Jurisprudência Tributária
Tributário. Aduaneiro. Liberação de veículo apreendido. Perdimento. Responsabilidade do proprietário do veículo.
Tribunal Regional Federal - TRF4ªR
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.72.02.000323-5/SC
RELATORA: Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
APELANTE: ITACIR SELLI
ADVOGADO: Umbelina Zanotti
APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
EMENTA
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO APREENDIDO. PERDIMENTO. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO TRANSPORTADOR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INTIMAÇÃO POR EDITAL.
1. A jurisprudência deste Tribunal, amparada na Súmula 138 do TFR, firmou o entendimento de que a pena de perdimento do veículo não poderá se desapegar do elemento subjetivo e nem desconsiderar a boa-fé.
2. A proporcionalidade não deve ser interpretada levando-se em conta unicamente o enfoque matemático, o que não significa que se está a desprezar o princípio da proporcionalidade visto sob o prisma axiológico, o qual tem por último fim impedir a habitualidade do contrabando e do descaminho, e reprimir tal prática pelo grande infrator epísódico.
3. O princípio da proporcionalidade veda tanto o excesso como a inoperância ou a ação insuficiente, constituindo um limite ao poder de polícia administrativa. No campo do sancionamento administrativo, atua restringindo ou afastando a imposição de pena de perdimento quando outra penalidade menos grave puder satisfatoriamente coibir o ilícito cometido, sem mostrar-se inócua ante os efeitos desta, por exigência de adequação axiológica e finalística.
4. É recomendada a intimação por edital, somente nos casos em que o interessado for indeterminado ou com domicílio indefinido, uma vez que o ato deve ser realizado de modo a assegurar a certeza de que a parte está ciente do processo
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso para determinar a reversão do ato que destinou o veículo GM/Monza GLS, placa LXA 9764, ano 1995, cor vermelha, restituindo definitivamente o veículo ao autor, e condenar a União (Fazenda Nacional) ao pagamento das custas processais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizados pelo IPCA-E, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de julho de 2010.
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Relatora
RELATÓRIO
Itacir Stelli ajuizou ação ordinária contra a União Federal, objetivando a declaração de nulidade do Auto de Infração e Termo de Apreensão (Processo Administrativo nº 11969.011686/200646), bem como a restituição definitiva do veículo GM/Monza GLS, placa LXA 9764, ano 1995, cor vermelha. Apreendido pela Receita Federal.
Relatou a inicial que referido veículo foi retido pela Receita Federal de Foz do Iguaçu, por terem sido encontradas mercadorias de origem estrangeira ocultas entre a forração da lateral traseira e do banco traseiro do veículo.
Disse ter acondicionado as mercadorias naquelas condições por temor de assalto, atitude típica de pessoas que nunca foram a Foz do Iguaçu e têm a imagem de serem assaltadas, e que a pequena quantidade de mercadoria não teria sido apreendida se não fosse o local em que foram encontradas. Defendeu a aplicação do princípio da proporcionalidade e da insignificância. Sustentou que a decretação da perda das mercadorias e do veículo é uma forma de penalização, não se conformando com a perda do veículo, o qual é utilizado para as atividades regulares donde provém seu sustento. (fls.03/14).
Indeferido o pedido de antecipação da tutela (fls. 47/49), contestado o feito (fls.57/60), sobreveio a sentença julgando improcedente o pedido e condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (fls.90/92).
Inconformado, apelou o autor, repisando os argumentos da inicial. Em especial, pugnou pela aplicação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, pois o veículo foi avaliado em R$ 5.000,00, e as mercadorias, em R$ 795,27, restando patente a desproporção entre a penalidade imposta ao dono do veículo e o dano presumidamente causado ao erário, além disso já foi penalizado com a perda das mercadorias.
Por fim, defendeu o direito de propriedade e a aplicação do princípio da insignificância, pleiteando a reforma da sentença para desconstituir o ato administrativo desde sua gênese, com a entrega definitiva do bem e a inversão do ônus da sucumbência (fls. 95/102).
Oferecidas as contrarrazões, os autos vieram a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
1. Legislação aplicável
Decreto-Lei 37/66
Art.94 - Constitui infração toda ação ou omissão, voluntária ou involuntária, que importe inobservância, por parte da pessoa natural ou jurídica, de norma estabelecida neste Decreto-Lei, no seu regulamento ou em ato administrativo de caráter normativo destinado a completá-los.
[...]
§ 2º - Salvo disposição expressa em contrário, a responsabilidade por infração independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.
Art.95 - Respondem pela infração:
I - conjunta ou isoladamente, quem quer que, de qualquer forma, concorra para sua prática, ou dela se beneficie;
II - conjunta ou isoladamente, o proprietário e o consignatário do veículo, quanto à que decorrer do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes;
[...]
Art.96 - As infrações estão sujeitas às seguintes penas, aplicáveis separada ou cumulativamente:
I - perda do veículo transportador;
II - perda da mercadoria;
III - multa;
IV - proibição de transacionar com repartição pública ou autárquica federal, empresa pública e sociedade de economia mista.
Art.104 - Aplica-se a pena de perda do veículo nos seguintes casos:
[...]
V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita à pena de perda, se pertencente ao responsável por infração punível com aquela sanção;
[...]
Art.105 - Aplica-se a pena de perda da mercadoria:
[...]
IV - existente a bordo do veículo, sem registro um manifesto, em documento de efeito equivalente ou em outras declarações
[...]
Lei 4502/64
Art . 87. Incorre na pena de perda da mercadoria o proprietário de produtos de procedência estrangeira, encontrados fora da zona fiscal aduaneira, em qualquer situação ou lugar, nos seguintes casos:
I - quando o produto, tributado ou não, tiver sido introduzido clandestinamente no país ou importado irregular ou fraudulentamente;
[...]
Decreto-Lei 1.455/76
Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:
[...]
IV - enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas " a " e " b " do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966.
[...]
§ 1º O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias.
Decreto 4.543/02
Art. 617. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-lei no 37, de 1966, art. 104, e Decreto-lei no 1.455, de 1976, art. 24):
[...]
V - quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade;
[...]
§ 2º Para efeitos de aplicação do perdimento do veículo, na hipótese do inciso V, deverá ser demonstrada, em procedimento regular, a responsabilidade do proprietário do veículo na prática do ilícito.
[...]
2. Responsabilidade
Percebe-se, assim, que o proprietário do veículo transportador submeter-se-á à sanção administrativa em comento quando tiver conhecimento da prática do ilícito e a mercadoria conduzida for sujeita a perdimento.
Nessa seara, a jurisprudência deste Tribunal, amparada na Súmula 138 do TFR, firmou o entendimento de que a pena de perdimento do veículo não poderá se desapegar do elemento subjetivo e nem desconsiderar a boa-fé:
DIREITO TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO. APREENSÃO DE VEÍCULO. TRANSPORTE DE MERCADORIAS. INTERNAÇÃO IRREGULAR. LIBERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. 1. A responsabilidade de proprietário de veículo utilizado na internação irregular de mercadorias deve ser evidenciada por meio de elementos indiciários concretos (...).3. Afastada a presunção de boa-fé e a aplicação do princípio da proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias. 4. A pena de perdimento do veículo utilizado no transporte de mercadoria descaminhada, previsto no art. 617, inciso V, §2º, do Regimento Aduaneiro não é inconstitucional, pois o direito de propriedade expresso na Constituição não é absoluto e cede à preservação do interesse público. 5. Apelação improvida. (TRF4, AC 2005.70.05.001703-2, Primeira Turma, Relator Marcos Roberto Araujo dos Santos, D.E. 04/03/2008)
Com efeito, "em que pese a responsabilidade por infração independa da intenção do agente ou do responsável (art. 94, § 2º, do Decreto-Lei nº 37/66), sendo atribuível ao proprietário do veículo transportador no tocante à irregularidade decorrente do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes (art. 95, II, do decreto-Lei nº 37/66), tanto no caso de ele ter consciência da ilicitude e do caráter fraudulento da conduta, como na hipótese de ter deixado de se precaver adequadamente quanto a ocorrência da irregularidade, a imposição da pena de perdimento não pode se dissociar do elemento subjetivo nem desconsiderar a boa-fé. O elemento subjetivo, na hipótese, consiste no conhecimento (concreto ou potencial) do proprietário da utilização de seu veículo como instrumento à consecução da prática ilícita. A quebra da presunção de boa-fé, nesse caso, é ônus que cabe à fiscalização, pois o mero fato de terem sido apreendidas mercadorias no interior do veículo não é bastante para afastar a crença de que o proprietário deste não tinha conhecimento da irregularidade das mercadorias transportadas". (AC 2006.71.00.010140-6, 1ª Turma, Rel. Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 08.08.2007).
Destarte, o proprietário tem a obrigação de evitar que seu veículo seja utilizado na prática de ilícitos, e, sob esse aspecto, é razoável e adequado exigir-lhe cautelas, sendo que sua responsabilidade, quando não era o dono da mercadoria, demonstra-se através da ciência, ainda que potencial, da utilização de seu veículo na prática do ilícito e de indícios que afastem a presunção de boa-fé.
3. Caso concreto
Não há dúvidas, na hipótese dos autos, de que o proprietário do veículo sabia que este estava transportando mercadorias oriundas do contrabando/descaminho.
O autor, condutor e proprietário do veículo, tanto na petição inicial, quanto nas razões recursais, admitiu os fatos, inobstante afirme que não tinha ciência da prática ilícita ao referir:
[...] Reside na cidade de São Lourenço do Oeste/SC e exerce a função de professor. No dia 16/12/2006, quando estava no período de férias, veio para Foz/Pr/-Paraguai e adquiriu pequena quantidade de mercadorias estrangeiras e não fez as DBA's (Declaração de Bagagem Acompanhada).
Quando passava pela Ponte Internacional da Amizade (Zona Primária) foi abordado por fiscais da Receita Federal que lograram encontrar as mercadorias entre a forração da lateral traseira e do banco traseiro.
As mercadorias encontradas no veículo somam o valor de R$ 795,27 (setecentos e noventa e cinco reais e vinte e sete sentavos) e conforme descritas no auto de apreensão de mercadorias, em anexo, não tem cunho comercial e era para uso pessoal do autor [...]
Afirmou ter colocado as mercadorias naquele local por medo de assalto, e que:
[...] se tivesse dimensão de sua conduta, jamais iria colocar em risco perder um bem que equivale há aproximadamente (85%) oitenta e cinco por cento mais do que as mercadorias apreendidas.
Logo, é inquestionável que o apelante e tinha conhecimento de estar transportando em seu veículo mercadorias descaminhadas.
4. Proporcionalidade matemática
No tocante à alegada desproporção entre o valor das mercadorias (R$ 795.27) e do automóvel (R$ 5.000,00) faço algumas considerações.
A fim de evitar tautologia, adoto os irretocáveis fundamentos do Juiz Federal Rony Ferreira, quando do exame da Ação Ordinária nº 2006.70.02.002913-9/PR (Foz do Iguaçu, 13 de julho de 2006):
"[...] Nada obstante, a proporcionalidade de que tem se valido a jurisprudência é meramente matemática e não axiológica.
A vinculação do valor das mercadorias ao valor do veículo que as transporta não parece acertada, pois despreza os valores encerrados nas normas repressivas de ilícitos fiscais. Tal interpretação acaba por ignorar, no âmbito da responsabilidade civil, o fim maior das normas de repressão das condutas ilícitas, que em última análise tutelam os valores da sociedade encerrados nos interesses fazendários.
Na medida em que se prestigia a preservação tão-somente do valor da propriedade do infrator, com o temor de se praticar suposto confisco, prejudica-se a proteção do interesse público.
Conseqüência prática dessa interpretação, v.g., consiste no fato dos verdadeiros responsáveis por ilícitos de contrabando/descaminho, fortes em seu poder aquisitivo e cientes dessa peculiaridade na interpretação legal, sentirem-se estimulados a adquirir veículos caros para delinqüirem. Partindo-se de um exemplo propositalmente extremo, imagine-se, nos dias de hoje, duas pessoas, uma promovendo um descaminho de vinte mil dólares num Corcel ano 1976 e outra numa Ferrari ano 2002. Embora idêntico o ilícito, e tirante eventual valor sentimental ou de colecionação do Corcel, a proporcionalidade matemática beneficiaria por certo só o detentor da Ferrari.
Ou, tão inusitado quanto, imagine-se um veículo com local adrede preparado para ocultar mercadorias, aqui compreendidos não apenas o chamado "fundo falso", mas qualquer outro local do veículo que em princípio não se preste ao acondicionamento regular de mercadorias e bagagens, tais como, exemplificativamente, pneus, tanques de combustível, áreas mortas do veículo, espaço reservado ao motor etc.
Em tal hipótese, possivelmente não lhe socorrerá a tese da desproporcionalidade matemática, pois em princípio poderá configurar o deliberado propósito do veículo ser utilizado reiteradamente, ou seja, de forma habitual, como instrumento de atos ilícitos. Portanto, maior censura deve receber tal ato, impondo-se a aplicação da pena de perdimento do veículo em favor do Estado, qualquer que seja o valor das mercadorias apreendidas, pois a proporcionalidade não deve ser apenas matemática, mas sobretudo axiológica.
O fenômeno da proporção entre o valor das mercadorias e o valor do veículo não passou desapercebido pelo Ministro ARI PARGENDLER, que em voto proferido no Recurso Especial nº 34.961/RS manifestou:
'A lei prevê a perda do veículo que transporta mercadorias estrangeiras clandestinamente introduzidas no território nacional, sem o pagamento dos tributos devidos.
Pouco importa que entre o valor das mercadorias apreendidas e o do veículo que as transporta não haja proporcionalidade; a lei não adota esse critério, que é fruto de orientação mal concebida.
A finalidade da sanção é a de impedir a habitualidade do descaminho. Consequentemente, o turista, que eventualmente é surpreendido na prática de pequeno ilícito, perde as mercadorias, mas conserva o veículo, sem necessidade de se adotar o critério da desproporção entre ambos; simplesmente, a perda do veículo é sanção inaplicável nesse caso.
Agora, se o instrumento do ilícito continua em poder do infrator habitual, ou mesmo do grande infrator episódico, apenas porque utiliza veículo caro, a atividade delituosa fica sem repressão; o importante é saber se a pena de perdimento se aplica, independentemente da proporção que o valor do veículo tenha em relação ao das mercadorias descaminhadas.
A não ser assim, haveria uma evidente quebra do princípio da igualdade; quem tem condições de bancar o ilícito com veículos novos e imponentes, estarão imunes à perda de perdimento, não obstante transportem neles videocassetes ou televisores; já quem só pode contar com carroças puxadas a cavalos, de pequenos valor, estarão sujeitas a essa pena de perdimento.
A aplicação desse critério de desproporção só tem um efeito: o de tirar do ordenamento jurídico o poder de reação contra o ilícito.
Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial, e de dar-lhe provimento'.
Embora seu voto tenha sido vencido nesse caso concreto, o citado Ministro percebeu o problema e alertou para as nefastas conseqüências dessa interpretação, restando oportuno o momento para nova reflexão por parte da jurisprudência.
A Constituição Federal de 1988 é clara no sentido de que o direito de propriedade deve ser utilizado de forma a não comprometer os interesses sociais, ou seja, cumprindo sua função social. Daí se infere não se tratar de instituto absoluto, oponível pelo seu detentor contra o Estado (a coletividade como um todo) em qualquer hipótese. Nesse sentir, afirma CELSO RIBEIRO BASTOS:
'A função social visa a coibir as deformidades, o teratológico, os aleijões, digamos assim, da ordem jurídica. É o que cumpre examinar agora. Vale dizer, em que consistem aquelas destinações que poderão levar ao uso degenerado da propriedade, a ponto de colocar em conflito com as normas jurídicas.
A chamada função social nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes, até com medidas de grande gravidade jurídica, a recolocar a propriedade em sua trilha normal.' (in Curso de Direito Constitucional. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 210)
No caso do perdimento de veículo, está-se diante de uma situação em que a propriedade é utilizada de forma contrária aos interesses públicos (infração aduaneira) e, evidentemente, isso não deve ser tolerado.
Portanto, abstraindo-se do critério apenas matemático e enfocando-se o problema pelo critério da conduta, acompanhado de uma reinterpretação do princípio da proporcionalidade, justifica-se a aplicação do perdimento de veículo no presente caso.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região em dois julgados sinalizou com a percepção do problema e uma possível revisão no entendimento quanto ao critério jurisprudencial apenas matemático, a saber: Remessa ex officio em Mandado de Segurança nº 96.04.62522-5/PR e Apelação Cível nº 1999.04.01.104800-8/PR, ambas julgadas em 16/11/2000, e publicadas, respectivamente, no DJU de 04/01/2001 e 28/02/2001, ambas tendo como relator o Juiz MÁRCIO ANTONIO ROCHA.
Nesse sentido decidiu, mais recentemente, na apelação cível nº 2002.70.02.000681-0/PR, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sendo relator o Desembargador Federal Valdemar Capeletti, verbis:
'ADMINISTRATIVO. VEÍCULO APREENDIDO. ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO DE APREENSÃO. AÇÃO ORDINÁRIA. IMPROCEDÊNCIA.
Decorrida a dilação probatória, conclui-se que o autor espontânea e conscientemente consentiu na prática do ilícito fiscal.
Apesar da desproporção entre os valores das mercadorias descaminhadas e do veículo, é de se ter em mente que o princípio da proporcionalidade não deve ser empregado como único ou máximo do ordenamento jurídico nem, muito menos, como panacéia para veicular complacência com ilicitudes mais ou menos expressivas'. (DJU de 25.08.2004)".
Desse modo, entendo que a proporcionalidade não deve ser interpretada levando-se em conta unicamente seu enfoque matemático.
Na mesma linha, o atual entendimento desta Turma:
TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO DE VEÍCULO. DESCAMINHO/CONTRABANDO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. BOA-FÉ ELIDIDA. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO. 1. Aplica-se a pena de perdimento ao veículo que transportar mercadorias sujeitas a tal penalidade sendo proprietário seu condutor ou, não o sendo, quando houver sua responsabilidade na prática da infração. 2. Em casos dessa natureza, presume-se a especialização do agente transportador, que deve conhecer as normas e os riscos concernentes à sua atividade, acautelando- se no que diz respeito à regularidade dos produtos e das documentações referentes às operações que realiza, a fim de prevenir infrações à legislação aduaneira. 3. As instâncias penal, civil e administrativa, são distintas e independentes. A decisão criminal só tem o condão de surtir efeitos nas demais esferas quando for reconhecida a inexistência material do fato, que o imputado não foi o autor da infração ou quando reconhecer causa excludente de criminalidade. 4. O argumento de desproporção dos valores das mercadorias com o valor do veículo não afasta, por si só, a prática do ato vedado pela legislação, porquanto bastaria que qualquer pessoa transportasse mercadorias desacompanhadas de documentação legal, quantas vezes lhe conviesse, desde que de baixos valores, para que não tivessem o veículo apreendido, sob a proteção do princípio da proporcionalidade. 5. A apreensão do bem visa não somente ao ressarcimento ao erário, mas, também e quiçá precipuamente, a evitar uma nova prática delitiva. (TRF4, AC 2007.71.10.003733-0, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 17/11/2009)(grifei).
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO. MERCADORIAS SUJEITA A PERDIMENTO. DESPROPORÇÃO DE VALORES. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA LIBERAÇÃO DO VEÍCULO. O argumento de desproporção dos valores das mercadorias sujeitas a pena de perdimento com o valor do veículo apreendido não afasta, por si só, a prática do ato vedado pela legislação. Deste modo, não há justificativa para a liberação do veículo. (TRF4, AG 2009.04.00.042646-8, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 09/03/2010)(grifei).
5. Proporcionalidade axiológica
Todavia, o fato de não se adotar o critério da desproporcionalidade meramente matemática, para afastar a incidência da pena de perdimento do veículo, não significa, de modo algum, que se está a desprezar o princípio da proporcionalidade visto sob seu enfoque axiológico.
A propósito, assim já se manifestou a 1ª Sessão deste Tribunal:
TRIBUTÁRIO. MERCADORIA SUJEITA À PENA DE PERDIMENTO. VEÍCULO TRANSPORTADOR. DESPROPORÇÃO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALDIADE. PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO PROPRIETÁRIO. AFASTADA A APLICAÇÃO DA PENA DE PERDIMENTO AO VEÍCULO. 1. O princípio da proporcionalidade, no caso de contrabando/descaminho, não pode ser aferida apenas com a comparação percentual dos valores das mercadorias e do veículo, devendo ser entendida axiologicamente, tendo-se em consideração a finalidade da sanção, que tem por fim último impedir a habitualidade da conduta ilícita. Hipótese em que há relativa desproporção entre o valor das mercadorias e a do veículo apreendido, o que, aliado às outras circunstâncias favoráveis em relação à embargante, levam à conclusão do excesso da medida punitiva. Afastamento da pena de perdimento do veículo. 2. Embargos infringentes providos. (TRF4, EINF 2004.71.06.003165-5, Primeira Seção, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 26/09/2008)
Com efeito, a proporcionalidade deve ser analisada observando-se a finalidade da sanção administrativa, a qual, tem por último escopo impedir a habitualidade do contrabando e do descaminho, e reprimir tal prática pelo grande infrator.
Sobre o tema, valho-me de excerto do bem lançado voto da Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha:
"É certo que a apreensão e a aplicação de pena de perdimento da mercadoria e do veículo encontram apoio na legislação de regência (arts. 617, V, e 618, III, do Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 4.543/2002). A responsabilidade por infração à legislação fiscal é atribuível a todos que, conjunta ou isoladamente, concorreram de qualquer forma para a prática do ilícito, ou, pelo menos, dele tenham se beneficiado, inclusive o proprietário do veículo transportador no tocante à irregularidade decorrente do exercício de atividade própria do veículo, ou de ação ou omissão de seus tripulantes (art. 95, II, do Decreto-lei nº 37/66). A penalização deste justifica-se tanto no caso de ele ter consciência da ilicitude e do caráter fraudulento da conduta como no caso de ter deixado de acautelar-se adequadamente quanto a ocorrência da irregularidade. Ademais, milita em favor do auto infracional a presunção legal de veracidade, não tendo sido contestada a natureza ilícita do fato.
A finalidade da aplicação da pena de perdimento de veículo é repressiva e inibidora do cometimento de novas infrações. O próprio Regulamento Aduaneiro dispõe que as penas nele previstas poderão ser aplicadas separada ou cumulativamente.
Entretanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade conduz ao afastamento da penalidade imposta. Por óbvio, a previsão legal de pena de perdimento, conquanto não afronte o direito de propriedade, tem o juízo de legitimidade atrelado às circunstâncias do caso concreto, as quais, não raras vezes, podem infirmá-la por excessiva ou desarrazoada. A finalidade da aplicação da pena é restaurar o direito lesado, recompondo o dano causado ao erário. Por esta razão, somente se justifica quando guardar proporcionalidade com a infração cometida (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). A apreensão das próprias mercadorias, em dadas circunstâncias, pode mostrar-se suficiente para a reparação do prejuízo sofrido.
Repare-se, contudo, que a proporcionalidade não se resume à confrontação matemática de valores nominais (veículo X mercadorias X dano ao erário).
O princípio da proporcionalidade tem assento na garantia constitucional do devido processo legal e na justiça, e opera vedando tanto o excesso como a inoperância ou a ação insuficiente. Constitui um limite ao poder de polícia administrativa, a estabelecer parâmetros de avaliação e controle. No campo do sancionamento administrativo, atua restringindo ou afastando a imposição de pena de perdimento - que tem como pressuposto legal pertencer o veículo ao responsável por infração punível com tal sanção -, sempre que outra penalidade menos grave puder satisfatoriamente coibir o ilícito cometido, sem mostrar-se inócua ante os efeitos desta, por exigência de adequação axiológica e finalística. Com efeito, permite ao Judiciário invalidar atos administrativos, impedindo que se produza um resultado indesejado pelo ordenamento jurídico, quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o meio empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para alcançar o mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); e c) o que se perde é mais valioso ou relevante do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito)" (TRF4, AC nº 2004.71.06.003165-5/RS, D.E. 13.06.2007).
No caso presente, o valor das mercadorias (R$ 795,27), é de pequena monta, não havendo falar em "grande infrator".
Verifico que na espécie, a pena de perdimento do veículo não é adequada nem necessária para conter o ilícito. Trata-se de um professor, que nas férias, uma única vez, foi a Foz do Iguaçu e trouxe R$ 795,28 em mercadorias que podem ser consideradas para uso pessoal (rol que inclui 4 baterias, 1 pneu, 4 pilhas, 1 MP3 player, 1 memória flash p/máquina fotográfica, 50 CDs virgens, 25 DVDs, virgens, 36 facas, 4 CDs gravados, 50 capas de DVDs, e 20 DVDs gravados). Apenas pelo fato de as mercadorias estarem escondidas entre o forro do banco do veículo, não quer dizer que possua fundo falso ou adrede preparado para a prática do crime. Significa que buscava evitar a fiscalização pelo fato de ter excedido a quota legal de aquisição de mercadoria estrangeira. Não existe registro de outras passagens do mesmo veículo na região e nem indícios de internação dos bens para fins comerciais. Logo é desproporcional a pena de perdimento do veículo.
Além disso, os autos dão conta de que o endereço atualizado do autor constava no processo administrativo desde a data da apreensão das mercadorias, em 16/12/2006, conforme se verifica no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal (fl. 66 e 68), Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (fl. 67), instrumento de procuração (fl. 29), que instruiu o pedido de cópias do processo administrativo dirigido ao Delegado do Departamento da Receita Federal em Foz do Iguaçu, protocolado na SRF - 9ª em 24/01/2007 (fl. 72 e v).
Destarte, mesmo com o endereço certo e determinado nos autos do processo, a Secretaria da Receita Federal efetuou a intimação do autor por edital, em 28 de março de 2007 (fl. 70), sendo-lhe, decretada a revelia por decurso de prazo para impugnação ao Auto de Infração, seguindo-se a aplicação da pena de perdimento do bem (fl. 74).
Determina o art. 26 da L 9.784/1999:
Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
[...]
§ 3o A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.
§ 4o No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.
§ 5o As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.
Portanto, é recomendada a intimação por edital, somente nos casos em que o interessado for indeterminado ou com domicílio indefinido, uma vez que o ato deve ser realizado de modo a assegurar a certeza de que a parte está ciente do processo. No caso, inexiste comprovação do esgotamento das diligências no sentido de intimar pessoalmente o autor para apresentar impugnação, restando configurada a irregularidade no processo administrativo.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso para determinar a reversão do ato que destinou o veículo GM/Monza GLS, placa LXA 9764, ano 1995, cor vermelha, restituindo definitivamente o veículo ao autor, e condenar a União (Fazenda Nacional) ao pagamento das custas processais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizados pelo IPCA-E.
Des. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Relatora
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/07/2010
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2009.72.02.000323-5/SC
ORIGEM: SC 200972020003235
RELATOR: Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
PRESIDENTE: ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA
PROCURADOR: Dr. Luis Carlos Weber
APELANTE: ITACIR SELLI
ADVOGADO: Umbelina Zanotti
APELADO: UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL)
ADVOGADO: Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/07/2010, na seqüência 24, disponibilizada no DE de 25/06/2010, da qual foi intimado(a) UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 1ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO RECURSO PARA DETERMINAR A REVERSÃO DO ATO QUE DESTINOU O VEÍCULO GM/MONZA GLS, PLACA LXA 9764, ANO 1995, COR VERMELHA, RESTITUINDO DEFINITIVAMENTE O VEÍCULO AO AUTOR, E CONDENAR A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSAIS E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM 10% SOBRE O VALOR DA CAUSA, ATUALIZADOS PELO IPCA-E.
RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
VOTANTE(S): Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE
: Des. Federal ALVARO EDUARDO JUNQUEIRA
: Des. Federal JOEL ILAN PACIORNIK
LEANDRO BRATKOWSKI ALVES
Diretor de Secretaria
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Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LEANDRO BRATKOWSKI ALVES:11368
Nº de Série do Certificado: 4435E97E
Data e Hora: 07/07/2010 17:57:25
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JURID - Tributário. Aduaneiro. Liberação de veículo apreendido. [22/07/10] - Jurisprudência
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