origem, sob o fundamento de que 'equivocou-se o ilustre magistrado ao entender que a apelante deve comprovar que pagou pela soja reclamada'. Para o TJ/GO, 'a exigência de adiantamento do numerário para só depois a apelante reclamar a entrega dos grãos seguramente não se coaduna com o propósito do contrato entabulado entre os contendores", à medida que, pelo sistema da CPR, 'os apelados entregam a mercadoria e, de imediato, recebem o preço respectivo'.

O TJ/GO não está isolado na interpretação que deu para o instituto das CPR. Substancial parte da doutrina sustenta que a emissão de tal título de crédito não pressupõe, necessariamente, a antecipação do pagamento pela safra futura. Nesse sentido podem ser citados diversos artigos publicados em revistas especializadas por ARNOLDO WALD ("Da desnecessidade de pagamento prévio para a caracterização da Cédula de Produto Rural", in Revista Forense, vol. 374, págs. 3 a 14), HAROLDO MALHEIROS DUCLERC VERÇOSA e NANCY GOMBOSSY DE MELO FRANCO ("Crédito e Títulos de Crédito na Economia Moderna: Uma visão focada na Cédula de Produto Rural - CPR", in Revista de Direito Mercantil, vol. 45, nº 141, págs. 96 a 104), RENATO BURANELLO ("A Cédula de Produto Rural na Escrituração das Operações Financeiras", in Revista de Direito Mercantil, vol. 45, nº 143, págs. 121 a 126) e IVO WAISBERG ("Cédula de Produtor Rural", in Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, nº 44, págs. 321 a 334).

Para essa parcela da doutrina, a CPR figuraria como um título mediante o qual o produtor poderia não apenas obter financiamento para o plantio, emitindo o papel contra o pagamento imediato do preço, mas também mitigar seus riscos, negociando, a preço presente, a sua safra no mercado futuro. Nesta segunda hipótese, a CPR funcionaria como um título de securitização, emitido em uma operação de hedge, e o preço não precisa necessariamente ser pago de forma antecipada. A importância do negócio estaria, não no financiamento da safra, mas na diluição, para o produtor, do risco inerente à flutuação de preços na época de colheita. Os defensores dessa idéia sustentam, inclusive, que foi justamente para conferir maior utilidade à CPR, servindo a esses dois propósitos entre outros, que o legislador não teria incluído, na Lei 8.929/94, qualquer dispositivo que imponha, como requisito de validade do título, o pagamento antecipado do preço.

Assiste razão a esta parcela da doutrina e, portanto, está correto o raciocínio desenvolvido pelo TJ/GO. Não é possível, tampouco conveniente, restringir a utilidade da CPR à mera obtenção imediata de financiamento em pecúnia. Se a CPR pode desempenhar um papel maior no fomento ao setor agrícola, não há motivos para que, à mingua de disposições legais que o imponham, restringir a sua aplicação.

Não se pode perder de vista que a CPR é um título de crédito e como tal deve ser tratada. O foco, na análise desse instituto, deve estar voltado aos princípios inerentes a tais títulos, notadamente o da cartularidade e o da literalidade. A CPR deve ser entendida como "um título representativo de mercadoria" (WALD, op. cit., pág. 5), de modo que, em princípio, os produtos por ela abrangidos "ficam proibidos de se tornarem objeto de outros negócios jurídicos" (HAROLDO VERÇOSA, op. cit., pág. 101). Para que a CPR possa desempenhar seu importante papel de fomento, é muito importante que o Poder Judiciário confira segurança ao negócio, garantindo que, no vencimento da cártula, os produtos por ela representados sejam efetivamente entregues. Somente fazendo isso se estará garantindo a segurança do investimento e, consequentemente, colaborando para que o capital privado seja atraído para esse fim. Conforme sustenta HAROLDO VERÇOSA, "a riqueza que a CPR representa é o poder de crédito que gera o contrato de compra e venda antecipada de 'commodities' firmado com uma empresa idônea, conhecida por cumprir 100% (cem por cento) de suas avenças. Isso gera riqueza, criação de capital" (op. loc. cit.)

O pagamento pela safra representada no título pode se dar antecipadamente, parceladamente ou mesmo após a entrega dos produtos. Ele poderá estar disciplinado na própria CPR, mediante a inclusão de cláusulas especiais com esse fim, como autoriza o art. 9º da Lei 8.929/94, ou poderá constar de contrato autônomo, em relação ao qual a CPR funcionará como mera garantia. O importante notar, todavia, é que, como bem observado pelo acórdão recorrido, "a Cédula de Produto Rural, por ser título executivo (...), constitui documento suficiente para aparelhar o feito executório", não sendo imposto ao credor "comprovar que adiantou o pagamento do que está sendo executado". Andou bem o TJ/GO, portanto, ao não reconhecer a exigência de comprovação desse pagamento, pelo credor." (grifos nossos)

Na hipótese dos autos, pelo que se depreende do acórdão recorrido, o pagamento pelos produtos se daria após a respectiva entrega. Nos termos do precedente citado acima, não há qualquer irregularidade nesse procedimento.

Falta, contudo, analisar uma segunda questão. O preço, aqui, não seria apenas pago posteriormente, mas também fixado posteriormente. No precedente supra referido, mencionei que há interesse do produtor na diluição de seus riscos pela venda, a preço presente, de produtos a serem entregues no futuro. Com isso, ele se garantiria contra as flutuações de mercado. Mas na venda futura a preço futuro a CPR também manteria sua utilidade de fomento ao setor agrícola?

A resposta, aqui, também é afirmativa. Neste processo, o estabelecimento do preço não daria de maneira fixa, na data da entrega dos produtos, eliminando a possibilidade de o agricultor planejar suas receitas e diluir seus riscos quanto à variação de mercado. Em vez disso, a fixação do preço era variável, de modo que ele poderia ser fechado pela média de mercado em qualquer momento, do dia seguinte à assinatura do contrato até a data da entrega das mercadorias. A opção de fechamento do preço na melhor data não era da compradora, mas do produtor rural. Competia, portanto, a ele verificar em que momento seria conveniente assegurar-se contra as variações de mercado, dentro do largo prazo que o contrato lhe conferiu. O pagamento não seria antecipado e, como dito, não há qualquer abusividade nisso, mas o importante poder de decidir o preço não era da compradora, mas do vendedor.

Disso decorre que não há desrespeito ao princípio da função social do contrato pela suposta imposição de assinatura de uma CPR sem pagamento de preço. Esse título foi regularmente emitido, como garantia a um lícito contrato de compra.

É importante não perder de vista que a CPR consubstancia instrumento importantíssimo para viabilizar o planejamento da produção agrícola. A oportunidade de contar com um instrumento com essa amplitude é fundamental para o crescimento dos negócios dos produtores de boa-fé e o respeito aos contratos que lhe dão base é imprescindível para o melhor desenvolvimento do agronegócio brasileiro no plano internacional. Mas para que a CPR mantenha essa função, é imprescindível que o Poder Judiciário mantenha-se firme, nulificando contratos apenas nas hipóteses em que efetivamente estejam evidenciados abusos ou imposições iníquas. Não é o que ocorre neste processo, pelo que se depreende das manifestações das partes e do conteúdo do acórdão recorrido.

O contrato, portanto, não é abusivo e, ao contrário do que sustentou o TJ/GO, desempenhou um importante papel social. O acórdão recorrido violou, portanto, a norma do art. 411 do CC/02.

IV - A validade da CPR: arts. 3º e 11 da Lei 8.929/94

Como consequência de tudo o que se afirmou acima, conclui-se que, lícito o contrato de compra e venda e inexistente qualquer imposição legal de antecipação de pagamento do preço, igualmente lícita foi a emissão da CPR ora discutida. Portanto, merece reforma o acórdão quanto à manutenção da sentença que decretou a nulidade do título.

Forte nessas razões conheço e dou provimento ao recurso especial, para o fim de julgar improcedentes os pedidos formulados na ação declaratória de nulidade de cédula de produto rural e desconstitutiva de contrato de compra e venda proposta por EDUARDO DIAS em face de COMÉRCIO E INDÚSTRIA BRASILEIRA S/A - COINBRA. Ficam invertidos os ônus da sucumbência.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2006/0270411-5

[PROCESSO_ELETRONICO] REsp 910537 / GO

Números Origem: 200400822738 200600438664 965630188

PAUTA: 25/05/2010 JULGADO: 25/05/2010

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Ministro Impedido
Exmo. Sr. Ministro: SIDNEI BENETI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JUAREZ ESTEVAM XAVIER TAVARES

Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: EDUARDO DIAS

ADVOGADO: OSVALDO BONIFÁCIO JUNIOR

RECORRENTE: COMÉRCIO E INDÚSTRIA BRASILEIRAS COIMBRA S/A

ADVOGADOS: BEATRIZ M A CAMARGO KESTENER

NANCY GOMBOSSY M FRANCO E OUTRO(S)

RAFAEL FERNANDES MACIEL E OUTRO(S)

ADVOGADA: MIRIAN DE FATIMA LAVOCAT DE QUEIROZ

RECORRIDO: OS MESMOS

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cédula de Produto Rural

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS) e Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA) votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Sidnei Beneti.

Brasília, 25 de maio de 2010

MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
Secretária

Documento: 976430 Inteiro
Teor do Acórdão
DJ: 07/06/2010




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