Músico. Pagamento por ensaios e apresentações. Salário por tarefa. DSR's devidos.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR
5ª CÂMARA (TERCEIRA TURMA)
0205400-16.2008.5.15.0122 ReeNec - Reexame Necessário
VARA DO TRABALHO DE SUMARÉ
Remetente: Vara do Trabalho de Sumaré
Recorrente: Município de Sumaré
Recorrido: Douglas Barbosa Lopes
Juiz Sentenciante CLAUDIA CUNHA MARCHETTI
MÚSICO. PAGAMENTO POR ENSAIOS E APRESENTAÇÕES. SALÁRIO POR TAREFA. DSR'S DEVIDOS. Conquanto o reclamado alegue que os dsr's dos músicos estavam computados no salário mensal recebido, constata-se, ao observar-se os títulos dos holerites mensais do obreiro, que este era remunerado pelos ensaios e apresentações efetivadas, tanto que havia variação mensal para os valores pagos a tais títulos. Trata-se, assim, do salário "por tarefa", que não inclui a remuneração dos dsr's, conforme se extrai do disposto no art. 7º, alínea "c", da Lei nº 605/49. Neste contexto, são devidos os dsr's postulados. Recurso ordinário não provido.
Vistos etc.
Remessa "ex officio" e recurso ordinário do reclamado contra a r. sentença de fls. 113/115 (complementada pela decisão de embargos declaratórios de fls. 120), na qual foi julgada procedente em parte a ação, condenando o Município-reclamado a pagar dsr's e reflexos do período imprescrito até fevereiro/2008.
O Município-reclamado, através do recurso ordinário de fls. 122/125, alega que foi deferido o pagamento de dsr's e reflexos em razão do reconhecimento de que o autor laborava por tarefa, contudo o reclamante não laborava por tarefa, posto que sempre recebeu seus vencimentos independentemente da realização de ensaios ou apresentações mínimas. Assevera que a Lei 4597/08, que alterou a Lei 3769/03, criou a jornada mensal e por tarefa a seus servidores, passando, a partir de então, a discriminar o pagamento de dsr's de maneira distinta. Argumenta que, anteriormente, os vencimentos eram calculados computando-se os dsr's sobre o número de apresentações e ensaios, de modo que os músicos receberam os competentes dsr's, sendo incabível a condenação retroativa, por caracterizar "bis in idem". Pede provimento.
Isentado o Município-recorrente do recolhimento de custas processuais e depósito recursal, por força do disposto no art. 790-A, I, da CLT e art. 1º, IV, do DL 669/79.
Contrarrazões às fls. 128/133.
Manifestação da D. Procuradoria, às fls. 136-verso, opinando pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
RECURSO "EX OFFICIO"
A Constituição de 1988, além de realçar e valorizar os direitos e garantias individuais do cidadão, criou vários institutos com vistas a assegurar o acesso à justiça, o que levou a sociedade a exigir cada vez mais a agilização da solução dos conflitos judiciais, entrando o tema morosidade da justiça para a ordem do dia. No entanto, por mais que os juízes se esforcem para que a prestação jurisdicional seja mais rápida, esses serviços, aos olhos da sociedade, continuam morosos. Assim, para que a prestação jurisdicional alcance o grau de excelência exigido pela sociedade, é preciso que o legislador tenha a coragem de promover profundas alterações na legislação processual, a começar pela valorização das decisões dos juízes de primeiro grau, evitando, com isso, a proliferação de recursos, os quais, dependendo do conhecimento técnico e da habilidade do profissional da advocacia, podem levar questões de somenos importância até mesmo aos tribunais superiores.
Com vistas a melhorar o acesso à justiça agilizando a prestação jurisdicional, o legislador houve por bem promover várias alterações processuais, e, dentre essas, podemos apontar a mitigação da remessa oficial obrigatória, introduzida no ordenamento processual pelo parágrafo 2º ao art. 475 do Código de Processo Civil, nas hipóteses em que "a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente de 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor".
Poder-se-ia objetar, quanto à aplicação do referido preceito legal no processo do trabalho, o argumento de que a legislação especial a respeito (Decreto-lei nº 779/69) impede a aplicação de norma de ordem geral e que a remessa obrigatória visa garantir a segurança jurídica relativamente às decisões envolvendo a coisa pública.
Contudo, é preciso consignar que o valor relativo ao trabalho e à dignidade da pessoa humana constituem valores fundamentais da pessoa, sobrepondo-se a quaisquer outros valores.
Com efeito, penso que é possível aplicar o referido preceito legal quanto a limitação imposta, pois não obstante possa parecer, à primeira vista, que o Decreto-lei nº 779/69 regule integralmente a remessa oficial, a verdade é que referida norma nada sinaliza quanto ao limite relativo a valores para efeito de remessa oficial, havendo fixação do quantum apenas no § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil, norma introduzida na lei adjetiva por intermédio da Lei nº 10352, de 26 de dezembro de 2001.
Assim, a par da lacuna existente na legislação trabalhista em comento, e considerando a perfeita compatibilidade com os princípios que informam as regras do direito processual do trabalho, com relevo para o fato que as decisões trabalhistas conservam natureza alimentar, o Eg. TST, por resolução publicada no DJ de 21/11/2003, deu nova redação ao Enunciado nº 303 para recepcionar a alteração introduzida na lei adjetiva por intermédio da Lei nº 10352/2001, verbis:
"Fazenda Pública. Duplo grau de jurisdição - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, mesmo na vigência da CF/1988, decisão contrária à Fazenda Pública, salvo: a) quando a condenação não ultrapassar o valor correspondente a 60 (sessenta) salários mínimos; b) quando a decisão estiver em consonância com decisão plenária do Supremo Tribunal Federal ou com enunciados de Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho."
Ademais, não se pode perder de vista que o referido Decreto-lei foi introduzido no ordenamento jurídico no período do regime de exceção, não guardando nenhuma relação com a nossa Constituição cidadã, a qual privilegiou nos artigos 1º, 3º, 6º e 170, o trabalho e a dignidade da pessoa humana. Além do que, os direitos trabalhistas conservam sempre natureza alimentar, não havendo razão nenhuma para restringir a remessa obrigatória no processo civil e proceder a remessa no processo do trabalho irrestritamente, comprometendo a tão sonhada efetividade da prestação jurisdicional.
Por tais motivos, com fundamento no parágrafo 2º do artigo 475 do CPC, não se deve conhecer da presente remessa "ex officio", eis que o montante da condenação é bem inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, haja vista que o i. Juízo de 1º grau, na r. sentença que julgou parcialmente procedente a reclamatória, arbitrou o valor da condenação em R$5.000,00 (fls. 115).
Por tais razões, não conheço do recurso "ex officio".
RECURSO DO RECLAMADO
Conheço do recurso voluntário, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.
DSR'S
Na r. sentença de origem, foi deferido o pedido de pagamento dos dsr's, sob o fundamento de que, pela documentação acostada aos autos, verifica-se que o pagamento do autor é variável, sendo composto de ensaios e apresentações, correspondendo ao salário "por tarefa", o que assegura a remuneração do repouso semanal nos termos do art. 7º, alínea "c", da Lei 605/49, de sorte que, não havendo valores discriminados a título de dsr's nos recibos, conclui-se que não foram pagos, não se admitindo a tese de sua integração em outra rubrica por importar em salário complessivo, vedado por nosso ordenamento.
Em sua exordial, o reclamante alegou que, até o advento da Lei 4597/2008, o reclamante recebeu apenas pelos ensaios e concertos musicais, sem que fosse remunerado o descanso semanal, irregularidade que só foi sanada com a referida lei.
Conquanto o reclamado alegue que os dsr's dos músicos estavam computados no salário mensal recebido, constata-se, ao observar-se os títulos dos holerites mensais do obreiro, que este era remunerado pelos ensaios e apresentações efetivadas, tanto que havia variação mensal para os valores pagos a título de apresentações e ensaios, como, por exemplo, se observa ao confrontar-se os holerites dos meses de agosto/02 e julho/02, já que, no primeiro mês, são apontados os valores de R$341,37 para a rubrica ensaios e R$284,82 para o título apresentações enquanto no segundo mês os valores, respectivamente, são R$370,00 (ensaio) e R$231,55 (apresentações).
E esta constatação não é distoante dos ditames da Lei Municipal 2134/1990 (fls. 96), como quer fazer crer o recorrente, pois referida lei manteve o art. 4º da Lei 1887/87, que fixou o pagamento de determinado valor para 3h00 de ensaios e outro valor para 4h00 de apresentações (fls. 92).
Como bem argumentou o i. Juízo de origem, no caso em estudo, estamos diante do denominado salário "por tarefa".
Ocorre que o salário por tarefa não inclui a remuneração dos dsr's, conforme se extrai do disposto no art. 7º, alínea "c", da Lei nº 605/49, que estabelece que, se o empregado trabalha por tarefa, o repouso semanal remunerado é considerado equivalente ao salário correspondente às tarefas efetuadas durante a semana, no horário normal de trabalho, dividido pelo número de dias de serviços efetivamente prestados pelo empregado.
Neste contexto, não há que se cogitar que os dsr's, antes da edição da Lei 4547/08, teriam sido remunerados pelo recorrente, haja vista que os valores recebidos destinavam-se a quitar única e exclusivamente as tarefas efetuadas pelo obreiro.
Destarte, são devidos os dsr's postulados e seus reflexos, não merecendo reparo o r. julgado.
Nego provimento.
Ante o exposto, resolvo não conhecer do recurso "ex officio", com base no §2º do art. 475 do CPC; conhecer do recurso do Município de Sumaré e não o prover, nos termos da fundamentação. Para fins recursais, fica mantido o valor arbitrado pela decisão recorrida. Custas na forma da lei, das quais o recorrente está isento, por força do disposto no art. 790-A da CLT
LORIVAL FERREIRA DOS SANTOS
Desembargador Federal do Trabalho
Relator
JURID - Músico. Salário por tarefa. DSR's devidos. [27/07/10] - Jurisprudência
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