Apelação cível e recurso adesivo. Ação condenatória. Contrato de compra e venda. Piscina.
Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC
Apelação Cível n. 2009.031861-2, de Joinville
Relator: Juiz Henry Petry Junior
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO CONDENATÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA. PISCINA. ACRÉSCIMO DE REVESTIMENTO E REFLETORES NÃO PREVISTOS NO ORÇAMENTO. PRETENDIDA COBRANÇA DOS ITENS. PROCEDÊNCIA PARCIAL EM PRIMEIRO GRAU. I - RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO REGIME PROTETIVO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. II - TRANSAÇÃO COMERCIAL. UTILIZAÇÃO DE PRODUTOS NÃO AVENÇADOS. PACTUAÇÃO VERBAL DO ACRESCIDO. NÃO COMPROVAÇÃO. ÔNUS DA AUTORA. III - VERBA SUCUMBENCIAL. INVERSÃO. SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO E RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
I - A relação havida entre autora e réu é nitidamente de consumo, uma vez que ambas se amoldam nas classificações contidas nos arts. 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor.
II - À míngua de elementos de prova hábeis a comprovar que o réu ajustou verbalmente a utilização de revestimento mais caro, bem como a instalação de refletores no interior da piscina, não merece prosperar o pleito veiculado na exordial, mormente porque os arts. 39, IV e 40, §§ 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, consignam que a proposta somente vincula o consumidor quando precedida de orçamento escrito e com autorização expressa deste.
III - Reformada a decisão de primeiro grau e verificada a inversão da sucumbência, as despesas processuais e honorários advocatícios devem ser suportadas pela autora, prejudicado o adesivo que almejava a majoração da condenação que não mais subsiste.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2009.031861-2, da comarca de Joinville (4ª Vara Cível), em que é apelante/recorrido Gerson Schumacher, e apelado/recorrente Sol e Lazer Comércio de Importação e Exportação Ltda ME:
ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer e dar provimento ao recurso do réu, ficando prejudicada a apreciação do recurso adesivo da autora. Custas legais.
RELATÓRIO
1. A ação
Na comarca de Joinville, Sol e Lazer Comércio de Importação e Exportação Ltda. ME. ajuizou ação de cobrança contra Gerson Schumacher, objetivando o adimplemento da quantia de R$ 3.291,00 (três mil duzentos e noventa e um reais), atinente à troca de materiais e à instalação de refletores na piscina instalada pela autora na residência do réu.
Após a citação do demandado, realizou-se audiência de conciliação, a qual restou inexitosa (fl. 23).
Na oportunidade, o réu apresentou resposta escrita na forma de contestação (fls. 24/27). Alegou, em síntese, que, quando da aquisição e instalação da piscina, avençou a compra do revestimento marca "Vinil Sipatex", tendo a demandante empregado o "Vinil Sansuy" - cujo valor é mais caro - por sua conta e risco. Ressaltou, ademais, que não possui qualquer dívida com a autora, motivo por que pugnou a improcedência da demanda.
Impugnação às fls. 31/33.
Sobreveio, então, sentença.
1.a. A sentença
No ato compositivo da lide, o juiz Marcelo Carlin, em 7 de outubro de 2008, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgou procedente em parte o pedido, condenando o réu ao pagamento de R$ 2.291,00 (dois mil duzentos e noventa e um reais), acrescido de correção monetária a contar do ajuizamento da ação e juros de mora a partir da citação, bem como ao adimplemento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20% sobre o valor da condenação.
1.b. O recurso
Irresignado, apelou o réu.
Aduziu, em breve resumo, que: a) inexistem provas acerca da contratação verbal dos materiais de melhor qualidade; b) a despeito de ter afirmado em audiência que não pretendia produzir provas, a autora promoveu a juntada de novos documentos por ocasião da réplica, veiculando fatos novos; c) o art. 39, III e VI e o art. 40 do Código de Defesa do Consumidor veda a realização de serviços sem consulta prévia do consumidor, de modo que o emprego do material de melhor qualidade constituiu liberalidade da autora; d) a emissão de boleto bancário está condicionada à existência de ajuste escrito, motivo por que o documento de fl. 4 não possui qualquer validade.
Ao final, pugnou pelo provimento do reclamo.
Contrarrazões às fls. 64/65, oportunidade em que a autora interpôs recurso adesivo de fls. 59/61, pretendendo a majoração da condenação imposta pelo magistrado a quo, ao argumento de que, a despeito de ter reconhecido como devida a integralidade da dívida, o julgador condenou o réu ao pagamento de apenas parte dela.
Contrarrazões ao recurso adesivo às fls. 68/70.
Ascenderam os autos a esta Corte.
VOTO
2.1. A admissibilidade do recurso
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
2.2. Do recurso principal
a. Da incidência do Código de Defesa do Consumidor
Antes de mais nada, cumpre ressaltar que a relação contratual havida entre as partes deve ser examinada à luz do Código Consumerista, porquanto cada um dos envolvidos se enquadra nas classificações de consumidor e fornecedor, respectivamente:
Art. 2.º - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final.
Art. 3.º - Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1.º - Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
Para ADA PELLEGRINI GRINOVER et al., na obra intitulada Código Brasileiro de Defesa do Consumidor - Comentado pelos autores do Anteprojeto, 7a ed., Editora Forense Universitária, ano 2001, toda relação de consumo possui basicamente as seguintes características:
a) envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado, o adquirente de um produto ou serviço ("consumidor"), e, de outro, o fornecedor ou vendedor de um produto ou serviço ("produtor/fornecedor"); b) tal relação destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor; c) o consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços. (p. 28).
Delimitadas, então, as normas jurídicas aplicáveis ao caso, passa-se ao exame da matéria de fundo.
b. Da ausência de prova acerca da contratação verbal do material de melhor qualidade
Assevera o recorrente que ajustou com a recorrida a aquisição e instalação de uma piscina com revestimento de "Vinil Sipatex", pelo preço de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais).
Ocorre que, segundo seu entendimento, a apelada empregou o revestimento "Vinil Sansuy", de qualidade superior e, evidentemente, mais caro do que aquele contratado, além de instalar, sponte propria, oito refletores dicroica.
De um lado, afirma a empresa recorrida que o acréscimo se deu por contratação verbal, motivo por que a cobrança da diferença se mostra absolutamente devida. De outro, alega o recorrente não houve pactuação verbal e, ainda, que o material foi instalado sem a sua autorização.
Consoante se infere do orçamento n. 0348 (fl. 35), as tratativas havidas entre as partes ora litigantes se iniciou em 18 de outubro de 2003.
No primeiro orçamento, o produto da aquisição totalizava o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e incluía: a) kit "Vinil Sipatex 6 x 12 x 2"; b) filtros "nantilus f.650 com bomba 2cv"; c) mão de obra; d) escada de três degraus; e) kit de aspiração; e f) material de alvenaria.
Já no segundo pedido, o de número 0349 (fl. 34), firmado também no dia 18 de outubro de 2003, os itens eram os seguintes: a) piscina "10x5x200 vinil sipatex com desenho"; b) filtro "nantilus f.750"; c) mão de obra; d) escada três degraus; e) kit aspiração; e f) material de alvenaria, cujo valor total era de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais).
Mais adiante, na parte final do orçamento 0349, está consignado claramente: "este pedido anula o de nº 0348" (fl. 34).
Assim, diante das evidências ora narradas, conclui-se que a relação contratual entabulada pelas partes norteia-se pelo segundo orçamento, o qual foi devidamente assinado por ambas.
O documento de fl. 34 também faz constar a forma de pagamento do montante: R$ 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos reais) a serem pagos no ato e quatro parcelas de R$ 3.150,00 (três mil cento e cinquenta reais), com vencimento, respectivamente, em 23/11/2003, 23/12/2003, 23/01/2004 e 23/02/2004.
Em 21 de março de 2004 - e, portanto, quando já adimplida a soma devida, consoante recibos de fl. 30 - a recorrida emitiu duas notas fiscais. A primeira delas, no valor de R$ 17.000,00 (dezessete mil reais) e a segunda, por sua vez, no importe de R$ 3.291,00 (três duzentos e noventa e um reais).
Esta última discrimina os produtos da seguinte forma: a) "diferença vinil" (R$ 2.078,00); e b) refletores dicroica (R$ 1.296,00). Aqui reside, enfim, a discórdia dos litigantes.
A despeito de a nota fiscal (fl. 37) noticiar o acréscimo do revestimento "vinil" (sem, contudo, declinar se é ou não "Vinil Sansuy") e da iluminação interna da piscina, observa-se que não há qualquer assinatura do consumidor aposta no documento.
Com efeito, o que consubstanciaria o início de prova no sentido de que a adição do material de melhor qualidade e dos refletores tiveram o aval do recorrente não encontra eco nos demais elementos carreados aos autos.
À exceção do documento fiscal - diga-se, elaborado de forma unilateral pela apelada - não existe um elemento de prova sequer que aponte no sentido da versão apresentada pela recorrida. Eventualmente, esta poderia ter arrolado testemunhas a fim de amparar a sua narrativa, mas, contudo, optou por não produzir prova oral (termo de audiência de fl. 23).
Por certo, o ônus de comprovar a ocorrência do ajuste verbal incumbia à autora, já que tal circunstância constitui fato constitutivo de seu direito, a teor do art. 330, I, do Código de Processo Civil.
Ademais, ao contrário do que afirma a sentença impugnada, o simples fato de o consumidor reconhecer, na peça contestatória, o emprego de produtos diversos daqueles originariamente contratados não rende ensejo à conclusão de que o acerto verbal se consumou.
A construção lógica empreendida na contestação é clara em demonstrar a surpresa do recorrente ao ser citado para compor o pólo passivo da demanda, já que teria pago a integralidade da dívida. Veja-se:
Ocorre que, após instalada e em pleno uso, o requerente fabricou unilateralmente o presente boleto bancário acostado aos autos e enviou ao requerido alegando que o valor cobrado neste boleto seria pela diferença do preço do Vinil Sipatex para o Vinil Sansuy, mesmo sabendo que o pedido feito era do Vinil Sipatex (conforme o contrato supra citado) e que o vinil entregue fora outro diverso do contratado.
Entretanto, restou surpreso o requerido quando recebeu o boleto bancário ora apresentado nestes autos, bem como quando recebeu a citação para o comparecimento em audiência referente à presente ação de cobrança, uma vez que já havia pago a dívida aqui pleiteada [...] (fl. 25).
Assim, diferentemente do que consigna a decisão objurgada, não se tem como incontroversa a pactuação verbal à que alude a recorrida.
Não bastasse, importa ressaltar que se está diante de relação de consumo, circunstância que compele o fornecedor, em atenção ao que prelecionam os arts. 39, VI e 40 do Código de Defesa do Consumidor, a formular orçamento por escrito. Veja-se:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8884.htm - art39
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;
Art. 40. O fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços.
[...]
§ 2° Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes.
§ 3° O consumidor não responde por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio (Grifou-se).
Sobre o tema, lecionam ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN, CLAUDIA LIMA MARQUES e LEONARDO BESSA:
Nenhum serviço pode ser fornecido sem um orçamento prévio, e tal já havia sido previsto no art. 39, VI. E não cabe o mero 'acerto verbal', de vez que o dispositivo fala em 'entrega' do orçamento ao consumidor.
O orçamento deve conter, necessariamente, informações sobre: a) o preço da mão-de-obra; b) as condições de pagamento; c) data de início e término do serviço. (in: Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 222).
Desse modo, seja porque não comprovado o ajuste verbal entabulado entre as partes, seja porque, à revelia do dispõem os arts. 39, VI e 40 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor não elaborou orçamento por escrito, nem tampouco provou a autorização expressa do consumidor para a troca dos materiais, o recurso merece ser provido, a fim de que seja reformada in totum a sentença objurgada.
c. Do ônus da sucumbência
Nos termos do art. 20, caput, do Código de Processo Civil, diante da reforma integral do provimento jurisdicional atacado, reverte-se o ônus da sucumbência, condenando-se a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios.
A verba honorária, consoante as balizas do art. 20, § 4º, do Estatuto Processual Civil, há de ser fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), já que inexiste condenação a amparar a estipulação em percentual. Ademais, levando-se em conta o lugar da prestação do serviço e, ainda, que demanda não revela maior complexidade, reputa-se adequado o quantum mencionado.
2.3. Do recurso adesivo
Em seu reclamo subordinado, a autora pugna pela majoração da condenação imposta pelo magistrado a quo, ao argumento de que, a despeito de ter reconhecido como devida a integralidade da dívida, o julgador condenou o réu ao pagamento de apenas parte dela.
Ora, observa-se que a pretensão recursal aqui veiculada está intrinsecamente ligada àquela deduzida pelo réu nas razões do apelo.
Com efeito, considerando que o presente acórdão proveu integralmente o reclamo do réu, pois vislumbrou a ausência de prova acerca da contratação verbal afirmada pela autora, resta claro que a análise do recurso adesivo fica prejudicada, na medida em que a comprovação do ajuste verbal constitui antecedente lógico da majoração da verba a que o réu havia sido condenado a pagar.
Ante o exposto, o apelo do réu merece ser conhecido e provido, ficando prejudicada a apreciação do recurso adesivo da autora.
É o voto.
DECISÃO
Ante o exposto, por unanimidade, a Câmara decide conhecer e dar provimento ao recurso do réu, ficando prejudicada a apreciação do recurso adesivo da autora, nos termos supra.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Fernando Carioni, com voto, dele participando o Exmo. Sr. Des. Marcus Tulio Sartorato.
Florianópolis, 13 de julho de 2010.
Henry Petry Junior
Relator
JURID - Ação condenatória. Contrato de compra e venda. Piscina. [22/07/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário