Apelação criminal. Crime contra o patrimônio. Apropriação indébita.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Apelação Criminal n. 2010.001204-4, de Brusque
Relator: Des. Alexandre d'Ivanenko
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. CAUSÍDICO QUE RECEBE VALORES PERTENCENTES A SEU CLIENTE E NÃO OS REPASSA. PLEITO ABSOLUTÓRIO QUE SE MOSTRA INVIÁVEL. MATERIALIDADE, AUTORIA E CULPABILIDADE COMPROVADAS. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO INC. III DO § 1º DO ART. 168 DO CÓDIGO PENAL PLENAMENTE CARACTERIZADA.
"Com base no art. 168, § 1.º, III, do CP, responde por apropriação indébita o advogado que levanta quantia pertencente a seu cliente, e, injustificadamente, não lhe encaminha, imediatamente, o numerário, ainda que posteriormente venha a restituir o dinheiro (RT 760/574)" (Mirabete, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2007. p. 1528).
ALMEJADA MINORAÇÃO DA REPRIMENDA CORPORAL. INVIABILIDADE. QUANTUM QUE NÃO CARECE DE REPAROS.
RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO.
ADEQUAÇÃO, EX OFFICIO, DA PENA DE MULTA. SANÇÃO QUE DEVE GUARDAR PROPORCIONALIDADE COM A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. MITIGAÇÃO QUE SE IMPÕE.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2010.001204-4, da comarca de Brusque (Vara Criminal), em que é apelante Richard Albani Dalago, e apelada A Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer do recurso, negar-lhe provimento e, de ofício, adequar a reprimenda. Custas legais.
RELATÓRIO
O Ministério Público, oficiante na comarca de Brusque, ofereceu denúncia contra Richard Albani Dalago, dando-o como incurso nas sanções do art. 168, § 1º, inc. III, c/c art. 71, ambos do Código Penal, pelos seguintes fatos narrados na exordial acusatória (fls. 2/3), ipsis litteris:
Consta do presente caderno informativo que a esta serve de base que o denunciado Richard Albani Dalago atuava como advogado da vítima Maria Gorete Bambinetti em processos de execução que tramitavam perante a 3ª Vara Cível desta Comarca (Autos nº 011.03.008939-6 e 011.04.003476-4).
A partir do mês de abril de 2005, o denunciado, aproveitando-se de sua condição de advogado da vítima, apropriou-se de valores referentes ao pagamento de parcelas de um acordo judicial efetuadas nas ações de execução já mencionadas.
Para tanto, o denunciado, ao receber da vítima os valores referentes ao acordo entabulado, emitia recibo, entretanto, não efetuava o repasse destes valores aos credores (recibos , fls. 13/19).
A reiterada prática criminosa somente foi constatada em 1.11.2005, quando a vítima foi informada que teria seus bens leiloados em praça pública, ocasião em que já havia sido desviado o total de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais).
Finda a instrução criminal, o togado singular julgou procedente a denúncia para condenar Richrad Albani Dalago às penas de 2 (dois) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime aberto, e quarenta e 48 (oito) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 168, § 1º, inc. III, na forma do art. 71, por 12 (doze) vezes, ambos do Código Penal, sendo a sanção corporal substituída pelas penas restritivas de direitos consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.
Devidamente intimadas as partes, o acusado manifestou o desejo de recorrer da decisão, sendo as razões apresentadas às fls. 68/72, por meio das quais requer sua absolvição, alegando, em síntese, anemia probatória. Alternativamente, pleiteia a minoração da reprimenda para o seu mínimo legal.
Contra-arrazoado o recurso (fls. 73/77), ascenderam os autos a esta superior instância, tendo a douta Procuradoria Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Carlos Henrique Fernandes, opinado pelo seu conhecimento e desprovimento (fls. 83/91).
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso há de ser conhecido. Inexistindo preliminares a serem debatidas, nem mesmo de ofício, passa-se à análise do mérito.
Trata-se de recurso interposto por Richard Albani Dalago contra a sentença que o condenou pelo crime de apropriação indébita em razão de ofício, emprego ou profissão.
Em que pese a argumentação trazida pela defesa, o pedido absolutório não merece ser acolhido, porquanto o robusto conjunto de provas amealhado aos autos leva, estreme de dúvida, à condenação do réu.
A materialidade do crime restou perfectibilizada por meio do boletim de ocorrência (fl. 3) e das cópias dos recibos (fls. 13/19) que compravam o efetivo pagamento da vítima a seu advogado, ora apelante.
A autoria, por sua vez, emerge da prova oral juntada ao processado, como será analisada a seguir.
De acordo com a vítima Maria Goreti Bambinetti, o acusado apropriou-se indevidamente de R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais), valor este que deveria ser destinado ao pagamento de dívidas que ela possuía junto aos Supermercados Archer e Supermercado Carol. Relatou que apenas tomou conhecimento que o dinheiro não foi repassado, conforme combinado, quando foi cientificada que seus bens seriam leiloados. Aduziu, ainda, que "o advogado Richard afirmou 'que pegou o dinheiro' porque estava passando por dificuldades financeiras" (fl. 4).
Em juízo, Maria Goreti declarou que "contratou o acusado, como advogado, para defender seus interesses" em uma ação, na qual realizou um acordo judicial de parcelamento de débitos. Assim sendo, "repassou os valores das parcelas ao Dr. Richard para que este efetuasse os depósitos dos acordos mencionados", porém soube que o acusado havia se apropriado indevidamente do numerário porque foi cientificada de que seus bens pessoais seriam levados a leilão em razão do não cumprimento do acordo.
A vítima asseverou, ainda, "que também conversou com o acusado, quando este disse 'que não achava o processo'; que o acusado não negou e nem confirmou o repasse do dinheiro", informando que em razão do não cumprimento do acordo e da apropriação do dinheiro pelo seu advogado, "está pagando novamente o seu débito ao advogado dos credores, cujo valor hoje alcança um cifra em torno de R$ 5.000,00" e que "até hoje não foi ressarcida de seu prejuízo" (fl. 57).
Da mesma forma, o apelante aduziu, na fase administrativa, "que se apropriou dos valores por estar com problemas financeiros", e que em virtude de tal ato está proibido de exercer sua atividade profissional.
Não discrepam suas declarações perante a autoridade judicial:
Que patrocinou a defesa dos interesses da vítima em duas ações de execução que tramitaram neste juízo; que no curso da ação foi formalizado um acordo; que o escritório e o interrogando receberam os valores pagos pela vítima conforme cópia dos recibos de fls. 13/19; que parte daqueles valores foram repassados ao advogados dos credores; que segundo lhe consta efetuou um repasso em torno de R$ 600,00; que o restante do dinheiro recebido não foi repassado aos credores; que parte dos mesmos foram apropriados pela própria secretária do escritório; que parte do dinheiro o interrogando usou para efetuar pagamentos e gastos próprios; que não fez boletim de ocorrência da apropriação do dinheiro por parte da secretária do escritório de advocacia; que a vítima foi intimada para leilão de seus bens, quando procurou novamente pelo interrogando; que na oportunidade fez novo acordo com advogado da outra parte e suspendeu os leilões designados; que em razão dos fatos foi representado no órgão de classe e teve suspensa sua inscrição na OAB; que ainda não ressarciu o prejuízo a vítima; que a suspensão na ordem de classe foi por dois meses, prorrogados até a comprovação do ressarcimento da vítima; que a suspensão ocorreu em outubro ou novembro de 2008 (fl. 53).
Portanto, não há como dar guarida à douta defesa quando sustenta a tese de ausência ou fragilidade de provas, uma vez que os recibos mencionados, a confissão do acusado e as declarações da vítima constituem elementos de convicção suficientes para autorizar um decreto condenatório.
Ademais, o fato de o acusado, na época do delito, enfrentar dificuldades financeiras, como aduziu em seu interrogatório, também não o exime da responsabilidade pelo ilícito patrimonial cometido, não podendo, outrossim, argumentar a ausência de dolo, porquanto, em função de sua profissão, o recorrente tinha perfeita consciência de que sua conduta era típica e antijurídica.
Portanto, exsurge cristalino que o apelante praticou o delito descrito na peça acusatória, não devendo prosperar o pleito absolutório.
Nesse sentido:
APROPRIAÇÃO INDÉBITA CIRCUNSTANCIADA. CAUSÍDICO QUE RECEBE VALORES PERTENCENTES AO SEU CLIENTE E NÃO OS REPASSA. CRÉDITO ORIUNDO DE AÇÃO PREVIDENCIÁRIA (Apelação Criminal n. 2007.037404-7, de São José do Cedro, rel. Des. Roberto Lucas Pacheco, j. 8.9.08).
APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. RÉ QUE, NO DESEMPENHO DE SEU MISTER, APROPRIA-SE DE NUMERÁRIO DE CLIENTE. ART. 168, § 1º, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL. ALMEJADA ABSOLVIÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA FARTAMENTE COMPROVADAS. DECLARAÇÕES DAS VÍTIMAS QUE SE HARMONIZAM COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE FORMAM O CONJUNTO PROBATÓRIO. INVIABILIDADE (Apelação Criminal n. 2008.010144-7, de Santo Amaro da Imperatriz, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 12.8.08).
Não discrepa o entendimento doutrinário:
Com base no art. 168, § 1.º, III, do CP, responde por apropriação indébita o advogado que levanta quantia pertencente a seu cliente, e, injustificadamente, não lhe encaminha, imediatamente, o numerário, ainda que posteriormente venha a restituir o dinheiro (RT 760/574) (Mirabete, Julio Fabbrini. Código penal interpretado. 6. ed., São Paulo: Atlas, 2007. p. 1528).
Por fim, tem-se plenamente caracterizada a causa especial de aumento de pena prevista no inc. III do § 1º do art. 168 do Códex Punitivo, conforme ensinamento do doutrinador supracitado:
A apropriação, quando cometida por pessoas que, por conta de suas atividades profissionais de um modo geral, terminam recebendo coisas, através de posse ou detenção, para devolução futura, é mais grave. Por isso, merece o autor pena mais severa.
Concernente à sanção corporal aplicada ao apelante, entendo que esta não carece de nenhum reparo, uma vez que, ao analisar as circunstâncias judiciais, o magistrado a quo considerou como negativa a conduta social do apelante, "pois o fato do acusado ser advogado, torna ainda maior a reprovabilidade de sua conduta de se apropriar indevidamente de valores que a parte havia lhe repassado para dar cumprimento a acordo judicial". Também fez constar que "sua conduta ilícita já fez 'escola', posto que, seu péssimo exemplo contribuiu para que a própria secretária de seu escritório profissional também teria se apropriado indevidamente de valores recebidos" (fl. 54).
Com acerto, a reprimenda foi reduzida, na segunda fase dosimétrica, em razão da confissão do acusado. Na etapa posterior, não há que se falar em alterações, uma vez que o julgador, de forma justificada, elevou a pena em 1/3 (um terço), em face da majorante prevista no inc. IV do § 1º do art 168 do Código penal; cujo quantum restou definitivo em 1 (uma) ano e 4 (quatro) meses de reclusão.
Por outro lado, verifica-se que a pena de multa merece reparos, pois, como se sabe, tal sanção deve manter proporcionalidade com a reprimenda corporal.
Neste sentido:
A fixação dos dias-multa deve ser proporcional à pena privativa de liberdade, observadas, nesse cálculo, as circunstâncias judiciais, atenuantes, agravantes e causas de aumento ou de diminuição (Apelação Criminal n. 2006.048704-2 (Réu Preso), de Balneário Camboriú, rel. Des. Amaral e Silva).
DOSIMETRIA. PENA DE MULTA. FIXAÇÃO MUITO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PROPORCIONALIDADE COM A PRIVATIVA DE LIBERDADE. CORREÇÃO. RECURSO PAR CIALMENTE PROVIDO. A fixação dos dias-multa deve ser proporcional à pena privativa de liberdade (Apelação Criminal n. 2005.024563-0, da comarca de Brusque, rel. Des. Sérgio Paladino).
Assim, em que pese a justificativa dada pelo togado singular para fixá-la em 29 (vinte e nove) dias-multa, considero a análise das circunstâncias judiciais e legais, e diminuo a pena pecuniária para 12 (doze) dias-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, na primeira fase dosimétrica.
Como não há previsão de alteração da pena pecuniária na fase posterior, passo à terceira fase, na qual elevo esta, seguindo a orientação do magistrado sentenciante, em 1/3 (um terço), perfazendo 16 (dezesseis) dias-multa.
Derradeiramente, em virtude da continuidade delitiva, majoro a pena de multa em 2/3 (dois terços), fração esta já estipulada na decisão a quo, tornando-a definitiva em 26 (vinte e seis) dia-multa, cada qual no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mantendo os demais termos da sentença objurgada.
Ex positis, sou pelo conhecimento e desprovimento do recurso, alterando, de ofício, a pena pecuniária para 26 (vinte e seis) dias-multa, mantendo os demais termos da sentença objurgada.
Observa-se que a comarca de origem deverá promover a(s) devida(s) comunicação(ões), conforme dispõe o § 2.º do art. 201 do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n. 11.690/2008.
DECISÃO
Ante o exposto, a Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso e, de ofício, adequar a pena de multa.
O julgamento, realizado no dia 4 de maio de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Torres Marques, sem voto, e dele participaram, com voto, os Exmos. Srs. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho e Des. Subst. Roberto Lucas Pacheco. Funcionou, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Paulo Antônio Güinther, tendo lavrado parecer o Exmo. Sr. Dr. Carlos Henrique Fernandes.
Florianópolis, 10 de maio de 2010.
Alexandre d'Ivanenko
Relator
JURID - Crime contra o patrimônio. Apropriação indébita. [26/07/10] - Jurisprudência
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