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quarta-feira, 28 de julho de 2010

JURID - Autorização judicial. Requerido incapaz. Nomeação de curador [28/07/10] - Jurisprudência


Apelação. Civil. Processual civil. Autorização judicial. Requerido incapaz. Nomeação de curador especial.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF

Órgão: Quinta Turma Cível

Classe: APC - Apelação Cível

Nº. Processo: 2010.03.1.008001-4

Apelante: M.P.D.F.T EM DEFESA DE J.F.M.

Apelados: N.F.M. E OUTROS

Relator Des.: SOUZA E ÁVILA

Revisor Des.: ROMEU GONZAGA NEIVA

EMENTA

APELAÇÃO. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. REQUERIDO INCAPAZ. NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. ARTIGO 9º, INCISO I, CPC. AMPUTAÇÃO DE MEMBRO INFERIOR. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL.

Acolhida preliminar do Ministério Público. Para o deferimento de pedido de amputação do pé esquerdo do requerido, necessária a realização de prova pericial que comprove adequadamente a necessidade e o alcance do procedimento, para o que deverá o magistrado nomear perito e apresentar quesitos, bem como intimar as partes para também formular quesitos e para nomear assistente técnico.

Recurso conhecido e provido. Sentença cassada.

ACÓRDÃO

Acordam os Desembargadores da Quinta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, SOUZA E ÁVILA - Relator, ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor e LECIR MANOEL DA LUZ - Vogal, sob a presidência do Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ, em CONHECER. REJEITAR AS 1ª E 2ª PRELIMINARES. ACOLHER A PRELIMINAR DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA CASSAR A SENTENÇA. DECISÃO POR MAIORIA, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília-DF, 30 de junho de 2010.

Desembargador SOUZA E ÁVILA
Relator

RELATÓRIO

O relatório é, em parte, aquele constante da sentença de fls. 174/186, in verbis:

"Trata-se de pedido de autorização judicial formulado por N.F.M. em face de J.F.M.

Alega o autor que o requerido, seu irmão, sofre de enfermidade mental, hanseníase e ainda sofreu um acidente no pé esquerdo, causando tétano e fazendo a hanseníase evoluir para osteomielite crônica, fato que ocasionou a necessidade de amputação do pé esquerdo do suplicado; que, internado no Hospital Regional de Taguatinga, o requerido se recusou a submeter-se ao procedimento cirúrgico em questão e ainda fugiu do hospital; que, segundo o médico responsável, a não realização da cirurgia poderá resultar na evolução da patologia para uma amputação mais ampla, sepsemia e morte; que o Diretor do referido hospital está exigindo autorização judicial para sedar o suplicado e realizar o procedimento cirúrgico contra a vontade dele; que o processo requer urgência em sua tramitação, pois o quadro clínico do requerido a cada dia se agrava, e a demora pode resultar em sua morte; que já ajuizou ação pedindo a interdição do requerido. Ao final, requer justiça gratuita, prioridade de tramitação e autorização judicial para sedar o requerido e submetê-lo à cirurgia de amputação de seu pé esquerdo (fls. 02/05). Juntou documentos (fs. 06/18).

O processo foi inicialmente distribuído à 16ª Vara Cível de Brasília (fls. 02), que abriu vista ao Ministério Público (fls. 20).

A representante do Ministério Público perante aquele Juízo, entendendo que não tinha a atribuição de atuar no feito, determinou a redistribuição dos autos à Promotoria de Justiça Criminal da Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde - PRÓ -VIDA (fls. 21).
O novo representante do Ministério Público no feito lançou "despacho de oposição", alegando, em preliminar: a) incompetência do Juízo, seja porque o hospital está localizado em Taguatinga, seja porque existe pedido de interdição do requerido em curso perante a 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Ceilândia; b) coisa julgada, pois no processo de interdição o requerente já foi nomeado curador do requerido, estando prejudicado o pedido, ficando a cargo do requerente a tomada da decisão, não cabendo ao Poder Judiciário conceder a autorização, pois a responsabilidade moral e legal pela decisão sobre a amputação é do curador. No mérito, aduziu que os documentos constantes dos autos demonstram que o requerido tem apenas diminuída a capacidade de determinação, sendo o caso de interdição parcial, não havendo razão para afastar do suplicado a sua autonomia de optar por se submeter ou não ao tratamento médico indicado; que a capacidade do requerido não foi questionada quando foi pedida a ele a autorização para realização da amputação; que no âmbito do direito comparado, houve caso idêntico na Itália, no qual o Poder Judiciário recusou-se a autorizar a amputação, prevalecendo a vontade da então paciente; que preferia morrer a sofrer a amputação, e realmente acabou falecendo; que o pedido formulado neste processo atenta contra a autonomia do paciente, garantida inclusive no Estatuto do Idoso; que o Código de Ética Médica proíbe o médico de efetuar qualquer procedimento sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal; que assim como a vida, a morte digna também é um direito humano. Ao final, requereu a redistribuição do feito para a 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões de Ceilândia, a oitiva do requerido e de seu médico psiquiatra e a improcedência do pedido (fls. 22/55).

O Juiz da 16ª Vara Cível de Brasília declinou da competência em favor deste Juízo (fls. 57/58).

A decisão de fls. 67/68 firmou a competência deste Juízo, esclareceu que no processo de interdição o ora autor já foi nomeado curador provisório do interditando, determinou a citação do requerido pessoalmente e na pessoa de seu curador provisório e, reconhecendo a colidência de interesses existente entre o requerido e seu curador provisório, determinou que, da mesma maneira que no processo de interdição, a defesa do requerido seja promovida pelo Ministério Público.

O requerido foi citado pessoalmente e na pessoa de seu curador provisório, ora autor (fls. 121/123).

O representante do Ministério Público ofereceu contestação, alegando, em preliminar, que com a nomeação do autor como curador provisório do requerido nos autos da ação de interdição, este feito perdeu o objeto, pois cabe ao curador provisório decidir sobre a amputação. No mérito, aduziu que não há prova da incapacidade do requerido, devendo ser respeitada a sua autonomia para decidir a respeito da amputação; que a interdição não se justifica porque o requerido não possui bens e o único objetivo buscado com ela é a supressão da vontade do paciente em relação à amputação. Que não se questionou a capacidade mental do requerido quando se buscou a sua autorização para a realização da amputação; que no direito comparado há precedente idêntico na Itália, no qual o Poder Judiciário recusou-se a autorizar a amputação, prevalecendo a vontade da então paciente, que preferia morrer a sofrer a amputação, e realmente acabou falecendo; que o pedido formulado neste processo atenta contra a autonomia do paciente, garantida inclusive no Estatuto do Idoso; que o Código de Ética Médica proíbe o médico de efetuar qualquer procedimento sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal; que assim como a vida, a morte digna também é um direito humano. Ao final, requereu a unificação de ambos os processos (interdição e autorização judicial para amputação), a suspensão da antecipação da tutela que nomeou o curador provisório do requerido e a improcedência do pedido (fls. 73/114).

A decisão de fls. 123/124 indeferiu o pedido de unificação dos feitos, por entender que os pedidos são autônomos e independentes entre si, devendo tramitar em autos separados, indeferiu o pedido de suspensão da tutela antecipada concedida na interdição, por entender que as informações existentes no processo de interdição continuam presentes e são suficientes para o deferimento da curatela provisória, e designou audiência conjunta em ambos os processos, para a oitiva do autor e dos médicos (ortopedista e psiquiatra) do requerido. Ao mesmo tempo, no processo de interdição, a decisão de fls. 83/84 designou perícia médica a que deve se submeter o interditando.

O Promotor de Justiça Titular da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários dos Serviços de Saúde - PRÓ-VIDA, através do ofício de fls. 130, comunicou a sua impossibilidade de comparecer à audiência e delegou as suas atribuições especiais ao Promotor de Justiça que atua perante este Juízo, em face da unidade do Ministério Público.

Na audiência de instrução e julgamento, o Ministério Público formulou os seus quesitos para a perícia psiquiátrica, realizada no processo de interdição e requereu que o suplicado fosse submetido a interrogatório (fls. 131/132), pedido esse que foi deferido. Em seguida foram ouvidos o autor e o médico ortopedista do suplicado (fls. 134/139). O médico psiquiatra do requerido não foi intimado para comparecer (fls. 127). Na sequência, o suplicado foi submetido a interrogatório (fls. 140). As partes dispensaram a oitiva do médico psiquiatra, por entenderem que a perícia determinada no processo de interdição supre a ausência de seu depoimento, requereram prazo para apresentar os seus memoriais e dispensaram a carga pessoal do processo, a fim de abreviar o julgamento do feito (fls. 132).

Foi juntada a estes autos cópia da perícia psiquiátrica realizada no processo de interdição no mesmo dia da audiência (fls. 147/155).

Em memoriais, o autor alegou que o laudo pericial comprova a incapacidade do requerido, que a questão a ser decidida resume-se a um conflito de valores entre a integridade física e a vida do suplicado, devendo prevalecer o segundo, e ratificou o pedido inicial (fls. 164/172). Já o Ministério Público, embora tenha reconhecido a incapacidade do suplicado para os atos da vida civil, pleiteou a improcedência do pedido com base no princípio da dignidade da pessoa humana e por entender que, apesar da doença mental do requerido, não está comprovado que ele não tem condições de decidir a respeito de sua situação existencial e opor-se validamente à amputação (fls. 156/163)."

O ilustre Juiz monocrático julgou procedentes os pedidos constantes na inicial para autorizar que o requerido J.F.M. seja, "ainda que contra a sua vontade, sedado e submetido à cirurgia de amputação de seu membro inferior esquerdo, desde que: (a) haja autorização escrita do curador provisório para a sedação e o procedimento cirúrgico, a ser colhida pelo hospital ou pelos médicos responsáveis: (b) os médicos responsáveis pelo procedimento entendam que a sedação e amputação são as medidas necessárias e mais acertadas na hipótese, do ponto de vista médico." (fl. 185).

Condenou o requerido no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em R$600,00(seiscentos reais) e suspendeu a exigibilidade da verba nos termos do artigo 12 da Lei n.º 1.060/1950.

Contra tal sentença o Ministério Público interpõe apelação argüindo, em preliminar, nulidade quando determinou amputação de membro inferior esquerdo, mais extensa do que a pleiteada na inicial, onde constou apenas o pé esquerdo, e também porque julgou a ação procedente mas a condicionou ao preenchimento de requisitos e eventos futuros e incertos, deixando dúvidas quanto à composição do litígio. No mérito, argumentou que a sentença fere a autonomia do requerido, que tem direito ao melhor tratamento no sistema de saúde, inclusive multidisciplinares. Ratificou os argumentos expendidos nas peças anteriores (despacho e contestação - fls. 22/55 e 73/114) e, ao final, pediu a cassação da sentença ou a sua reforma, a fim de se julgar improcedentes os pedidos da exordial (fls. 189/248).

Nas contrarrazões, o autor pediu a manutenção da sentença (fls. 259/277).

A douta Procuradoria de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jair Meurer Ribeiro, oficiou pelo conhecimento do apelo, decretando-se a nulidade da sentença, a fim de que seja realizada perícia médica que retrate o verdadeiro alcance da enfermidade e dos riscos da não amputação do pé do requerido. Pediu, ainda, realização de nova perícia psiquiátrica e, nas duas, seja facultado às partes prazo para apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico. Alternativamente, oficia para que o feito seja convertido em diligência para realização das perícias. Por fim, no mérito, oficia pelo provimento do recurso e indeferimento da autorização de amputação (fls. 291/299).

É o relatório.

VOTOS

O Senhor Desembargador SOUZA E ÁVILA - Relator

Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de pedido de autorização formulado por N.F.M. para amputação do pé esquerdo de seu irmão J.F.M., ao argumento de que ele apresenta quadro de osteomielite crônica que poderá comprometer todo o membro esquerdo ou evoluir para um quadro de septicemia e óbito do requerido, o qual, tendo em vista suposta enfermidade mental, não concorda com o diagnóstico e prescrição.

PRELIMINARES

Preliminarmente, o Ministério Público levantou diversas questões que levariam à nulidade da sentença, tendo em vista o não atendimento a preceitos legais de validade processual. Examino cada uma delas:

Preliminar de Ausência de Nomeação de Curador Especial

Pelo exame dos autos, afere-se que N.F.M. figurou como autor em ação de interdição ajuizada em face de J.F.M., distribuída sob o n.º 2010.03.1.005217-9, em tramitação perante o Juízo da 1ª Vara de Família, Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Ceilândia-DF.

Afere-se, portanto, a necessidade de nomeação de Curador Especial para o Senhor J.F.M., dada a suposta incapacidade para os atos da vida civil e também diante da colidência de interesses entre o requerente e o requerido.

É o que determina o artigo 9º, inciso I, do CPC, in verbis:

"Art. 9º O juiz dará curador especial:

I - ao incapaz, se não tiver representante legal, ou se os interesses deste colidirem com os daquele;"

Trata-se de múnus público que deverá ser exercido pela Defensoria Pública, a qual atuará na defesa do incapaz, diante da possibilidade de que o representante legal se valha de sua especial e superior condição em detrimento dos interesses daquele desprovido de discernimento suficiente para praticar, sozinho, os atos da vida civil.

No caso dos autos, apesar de, em um primeiro momento, haver sido determinada a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses do requerido (fls. 67/68), este deverá se manifestar no processo na condição de custos legis e não na condição de curador especial.

Confira-se a jurisprudência desta Corte acerca da matéria:

"INVENTÁRIO. CURADOR ESPECIAL. DEFENSORIA PÚBLICA. NULIDADE.

1 - No inventário, será dado curador especial ao incapaz que concorrer com seu representante legal na partilha, ante a presunção legal de conflito de interesses (art. 9º, I, c/c art. 1.042, II, ambos do CPC).

2 - Atribuído tal múnus à Defensoria Pública e não lhe sendo assegurada a prerrogativa de intimação pessoal para se manifestar, nulo o processo a partir de quando essa deveria intervir.

3 - Apelação provida." (APC 2006.05.1.009396-9, Relator JAIR SOARES, 6ª T. Cível, julgado em 14/04/2010, DJ 22/04/2010, p. 186)

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INVENTÁRIO. HERDEIRO INCAPAZ. DEFENSORIA PÚBLICA. CURADORIA ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO REGULAR. PRECLUSÃO TEMPORAL. ARTIGO 183 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

1 - Estando o herdeiro incapaz representado nos autos de inventário pela Defensoria Pública como curadora especial, não há de se falar em irregularidade em sua representação.

2 - Nos termos do artigo 183 do Código de Processo Civil, "Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte, provar que o não realizou por justa causa." Trata-se da preclusão temporal, a qual se verifica quando a perda da faculdade de praticar ato processual se dá em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tivesse praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular.

3 - Recurso conhecido e não provido." (APC 2001.07.1.015548-4, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª T. Cível, julgado em 22/07/2009, DJ 05/08/2009, p. 102)

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - ALVARÁ DE LEVANTAMENTO DE DEPÓSITO PERTENCENTE A MENOR - PRELIMINARES DE NULIDADE DE SENTENÇA E DE AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL -COLIDÊNCIA DE INTERESSES ENTRE REQUERENTE E REQUERIDO - NECESSIDADE DE CURADOR ESPECIAL.

Constatada a colidência de interesses entre a genitora dos menores e estes últimos, impõe-se a nulidade de todos os atos processuais, com o retorno dos autos à vara de origem, para que seja nomeado curador especial para promover a defesa dos infantes."

(APC 2008.01.1.044356-4, Relator SÉRGIO BITTENCOURT, 4ª T. Cível, julgado em 10/06/2009, DJ 24/06/2009, p. 125)

Assim sendo, é mister o provimento do recurso, a fim de se declarar nulo o processo, de modo que seja nomeado curador especial ao requerido, múnus a ser exercido pela Defensoria Pública que atua perante o Juízo da origem, que deverá ser cientificada da nomeação e intimada para se manifestar, oportunidade em que poderá ratificar os atos processuais.

Preliminar de Irregularidade Formal

Ademais, há necessidade de regularização do pólo ativo desta demanda, tendo em vista a prolação de sentença nos autos de interdição acima citados, onde foi nomeada curadora a pessoa de M.L.S.M., que também deverá ser intimada para se manifestar e ratificar os atos processuais neste feito realizados.

Preliminar de Ausência de Prova Pericial Imprescindível

Por fim, o Ministério Publico argüiu nulidade do feito diante da necessidade de realização de prova pericial que comprove o real estado de saúde do requerido J.F.M., as seqüelas da moléstia denominada osteomielite crônica, a necessidade ou não da amputação do pé esquerdo ou de maior parte do membro inferior esquerdo, bem assim o risco de morte existente na hipótese de não realização da cirurgia.

Neste particular, consta dos autos apenas um documento escrito em folha de receituário e o depoimento do médico que o subscreveu, prestado em Juízo, provas que, no entanto, não conferem a necessária certeza de imprescindibilidade da realização da cirurgia, tampouco o alcance do procedimento.

Para tanto, o MM. Juízo monocrático deverá nomear perito e indicar os quesitos do Juízo, oportunizando às partes e ao Ministério Público também apresentarem quesitos e indicarem assistentes técnicos.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso e decreto nulo o processo, determinando que os autos retornem à origem para as providências acima determinadas.

É como voto.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Senhor Presidente, ouvi com atenção o voto do eminente Relator e reafirmo, como S. Ex.ª, que a questão é bastante tormentosa, porque envolve o bem maior que é a vida, a higidez do ser humano, mas também envolve a responsabilidade de todos nós em tomar uma decisão.

Produzi voto em revisão e ataco, inicialmente, a preliminar acolhida pelo eminente Relator, e, desde já, com a devida vênia, digo que estou divergindo de S. Ex.a e não a estou acolhendo.

Reputo presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Cuida-se de apelação, interposta contra a r. sentença que julgou procedentes os pedidos, na autorização judicial, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, autorizando que o requerido seja submetido a amputação de seu membro inferior esquerdo, segundo as condições lá definidas.

Impôs-lhe, ainda, o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), cuja exigibilidade ficou suspensa pela concessão da gratuidade de justiça.

Irresignado, apela o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, na condição de curador especial, requerendo, em suma, a anulação do decisum, ao argumento de que destoou do pedido, julgando além do que foi pleiteado na inicial, e condicionou o seu cumprimento a eventos futuros e incertos.

No mérito, pede a reforma in totum, da r. sentença, alegando que fere a autonomia do requerido, que tem direito ao melhor tratamento de saúde.

O Órgão Ministerial, às fls. 293/299, oficia pelo conhecimento e provimento do apelo, para que seja determinada nova perícia médica a fim de que esclarecida a real necessidade de amputação do pé esquerdo, bem como a realização de nova perícia psiquiátrica, com indicação de assistente técnico e apresentação de quesitos, ou, alternativamente, se converta o feito em diligência, a fim de que seja determinada, em segundo, grau a realização das perícias médicas.

No mérito, pugna pelo provimento do recurso, indeferindo a autorização para amputação.

É o breve relato.

A meu juízo, razão não assiste ao apelante, senão vejamos.

Inicialmente, destaco que não há de se falar em nulidade processual pelo fato de a Defensoria Pública não ter sido nomeada como curadora especial do incapaz.

Isso porque, a uma, não se trata de processo em que se pede a interdição, mas de autorização judicial para a realização de procedimento cirúrgico, em que o requerido está representado por curador provisório, regularmente nomeado em ação de interdição. Logo, não incide o art. 9º, inc. I, primeira parte, do Código de Ritos.

A duas, a Defensoria Pública do Distrito Federal, órgão da Procuradoria Geral do Distrito Federal, formulou a presente demanda, postulando em nome do então representante legal do requerido, mas no interesse deste, uma vez que pleiteou medida judicial para salvaguardar a sua higidez física.

Nada obstante, verificando o juiz a quo a possibilidade de colisão de interesses, entre o requerente e o requerido e para evitar nulidade, houve por bem nomear o Ministério Público como curador especial, uma vez que não se trata de ação de interdição, mas mero pedido de autorização judicial.

Com efeito, não vislumbro burla à Lei Complementar nº 80/94, que trata da atuação da Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, esta ainda a ser criada, como curador especial, eis que a sua nomeação visa exatamente harmonizar os interesses em colisão, propiciando ao curatelado a ampla defesa e o contraditório. Sob essa ótica, a atuação do Órgão Ministerial cumpre o comando do art. 9º, inc. I, 2ª parte da Lei Adjetiva Civil, ainda mais quando se sabe que é função institucional do Ministério Público velar pelos interesses de incapazes. Portanto, a finalidade da norma restou atingida.

Destaco, ainda, que a nomeação de curador especial pressupõe a existência de conflito de interesses, em sua grande maioria de interesse econômico, contudo, no caso vertente, o que se verifica é que o representante do requerido busca restabelecer a saúde deste, através do procedimento médico que, embora possa até parecer brusco, já que se trata de amputação de membro do sistema esquelético.

Ademais, pelo que dessume dos autos, os pareceres médicos e testemunhos prestados pelos profissionais da área de medicina, que acompanham o caso, apontam ser o mais indicado à espécie de patologia contraída, ainda mais quando o doente não tem a possibilidade de alcançar a consciência, sequer potencial, sobre a necessidade da operação cirúrgica.

Sobre o tema, trago o entendimento de Theotônio Negrão, in litteris:

"Art. 9º. 6ª. "A nomeação de curador especial supõe a existência de conflito de interesses entre o incapaz e seu incapaz e seu representante. Isto não resulta do simples fato de este último ter se descuidado do bom andamento do processo. As faltas deste podem ser supridas pela atuação do MP, a quem cabem os mesmos poderes e ônus das partes" (STJ- 3ª T. REsp 886.124, Min. Gomes de Barros j. 20.9.07, DJU 19.11.07).

Por outro lado, não menos importante é considerar, de forma prática, o caso posto a exame, isto é, as suas características. Explico, trata-se de pedido de autorização judicial, feita em nome do incapaz, maior de 75 anos, interditado judicialmente e que, segundo os documentos carreados aos autos, sofre de osteomielite, decorrente de hanseníase não devidamente tratada no pé esquerdo, em que já houve perda natural de dois dedos, pelo que se sabe até o momento.

Nesta conjuntura, foi que o citado ortopedista, Dr. José Willians C. de Oliveira, o ser inquirido, teceu suas considerações sobre o caso, confira-se:

"Paciente com osteomielite crônica em pé (E) com indicação de amputação. Porém, o mesmo se recusa a fazer tal procedimento.

Obs.: Paciente psiquiátrico. Necessitamos de uma autorização da família e/ou da Justiça para realizarmos o procedimento cirúrgico.

Conseqüência:

- Evolução gradativa da patologia com uma amputação mais 'ampla' (acima, em outro nível);

- Sepsemia (sic) e morte". (fl. 09v.)

Assim, anular o processo apenas para o retorno do procedimento à etapa inicial, determinando-se a citação de curador especial, é "d.v" colocar-se contra a celeridade processual e também contra a dignidade da pessoa humana (art. 1º da Constituição Federal), ainda mais quando o Ministério Público exerceu seu múnus público com efetividade e com eficiência, tanto é que ofereceu substanciosa apelação, na defesa dos interesses do curatelado, ora requerido.

Demais disso, o Pretório Excelso, mesmo nos casos em que se pleiteia a nulidade do processo, com fundamento na ocorrência de vício de caráter absoluto, tem exigido a demonstração do prejuízo, a exemplo do seguinte aresto:

"EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. NULIDADE. INOBSERVÂNCIA DO RITO PREVISTO NO ART. 38 DA LEI 10.409/2002. ORDEM CONCEDIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DOIS ANOS E DOIS MESES APÓS A IMPETRAÇÃO. UTILIDADE DAS DECISÕES PROFERIDAS NO PROCESSO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA. I - Para o reconhecimento da existência de nulidade absoluta, em razão da inobservância do rito previsto no art. 38 da Lei 10.409/2002, torna-se necessário a demonstração do prejuízo causado pelo não oferecimento da defesa prévia. II - A prolação de decisão favorável ao paciente mais dois anos depois da impetração, já tendo ele cumprido dois terços da pena e estando no gozo de livramento condicional, mostra-se inútil, além de ofender o princípio constitucional da razoável duração do processo. III - Ordem concedida.

Caberia, nesse passo, citar o princípio da instrumentalidade das formas, encapado pelo Código de Processo Civil, em seu art. 244, porém, em homenagem á celeridade processual, penso já serem bastantes os argumentos alinhavados neste voto

Cediço, ainda, que a nulidade não deve ser declarada em face de quem não a aproveita, sendo que, no caso vertente, a nulidade não beneficiará qualquer das partes, mas, ao contrário, poderá resultar em prejuízo para o requerido que necessita de cuidados médicos urgentes, que a seguir serão mais bem examinados.

Nessa perspectiva, penso não ser o caso de nulificar o processo ab initio, pois iria importar em maior prejuízo, já que, por mais expedito e célere que seja o desenrolar da marcha processual, há que se considerar a possibilidade de risco à vida do requerido. Assim, sopesando-se os direitos subjetivos das partes, quais sejam o direito à vida e o direito ao devido processo legal, deve-se, através da aplicação do princípio da proporcionalidade, já que este se revela como instrumento hábil à solução de conflitos de direitos constitucionalmente garantidos, o devido processo legal, deve ceder, sob pena de nulificar o primeiro, importando, ainda, em prestação jurisdicional inócua.

Da mesma forma, desabe falar em sentença extra petita, suscitada pelo Parquet

Isso porque, conforme se verifica da parte dispositiva da r. sentença a quo, o digno juiz sentenciante julgou procedentes os pedidos contidos na peça inicial, conforme preconizado pelo art. 128 da Lei Adjetiva Civil.

A referência a membro inferior esquerdo, não quer dizer que esteja autorizando a amputação da perna, apenas fez indicação à parte do corpo que está na extremidade inferior d forma técnica. Nesse contexto, convém esclarecer que, segundo o conhecido Dicionário Aurélio(1) - Chamada de notas membro é "Cada um dos quatro apêndices do tronco, ligados a ele por meio de articulações, e que realizam movimentos diversos, entre os quais a locomoção." E mais, a sentença foi minuciosa ao dizer "membro inferior", pois, ainda segundo a citada obra "membros inferiores. As pernas e os pés". Logo, ao particularizar, autorizando a amputação do "membro inferior" excluiu a possibilidade de que fosse, também, amputada a perna, pois, não autorizou a cirurgia nos membros inferiores.

Quanto à assertiva de que a sentença é nula por condicionar o seu cumprimento a evento futuro e incerto, também sem razão o apelante, porquanto ao estabelecer que é autorizada a cirurgia, desde que haja autorização escrita do curador provisório, está apenas especificando que este tem poderes para dar a autorização, como se o próprio paciente-curatelado o fosse, porque, afinal, o representante age em nome do representado, absolutamente incapaz.

Além disso, deixa-se claro aos médicos que realizarão a cirurgia que cabe ao curador autorizar o procedimento, assim, não recairá sobre eles eventual responsabilidade.

Portanto, nada há a reparar no decisum, no que toca à sua regularidade formal.

Assim sendo, rejeito as preliminares de nulidade.

No mérito, para melhor compreensão da matéria, trago à colação excerto da r. sentença guerreada, nas seguintes palavras:

"Através do documento de fls. 143, de 04/02/2010, a Central Judicial do Idoso, órgão vinculado ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, encaminhou o requerido ao Instituto de Saúde Mental, informando que ele "estava internado no Hospital Regional de Taguatinga com osteomielite (sic) crônica no antepé esquerdo com necessidade de amputação. Entretanto, o idoso aparenta não estar lúcido e fugiu do hospital no dia 03/02/2010. A família alega que o HRT não providenciou consulta psiquiátrica por não dispor de médico especialista e também não autorizou a remoção do idoso, Sr. Nelson Fernandes de Miranda, para a realização de cirurgia por ter ele 65 anos. ]

Dessa forma, solicitamos com urgência providências para verificar as condições de saúde mental em que se encontra o idoso e envio de relatório médico para esta Central para subsidiar as medicas judiciais cabíveis."

Segundo o documento médico de fls. 11/v., produzido em 12/02/2010, o pedido da Central Judicial do Idoso, e subscrito pelo psiquiatra Dr. Adilson M. Coutinho, do Instituto de Saúde Mental, o requerido

"... necessita da intervenção de terceiros e de cuidados intensivos de enfermagem (curativos etc), pois já não apresenta autonomia para os atos da vida civil, ou seja, depende de terceiros para movimentar conta bancária, ajudá-lo nos cuidados pessoais e de intervenção junto aos médicos, além de diminuição nas capacidades de entendimento e de determinação, em decorrência de transtorno mental.

I. Ao Exame Psíquico: Paciente revela 'atitude de gozação' ao processo mórbido ortopédico, dizendo não estar doente e que já está curado (sic). Não tem consciência plena do quadro mórbido psiquiátrico, caracterizado por idéias, delírios de grandeza, comportamento prodigalizado, por gastas as parcas economias com quinquilharias, acarretando desequilíbrios no seio doméstico que o acolheu, que tem de arcar com suas necessidades básicas. O paciente tem forte rejeição 'familiar' no ambiente de origem (Pará?) face às alterações comportamentais e por apresentar intercorrências médicas (hanseníase em fase de reativação?/osteomielite crônica com necessidade de amputação/seqüelas oftalmológicas em olho esquerdo...). Segundo relato de familiares, tem antecedentes de doença mental desde adulto jovem. Vivia na lavoura e foi aposentado com a ajuda de familiares. O paciente tinha comportamento 'andarilho'.

II. Diagnóstico: CID 10:F20 (esquizofrenia, forma clínica diferenciada).

III. Discussão: O paciente, em virtude de doença mental incapcitante, tem diminuição das capacidades de entendimento e de determinação. Face ao quadro clínico-psiquiátrico inteiramente incapaz de reger a si mesmo e de administrar seus bens, de praticar atos da vida civil, necessitando da intervenção de terceiros, de reavaliações médicas de urgência e cuidados intensivos de enfermagem para sobreviver. É passível de Interdição Plena, salvo melhor juízo da autoridade competente."

Foi com base nesse documento médico que o irmão do paciente requereu a sua interdição em 24.02.2010 (fls. 02 dos autos da ação nº 2010.03.1.005217-9). Foi também com base nesse documento que este Juízo, em 01/03/2010, nomeou o ora autor curador provisório do requerido nos autos da ação de interdição (fls. 144/145).O requerido é pessoa idosa, contando 75 anos de idade (fls. 07), e as fotografias de fls. 12/13 são chocantes, pois demonstram: (a) que o suplicado já perdeu dois dedos do pé esquerdo; (b) que o pé esquerdo dele apresenta uma enorme ferida não cicatrizada, aberta e profunda; (c) que grande parte do pé esquerdo dele está necrosada/gangrenada.

A respeito do problema, o ortopedista Dr. José Willians C. de Oliveira no documento de fls. 09/v., firmado em 23/02/2010, consignou:

"Paciente com osteomielite crônica em pé (E) com indicação de amputação. Porém, o mesmo se recusa a fazer tal procedimento.

Obs.: Paciente psiquiátrico. Necessitamos de uma autorização da família e/ou da Justiça para realizarmos o procedimento cirúrgico.

Conseqüência:

- Evolução gradativa da patologia com uma amputação mais 'ampla' (acima, em outro nível);

- Sepsemia (sic) e morte".

Naquele documento de fls. 09v, em 24/02/2010, o Diretor Geral do Hospital Regional de Taguatinga, Dr. Joaquim Pereira da Silva, acrecentou:

"Salientamos que o caso requer urgência em sua tramitação."

Agora, a perícia realizada no processo de interdição de nº 2010.03.005217-9, que foi juntada àquele autos em 30/03/2010 (estando em curso) naqueles autos, o prazo para as partes manifestassem sobre o laudo pericial), informa que o requerido é portador de esquizofrenia residual (CID 10:F20.5) e que por essa razão, ele é inteiramente incapaz de reger a sua pessoa e administrar seus bens, sendo que não existe possibilidade de cura e que a incapacidade do suplicado é total e definitiva (fl.s 154/155).

Como se vê, tudo está a indicar que o requerido não tem capacidade de entendimento e de autodeterminação, não podendo ficar a cargo dele decidir sobre a cirurgia de amputação de seu pé esquerdo. Tanto o Dr. Adilson M. Coutinho (fls. 16v quanto os Drs. Regis Eric Maia Barros e Alexandre Rosenwald (fls. 154/155) concluíram que o requerido é inteiramente incapaz e passível de interdição plena, em virtude de esquizofrenia.

Aliás, o próprio Ministério Público reconhece que, "em que pese não haver ainda sentença transitada em julgado na ação de interdição, pode-se concluir seguramente que o interditando não apresenta completa sanidade mental, o que é atestado por dois médicos psiquiatras após exame minucioso do paciente" (fl. 158), e que os "relatórios psiquiátricos demonstram de forma inconteste que a enfermidade mental incapacita-o de gerir sua pessoa e seus bens" (fls. 159).

Diz a Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso):

Art. 17. Ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais é assegurado o direito de optar pelo tratamento de saúde que lhe for reputado mais favorável.

Parágrafo único. Não estando o idoso em condições de proceder à opção; esta será feita: '

I - pelo curador, quando o idoso for interditado;

II - pelos familiares, quando o idoso não tiver curador ou este não puder ser - contactado em tempo hábil;

III - pelo médico, quando ocorrer iminente risco de vida e não houver tempo hábil para consulta a curador ou familiar;

IV - pelo próprio médico, quando não houver curador ou familiar conhecido, caso em que deverá comunicar o fato ao Ministério Público".

Assim, como o requerido é evidentemente incapaz, fato atestado por três médicos psiquiatras diferentes, já estando sob curatela provisória, embora ainda não tenha sido possível proferir sentença na ação de interdição, onde se aguarda o prazo para que as partes ofereçam os seus memoriais e se manifestem sobre o conteúdo do laudo pericial, fica evidente que cabe ao curador provisório nomeado optar ou não pela amputação do pé esquerdo do suplicado.

Como a opção cabe ao curador, teoricamente, a autorização-jtidltial não seria necessária, pois o curador provisório' que é o repres^nterjje-tegal do requerido, já manifestou nestes autos o seu desejo de que o suplicado seja submetido à amputação, faltando apenas que ele subscreva a autorização exigida na hipótese do art. 17, inciso I, do Estatuto do Idoso, perante o hospital ou os médicos responsáveis pelo procedimento cirúrgico. Todavia, diante da notícia de que os médicos se negam a aceitar a autorização do curador provisório do requerido (fls. 139), tendo 0 ortopedista responsável consignado que "necessitamos dé autorização da família e/ou da Justiça para realizarmos o procedimento cirúrgico" (fls. 09), e afirmado, em seu depoimento, que a equipe médica quer autorização judicial para se resguardar de futuros questionamentos (fls. 135), a-situação jurídica exige que este Juízo decida a respeito.

O pedido formulado nos autos não ofende a autonomia do paciente. É que o paciente, segundo os documentos de fls. 11/v e 154/155, é absolutamente incapaz, de forma que não cabe a ele decidir sobre a amputação. Se uma criança estivesse enfrentando o mesmo problema, certamente caberia aos pais, ao tutor ou ao guardião decidir acerca da amputação. Da mesma forma, no caso dos autos, a tarefa deve ser realizada pelo representante legal do requerido, ou seja, pelo seu curador provisório. É ao curador provisoriamente nomeado que a lei confere, no momento, a responsabilidade e a autonomia para decidir tão relevante questão. Ao contrário do sustentado pelo Ministério Público, o Estatuto do Idoso garante a autonomia apenas "ao idoso que esteja no domínio de suas faculdades mentais" (art. 17, caput), e esse, com certeza, não é o caso do requerido.

Por isso, não é possível aceitar a argumentação do Ministério Público no sentido de que não está provado que o requerido não tem condição de manifestar-se sobre sua situação existencial e opor-se à amputação. Na verdade, a incapacidade absoluta do suplicado está deyidamente'compróvada pela perícia médica de fls. 148/155, de forma que ele, sendo incapaz, não tem condição (capacidade) de decidir coisa alguma, pois não pode reger a sua própria pessoa.

O pedido feito no processo também não ofende o Código de Ética médica em vigor, aprovado pela Resolução do Conselho Federal de Medicina h° 1.246/1988; que, erri seu art. 46; estipula que é vedado ao médico

"efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de "vida".

O novo Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução do Conselho Federal de Medicina n° 1.931/2009, que entrará em vigor apenas em 11/04/2010 (foi republicado nd Diário Oficial da União de 13/10/2009, Seção I, pág. 173, e o art. 3o da citada Resolução determina que o novo Código entre em vigor 180 dias após a publicação), na mesma linha do Código anterior, também diz que

"É vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

É vedado ao'médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnosticas oujerapêutieas, salvo em caso de iminente risco de morte".

Ou seja, o novo Código de Ética Médica, da mesma formsKfue o anterior, exige o consentimento do paciente ou de seu repifesentanje-fégal, mas autoriza que o médico atue de oficio (sem consentimento) errrcSsade risco iminente de morte.

No caso dos autos, portanto, sendo o paciente incapaz, é necessário apenas o consentimento de seu responsável legal, ou .seja, do curador provisório, estando suprida a exigência do Código de Ética Médica (tanto do atual como do que ainda entrará em vigor).

E o procedimento cirúrgico, no caso dos autos, é absolutamente necessário, pois o médico ortopedista do requerido, ouvido em Juízo, esclareceu:

"...que o problema do pé esquerdo do requerido é uma osteomielite crónica, ou seja, sofre de uma lesão irreversível e sem cura, além de uma úlcera ativa, que podem ter sido provocadas pela hanseníáse, e que normalmente são problemas que ocorrem em caso de fratura exposta; que essa lesão alcança não apenas os tecidos dó pé esquerdo do requerido, mas também a parte óssea... que o tratamento médico recomendado pelo depoente para o caso do requerido é a amputação abaixo da linha do joelho; que essa opinião não é só do depoente, mas também de toda a equipe médica que atendeu o requerido no Hospital Regional de Taguatinga; que teoricamente seria possível um tratamento tratamento com uma equipe multidisciplinar, formada por um cirurgião vascular, um nutricionista, uni endocrinologista e um ortopedista, com o objetivo de evitar a amputação, mas o depoente não considera essa hipótese viável no caso do requerido; que se o requerido fosse parente do depoente, oxlepoente já teria realizado a amputação; que o risco da moléstia do requerido evoluir para uma forma mais grave é bastante alto; que as bactérias 'já estão fazendo a festa', e a infecção pode se esparramar, e até se tomar uma septicemia; que se isso acontecer, o paciente poderá sofrer uma insuficiência renal, falência múltipla dos órgãos e a consequência é a morte; que a demora na solução judicial do caso pode agravar ainda mais o problema médico do requerido; que a última avaliação que o depoente fèz indicava a necessidade de uma amputação abaixo do joelho, mas a evolução do problema poderá causar necessidade de uma amputação até maior..." (Dr. José Williams Cavalcante de Oliveira, fls. 134).

Ou seja, caso a amputação não seja realizada, a consequência será o agravamento do problema, com o comprometimento de outros tecidos e órgãos do corpo do suplicado, podendo até mesmo ocorrer a morte do paciente por septicemia.

Segundo o Dicionário Aurélio, septicemia é o "processo infeccioso generalizado em que germes e suas toxinas invadem o sangue e nele se multiplicam".

E ó médico ortopedista do requerido deixou bastante claro em seu depoimento que não se trata de escolher a melhor forma de tratamento para o paciente. A lesão no pé esquerdo é irreversível e sem cura, e não será amputação que irá privar o suplicado de seu pé esquerdo, pois aquele membro já está totalmente comprometido. O médico aponta a amputação como a única alternativa, com a . finalidade de evitar um mal maior, que é a evolução da molésjtia-pafajjma forrna^ grave e que poderia causar até mesmo a morte do paciente.

Portanto, não se pode afirmar que a amputação de membro contra a vontade do paciente, què é incapaz, fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Na vida, todos estamos sujeitos a situações que não queremos, não gostamos, mas que devemos enfrentar: inundações, terremotos, catástrofes, guerras, doenças, falecimentos de membros da família, etc. Sãò situações pelas quais não queremos passar, mas que não podemos evitar. De que adianta alegar que tais situações ferem a nossa dignidade humana? E de que adianta o requerido invocar a sua dignidade de pessoa humana para não realizar a amputação se a consequência pode ser a septicemia e a morte? Morrer em consequência de uma septicemia então, pelo raciocínio do Ministério Público, seria digno? E é digno permanecer na situação mostrada pelas fotografias de fls. 12/13? Creio que não. Como se vê, não se está decidindo entre a dignidade e a indignidade, mas sim entre aquilo que é possível fazer, diante das consequências que poderão ocorrer.

Como bem observou a Defensoria Pública em seus memoriais, o problema não é de dignidade, pois ambas as possibilidades (a amputação ou a septicemia seguida de morte) não são dignas sob a ótica do requerido. O problema é de ponderação de valores. E, entre os valores em jogo (vida do requerido e integridade físcia do suplicada), física do suplicado), não há a menor dúvida de que o primeiro é o mais importante, até porque não existe integridade física sem vida. Logo, a única decisão racional possível é preservar a vida do suplicado, ainda que, a contragosto dele (e, por que não dizer, também a contragosto nosso), autorizando a amputação. È lembre-se: não se trata de autorizar a amputação contra a vontade de um paciente capaz, mas sim de autorizar a amputação de membro a pedido dâ família do paciente que, sem qualquer dúvida, é incapaz, e para preservar-lhe a vida e parte de sua integridade física, pois a moléstia é progressiva e pode alastrar-se para o resto do corpo.

Quanto ao último argumento utilizado pelo Ministério Público na contestação apresentada, de que a morte digna, em conformidade com a vontade do titular, também é um direito humano (fls. 107, último parágrafo), talvez referindo-se à opinião médica de que, caso o paciente não sofra a amputação, poderá sofrer as consequências da evolução de sua patologia, inclusive morte (fls. 09v e 134), embora se deva reconhecer que esse é um argumento estranho e absolutamente inesperado para uma Promotoria de Justiça que se denomina PRÓ-VIDA, é preciso dizer que a pessoa incapaz, ou seja, aquela que não tem capacidade de entendimento e de determinação, não pode, por óbvio, decidir sobre a própria morte, quando está impedida legalmente até de tomar decisões bem mais simples, relativamente aos atos da vida civil.

No mais, é preciso reconhecer que no Brasil, infelizmente, as pessoas estão cada vez mais recorrendo ao Judiciário para pedir autorização para a realização de procedimento médico, diante da recusa dos médicos em efetuar o procedimento se não houver autorização judicial. Esse foi um movimento que iniciou-se com os pedidos de autorização para a realização do aborto legal, nas hipóteses do art. 128 do Código Penal, e agora, ao que parece, está se estendendo aos casos de amputação.

Infeliz o país em que as pessoas estudaram, se formam, se enpregam, mas nao assumem a responsabilidade pelas decisões tomadas por eleas mesmas no exercício de sua profissão, exigindo autorização judicial para realizar aquilo que seria simplesmente o cumprimento do dever profissional e deixando que outros decidam aquilo que caberia a elas decidir. Ninguém precisa de autorização judicial para cumprir o próprio dever; para tanto, bastam o conhecimento técnico e a responsabilidade no exercício da profissão. No caso dos autos, os médicos e o hospital deveriam, há muito, ter realizado a amputação, com base no art. 17, parágrafo único, incisos I, II e lllr da Lei n° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

Situações como a relatada nestes autos não admitem erros de conduta profissional. É verdade que os médicos estão preocupados, pois são vários os processos judiciais nos quais as decisões médicas são questionadas, inclusive judicialmente. Em alguns casos, há até mesmo imputação de responsabilidade civil e/ou criminal em face do médico. Mas isso não pode apequenar ou amedrontar aqueles que escolheram a medicina como profissão. No caso dos autos, havendo autorização do curador provisório do paciente, a decisão de realizar a amputação é médica, e deve ser tomada pelo médico. Mas, se o hospital e os médicos responsáveis não querem assumira responsabilidade pela decisão, o Poder Judiciário, ao contrário, não irá se eximir de sua responsabilidade.

Assim como foi para o hospital e para os médicos, talvez fosse mais simples e mais fácil também para o Juiz não se responsabilizar, acolher a sugestão do Ministério Público (fls. 75) e dizer que, diante da autorização do curador provisório, a autorização judicial não é necessária, deixando a cargo do curador resolver a questão. diretamente com o hospital e os médicos. Porém, enquanto o curador e os médicos não chegarem a um consenso médico/jurídico sobre como fazer aquilo que todos eles acham necessário (a amputação), o paciente continuará na situação lamentável e desumana demonstrada pelas fotografias de fls. 12/13, não se sabe por quanto tempo mais, isso se a situação não evoluir para necessidade de amputação maior ou até mesmo para á morte do paciente (conforme o ortopedista atestou, fls. 09v, e afirmou, fls. 134). (g.n)

Assim como o médico deve decidir as questões profissionais que lhe são submetidas, também o Juiz deve fazê-lo. A respeito, o art. 126 do Código de Processo Civil é bastante claro quando diz que "o juiz não se exime de sentenciar ou despachar (nem mesmo) alegando lacuna ou obscuridade da lei". Acolher a sugestão do Ministério Público, portanto, significaria negar a prestação jurisdicional. Se o Poder Judiciário assim procedesse, estaria se negando a dizer quem tem razão, ou seja, estaria deixando de exercer a sua função. Foi o que fizeram os médicos e o hospital até agora.

Quando se escolhe uma carreira e uma profissão, também se assume^ as responsabilidades inerentes. A todo bónus, corresponde um ónus. Todos os profissionais deveriam se lembrar disso no exercício da profissão.

Por fim, é preciso ressaltar que nem sempre o paciente poderá por uma decisão judicial sobre o procedimento médico a que ele deve ser submetido, pois o processo judicial, em virtude das garantias do contramtório, da ampla defesa e do duplo grau de.jurisdição, tende a demorar. Os médicos, portanto, precisam encontrar os seus próprios meios para, agindo em conformidade com a lei e a ética profissional, realizarem as suas nobres funções, no cumprimento do seu dever.

Esses foram os meus limites neste processo, mas espero ter conseguido decidir a questão da melhor maneira e no menor prazo possível, dentro do que as circunstâncias da causa me permitiram e sem prejuízo do direito de defesa do requerido. Só resta esperar que a sentença transite rapidamente em julgado, pois, ao que tudo indica, enquanto o alvará judicial não for expedido, a amputação não será realizada.

É, apesar de não haver, nestes autos, pedido de tutela antecipada formulado pelo autor, é preciso reconhecer que sequer seria cabível a concessão de tutela antecipada, em virtude da vedação contida no art. 273, § 2o, do Código de Processo Civil, já que a amputação indubitavelmente é um procedimento irreversível.

Assim, diante do consentimento e da vontade manifestada pelo curador provisório do requerido, nomeado nos autos da interdição de n° 2010.03.1.005217-9 (fls. 21, item 3), nos termos do art. 17, inciso I, da Lei n° 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o procedimento cirúrgico de amputação deve ser autorizado.

A meu juízo, a r. sentença proferida pelo digno juiz a quo é irretocável, uma vez que as provas produzidas são suficientes para balizar um juízo exauriente de cognição acerca da necessidade de se conceder a autorização judicial, a fim de salvaguardar a saúde do Sr. Nélson Fernandes de Miranda.

Embora os senhores médicos tenham exigido autorização judicial para proceder à amputação do ante-pé esquerdo do suplicado, que se encontra necrosado, com o risco de atingir outros membros, como perna, se já não a tiver atingido, é obvio que não era necessária, seja porque se trata de regular exercício da profissão de médico, seja porque há curador nomeado, cabendo-lhe decidir, nos limites do que seja benéfico e necessário ao curatelado. Não há dúvidas que a negativa do Sr. N. não pode ser lavada em consideração, pois desprovido absolutamente de capacidade civil, diante da enfermidade desenvolvida (esquizofrenia) inclusive declarada na referida ação de interdição.

Ademais, é cediço que o indeferimento de produção de provas não caracteriza cerceamento de defesa, por ser lícito ao magistrado dispensar as provas quando estas se mostram irrelevantes ao desfecho da lide.

Conforme tenho afirmado reiteradamente, a prova é dirigida ao juiz e compete a ele aquilatar a necessidade de sua produção ou não, sem que o indeferimento de uma ou outra pretensão acarrete cerceamento de defesa.

Além disso, o apelante não requereu no momento em que lhe foi oportunizada a confecção de perícia médica, a fim de esclarecer o alcance da enfermidade contraída. De fato, em audiência una, o Ministério Público, então curador especial, requereu apenas a apresentação de quesitos ao perito na ação de interdição, deixando de requerer qualquer esclarecimento a respeito dos fatos constantes dos autos.

Assim sendo, operou-se, inequivocamente, a preclusão temporal.

Sobre o tema, trago o seguinte aresto, de minha relatoria, verbis:

"APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO VERIFICADO. REGULARIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO. PROVIDÊNCIA LEGALMENTE PERMITIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO SPC/SERASA. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO RECONHECIDO. AFASTADO O DEVER DE INDENIZAR. RECURSO IMPROVIDO. UNÂNIME. CUSTAS PROCESSUAIS. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. HONORÁRIOS. REDIMENSIONAMENTO POSSÍVEL. 1. Não ocorre nulidade, por cerceamento de defesa, se a parte, no momento em que lhe foi oportunizado para especificar a produção de provas, não requereu a apresentação das supostas gravações efetuadas pela empresa de cobrança. Ademais, é cediço que o indeferimento de produção de provas não caracteriza cerceamento de defesa, por ser lícito ao magistrado dispensar as provas quando estas se mostram irrelevantes ao desfecho da lide. 2.O magistrado, nas instâncias ordinárias, deve intimar a parte interessada para regularizar eventuais falhas da representação, conforme dispõe o art. 13 do CPC, sem que isso importe em violação de regra quanto aos efeitos da revelia, sobretudo se, em se tratando de litisconsórcio passivo, os demais réus ofereceram contestação validamente. 3. "Comprovada a inadimplência da parte-devedora, a inclusão de seu nome no cadastro de inadimplentes decorre de forma legítima e amparada pela legislação, razão pela qual não enseja indenização por danos morais." (APC 200.01.1.033609-7) 4. Os honorários advocatícios devem ser redimensionados, para atender aos ditames previstos no art. 20, § 4º c/c o § 3º, letras 'a', 'b' e 'c' do Código de Ritos. 5. Afigura-se inviável a minoração das custas processuais, quando a parte autora restou vencida na maior parte da demanda, caso em que tem aplicação o disposto no art. 21, caput e parágrafo único do CPC. 6. Deu-se parcial provimento ao recurso. Unânime. (APC 2006.01.1.040676-5, julgado em 09/12/2009, DJ 07/01/2010 p. 43)

Assim sendo e como não se pode deixar o paciente, ora apelado, esperando em situação danosa, embora sob a honrável justificativa de respeito ao devido processo legal, que, no meu entender foi plenamente atingido, em sua feição substancial e que não pode estar em grau superior em relação à dignidade da pessoa humana, valor máximo albergado pela Constituição Federal de 1988, de que, afinal, emanam os demais direitos igualmente albergados nela, é que nego provimento ao apelo, rogando as mais respeitosas vênias aos que entendem de modo contrário.

Diante das considerações aduzidas, NEGO PROVIMENTO ao recurso mantendo íntegros os termos da v. sentença recorrida.

É como voto.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

Senhor Presidente, gostaria de fazer um acréscimo ao meu voto, porque ouvi com atenção o sábio e respeitável voto do eminente Revisor, e atentei para algumas expressões usadas ali, em que o eminente Revisor não viu prejuízo e acha que é mais vantajoso e trará benefício ao interditado a celeridade no julgamento deste feito, confirmando-se a sentença.

Todavia, pedindo as mais respeitosas vênias ao eminente Revisor, quero dizer que o prejuízo está mais que caracterizado. A perda de um pé ou de uma parte inferior do membro esquerdo ou toda a perna esquerda é um prejuízo enorme para o cidadão. A dignidade humana, neste caso, está sendo vilipendiada sim. Há mais um detalhe: em nome da celeridade do feito, não podemos violar os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório.

Como o eminente Revisor, no seu voto, já adentrou ao mérito, gostaria de pedir para fazer a leitura do mérito do meu voto também.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Não adentrei ao mérito, apenas fiz considerações, como V. Ex.a também o fez. O meu voto de mérito é outro, apenas estou destacando a preliminar relativa à anulação ou não do procedimento.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

Então vou também acrescentar nessa fase de preliminar.

Gostaria de deixar registrados os meus altos elogios ao Juiz de 1.º Grau, que foi célere ao julgar e, depois que o processo foi distribuído a mim, ele teve a preocupação de me ligar e dizer: Doutor José Carlos, é um caso em que o cidadão está correndo risco de vida, eu gostaria que o Senhor dessa preferência. Assim o fiz.

Gostaria também de registrar a preferência que pedi ao Desembargador Romeu Gonzaga Neiva, e ele prontamente atendeu. Então o julgamento do processo está sendo célere, mas essa celeridade não pode também passar por cima de provas. As provas que foram produzidas nestes autos para autorizar o feito foram baseadas no depoimento do médico.

Na questão preliminar, o eminente Revisor já entrou em outras questões da nulidade da sentença e a afastou. Prefiro deixar para fazer a leitura do restante do voto e deixar para acrescentar, se necessário, quando da prolação do voto do eminente Vogal.

É como voto.

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ - Presidente e Vogal

Diante da magnitude e erudição de ambos os votos, estou impossibilitado de definir essa questão de imediato, quanto à preliminar.

Vou pedir vista, para melhor exame.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Eminente Relator, apenas um esclarecimento.

Quando V. Ex.a estava lendo o voto, fez referência à diligência. V. Ex.a estaria propondo, então, converter o julgamento em diligência?

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

É essa a questão, por isso eu ia tentar adiantar.

Entendo que, além da nulidade processual pela falta de nomeação de curador especial, a prova colhida nos autos é incompleta e viciada. O que eu ia acrescentar ao meu voto, depois de ouvir a leitura do voto do eminente Desembargador Revisor, é que o seu voto foi baseado no depoimento do médico que atestou a necessidade de amputação, e transcreveu, na leitura que fez, parte da declaração do eminente médico ortopedista que oficiou pela amputação, mas nesse mesmo depoimento feito perante o Juiz, logo em seguida, foi indagado ao médico: É necessária a amputação ou há outro tratamento? E ele diz: Há a possibilidade de um tratamento médico, com uma equipe multidisciplinar de ortopedista, nutricionista e um tratamento alternativo de usar carbono que congela o tecido e impede o avanço da doença.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Adentrei ao mérito apenas para demonstrar a gravidade do processo, mas nem precisava, porque todos nós já sabemos.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

Mas V. Ex.a fez a leitura do depoimento do médico.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Mas o fundamento da minha preliminar não é esse.

No fundamento da preliminar - e que V. Ex.a diz que deve anular, porque não foi dado curador especial - estou dizendo que, no caso do Distrito Federal, se se nomeou o Ministério Público, estaria suprida essa deficiência processual. A referência a depoimento foi apenas para mostrar a gravidade do assunto que estaríamos aqui tratando.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

A minha interpelação, Excelência, é no sentido de que se V. Ex.a usou o depoimento, ou seja, a prova oral do médico, apenas em um trecho,

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Mas a minha decisão é eminentemente processual.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

Mas V. Ex.a usou, dizendo que tinha de amputar. Esse mesmo depoimento diz que pode fazer um tratamento, ou seja, como se decide a amputação do pé de um cidadão que não está sendo representado por um curador especial e não teve o direito de se manifestar?

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Estou concluindo o meu voto dizendo que, de qualquer maneira, essa amputação deverá ter uma autorização expressa do curador. Fiz menção aos fatos até para homenagear a preocupação de V. Ex.a.

O Senhor Desembargador SOUZA E AVILA - Relator

O conflito é do curador com a pessoa que está interditada, o curatelado, e o curatelado não quer amputar. Por isso estou suscitando a preliminar.

Como tenho o voto de mérito e preliminar, vou tomar a liberdade para encaminhá-los ao eminente Vogal e ao eminente Revisor o voto de mérito, para que ambas as partes saibam dos argumentos.

O Senhor Desembargador ROMEU GONZAGA NEIVA - Revisor

Também estou encaminhando o voto de mérito.

DECISÃO

Conhecido. Após o voto do Relator acatando a preliminar de nulidade do processo, e do Revisor rejeitando a preliminar, pediu vista o Vogal.

PEDIDO DE VISTA

VOTO

O Senhor Desembargador LECIR MANOEL DA LUZ - Presidente e Vogal

Presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso, dele conheço.

Conforme consignado pelo eminente Relator, cuida-se, na origem, de demanda na qual Nestor Fernandes de Miranda postula autorização judicial para que seu irmão José Fernandes de Miranda seja submetido a cirurgia de amputação do pé esquerdo, em virtude de osteomielite crônica devido à perda de sensibilidade cutânea associada ao quadro hanseníase.

O magistrado sentenciante julgou procedente o pedido inicial, para autorizar que o requerido seja, ainda que contra sua vontade, sedado e submetido à cirurgia de amputação de seu membro inferior esquerdo, desde que haja autorização escrita do curador provisório, a ser colhida pelo hospital e pelos médicos responsáveis e que estes compreendam que essa medida é necessária e a mais adequada no caso concreto.

O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, na defesa dos interesses do requerido, nos moldes do artigo 1770 do Código Civil, interpõe apelação. Suscita preliminar de nulidade da sentença, em decorrência de julgamento extra petita e por condicionar a procedência do pedido inicial ao "preenchimento de condições futuras", o que é vedado ao julgador. No tocante ao mérito, argumenta que, embora o requerido apresente transtorno mental, evidencia-se dos autos que ele é inteiramente capaz de deliberar acerca do tratamento de saúde ao qual deseja se submeter. Diz, também, que a indicação de cirurgia foi feita por profissional sem competência especializada e atribuição funcional para tanto, pois a indicação de amputação de membro caberia a um cirurgião vascular; e não a uma ortopedista.

Já em sede de segundo grau, a d. Procuradoria de Justiça oficiou pela declaração de nulidade do decisum para que se realize perícia médica que retrate o verdadeiro alcance da enfermidade e dos riscos que ocorre o enfermo pela não-amputação de seu pé esquerdo e também para que o requerido seja submetido a uma nova perícia psiquiátrica. Postula subsidiariamente a realização das aludidas provas em sede de segundo grau de jurisdição e, se ultrapassada a preliminar, que se proveja o apelo, julgando-se improcedente o pedido inicial.

Pois bem, o eminente Relator, ao analisar as preliminares suscitadas, declarou a nulidade do decisum com base em três argumentos, quais sejam:

a) a ausência de nomeação de curador especial, munus a ser exercido pela Defensoria Pública que atua junto ao juízo de origem;

b) necessidade de regularização do polo ativo do feito, tendo em vista a nomeação de nova curadora provisória para assistir o requerido; e

c) imprescindibilidade de realização de prova pericial que comprove o real estado de saúde do requerido.

Em contrapartida, o e. Revisor afastou as aludidas questões preliminares.

Após a prolação dos votos dos eminentes pares que me antecederam, pedi vista dos autos para melhor exame da controvérsia.

Eis a suma do necessário.

No que diz respeito à nulidade da sentença em decorrência da ausência de nomeação de membro da Defensoria Pública como curador especial para acompanhar o feito, não vislumbro a nulidade apontada, pela absoluta falta de prejuízo.

Colhe-se dos autos que a presente ação foi ajuizada pelo curador do requerido, Nestor Fernandes de Miranda, por intermédio da Defensoria Pública do Distrito Federal. Assim, com a finalidade de evitar uma possível colisão de interesses, o magistrado a quo, à fl. 67, deixou de encaminhar os autos ao aludido órgão de assistência judiciária e, nos moldes do disposto no artigo 1.770 do Código Civil, os mandou ao Ministério Público do Distrito Federal para a defesa dos interesses do requerido, o qual, ressalta-se, vem desempenhando seu mister com bastante presteza e eficiência, inexistindo, por certo, qualquer prejuízo ao requerido.

Por essa razão, não há se falar em nulidade, cujo reconhecimento pressupõe a existência de prejuízo para quaisquer das partes no processo.

Acompanho, pois, nesse particular, o e. Revisor, a fim de rejeitar a 1ª preliminar suscitada.

Por outro lado, a sentença não padece desse mesmo vício ao argumento de inadequação do polo ativo no vertente feito, notadamente porque a substituição da curatela nos autos de interdição de 2010.03.1.005217-9 se deu somente aos 9/4/2010 (fl. 257), data posterior à prolação da sentença proferida nestes autos.

É de se verificar que, após a sentença, a nova curadora do requerido, Srª Maria Lúcia da Silva da Miranda, passou a integrar a lide, pela decisão de fl. 283, e apresentou contrarrazões ratificando a posição do primeiro curador designado, no que diz respeito à necessidade de o paciente ser submetido a tratamento cirúrgico.

Desse modo, também acompanho o e. Revisor, para rejeitar a segunda preliminar.

Passo a apreciar questão atinente à necessidade ou não de produção de prova.

A matéria é por demais tormentosa. De um lado, tem-se uma instrução deficiente, incapaz de esclarecer, sem resquício de dúvidas, se a medida extrema de amputação do pé esquerdo do requerido é a única solução capaz de restabelecer sua saúde.

Noutro lado, teme-se inexistir tempo hábil para a realização de outras provas, notadamente porque o médico-ortopedista que acompanhou o caso aponta urgência na cirurgia, em virtude do risco da moléstia evoluir para uma forma mais grave, podendo, inclusive, ocorrer uma septicemia.

Nada obstante, após cautelosa análise da matéria, opto por seguir o entendimento adotado pelo em. Relator, que verificou a necessidade de se produzirem outras provas. Compreendo que a autorização de procedimento cirúrgico de retirada de um membro contra a vontade do paciente, o qual, embora considerado incapaz em laudo pericial, apresentou sinais de lucidez em audiência, requer prova contundente por profissional especializado na área de cirurgia vascular, o que inexiste na espécie.

Pelo que se verifica, a cirurgia foi indicada por um único médico, na especialidade de ortopedia, profissional que, ouvido em audiência, sinaliza a existência de tratamentos alternativos para combater a moléstia. Sequer restou esclarecido, nos autos, de forma incisiva, se o paciente sofre de insuficiência vascular a justificar a imputação. Ao menos um especialista nessa área avaliou a situação.

Ademais, consoante salientado pelo representante do Parquet, "o laudo de fl. 9, acrescido dos esclarecimentos prestados em audiência, não determina com clareza a gravidade da lesão, pois permite concluir que a decisão por amputação decorre mais da incapacidade do enfermo de se cuidar, de obedecer á prescrição médica, adotar os procedimentos prescritos pelo médico, ingerindo a medicação receitada, fazendo os curativos, como determinado pelo médico".

Portanto, diante da gravidade da situação apresentada, compete ao Judiciário agir com cautela e determinar a produção das provas imprescindíveis para formar a convicção do julgador, sob pena de se decidir precipitadamente a lide a causar dano irreparável à parte.

Noutro giro, é de se verificar que o presente feito tramitou com significativa celeridade, uma vez que a ação foi proposta em março do corrente ano. Destarte, nada obsta que a aludida prova seja realizada com a mesma agilidade, dentro de um tempo razoável que a situação requer.

Feitas essas considerações, acompanho o e. Relator, a fim de acolher a preliminar suscitada pela d. Procuradoria de Justiça no sentido de cassar a r. sentença impugnada, a fim de que o requerido seja submetido a novo exame, desta vez por cirurgião vascular, a fim de investigar se o procedimento cirúrgico de amputação é a única medida a ser adotada in casu.

É como voto.

DECISÃO

Conhecido. Rejeitadas as 1ª e 2ª preliminares. Acolhida a preliminar do Ministério Público para cassar a sentença. Decisão por maioria.

DJ-e: 22/07/2010

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Notas:


1 - Novo Dicionário Aurélio, nona edição, pag.1117. [Voltar]




JURID - Autorização judicial. Requerido incapaz. Nomeação de curador [28/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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