Concurso público. Inobservância do requisito de impessoalidade. Dano moral configurado.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT15ªR
ACÓRDÃO
1ª TURMA - 1ª CÂMARA
RECURSO ORDINÁRIO
PROCESSO TRT/15ª REGIÃO N. 01083-2008-143-15-00-4
ORIGEM: VARA DO TRABALHO DE santa cruz do rio pardo
RECORRENTE: mario nelli
RECORRIDO: município de santa cruz do rio pardo
JUÍZA SENTENCIANTE: gisele pasotti fernandes flora pinto
CONCURSO PÚBLICO. INOBSERVÂNCIA DO REQUISITO DE IMPESSOALIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO.
Em concurso público, a tentativa deliberada de chancelar a escolha de candidato anteriormente indicado por critérios meramente subjetivos viola o disposto no art. 37 da CF/88 por inobservância do princípio da impessoalidade e provoca dano moral àquele que, confiando na seriedade do certame, é preterido.
Inconformado com a r. sentença (fls. 520-525) que julgou parcialmente procedentes os pedidos, recorre o reclamante (fls. 521-532), alegando que faz jus ao recebimento de indenização por danos morais. Refere ter sido vítima de abalos físicos e emocionais em decorrência das injustiças sofridas.
Contrarrazões (fls. 538-545).
Manifestação da Procuradoria do Trabalho pelo conhecimento e não provimento do recurso (fls. 550-551).
É o relatório.
VOTO
1. Do conhecimento
Presentes os pressupostos de admissibilidade, decido conhecer do recurso.
2. Do dano moral
O autor prestou concurso público, realizado para preenchimento da vaga de regente de coral na rede de ensino do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.
Do edital do certame constava, como requisitos de ingresso e critérios de classificação, in verbis:
".1. São requisitos para o preenchimento do emprego em caráter temporário de:
1.1 Regente de Coral: Carga Horária 12 (doze) horas semanais para atuação nos Centro Educacionais infanto-juvenis "Professor Mores" e "Professor Wilson Gonçalves" - Remuneração: R$ 356,00 (trezentos e cinqüenta e seis reais); e 32 (trinta e duas) horas semanais para atuação nas unidades Escolares de Ensino Fundamental de 1a a 8a EMEIF "Professora Maria José Rios", EMEIF "Professor Arnaldo Moraes Ribeiro", EMEIF "Professor Sebastião Jacinto da Silva" e EMEIF "Frei José Maria Lorenzetti" - Remuneração: R$ 950,40 (novecentos e cinqüenta reais e quarenta centavos).
Escolaridade: Curso Superior de Graduação Plena em Música ou Certificado de Conclusão de Curso de Instrumento Musical.
Exigência para efetuar a inscrição: apresentação de Plano de Trabalho a ser desenvolvido no CEIJs, EMEFs e EMEIFs no ano letivo de 2007. Para classificação: atestado de experiência em regência de coral
III- DA CLASSIFICAÇÃO
1. Os candidatos serão classificados de acordo com seguintes títulos, anexados no ato da inscrição:
a) Regente de Coral:
- Plano de trabalho - de 0 (zero) a 8 (oito) pontos.
- Atestado de Experiência de Regente de Coral - 03 pontos por ano.
- Certificado de Conclusão de Curso de Instrumento Musical - 06 pontos até no máximo 02 (dois) certificados;
- Curso Superior de Graduação Plena com Habilitação em Música - 10 (9dez) pontos;
Observação: o diploma ou certificado usado para efetivação da inscrição não será considerado como título para classificação." (fl. 28-37- g.n.)
Publicada a classificação final no jornal local da cidade, o recorrente constatou haver ficado em 2º lugar (fl. 51), muito embora o candidato que figurou na 1a colocação não possuísse a graduação em música ou curso concluído em instrumento musical, requisitos constantes como essenciais no edital do concurso.
Inconformado, protocolou requerimento solicitando a conferência do certificado trazido pelo 1o classificado (fl. 52), tendo como resposta uma declaração na qual a secretária municipal de educação, Maris Stela de Lima Nelli, afirmou que a comissão examinadora aceitou declaração firmada por professora de música aposentada de renome no Município (fl. 53).
O autor juntou cópia do documento apresentado pelo candidato Sérgio Ferreira da Venda, classificado em 1º lugar (fl. 54), do qual constava:
"Declaro a quem possa interessar que o Sr. SÉRGIO FERREIRA DA VENDA, divorciado, portador do RG. 24.362.164-4/SP frequentou e concluiu curso de violão e canto popular no ano de 1988 a 1990, estando o próprio apto para exercer a função de instrutor e Regente de violão e canto popular. Sem mais. PROF. MARINA MARDEGAM." (FL. 62)
A análise da declaração suso transcrita demonstra que não se trata de certificado de conclusão de curso, mas de mera declaração de uma professora, o que não substitui o documento exigido no edital do concurso.
Ademais, nos documentos colacionados às fls. 55-56 o Conservatório Musical Oswaldo Lacerda exarou declaração no sentido de que que o 1º colocado "cursou anteriormente o conservatório musical e atualmente está no curso de violão" esclarecendo expressamente que "não forneceu certificado de conclusão do curso de instrumento musical ao SR. SÉRGIO FERREIRA DA VENDA" (fl. 55).
Diante das informações, o autor requereu parecer jurídico sobre a legalidade do processo seletivo (fl. 64), tendo a assessoria jurídica do município esclarecido que a declaração apresentada pelo 1º colocado causava dúvida, cabendo melhor apreciação. Não obstante, após "contato pessoal" com a secretária de educação RENATA BOZZO VIEIRA, consignou que "para o momento, reputamos desaconselhável qualquer alteração que se pretenda impor" (fl.65), e limitou-se a sugerir melhorias nos critérios de seleção e aprimoramento do processo seletivo (fl. 66).
Inconformado, o reclamante solicitou informações, o que levou à designação de uma reunião em 19/06/2007, momento em que foi levantada a possibilidade de anulação do concurso.
A preposta do reclamado, Renata Bozzo Vieira, confirmou "que foi composta uma comissão para analisar o caso e por este motivo demorou a decisão de anulação do concurso para ser declarada; que ocorreu uma reunião no dia 19 de junho de 2007 do autor com os procuradores do município para analisar a questão; que os procuradores do município na ocasião levantam a dúvida inicial indicada neste depoimento" (fl. 132 - g.n.). Tais alegações foram confirmadas por Maria Cléa Castanho Bastos, ao afirmar "que a depoente participou da reunião realizada com os procuradores do município no dia 19 de junho; que o procurador não apresentou conclusão acerca do concurso naquela reunião; que o procurador ficou de analisar o caso para decidir como agiria; que o procurador disse que, possivelmente, poderia ser anulado o processo seletivo" (fl. 133 - g.n.)
Nesse sentido também seguiu o depoimento de José Carlos Farias, trazido a Juízo pelo reclamante, ao esclarecer que "foi convidado para assistir uma reunião a pedido do autor; que não se considera amigo do autor; que apenas são amantes da boa música, tendo este fato em comum; que a reunião foi na sala do município-reclamado; que participaram da reunião, o depoente, Luciana, Dr. Gabriel, três funcionários da Secretaria da Educação e o reclamante; que o reclamante estava descontente com a seleção do concurso do qual ele participou; que o reclamante entendia que o concorrente não possuía a documentação necessária para o cargo; que o Dr. Gabriel reconheceu o erro; que apenas a dona Cléia não concordava com os argumentos do reclamante sem apresentar qualquer justificativa; que o dr. João Gabriel disse que o concurso deveria ser cancelado e o primeiro colocado do concurso tinha que ser dispensado" (fl. 133).
Sintomaticamente, em 20/06/2007, ou seja, apenas um dia após a reunião, houve uma passeata, com alunos da escola municipal, em protesto à demissão do professor 1º colocado Sérgio da Venda. Silva Maria Rocha Melho Pegorer explicou que "a origem da passeata foi motivada porque estava para ser anulado o processo seletivo e os partipantes da passeata entendiam que o sr. Sérgio deveria continuar no cargo" (fl. 135), o que desautoriza o depoimento prestado por Maria Cléa e corrobora a afirmação de que o procurador do município concluiu pelo cancelamento do concurso e caracteriza evidente humilhação pública a que foi exposto o reclamante.
Ademais, apesar do amplo conhecimento dos fatos pela Administração Pública, referida comissão só opinou pela anulação do concurso em dezembro de 2007 (fls. 85-87) quando, por já ter expirado o prazo, o 1o colocado já usufruíra integralmente dos efeitos do concurso prestado.
Tais fatos foram agravados pela demora excessiva na anulação do concurso, feita somente após o término do prazo de validade (fl. 84-87), o que causou inequívoco constrangimento e sofrimento moral ao reclamante, agravado pelas demonstrações públicas da preferência pelo outro candidato, consoante se verifica das notícias de jornal carreadas às fls. 76-77, que demonstram a realização da passeata logo no dia seguinte somente um dia após a reunião realizada entre o reclamante e a assessoria do município.
Adriane Pereira Borges Scudeler esclareceu "que ocorreu uma passeata no meio do ano de 2007 por alunos, professores de outra escola, que pretendiam que o outro professor do coral permanecesse ministrando aulas naquela outra escola" (fl. 134) e Sílvia Maria Rocha Melho Pegorer confirmou "que ocorreu passeata de alunos e professores na escola da depoente com o objetivo do sr. Sérgio permanecer como regente de coral na escola;" e "que a passeata ocorreu de manhã; que a origem da passeata foi motivada porque estava para ser anulado o processo seletivo e os participantes da passeata entendiam que o sr. Sérgio deveria continuar no cargo" (fl. 135 - g.n.), fato que corrobora a assertiva exordial de que o autor foi preterido no concurso por questões meramente subjetivas e exposto publicamente a situação de constrangimento moral.
A preferência por razões meramente subjetivas a favor do 1o colocado também ficou demonstrada nos documentos de fls. 469-475 e 476-500, que evidenciam de forma robusta a pretensão de considerar os antecedentes de Sérgio Ferreira da Venda como determinantes para o resultado do concurso quando, em cumprimento ao princípio da impessoalidade, as atividades por ele anteriormente exercidas em nada deveriam influenciar na análise dos requisitos necessários ao cargo previsto no concurso.
Ademais, a anulação tardia do certame com a manutenção de Sérgio Ferreira da Venda durante todo o período mesmo depois de configuradas de forma inequívoca as irregularidades do certame agravaram o sofrimento e os danos sofridos pelo reclamante.
Em decorrência da discriminação e humilhação sofridas cabe ao Município responder pela necessária reparação.
Estabelece o inciso X do art. 5º da Constituição Federal:
"são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
No mesmo sentido o preceituado nos artigos 186 e 927 do Código Civil vigente ao consagrarem o dever de reparação por todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
Extraem-se daí os pressupostos a compor a definição do que seja ato ilícito passível de indenização, como sendo a ação ou a omissão, advindas da culpa ou dolo, que tenham relação de causalidade com o dano experimentado pela vítima.
No caso dos autos, ficou clara a ilegalidade no ato da Administração do Município na deliberada tentativa de realizar concurso público apenas para chancelar a escolha de candidato que já tinha sido feita por critérios meramente subjetivos, frustrando a eficácia do certame.
A comprovada inobservância do requisito de impessoalidade em concurso público, ao arrepio da norma constitucional (art. 37 da CF/88), provoca dano moral àquele que, confiando na seriedade do certame, é preterido por critérios subjetivos, como demonstraram os depoimentos das testemunhas trazidas pelo reclamado (fls. 132-136).
Assim sendo, os fatos comprovados geraram inequívoco constrangimento ao autor tanto seu ambiente de trabalho como em sua vida social, notadamente pelas demonstrações públicas e de sua preterição, restando comprovada a ocorrência do dano moral.
O valor da indenização por dano moral deve ser fixado com observância dos parâmetros de razoabilidade, considerando a extensão do dano e o efeito pedagógico, visando compelir o responsável a evitar novas ocorrências da mesma natureza, para que passe a elaborar corretamente seus concursos públicos com critérios objetivos de seleção, fazendo cumprir esses critérios sem favorecimento pessoal, como ocorreu no caso em tela.
Destarte, face a gravidade dos fatos, consistente no tratamento desrespeitoso com o autor e no prejuízo causado a ele, além da violação constitucional do princípio da impessoalidade, bem como a necessidade de garantir o efeito pedagógico da cominação, considero que a indenização, ora fixada em R$ 15.000,00, atende amplamente aos requisitos suprarreferidos.
Destarte, decido dar parcial provimento ao recurso do reclamante para determinar o pagamento de indenização por dano moral no importe de R$ 15.000,00, atualizado com observância do critério estabelecido na Súmula 362 do E. STJ, nestes termos consignando as razões de decidir para fins de prequestionamento. Indevida a compensação pois não houve pagamento anterior sob o mesmo título.
POR TAIS FUNDAMENTOS, decido conhecer e dar parcial provimento ao recurso do reclamante para deferirn o pagamento de indenização por dano moral no importe de R$ 15.000,00, atualizado com observância do critério estabelecido na Súmula 362 do E. STJ, nestes termos consignando as razões de decidir para fins de prequestionamento.
Rearbitro o valor da condenação em 15.000,00 e custas no importe de R$ 300,00 pela reclamada.
TEREZA APARECIDA ASTA GEMIGNANI
Desembargadora Federal do Trabalho
Relatora
JURID - Concurso público. Pessoalidade. Dano moral. [30/07/10] - Jurisprudência
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