Responsabilidade civil. Dano moral. Plano de saúde. Legitimidade passiva.
Superior Tribunal de Justiça - STJ
RECURSO ESPECIAL Nº 1.133.386 - RS (2009/0065181-7)
RELATOR: MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
RECORRENTE: SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA
ADVOGADO: NESTOR JOSÉ FORSTER E OUTRO(S)
RECORRIDO: COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO - CELSP
ADVOGADO: EDUARDO MACHADO DE ASSIS BERNI E OUTRO(S)
RECORRIDO: FRANCISCO STEFANELO CANCIAN
ADVOGADO: ANETE LÚCIA BELING E OUTRO(S)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E § 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 282 DE SÚMULA DO STF.
1."Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido."Precedente REsp 138.059/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 11.06.01);
2. O critério que vem sendo adotado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo, contudo, o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades e aos fatos de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
3. A majoração do "quantum" indenizatório a título de dano moral é medida excepcional e sujeita a casos específicos, tal como verificado no caso em exame.
4. In casu, tendo em vista o valor fixado no acórdão recorrido a título de indenização por dano moral em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão das particularidades do caso e à luz da gravidade dos fatos descritos no acórdão recorrido, impõe-se o ajuste da indenização aos parâmetros adotados por este Tribunal no valor de R$ 120.000,00, de modo a garantir à lesada a justa reparação, afastando-se, contudo, a possibilidade de enriquecimento indevido, corrigido monetariamente a partir desta decisão e dos juros moratórios nos termos da Súmula 54 desta Corte.
5. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de junho de 2010(Data do Julgamento).
MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Trata-se de ação indenizatória ajuizada por SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA contra COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO - CELSP - , nova denominação de ULBRA SÁUDE e FRANCISCO STEFANELO CANCIAN, visando o pagamento de indenização por danos morais.
Noticiam os autos que a Autora, em razão do plano de saúde firmado com CELPS, foi atendida por diversos médicos, até que lhe foi designado pelo plano de saúde, como médico ginecologista, o Dr. Francisco Stefanelo Cancian.
A pedido do Dr. Francisco, Sônia realizou mamografia, exame esse que indicou a presença de nódulos no seio direito. Apesar desse resultado, o Réu determinou que a paciente retornasse à nova consulta dentro do prazo de um ano. Decorrido esse prazo, D. Sônia marcou nova consulta com Dr. Francisco, ocasião em que foi informada que tinha câncer e que o tumor deveria ser retirado, sem que, no entanto, lhe fosse informado quais os procedimentos que seriam adotados.
Importante ressaltar que o Réu - depois de ajuizada a ação - adulterou o prontuário de D. Sônia para que constasse, como data de retorno à nova consulta, o prazo de 04 (quatro) meses e não um (01) ano, numa tentativa pouco ortodoxa de eximir-se de sua responsabilidade médica.
Internou-se para a colheita de material mas, sem seu conhecimento, foram-lhe extirpadas as duas mamas. (v. acórdão recorrido fl. 478).
Assim, a Autora foi surpreendida com o resultado, pois havia sido submetida a uma mastectomia bilateral radical, ou seja, a retirada completa das duas mamas. Além disso, durante o tratamento com o Réu foi constrangida por ele quando, no corredor do hospital, a examinou levantando a sua blusa na frente de várias pessoas.
Como senão bastasse, a Autora tornou-se uma pessoa extremamente deprimida, o que a impediu de continuar a trabalhar, pois além das seqüelas emocionais, restaram seqüelas físicas nos membros superiores.
O douto magistrado de primeiro grau, às fls. 353/367, julgou procedente o pedido de indenização por danos morais e condenou Francisco Stefanelo Cancian e Ulbra Saúde a pagarem, solidariamente à autora o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), atualizados pelo IGP-M a partir daquela data e juros de mora de 1% ao mês, contados da última citação.
Julgou procedente, também, a Ação Cautelar de Busca e Apreensão do prontuário da Autora. Em razão da sucumbência recíproca, condenou os Réus a arcarem com as custas e honorários do procurador da Autora, fixados em 15% (quinze por cento) do valor da indenização atualizada. Determinou, ainda, que a Autora respondesse pelas despesas da ação Cautelar e honorários advocatícios dos advogados de cada um dos requeridos, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), contudo suspendendo a exigibilidade do pagamento em razão da AJG concedida.
Irresignadas, as partes interpuseram recurso de apelação.
A eg. Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proveu a apelação do Plano de Saúde para reconhecer sua ilegitimidade passiva, bem como a da Autora, para majorar o valor da indenização pelos danos morais e, por último, desproveu a apelação do médico, fls. 468/483, assim restando ementado o v. acórdão:
"responsabilidade civil. ação de indenização por danos morais.
Rejeitada preliminar de nulidade do processo por não elaboração do laudo pericial, uma vez que a parte não ofereceu recurso próprio e cabível quando do indeferimento da prova.
Reconhecida a ilegitimidade passiva de Plano de Saúde em ação de indenização por erro médico intentada contra profissional liberal credenciado, na medida em que não há relação de subordinação ou vínculo empregatício.
Em sendo regular a intimação das partes e de seus procuradores para audiência, não há razão para se decretar a nulidade do processo.
Conduta culposa de médico, que erra em diagnóstico de câncer de mama e submete à cirurgia paciente sem a devida informação acerca do procedimento.
Configurado dano moral pelo sofrimento, angústia, constrangimentos, depressão e mutilação dos seios sofridos pela autora.
Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz.
Quantum majorado para o fim de serem atendidas as particularidades das circunstâncias do fato e aos precedentes da Câmara.
Não se conhece do recurso que deixa de se contrapor aos fundamentos da decisão recorrida. Afronta ao disposto no art. 514, II, do CPC.
Desprovida a apelação do médico co-demandado e provida a do Plano de Saúde, para reconhecer a sua ilegitimidade passiva, e provido o apelo da demandante na parte conhecida. Decisão unânime."
Inconformada, SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA interpôs Recurso Especial (fls. 465/478), com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas 'a' e 'c', da Constituição Federal, alegando, em suas razões e em síntese, violação aos arts. 3º e 14, ambos do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à exclusão do plano de saúde do pólo passivo da demanda.
Sustenta, também, que é possível rever o quantum fixado a título de danos morais, sem que haja contrariedade ao enunciado 7 de Súmula desta corte Superior.
Colaciona diversos arestos para configuração de divergência jurisprudencial, visando a inclusão do plano de saúde, com sua condenação solidária ao pagamento da indenização pelos danos morais, bem como a majoração do valor fixado para a indenização.
Por fim, aduz que a decisão recorrida contrariou o art. 20, caput e § 3º, do CPC, pois "não resta dúvida de que a recorrente é a parte vencedora na presente ação, tendo seus procuradores laborado incansavelmente, em ação que versa sobre questões delicadíssimas, exigindo um enorme esforço por parte dos advogados representantes da recorrente." (fls. 477)
Contrarrazões - às fls. 527/536 - da Comunidade Evangélica de São Paulo, CELSP .
Francisco Stefanelo Cancian não apresentou contrarrazões ao apelo, conforme certificado.(fls. 546).
A Terceira Vice-Presidência do eg. Tribunal a quo admitiu o recurso especial, determinando a subida dos autos a essa Corte Superior, conforme decisão às fls. 539/544.
Este é o breve relatório.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E § 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 282 DE SÚMULA DO STF.
1."Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido."Precedente REsp 138.059/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 11.06.01);
2. O critério que vem sendo adotado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo, contudo, o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades e aos fatos de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
3. A majoração do "quantum" indenizatório a título de dano moral é medida excepcional e sujeita a casos específicos, tal como verificado no caso em exame.
4. In casu, tendo em vista o valor fixado no acórdão recorrido a título de indenização por dano moral em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão das particularidades do caso e à luz da gravidade dos fatos descritos no acórdão recorrido, impõe-se o ajuste da indenização aos parâmetros adotados por este Tribunal no valor de R$ 120.000,00, de modo a garantir à lesada a justa reparação, afastando-se, contudo, a possibilidade de enriquecimento indevido, corrigido monetariamente a partir desta decisão e dos juros moratórios nos termos da Súmula 54 desta Corte.
5. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Sustenta a Recorrente ofensa aos arts. 3º e 14, ambos do CDC, aduzindo, em síntese, que "a recorrida deve ser responsabilizada por conta dos serviços prestados pelos profissionais credenciados, ainda mais quando só possui um único profissional cadastrado em determinada área - não deixando qualquer margem de escolha para os segurados" (fls. 471).
Alega que o plano de saúde é considerado fornecedor de serviços nos termos dos arts. 3º e 14, ambos do CDC, razão pela qual deve ser responsabilizado pelos profissionais que indica, especialmente quando esse médico é o único cadastrado em determinada especialidade, como ocorre in casu, haja vista que o Dr. Francisco Stefanelo Cancian era o único mastologista credenciado junto ao plano de saúde.
Colaciona diversos arestos para configuração da divergência jurisprudencial.
Requer, ao final, o provimento do Recurso Especial apelo, afim de que seja reconhecida a legitimidade passiva de ULBRA SAÚDE - atualmente CELSP -, para responder solidariamente, pelos danos morais causados por seu médico conveniado, Dr. Francisco Stefanelo Cancian.
Com razão a recorrente.
A eg. Corte de origem reconheceu a ilegitimidade passiva da CELSP, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação à ela, condenando a autora a arcar com o pagamento das custas processuais por metade e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), restando suspensa a exigibilidade em virtude da AJG deferida, aduzindo, em síntese, que o plano de assistência médica e hospitalar credencia profissionais e efetua o pagamento pelos seus serviços, entretanto cabe ao beneficiário a escolha do profissional que melhor lhe aprouver entre aqueles credenciados.
Outrossim, sustenta também inexistir qualquer relação de subordinação ou preposição entre o plano de saúde e os médicos a ele vinculados.
Ocorre que o posicionamento adotado pelo eg. Tribunal a quo vai de encontro com a jurisprudência cristalizada desta Corte Superior, como se depreende do seguinte precedente da lavra do i. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, decisão essa proferida nos autos do AG nº 885446/SP, publicada em 06/11/2009, verbis:
"1. Cuida-se de agravo de instrumento de decisão que negou seguimento a recurso especial interposto com fulcro no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
"Indenização por danos materiais e morais - Ação movida contra operadora de plano de saúde - Decreto de ilegitimidade de parte - Inocorrência, nas circunstâncias - Empresa que responde de forma solidária - Anulação de sentença - recurso provido."
Aponta o recorrente afronta aos artigos 146, III, "c" e 174, § 2º, da Constituição Federal; 128, 159, 896, 1521 e 1522, do Código Civil; 3º, 267, VI, 128, 129, 459, 460 e 535, do Código de Processo Civil; 3º, 4º, 5º e 79, da Lei n. 5.764/71; 2º, 3º, 7º, parágrafo único e 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que houve julgamento extra petita e ausência de fundamentação; e de que não é parte legítima, porque o médico é simples cooperado.
...OMISSIS...
Referente à legitimidade, o v. acórdão recorrido concluiu que:
"[...] A empresa locadora direta dos serviços médico-hospitalares, quando credencia médicos e nosocômios para suprir a deficiência de seus próprios serviços, acaba por compartilhar as responsabilidades civis dos profissionais e dos hospitais que selecionou.
Evidentemente que a medida de sua culpa deve ser avaliada no processo, mas inegável que a responsabilidade, no caso, é solidária, podendo o prejudicado escolher, entre os co-responsáveis, aquele que irá responder pelos prejuízos sofridos.
[...]
Embora a responsabilidade do fornecedor seja objetiva (Lei 8078/90, artigo 6º, inciso VI) é fato que o serviço só não será tido por defeituoso se a culpa for do consumidor ou de terceiro. Em tais condições, impõe-se anular a sentença. Afastando o decreto de ilegitimidade de parte passiva, devendo o processo ter regular seguimento, a fim de que se inicie regular dilação probatória, para os fins de direito."
O Acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte. Destaco a propósito:
PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DECIDIDO EM CONFORMIDADE COM A REITERADA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DA COOPERATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA.
- Cooperativa que mantém plano de assistência à saúde tem legitimidade passiva em ação indenizatória movida por associada contra erro médico cometido por médico cooperativado. (AgRg no Ag 495.306/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 14/06/2004 p. 217)
Incidência, pois, da Súmula 83 deste Sodalício.
Por fim, a matéria referente aos demais artigos apontados como violados, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas 282/STF e 211/STJ).
3. Ante o exposto, com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao agravo de instrumento."
Nesse mesmo sentido, citam-se os julgados: REsp 686146/RJ, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data da Publicação 27/10/2009; REsp 1029043/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data da Publicação 31/03/2009; Ag 762614/RJ, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data da Publicação 08/06/2006; Ag 682875/RJ, Relator Ministro CASTRO FILHO, Data da Publicação 18/10/2005; REsp 138.059/MG, Relator Ministro ARI PARGENDLER, Data da Publicação 11.06.01; REsp 328.309/RJ, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO, Data da Publicação 17.03.03.
Manifesta, pois, a solidariedade passiva da ULBRA SAÚDE - atualmente CELSP, no dever de indenizar.
No que tange à majoração do quantum fixado a título de indenização pelos danos morais, também, prospera a irresignação da Recorrente.
A eg. Corte Gaúcha deu provimento parcial à apelação da Autora para alterar o valor arbitrado a título de condenação dos danos morais, fixando-a em R$ 50.00,00 (cinquenta mil reais).
Entretanto, em razão da gravidade dos fatos e danos resultantes, tais como mastectomia bilateral radical, ou seja, a retirada completa das duas mamas, a tentativa de adulteração do prontuário quanto ao retorno de consulta que pode ter agravada a conseqüência do câncer e a extensão da mastectomia, o constrangimento de tê-la examinado em corredor de hospital levantando sua blusa á frente de pessoas estranhas, e as demais seqüelas físicas e psicológicas narradas no v. acórdão recorrido, penso que esse valor deve ser revisto, ajustando-se o quanto da indenização ante a gravidade dos fatos.
Comprovando esses fatos, peço vênia para transcrever trechos do acórdão recorrido, comprobatório do enorme sofrimento causado pelo Dr. Francisco Stefanelo Cancian à ora Recorrente, quais sejam, (i) a demora de uma ano para investigar o nódulo encontrado na mama; (ii) realização de mastectomia bilateral radical, sem conhecimento prévio da autora; (iii) ausência de comunicação da gravidade do seu estado de saúde, deixando esta 'obrigação" a cargo da família de D. Sônia; (iv) tratamento inadequado e incompatível com a ética médica e com a gravidade e precariedade do estado de saúde da Autora, verbis:
"...omissis...
Ao meu sentir, não resta qualquer dúvida acerca da lesão sofrida pela autora em razão da conduta do profissional liberal co-demandado recorrente.
Do pronunciamento de 1º Grau, cumpre destacar:
(...) Constata-se que a autora, na condição de paciente do médico demandado, conforme pode ser constatado pelos documentos de fls. 32, 33, 34, 35, 36, 37, 44, 46, 47, 48, 60, 61, 62 e 63 dos autos da ação principal, realizou cirurgia para coleta de material para exame, com possibilidade de remoção de carcinoma do seio direito (fato confirmado pelo demandado à fl. 250), sendo que acordou da anestesia sem ambas as mamas. Ora, a obrigação do médico informar à paciente acerca do procedimento a ser realizado, sendo que o documento de fl. 48 não supre tal aviso prévio. Além disso, não há comprovação nos autos acerca da necessidade de serem removidas ambas as mamas da autora, o que, eventualmente, poderia elidir a responsabilidade do réu, fulcro no art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil. Logo, ausente demonstração acerca da conduta para salvar a vida da vítima alegada pelo demandado à fl. 244. (...)
É de se observar a falha quanto ao consentimento avisado à paciente. Em nenhum momento o Réu informou claramente à Autora qual era o seu real estado de saúde, muito menos qual o procedimento cirúrgico a que a mesma seria submetida. Somente lhe foi comentado de que poderia ser portadora de câncer (em uma das mamas), e que deveria ser operada para coleta de material, às vésperas da cirurgia. Sem sua autorização ou ciência prévia, foram-lhe extirpadas as duas mamas.
...omisis...
Causa estranheza o fato de que, mesmo com indicação escrita, expressa nas mamografias da paciente, datadas de 1999 e 2000, jamais foram solicitados pelo Apelante Francisco exames complementares, mormente uma ecografia mamária.
Nesse ponto, infere-se que houve patente negligência médica.
Na mamografia efetuada no ano de 2001, há registro de "formação nodular" de 2,1cm, que o médico não diagnostica importante investigar, mandando que a paciente retornasse dentro de um ano (ou na melhor hipótese, em quatro meses, como quer o apelante Francisco).
Demonstrada, a toda evidência, conduta culposa do médico, porque, além de clara atitude negligente em não solicitar exames complementares, não encaminhou a paciente à biópsia ao constatar o primeiro nódulo. Foi, sem dúvida, negligente em não agir com rapidez em se tratando de uma doença fatal. Também negligenciou nas informações à paciente. Não lhe prestou contas de que seria realizada uma mastectomia radical.(grifei).
...omissis...
Imensos transtornos de ordem psicológica também sofreu a Autora.
Absurdamente o apelante Francisco não comunicou o resultado da cirurgia diretamente à paciente, deixando a cargo dos familiares, totalmente leigos, fazê-lo.
A par disso, foi submetida a vexame e constrangimento público quando, na recepção do hospital, aguardava para colocação de cateter, já sendo submetida à quimioterapia, e o médico levantou sua blusa na frente de todos os presentes para verificar o resultado da cirurgia.
Tal fato pode ser corroborado pelo depoimento da informante Regina, às fls 295:
J: E o que mais? T: Depois, a minha irmã teve que fazer... Não me lembro o nome, mas ela teve que colocar um cateter, para poder fazer a Quimioterapia. Aí estávamos aguardando no saguão do hospital, quando ele chegou e disse o seguinte: 'Deixa ver como é que está aí!' E levantou a blusa dela na frente das pessoas que estavam aguardando no saguão. Também achei uma atitude estranha.
J: Levantou por completo a blusa dela? T: Sim, levantou assim.
J: Na frente de todas as pessoas que estavam no saguão? T: Sim, que estavam lá, e nós ficamos constrangidas. Um outro fato ocorreu depois da cirurgia. Quando essa terminou, eu estava aguardando no saguão com minha mãe. Ele chegou para dizer o que tinha acontecido e especificou que tinha retirado...É que nós esperávamos que ela fosse fazer só um exame, ou seja, uma biópsia ou alguma coisa assim. No entanto, chegou e disse que tinha feito uma Masectomia e que não tinha outra solução. Falou que só cabia a retirada das duas mamas mesmo. No momento, ainda perguntei se ele ia conosco dar a notícia para ela, pois ainda estava na sala de recuperação. Respondeu-me da seguinte forma: "- Não, quando ela for para o quarto, são os familiares que devem fazer isso". Também achei inadequado, porque a minha irmã poderia perguntar qualquer coisa sobre a cirurgia, e ele não ia estar presente para responder.
Devido a retirada de ambos os seios (que talvez pudesse ser evitada se tivesse tido chance de consultar uma segunda opinião médica), a paciente tornou-se incapacitada à atividade laboral que exercia, bem como restou desmotivada para o trabalho devido às seqüelas físicas e psicológicas.
A testemunha Antônio Carlos Bueno dos Santos assim assevera:
PA: O senhor pôde verificar se houve algum prejuízo na atuação dela na loja depois da cirurgia? T: Acho que total.
PA: Prejuízo total? T: Sim.
PA: O senhor pode nos dizer como era o estado anímico, o humor dela antes e depois da cirurgia? Tinha alguma diferença? T: Mudou muito; ela era uma pessoa alegre e ficou triste, deprimida, sempre se queixando da vida.
Também a testemunha Etel Tvoreck, às fls 301, acrescenta:
J: A limitação física atrapalha que ela desempenhasse que tipo de tarefa? T: Ela ficou com limitações para abrir a porta da loja. Dependente do objeto ela não tinha como movimentar.
J: com a movimentação, com o uso dos membros superiores ela ficou limitada? T: Ficou muito limitada.
Tendo, pois, causado dano sobejamente comprovado, deve o apelante Francisco Cancian ser responsabilizado.
Restou evidenciado o sofrimento, a angústia, os constrangimentos, a depressão e a própria mutilação, que transformaram a Autora em pessoa fisicamente inabilitada, tudo decorrente de procedimento médico inadequado.
Sobre o assunto, discorre Romanello Neto, in "Responsabilidade Civil do Médico", São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003: "as operações, sem o devido consentimento, são consideradas agressões à integridade física do sujeito".
Exatamente o que se vê no caso em tela.
Reconhecida a lesão sofrida pela autora, a existência de danos morais, examina-se, a seguir, a questão atinente ao valor a ser arbitrado, uma vez que as partes irresignaram-se em relação àquele estabelecido pelo magistrado a quo.
...omissis...
Portanto, o montante reparatório deverá ser diretamente proporcional ao dano sofrido pela parte lesada, prejuízo esse que, na espécie, restou demonstrado como enorme, beirando o risco de morte iminente, dada a magnitude de uma doença fatal. Teve a demandante a sua vida arruinada, precisando conviver com a mutilação, a depressão, a perda do trabalho e do companheiro e a falta de ânimo para as tarefas mais simples.
Quanto à capacidade financeira do médico Francisco Cancian, parece indiscutível possa arcar com os ônus da condenação. O clínico é morador em imóvel no bairro Bela Vista, um dos mais caros e valorizados da cidade, mais precisamente na rua Jaraguá (fls 120/243 dos autos), junto à "Praça da Encol", ponto máximo da elegância da classe alta desta Capital.
Considerados esses aspectos, tenho que o quantum da indenização por dano moral arbitrado na sentença (R$ 35.000,00 - trinta e cinco mil reais) deva ser majorado para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), valor a ser corrigido como determinado na sentença singular, importância esta adequada a bem compensar o dano suportado pela autora pela conduta do médico co-réu. Condeno ainda Francisco Cancian ao pagamento de custas processuais por metade e honorários advocatícios em favor dos procuradores da demandante, na proporção de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação." (fls. 477/482) (grifei)
Antes de adentrar na fixação de novo valor da indenização, é importante frisar que a situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte, uma vez que não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e a formação da convicção do julgado.
A indenização por dano moral trata-se mais de uma compensação do que propriamente de ressarcimento (como no dano material), até porque o bem moral não é suscetível de ser avaliado, em sua precisa extensão e em termos pecuniários. O critério utilizado por esta Corte na fixação do valor da indenização por danos morais tem considerado as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
A jurisprudência do Superior Tribunal, quanto ao valor do dano moral, caminha no sentido de que a intervenção só é possível para corrigir eventual abuso, excesso, exagero, valor exorbitante, ou mesmo irrisório, insignificante.
Com essa orientação, cita-se:
"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SERASA. INSCRIÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL. EXISTÊNCIA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. VALOR DO RESSARCIMENTO. FIXAÇÃO EM PATAMAR EXCESSIVO. REDUÇÃO. I. Entendido pelo Tribunal a quo que existiu dano moral indenizável, tal circunstância fática não tem como ser reavaliada em sede de recurso especial, ao teor da Súmula n. 7 do STJ. II. Diante da reprovabilidade do ato, tem-se que o montante arbitrado nas instâncias ordinárias provoca o enriquecimento sem causa da parte moralmente lesada, procedendo a pretensão do réu de discutir o tema em sede especial e justificando-se a excepcional intervenção do STJ a fim de reduzi-lo a patamar razoável. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (1006857, Relator MINISTRO ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ de 25.8.08) .
No caso concreto, em razão das particularidades supra citadas, que acabam por compor um quadro chocante de uma absurda sucessão de erros e de descaso para com a saúde alheia, de desrespeito à pessoa por aquele profissional que deveria zelar pela saúde, uma vez que abraçou como profissão a medicina, parece-me ser o caso de majorar o valor anteriormente arbitrado, haja vista que se trata de valor pequeno diante de tantos erros, ofensas e desrespeitos.
É sabido que nenhuma quantia irá devolver a saúde de D. Sônia, ou seu emprego ou, ainda, o retorno ao convívio do seu companheiro, mas, tenho que, no caso concreto a quantia indenizatória arbitrada em R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a título de danos morais, guarda proporcionalidade com a gravidade da ofensa, o grau de culpa e o porte sócio-econômico do causador do dano, solidariamente com o plano de saúde.
Por fim, aduz a Recorrente que o acórdão hostilizado violou o art. 20, caput e § 3º, do CPC, pois "é a parte vencedora na presente ação, tendo seus procuradores laborado incansavelmente, em ação que versa sobre questões delicadíssimas, exigindo um enorme esforço por parte dos advogados representantes da recorrente." (fls. 477)
Não assiste razão à Recorrente quanto à alegada violação ao supra citado dispositivo legal, pois a matéria federal suscitada não foi previamente debatida e enfrentada pelo Colegiado de origem. não se pronunciado explicitamente com relação à sua incidência, ensejando, por isso mesmo, a aplicação do enunciado nº 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, q.v., verbi gratia:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NS. 282 E 356 DO STF. MATÉRIA SUSCITADA APENAS NO VOTO VENCIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 320 DO STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA.
1. Para conhecimento de recurso especial com base em contrariedade a preceito de lei federal, é necessário que o acórdão recorrido tenha enfrentado as disposições tidas por violadas. Súmulas ns. 282 e 356 do STF.
2.. A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento' - Súmula n. 320 do STJ.
3. É incabível recurso especial fundado na alínea 'c' do permissivo constitucional quando não atendidos os requisitos indispensáveis à comprovação da divergência pretoriana, conforme prescrições dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ.
4. Recurso especial não-conhecido" (REsp 596877/SC, Segunda Turma, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 16/03/2007) .
POR TODOS OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, CONHEÇO, PARCIALMENTE, DO RECURSO ESPECIAL PELA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E, NESTA EXTENSÃO, O PROVEJO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DE ULBRA SAÚDE - ATUALMENTE CELSP -, CONDENANDO-A, SOLIDARIAMENTE AO RÉU FRANCISCO STEFANELO CANCIAN AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADOS EM R$ 120.000,00 - (CENTO E VINTE MIL REAIS), CORRIGIDA MONETARIAMENTE A PARTIR DESTA DECISÃO, ACRESCIDA, AINDA, DE JUROS DESDE O EVENTO DANOSO (ENUNCIADO 54, DA SÚMULA DO STJ), NO PERCENTUAL DE 0,5% (MEIO POR CENTO) ATÉ A VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL E DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS, A PARTIR DESTA DATA, ATÉ O REAL PAGAMENTO.
EM RAZÃO DA GRAVIDADE DOS FATOS NARRADOS, DETERMINO SEJA ENCAMINHADO CÓPIA DESTA DECISÃO AO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL, PARA QUE DELA TOME CIÊNCIA PARA OS FINS DE DIREITO.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2009/0065181-7
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1133386 / RS
Números Origem: 10524099166 10524099310 70020427837 70027749456
PAUTA: 17/06/2010 JULGADO: 17/06/2010
Relator
Exmo. Sr. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E § 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 282 DE SÚMULA DO STF.
1."Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido."Precedente REsp 138.059/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 11.06.01);
2. O critério que vem sendo adotado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo, contudo, o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades e aos fatos de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
3. A majoração do "quantum" indenizatório a título de dano moral é medida excepcional e sujeita a casos específicos, tal como verificado no caso em exame.
4. In casu, tendo em vista o valor fixado no acórdão recorrido a título de indenização por dano moral em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão das particularidades do caso e à luz da gravidade dos fatos descritos no acórdão recorrido, impõe-se o ajuste da indenização aos parâmetros adotados por este Tribunal no valor de R$ 120.000,00, de modo a garantir à lesada a justa reparação, afastando-se, contudo, a possibilidade de enriquecimento indevido, corrigido monetariamente a partir desta decisão e dos juros moratórios nos termos da Súmula 54 desta Corte.
5. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 17 de junho de 2010(Data do Julgamento).
MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Trata-se de ação indenizatória ajuizada por SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA contra COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO - CELSP - , nova denominação de ULBRA SÁUDE e FRANCISCO STEFANELO CANCIAN, visando o pagamento de indenização por danos morais.
Noticiam os autos que a Autora, em razão do plano de saúde firmado com CELPS, foi atendida por diversos médicos, até que lhe foi designado pelo plano de saúde, como médico ginecologista, o Dr. Francisco Stefanelo Cancian.
A pedido do Dr. Francisco, Sônia realizou mamografia, exame esse que indicou a presença de nódulos no seio direito. Apesar desse resultado, o Réu determinou que a paciente retornasse à nova consulta dentro do prazo de um ano. Decorrido esse prazo, D. Sônia marcou nova consulta com Dr. Francisco, ocasião em que foi informada que tinha câncer e que o tumor deveria ser retirado, sem que, no entanto, lhe fosse informado quais os procedimentos que seriam adotados.
Importante ressaltar que o Réu - depois de ajuizada a ação - adulterou o prontuário de D. Sônia para que constasse, como data de retorno à nova consulta, o prazo de 04 (quatro) meses e não um (01) ano, numa tentativa pouco ortodoxa de eximir-se de sua responsabilidade médica.
Internou-se para a colheita de material mas, sem seu conhecimento, foram-lhe extirpadas as duas mamas. (v. acórdão recorrido fl. 478).
Assim, a Autora foi surpreendida com o resultado, pois havia sido submetida a uma mastectomia bilateral radical, ou seja, a retirada completa das duas mamas. Além disso, durante o tratamento com o Réu foi constrangida por ele quando, no corredor do hospital, a examinou levantando a sua blusa na frente de várias pessoas.
Como senão bastasse, a Autora tornou-se uma pessoa extremamente deprimida, o que a impediu de continuar a trabalhar, pois além das seqüelas emocionais, restaram seqüelas físicas nos membros superiores.
O douto magistrado de primeiro grau, às fls. 353/367, julgou procedente o pedido de indenização por danos morais e condenou Francisco Stefanelo Cancian e Ulbra Saúde a pagarem, solidariamente à autora o valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), atualizados pelo IGP-M a partir daquela data e juros de mora de 1% ao mês, contados da última citação.
Julgou procedente, também, a Ação Cautelar de Busca e Apreensão do prontuário da Autora. Em razão da sucumbência recíproca, condenou os Réus a arcarem com as custas e honorários do procurador da Autora, fixados em 15% (quinze por cento) do valor da indenização atualizada. Determinou, ainda, que a Autora respondesse pelas despesas da ação Cautelar e honorários advocatícios dos advogados de cada um dos requeridos, arbitrados em R$ 500,00 (quinhentos reais), contudo suspendendo a exigibilidade do pagamento em razão da AJG concedida.
Irresignadas, as partes interpuseram recurso de apelação.
A eg. Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul proveu a apelação do Plano de Saúde para reconhecer sua ilegitimidade passiva, bem como a da Autora, para majorar o valor da indenização pelos danos morais e, por último, desproveu a apelação do médico, fls. 468/483, assim restando ementado o v. acórdão:
"responsabilidade civil. ação de indenização por danos morais.
Rejeitada preliminar de nulidade do processo por não elaboração do laudo pericial, uma vez que a parte não ofereceu recurso próprio e cabível quando do indeferimento da prova.
Reconhecida a ilegitimidade passiva de Plano de Saúde em ação de indenização por erro médico intentada contra profissional liberal credenciado, na medida em que não há relação de subordinação ou vínculo empregatício.
Em sendo regular a intimação das partes e de seus procuradores para audiência, não há razão para se decretar a nulidade do processo.
Conduta culposa de médico, que erra em diagnóstico de câncer de mama e submete à cirurgia paciente sem a devida informação acerca do procedimento.
Configurado dano moral pelo sofrimento, angústia, constrangimentos, depressão e mutilação dos seios sofridos pela autora.
Ausente sistema de tarifamento, a fixação do montante indenizatório ao dano extrapatrimonial está adstrita ao prudente arbítrio do juiz.
Quantum majorado para o fim de serem atendidas as particularidades das circunstâncias do fato e aos precedentes da Câmara.
Não se conhece do recurso que deixa de se contrapor aos fundamentos da decisão recorrida. Afronta ao disposto no art. 514, II, do CPC.
Desprovida a apelação do médico co-demandado e provida a do Plano de Saúde, para reconhecer a sua ilegitimidade passiva, e provido o apelo da demandante na parte conhecida. Decisão unânime."
Inconformada, SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA interpôs Recurso Especial (fls. 465/478), com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas 'a' e 'c', da Constituição Federal, alegando, em suas razões e em síntese, violação aos arts. 3º e 14, ambos do Código de Defesa do Consumidor, no que tange à exclusão do plano de saúde do pólo passivo da demanda.
Sustenta, também, que é possível rever o quantum fixado a título de danos morais, sem que haja contrariedade ao enunciado 7 de Súmula desta corte Superior.
Colaciona diversos arestos para configuração de divergência jurisprudencial, visando a inclusão do plano de saúde, com sua condenação solidária ao pagamento da indenização pelos danos morais, bem como a majoração do valor fixado para a indenização.
Por fim, aduz que a decisão recorrida contrariou o art. 20, caput e § 3º, do CPC, pois "não resta dúvida de que a recorrente é a parte vencedora na presente ação, tendo seus procuradores laborado incansavelmente, em ação que versa sobre questões delicadíssimas, exigindo um enorme esforço por parte dos advogados representantes da recorrente." (fls. 477)
Contrarrazões - às fls. 527/536 - da Comunidade Evangélica de São Paulo, CELSP .
Francisco Stefanelo Cancian não apresentou contrarrazões ao apelo, conforme certificado.(fls. 546).
A Terceira Vice-Presidência do eg. Tribunal a quo admitiu o recurso especial, determinando a subida dos autos a essa Corte Superior, conforme decisão às fls. 539/544.
Este é o breve relatório.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. LEGITIMIDADE PASSIVA. MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 20, CAPUT E § 3º DO CPC. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO 282 DE SÚMULA DO STF.
1."Quem se compromete a prestar assistência médica por meio de profissionais que indica, é responsável pelos serviços que estes prestam. Recurso especial não conhecido."Precedente REsp 138.059/MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 11.06.01);
2. O critério que vem sendo adotado por essa Corte Superior na fixação do valor da indenização por danos morais, considera as condições pessoais e econômicas das partes, devendo, contudo, o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades e aos fatos de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
3. A majoração do "quantum" indenizatório a título de dano moral é medida excepcional e sujeita a casos específicos, tal como verificado no caso em exame.
4. In casu, tendo em vista o valor fixado no acórdão recorrido a título de indenização por dano moral em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), em razão das particularidades do caso e à luz da gravidade dos fatos descritos no acórdão recorrido, impõe-se o ajuste da indenização aos parâmetros adotados por este Tribunal no valor de R$ 120.000,00, de modo a garantir à lesada a justa reparação, afastando-se, contudo, a possibilidade de enriquecimento indevido, corrigido monetariamente a partir desta decisão e dos juros moratórios nos termos da Súmula 54 desta Corte.
5. A ausência de prequestionamento inviabiliza o conhecimento da questão federal suscitada.
6. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP) (Relator):
Sustenta a Recorrente ofensa aos arts. 3º e 14, ambos do CDC, aduzindo, em síntese, que "a recorrida deve ser responsabilizada por conta dos serviços prestados pelos profissionais credenciados, ainda mais quando só possui um único profissional cadastrado em determinada área - não deixando qualquer margem de escolha para os segurados" (fls. 471).
Alega que o plano de saúde é considerado fornecedor de serviços nos termos dos arts. 3º e 14, ambos do CDC, razão pela qual deve ser responsabilizado pelos profissionais que indica, especialmente quando esse médico é o único cadastrado em determinada especialidade, como ocorre in casu, haja vista que o Dr. Francisco Stefanelo Cancian era o único mastologista credenciado junto ao plano de saúde.
Colaciona diversos arestos para configuração da divergência jurisprudencial.
Requer, ao final, o provimento do Recurso Especial apelo, afim de que seja reconhecida a legitimidade passiva de ULBRA SAÚDE - atualmente CELSP -, para responder solidariamente, pelos danos morais causados por seu médico conveniado, Dr. Francisco Stefanelo Cancian.
Com razão a recorrente.
A eg. Corte de origem reconheceu a ilegitimidade passiva da CELSP, julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, em relação à ela, condenando a autora a arcar com o pagamento das custas processuais por metade e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), restando suspensa a exigibilidade em virtude da AJG deferida, aduzindo, em síntese, que o plano de assistência médica e hospitalar credencia profissionais e efetua o pagamento pelos seus serviços, entretanto cabe ao beneficiário a escolha do profissional que melhor lhe aprouver entre aqueles credenciados.
Outrossim, sustenta também inexistir qualquer relação de subordinação ou preposição entre o plano de saúde e os médicos a ele vinculados.
Ocorre que o posicionamento adotado pelo eg. Tribunal a quo vai de encontro com a jurisprudência cristalizada desta Corte Superior, como se depreende do seguinte precedente da lavra do i. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, decisão essa proferida nos autos do AG nº 885446/SP, publicada em 06/11/2009, verbis:
"1. Cuida-se de agravo de instrumento de decisão que negou seguimento a recurso especial interposto com fulcro no art. 105, III, alíneas "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:
"Indenização por danos materiais e morais - Ação movida contra operadora de plano de saúde - Decreto de ilegitimidade de parte - Inocorrência, nas circunstâncias - Empresa que responde de forma solidária - Anulação de sentença - recurso provido."
Aponta o recorrente afronta aos artigos 146, III, "c" e 174, § 2º, da Constituição Federal; 128, 159, 896, 1521 e 1522, do Código Civil; 3º, 267, VI, 128, 129, 459, 460 e 535, do Código de Processo Civil; 3º, 4º, 5º e 79, da Lei n. 5.764/71; 2º, 3º, 7º, parágrafo único e 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, ao argumento de que houve julgamento extra petita e ausência de fundamentação; e de que não é parte legítima, porque o médico é simples cooperado.
...OMISSIS...
Referente à legitimidade, o v. acórdão recorrido concluiu que:
"[...] A empresa locadora direta dos serviços médico-hospitalares, quando credencia médicos e nosocômios para suprir a deficiência de seus próprios serviços, acaba por compartilhar as responsabilidades civis dos profissionais e dos hospitais que selecionou.
Evidentemente que a medida de sua culpa deve ser avaliada no processo, mas inegável que a responsabilidade, no caso, é solidária, podendo o prejudicado escolher, entre os co-responsáveis, aquele que irá responder pelos prejuízos sofridos.
[...]
Embora a responsabilidade do fornecedor seja objetiva (Lei 8078/90, artigo 6º, inciso VI) é fato que o serviço só não será tido por defeituoso se a culpa for do consumidor ou de terceiro. Em tais condições, impõe-se anular a sentença. Afastando o decreto de ilegitimidade de parte passiva, devendo o processo ter regular seguimento, a fim de que se inicie regular dilação probatória, para os fins de direito."
O Acórdão recorrido está em consonância com o entendimento desta Corte. Destaco a propósito:
PROCESSUAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO DECIDIDO EM CONFORMIDADE COM A REITERADA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DA COOPERATIVA. LEGITIMIDADE PASSIVA.
- Cooperativa que mantém plano de assistência à saúde tem legitimidade passiva em ação indenizatória movida por associada contra erro médico cometido por médico cooperativado. (AgRg no Ag 495.306/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2004, DJ 14/06/2004 p. 217)
Incidência, pois, da Súmula 83 deste Sodalício.
Por fim, a matéria referente aos demais artigos apontados como violados, não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas 282/STF e 211/STJ).
3. Ante o exposto, com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao agravo de instrumento."
Nesse mesmo sentido, citam-se os julgados: REsp 686146/RJ, Relator Ministro FERNANDO GONÇALVES, Data da Publicação 27/10/2009; REsp 1029043/SP, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data da Publicação 31/03/2009; Ag 762614/RJ, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Data da Publicação 08/06/2006; Ag 682875/RJ, Relator Ministro CASTRO FILHO, Data da Publicação 18/10/2005; REsp 138.059/MG, Relator Ministro ARI PARGENDLER, Data da Publicação 11.06.01; REsp 328.309/RJ, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO, Data da Publicação 17.03.03.
Manifesta, pois, a solidariedade passiva da ULBRA SAÚDE - atualmente CELSP, no dever de indenizar.
No que tange à majoração do quantum fixado a título de indenização pelos danos morais, também, prospera a irresignação da Recorrente.
A eg. Corte Gaúcha deu provimento parcial à apelação da Autora para alterar o valor arbitrado a título de condenação dos danos morais, fixando-a em R$ 50.00,00 (cinquenta mil reais).
Entretanto, em razão da gravidade dos fatos e danos resultantes, tais como mastectomia bilateral radical, ou seja, a retirada completa das duas mamas, a tentativa de adulteração do prontuário quanto ao retorno de consulta que pode ter agravada a conseqüência do câncer e a extensão da mastectomia, o constrangimento de tê-la examinado em corredor de hospital levantando sua blusa á frente de pessoas estranhas, e as demais seqüelas físicas e psicológicas narradas no v. acórdão recorrido, penso que esse valor deve ser revisto, ajustando-se o quanto da indenização ante a gravidade dos fatos.
Comprovando esses fatos, peço vênia para transcrever trechos do acórdão recorrido, comprobatório do enorme sofrimento causado pelo Dr. Francisco Stefanelo Cancian à ora Recorrente, quais sejam, (i) a demora de uma ano para investigar o nódulo encontrado na mama; (ii) realização de mastectomia bilateral radical, sem conhecimento prévio da autora; (iii) ausência de comunicação da gravidade do seu estado de saúde, deixando esta 'obrigação" a cargo da família de D. Sônia; (iv) tratamento inadequado e incompatível com a ética médica e com a gravidade e precariedade do estado de saúde da Autora, verbis:
"...omissis...
Ao meu sentir, não resta qualquer dúvida acerca da lesão sofrida pela autora em razão da conduta do profissional liberal co-demandado recorrente.
Do pronunciamento de 1º Grau, cumpre destacar:
(...) Constata-se que a autora, na condição de paciente do médico demandado, conforme pode ser constatado pelos documentos de fls. 32, 33, 34, 35, 36, 37, 44, 46, 47, 48, 60, 61, 62 e 63 dos autos da ação principal, realizou cirurgia para coleta de material para exame, com possibilidade de remoção de carcinoma do seio direito (fato confirmado pelo demandado à fl. 250), sendo que acordou da anestesia sem ambas as mamas. Ora, a obrigação do médico informar à paciente acerca do procedimento a ser realizado, sendo que o documento de fl. 48 não supre tal aviso prévio. Além disso, não há comprovação nos autos acerca da necessidade de serem removidas ambas as mamas da autora, o que, eventualmente, poderia elidir a responsabilidade do réu, fulcro no art. 333, inciso II, do Código de Processo Civil. Logo, ausente demonstração acerca da conduta para salvar a vida da vítima alegada pelo demandado à fl. 244. (...)
É de se observar a falha quanto ao consentimento avisado à paciente. Em nenhum momento o Réu informou claramente à Autora qual era o seu real estado de saúde, muito menos qual o procedimento cirúrgico a que a mesma seria submetida. Somente lhe foi comentado de que poderia ser portadora de câncer (em uma das mamas), e que deveria ser operada para coleta de material, às vésperas da cirurgia. Sem sua autorização ou ciência prévia, foram-lhe extirpadas as duas mamas.
...omisis...
Causa estranheza o fato de que, mesmo com indicação escrita, expressa nas mamografias da paciente, datadas de 1999 e 2000, jamais foram solicitados pelo Apelante Francisco exames complementares, mormente uma ecografia mamária.
Nesse ponto, infere-se que houve patente negligência médica.
Na mamografia efetuada no ano de 2001, há registro de "formação nodular" de 2,1cm, que o médico não diagnostica importante investigar, mandando que a paciente retornasse dentro de um ano (ou na melhor hipótese, em quatro meses, como quer o apelante Francisco).
Demonstrada, a toda evidência, conduta culposa do médico, porque, além de clara atitude negligente em não solicitar exames complementares, não encaminhou a paciente à biópsia ao constatar o primeiro nódulo. Foi, sem dúvida, negligente em não agir com rapidez em se tratando de uma doença fatal. Também negligenciou nas informações à paciente. Não lhe prestou contas de que seria realizada uma mastectomia radical.(grifei).
...omissis...
Imensos transtornos de ordem psicológica também sofreu a Autora.
Absurdamente o apelante Francisco não comunicou o resultado da cirurgia diretamente à paciente, deixando a cargo dos familiares, totalmente leigos, fazê-lo.
A par disso, foi submetida a vexame e constrangimento público quando, na recepção do hospital, aguardava para colocação de cateter, já sendo submetida à quimioterapia, e o médico levantou sua blusa na frente de todos os presentes para verificar o resultado da cirurgia.
Tal fato pode ser corroborado pelo depoimento da informante Regina, às fls 295:
J: E o que mais? T: Depois, a minha irmã teve que fazer... Não me lembro o nome, mas ela teve que colocar um cateter, para poder fazer a Quimioterapia. Aí estávamos aguardando no saguão do hospital, quando ele chegou e disse o seguinte: 'Deixa ver como é que está aí!' E levantou a blusa dela na frente das pessoas que estavam aguardando no saguão. Também achei uma atitude estranha.
J: Levantou por completo a blusa dela? T: Sim, levantou assim.
J: Na frente de todas as pessoas que estavam no saguão? T: Sim, que estavam lá, e nós ficamos constrangidas. Um outro fato ocorreu depois da cirurgia. Quando essa terminou, eu estava aguardando no saguão com minha mãe. Ele chegou para dizer o que tinha acontecido e especificou que tinha retirado...É que nós esperávamos que ela fosse fazer só um exame, ou seja, uma biópsia ou alguma coisa assim. No entanto, chegou e disse que tinha feito uma Masectomia e que não tinha outra solução. Falou que só cabia a retirada das duas mamas mesmo. No momento, ainda perguntei se ele ia conosco dar a notícia para ela, pois ainda estava na sala de recuperação. Respondeu-me da seguinte forma: "- Não, quando ela for para o quarto, são os familiares que devem fazer isso". Também achei inadequado, porque a minha irmã poderia perguntar qualquer coisa sobre a cirurgia, e ele não ia estar presente para responder.
Devido a retirada de ambos os seios (que talvez pudesse ser evitada se tivesse tido chance de consultar uma segunda opinião médica), a paciente tornou-se incapacitada à atividade laboral que exercia, bem como restou desmotivada para o trabalho devido às seqüelas físicas e psicológicas.
A testemunha Antônio Carlos Bueno dos Santos assim assevera:
PA: O senhor pôde verificar se houve algum prejuízo na atuação dela na loja depois da cirurgia? T: Acho que total.
PA: Prejuízo total? T: Sim.
PA: O senhor pode nos dizer como era o estado anímico, o humor dela antes e depois da cirurgia? Tinha alguma diferença? T: Mudou muito; ela era uma pessoa alegre e ficou triste, deprimida, sempre se queixando da vida.
Também a testemunha Etel Tvoreck, às fls 301, acrescenta:
J: A limitação física atrapalha que ela desempenhasse que tipo de tarefa? T: Ela ficou com limitações para abrir a porta da loja. Dependente do objeto ela não tinha como movimentar.
J: com a movimentação, com o uso dos membros superiores ela ficou limitada? T: Ficou muito limitada.
Tendo, pois, causado dano sobejamente comprovado, deve o apelante Francisco Cancian ser responsabilizado.
Restou evidenciado o sofrimento, a angústia, os constrangimentos, a depressão e a própria mutilação, que transformaram a Autora em pessoa fisicamente inabilitada, tudo decorrente de procedimento médico inadequado.
Sobre o assunto, discorre Romanello Neto, in "Responsabilidade Civil do Médico", São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003: "as operações, sem o devido consentimento, são consideradas agressões à integridade física do sujeito".
Exatamente o que se vê no caso em tela.
Reconhecida a lesão sofrida pela autora, a existência de danos morais, examina-se, a seguir, a questão atinente ao valor a ser arbitrado, uma vez que as partes irresignaram-se em relação àquele estabelecido pelo magistrado a quo.
...omissis...
Portanto, o montante reparatório deverá ser diretamente proporcional ao dano sofrido pela parte lesada, prejuízo esse que, na espécie, restou demonstrado como enorme, beirando o risco de morte iminente, dada a magnitude de uma doença fatal. Teve a demandante a sua vida arruinada, precisando conviver com a mutilação, a depressão, a perda do trabalho e do companheiro e a falta de ânimo para as tarefas mais simples.
Quanto à capacidade financeira do médico Francisco Cancian, parece indiscutível possa arcar com os ônus da condenação. O clínico é morador em imóvel no bairro Bela Vista, um dos mais caros e valorizados da cidade, mais precisamente na rua Jaraguá (fls 120/243 dos autos), junto à "Praça da Encol", ponto máximo da elegância da classe alta desta Capital.
Considerados esses aspectos, tenho que o quantum da indenização por dano moral arbitrado na sentença (R$ 35.000,00 - trinta e cinco mil reais) deva ser majorado para R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), valor a ser corrigido como determinado na sentença singular, importância esta adequada a bem compensar o dano suportado pela autora pela conduta do médico co-réu. Condeno ainda Francisco Cancian ao pagamento de custas processuais por metade e honorários advocatícios em favor dos procuradores da demandante, na proporção de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação." (fls. 477/482) (grifei)
Antes de adentrar na fixação de novo valor da indenização, é importante frisar que a situação descrita nos presentes autos não desafia o óbice da Súmula 07 desta Corte, uma vez que não se trata de reexame do contexto fático-probatório dos autos, mas sim de valoração dos critérios jurídicos concernentes à utilização da prova e a formação da convicção do julgado.
A indenização por dano moral trata-se mais de uma compensação do que propriamente de ressarcimento (como no dano material), até porque o bem moral não é suscetível de ser avaliado, em sua precisa extensão e em termos pecuniários. O critério utilizado por esta Corte na fixação do valor da indenização por danos morais tem considerado as condições pessoais e econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido e de modo que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito.
A jurisprudência do Superior Tribunal, quanto ao valor do dano moral, caminha no sentido de que a intervenção só é possível para corrigir eventual abuso, excesso, exagero, valor exorbitante, ou mesmo irrisório, insignificante.
Com essa orientação, cita-se:
"CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. SERASA. INSCRIÇÃO INDEVIDA. DANO MORAL. EXISTÊNCIA RECONHECIDA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. MATÉRIA DE PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ. VALOR DO RESSARCIMENTO. FIXAÇÃO EM PATAMAR EXCESSIVO. REDUÇÃO. I. Entendido pelo Tribunal a quo que existiu dano moral indenizável, tal circunstância fática não tem como ser reavaliada em sede de recurso especial, ao teor da Súmula n. 7 do STJ. II. Diante da reprovabilidade do ato, tem-se que o montante arbitrado nas instâncias ordinárias provoca o enriquecimento sem causa da parte moralmente lesada, procedendo a pretensão do réu de discutir o tema em sede especial e justificando-se a excepcional intervenção do STJ a fim de reduzi-lo a patamar razoável. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (1006857, Relator MINISTRO ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ de 25.8.08) .
No caso concreto, em razão das particularidades supra citadas, que acabam por compor um quadro chocante de uma absurda sucessão de erros e de descaso para com a saúde alheia, de desrespeito à pessoa por aquele profissional que deveria zelar pela saúde, uma vez que abraçou como profissão a medicina, parece-me ser o caso de majorar o valor anteriormente arbitrado, haja vista que se trata de valor pequeno diante de tantos erros, ofensas e desrespeitos.
É sabido que nenhuma quantia irá devolver a saúde de D. Sônia, ou seu emprego ou, ainda, o retorno ao convívio do seu companheiro, mas, tenho que, no caso concreto a quantia indenizatória arbitrada em R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais) a título de danos morais, guarda proporcionalidade com a gravidade da ofensa, o grau de culpa e o porte sócio-econômico do causador do dano, solidariamente com o plano de saúde.
Por fim, aduz a Recorrente que o acórdão hostilizado violou o art. 20, caput e § 3º, do CPC, pois "é a parte vencedora na presente ação, tendo seus procuradores laborado incansavelmente, em ação que versa sobre questões delicadíssimas, exigindo um enorme esforço por parte dos advogados representantes da recorrente." (fls. 477)
Não assiste razão à Recorrente quanto à alegada violação ao supra citado dispositivo legal, pois a matéria federal suscitada não foi previamente debatida e enfrentada pelo Colegiado de origem. não se pronunciado explicitamente com relação à sua incidência, ensejando, por isso mesmo, a aplicação do enunciado nº 282 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Nesse sentido, q.v., verbi gratia:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS NS. 282 E 356 DO STF. MATÉRIA SUSCITADA APENAS NO VOTO VENCIDO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 320 DO STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA.
1. Para conhecimento de recurso especial com base em contrariedade a preceito de lei federal, é necessário que o acórdão recorrido tenha enfrentado as disposições tidas por violadas. Súmulas ns. 282 e 356 do STF.
2.. A questão federal somente ventilada no voto vencido não atende ao requisito do prequestionamento' - Súmula n. 320 do STJ.
3. É incabível recurso especial fundado na alínea 'c' do permissivo constitucional quando não atendidos os requisitos indispensáveis à comprovação da divergência pretoriana, conforme prescrições dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ.
4. Recurso especial não-conhecido" (REsp 596877/SC, Segunda Turma, Rel. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ de 16/03/2007) .
POR TODOS OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS, CONHEÇO, PARCIALMENTE, DO RECURSO ESPECIAL PELA DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL E, NESTA EXTENSÃO, O PROVEJO PARA RECONHECER A LEGITIMIDADE PASSIVA DE ULBRA SAÚDE - ATUALMENTE CELSP -, CONDENANDO-A, SOLIDARIAMENTE AO RÉU FRANCISCO STEFANELO CANCIAN AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS FIXADOS EM R$ 120.000,00 - (CENTO E VINTE MIL REAIS), CORRIGIDA MONETARIAMENTE A PARTIR DESTA DECISÃO, ACRESCIDA, AINDA, DE JUROS DESDE O EVENTO DANOSO (ENUNCIADO 54, DA SÚMULA DO STJ), NO PERCENTUAL DE 0,5% (MEIO POR CENTO) ATÉ A VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL E DE 1% (UM POR CENTO) AO MÊS, A PARTIR DESTA DATA, ATÉ O REAL PAGAMENTO.
EM RAZÃO DA GRAVIDADE DOS FATOS NARRADOS, DETERMINO SEJA ENCAMINHADO CÓPIA DESTA DECISÃO AO CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO RIO GRANDE DO SUL, PARA QUE DELA TOME CIÊNCIA PARA OS FINS DE DIREITO.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA
Número Registro: 2009/0065181-7
PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1133386 / RS
Números Origem: 10524099166 10524099310 70020427837 70027749456
PAUTA: 17/06/2010 JULGADO: 17/06/2010
Relator
Exmo. Sr. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/AP)
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. DURVAL TADEU GUIMARÃES
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: SÔNIA DA COSTA LIMA PEREIRA
ADVOGADO: NESTOR JOSÉ FORSTER E OUTRO(S)
RECORRIDO: COMUNIDADE EVANGÉLICA LUTERANA SÃO PAULO - CELSP
ADVOGADO: EDUARDO MACHADO DE ASSIS BERNI E OUTRO(S)
RECORRIDO: FRANCISCO STEFANELO CANCIAN
ADVOGADO: ANETE LÚCIA BELING E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Responsabilidade Civil - Indenização por Dano Moral
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, João Otávio de Noronha, Luis Felipe Salomão e Raul Araújo Filho votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de junho de 2010
TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária
Documento: 983346
Inteiro Teor do Acórdão
DJ: 30/06/2010
JURID - Dano moral. Plano de saúde. Legitimidade passiva. [28/07/10] - Jurisprudência
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