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quinta-feira, 29 de julho de 2010

JURID - Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Ônus da prova. [29/07/10] - Jurisprudência


Penal e processual penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Autoria não comprovada. Ônus da prova.

Tribunal Regional Federal - TRF4ªR

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2009.70.06.001605-4/PR

RELATOR: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

APELANTE: ELTON LUCIANO CAVALHEIRO reu preso

ADVOGADO: Defensoria Pública da União

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. AUTORIA NÃO COMPROVADA. ÔNUS DA PROVA. ACUSAÇÃO. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA NÃO CULPABILIDADE E DO IN DUBIO PRO REO. ABSOLVIÇÃO. ARTIGO 386, INCISO V. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO. CORRUPÇÃO DE MENORES. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ARTIGO 244-B DA LEI 8.069/1990. CONCURSO DE CRIMES. REGIME DE CUMPRIMENTO.

1. Autoria pelo artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 não comprovada, haja vista a insuficiência de provas.

2. Incumbe ao acusado trazer aos autos prova dos fatos em que se funda sua defesa, a teor do disposto no artigo 156, caput, do Código de Processo Penal. Tal dever, no entanto, não afasta o ônus da acusação de produzir arcabouço probatório suficiente à condenação do réu, não se admitindo em sede de processo penal, mesmo na hipótese de flagrância, a inversão do ônus da prova, uma vez que a norma insculpida no referido dispositivo não tem o poder de mitigar a eficácia dos princípios fundamentais da não culpabilidade e do in dubio pro reo.

3. Comprovadas materialidade e autoria pelo artigo 18 da Lei 10.826/2003, mediante laudos de exame das munições, prisão em flagrante e confissão em juízo.

4. Comprovadas materialidade e autoria do delito de corrupção de menores, em virtude da confissão do réu.

5. O artigo 1º da Lei 2.252/1954 foi revogado pela Lei 12.015/2009, que incluiu no Estatuto da Criança e do Adolescente o artigo 244-B.

6. Tendo em vista a nova disposição legal mais benéfica ao acusado, porquanto exclui a pena de multa mantendo os patamares mínimo e máximo da pena corporal, correta a desclassificação da conduta imputada para aquela prevista no artigo 244-B da Lei 8.069/1990.

7. Comprovado nos autos que o réu, em pluralidade de ações e desígnios, praticou dois crimes, está caracterizado o concurso material.

8. Haja vista a absolvição quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal, deve ser fixado o regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena corporal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de julho de 2010.

Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Relator

RELATÓRIO

Trata-se de denúncia, inicialmente interposta pelo Ministério Público do Estado do Paraná, junto ao Juízo da Vara Criminal de Laranjeiras do Sul/PR, o qual declinou de sua competência (fls. 84/85 do Processo Criminal nº 2009.0000239-8), remetendo a ação à Justiça Federal.

Recebido o processo pelo Juízo Federal, este abriu vista ao Ministério Público Federal, que aviou nova denúncia em desfavor de ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, dando-o como incurso, em tese, nas sanções do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, do artigo 18 da Lei 10.826/2003, na forma do artigo 69 do Código Penal, e do artigo 1º da Lei 2.252/1954, na forma do artigo 70 do Estatuto Repressor.

Os fatos foram assim narrados na exordial:

"FATO 01

No dia 21 de março de 2009, por volta das 14h30min., na base da Polícia Rodoviária Federal, situada na Rodovia Federal BR 277, no município de Laranjeiras do Sul/PR, Policiais Rodoviários Federais, durante fiscalização de rotina, flagraram o denunciado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO transportando, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 1,180kg (um quilo e cento e oitenta gramas) da substância entorpecente popularmente conhecida como 'maconha', acondicionada em uma mochila, no interior do veículo VW/GOL, placas AOV - 0780, conduzido pelo ora denunciado.

Tendo em vista o teor dos depoimentos prestados em sede policial verifica-se que o denunciado não só transportou, mas também importou a droga apreendida. (...)

FATO 02

Nas mesmas condições de tempo e lugar, em local adredemente preparado (interior do pneu de emergência), o denunciado ocultou e transportou 01 (uma) pistola calibre .380, semi-automática, marca Bersa, número de série 954062, com carregador e trava de gatilho, bem como 150 (cento e cinquenta) cartuchos calibre .380, intactos, em regular estado de conservação, conforme comprovam o Auto de Eficiência e Prestabilidade (fl. 32) e o Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 16).

Na mesma linha do descrito no Fato 01, é pertinente crer que o denunciado não só ocultou/transportou, mas também importou/favoreceu a entrada da arma de fogo e das munições no país (...).

FATO 03

Verifica-se o envolvimento de dois adolescentes nos fatos ilícitos acima descritos (...), assim, ciente da idade dos acompanhantes, o denunciado facilitou a corrupção de menores de dezoito anos."

O acusado apresentou defesa prévia (fls. 32/35).

A peça incoativa foi recebida em 14-8-2009 (fls. 59/60).

Em suas alegações finais (fls. 105/109), o órgão acusador pleiteou a condenação do réu pela prática do crime de tráfico internacional de armas de fogo e a absolvição pelos crimes de tráfico ilícito de drogas e corrupção de menores.

Sobreveio sentença (fls. 147/162-verso), publicada em 09-10-2009, julgando procedente a pretensão punitiva, para condenar ELTON LUCIANO CAVALHEIRO nas sanções que seguem: a) pelo crime previsto no artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, com pena definitiva igual a 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e multa de 233 (duzentos e trinta e três) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo; b) pelo artigo 18 da Lei 10.826/2003, com pena corporal de 4 (quatro) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, na mesma fração referida; c) pelo delito de corrupção de menores, desclassificada a conduta para aquela prevista no artigo 244-B da Lei 8.069/1990, no total de 1 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Reconhecido o concurso material entre os delitos, a pena final cominada foi de 7 (sete) anos, 9 (nove) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, a serem cumpridos inicialmente em regime fechado, e 233 (duzentos e trinta e três) dias-multa, sendo determinada, ainda, a inabilitação do réu para dirigir veículos automotores, bem como o perdimento dos bens apreendidos.

Irresignado com a decisão, apela o acusado, sustentando em suas razões (fls. 172/190) em síntese: a) não estar comprovada a autoria do acusado quanto ao crime de tráfico de entorpecentes; b) atipicidade da corrupção de menores, uma vez que um dos adolescentes estaria previamente corrompido, bem como que não houve participação dos mesmos na consumação do crime de tráfico internacional de arma de fogo, não bastando para configurar a corrupção que os menores tivessem ciência do delito praticado pelo autor. Requereu a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, no caso de absolvição pelos crimes de tráfico de drogas e corrupção de menores.

Com contrarrazões (fls. 193/201).

O órgão ministerial, nesta instância, opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 205/207).

É o relatório.

À revisão.

Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Relator

VOTO

1. Do artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006

1.1. Materialidade

A materialidade do crime encontra-se comprovada, através do Auto de Exibição e Apreensão (fl. 21), Boletim de Ocorrências Policiais nº 78180 (fls. 22/25), Auto de Constatação Provisório de Substância Tóxica (fl. 33) e Laudo Pericial (fl. 73), todos constantes nos autos do Processo Criminal nº 2009.0000239-8, em apenso, sendo que o último atesta resultado positivo dos testes para Cannabis sativa Linneu e seu principal componente, o tetrahidrocanabinol, substância de uso proscrito no país.

1.2. Autoria

Com relação à autoria do crime de tráfico ilícito de drogas, entendeu o Juízo a quo que esta estaria suficientemente comprovada, com fulcro nos seguintes fundamentos:

"(...) Embora não tenha havido confissão extrajudicial ou judicial do réu ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, deve ser levado em conta o contexto a partir do qual a droga ingressou no território nacional.

Não há qualquer justificativa para que o denunciado tenha convidado o menor ADRIANO DE MELO e permitido a companhia de DYAKSON CALIS PALMAS na viagem até o Paraguai, a não ser como forma de não ser responsabilizado pelo crime de tráfico de drogas.

Veja-se que, apesar de o menor DYAKSON CALIS PALMAS ter afirmado ser o proprietário da droga, nenhum valor em dinheiro foi encontrado em poder deste menor, conforme afirmou a testemunha Lucas Premebida (f. 97-98):

(...) que a testemunha encontrou somente cerca de R$ 531,00 (fl. 25 do IPL) na posse do réu; (...) que não foi encontrado dinheiro algum com os adolescentes durante a revista mas somente os R$ 531,00 com o réu Elton (...)

É evidente que a droga foi adquirida pelo réu ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, porém acondicionada na mochila do menor DYAKSON CALIS PALMAS, inimputável, a fim de que o denunciado não fosse responsabilizado pela prática deste crime.

Outrossim, as declarações do menor DYAKSON CALIS PALMAS não são passíveis de credibilidade, uma vez que afirmou ser o proprietário da arma apreendida no estepe do veículo, tanto aos policiais como à autoridade judicial. No entanto, o denunciado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO acabou por confessar a prática deste delito, o que demonstra a colidência de versões apresentadas, hábil a afastar a veracidade das afirmações do adolescente.

Esclareço que, ainda que o denunciado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO não tivesse plena ciência do transporte da droga, permitiu que o adolescente DYAKSON CALIS PALMAS, o qual pouco conhecia, viajasse em seu veículo, ficasse sozinho no Paraguai, transportasse uma mochila, cujo conteúdo era desconhecido do denunciado, o que revela ao menos o dolo eventual da conduta.

Não é crível que o denunciado não tenha percebido o odor do entorpecente contido na mochila, ou mesmo que houve alteração no volume da mochila enquanto o réu ELTON LUCIANO CAVALHEIRO e o menor ADRIANO DE MELO estiveram, supostamente, ausentes.

Neste contexto, concluo com serenidade que ELTON LUCIANO CAVALHEIRO praticou conduta típica e dolosa (dolo direto ou eventual), não havendo erro de tipo em seu agir.

A situação de flagrância cria presunção da ocorrência do delito, invertendo, em desfavor do acusado, o ônus da prova. Desse modo, caberia ao denunciado produzir robusta prova da inocorrência do delito ou de sua autoria, ônus do qual não se desincumbiu.

Por isso, os elementos colhidos durante a instrução probatória indicam que o denunciado praticou a conduta descrita na inicial acusatória, ou seja, que efetivamente transportou a droga no veículo que conduzia, ciente da ilicitude de sua conduta. (...)"

Merece provimento o apelo do réu no ponto.

Em que pese os indícios tenham o mesmo valor das provas diretas, inexistindo hierarquia entre as espécies probatórias, uma vez que vigente em nosso sistema o princípio do livre convencimento do julgador (artigo 155 do CPP), mister se faz que as provas indiciárias guardem conformidade com os demais elementos probatórios carreados ao feito para que, então, assumam a certeza imprescindível ao juízo condenatório.

Com efeito, é possível obter-se a segurança necessária à condenação através de indícios graves, desde que estes sejam concludentes e tenham o condão de excluir as hipóteses favoráveis ao réu.

Neste escopo, tenho que não basta para a configuração do tráfico simplesmente encontrar a droga na posse do agente ou, como na hipótese, em veículo no qual trafegava, sendo imprescindível ao juízo condenatório a comprovação de participação dolosa, sob risco de incidência de responsabilidade penal objetiva, o que não se admite.

Saliente-se que, por certo, incumbe ao acusado, a teor do disposto no artigo 156, caput, do Código de Processo Penal, trazer aos autos prova dos fatos em que se funda sua defesa, não havendo de prosperar a técnica genérica de negativa de autoria quando dissociada de elementos que a amparem. Tal dever, no entanto, não afasta o ônus da acusação de produzir arcabouço probatório suficiente à condenação do réu, não se admitindo em sede de processo penal, mesmo na hipótese de flagrância, a inversão do ônus da prova, uma vez que a norma insculpida no referido dispositivo não tem o poder de mitigar a eficácia do princípio constitucional da não culpabilidade.

No caso dos autos, o réu sustentou a mesma versão tanto no interrogatório policial quanto na audiência judicial (fls. 101/102), aduzindo não ter conhecimento de que um dos menores que o acompanhavam (Dyakson Calis Palmas) trazia entorpecentes em sua bagagem.

Sob o crivo do contraditório, assim declarou:

"(...) que Dyakson assumiu ser o proprietário da maconha; que não sabe dizer quem pôs a droga na mochila; que confirma não saber que havia droga sendo transportada no veículo; que convidou o adolescente Adriano de Melo para viajar ao Paraguai; que, ao saber da iminente viagem, o adolescente Dyakson Calis Palmas pediu ao interrogado para acompanhá-los; que ao interrogado o menor Dyakson não informou de quem havia adquirido a droga, tampouco para quem entregaria, mas se recorda de que Dyakson declarou à PRF que a maconha seria destinada ao uso próprio; que, pelo que sabe, nenhum dos menores ou o interrogado são usuários de drogas; (...) Que a mochila onde estava acondicionada a maconha era de propriedade do menor Dyakson; que não tinha conhecimento do vício de fumar maconha de Dyakson pois conhecia-o apenas quando realizou a entrega de gás em sua residência; que não tinha conhecimento que Dyakson iria fazer no Paraguai; que Dyakson perguntou se poderia acompanhá-lo até o Paraguai; (...)"

A versão apresentada pelo réu foi corroborada pelas testemunhas de acusação, as quais confirmaram que o entorpecente foi localizado no interior de uma mochila, que pertenceria ao referido menor.

Em seu depoimento na fase judicial (fls. 97/98), o Policial Rodoviário Federal Lucas Premebida assim afirmou:

"(...) que no porta-malas também foi encontrada uma mochila com dois tabletes de maconha que acredita ser de Dyakson uma vez que nessa mochila continha roupas pertencentes a Dyakson; (...) que acredita que a droga encontrada na mochila era pertencente ao menor Dyakson por este ter afirmado que tal mochila era de sua propriedade; que foi dito por Dyakson que a droga era de sua propriedade (...)"

No mesmo sentido, o agente Adelino dos Santos, em audiência realizada junto ao Juízo Criminal da Comarca de Laranjeiras do Sul (mídia da fl. 78 do processo criminal em apenso), cujo inteiro teor foi confirmado perante o Juízo Federal (fl. 99), afirmou que:

"(...) na revista mais minuciosa, numa mochila, foi encontrado dois pacotes contendo maconha, e o 'de menor' que assumiu toda essa mercadoria aí, ele assumiu arma, munição e a droga era dele; (...) ele (ELTON) falou que não sabia que o rapaz tinha comprado essas mercadorias lá; que eles não estavam juntos no momento que ele (Dyakson) fez essa compra; os três ficaram bem nervosos, todos eles (...); principalmente o ELTON ficou apavorado, ele falou: 'eu não sabia que ele tinha isso aí, não era do meu conhecimento, eu jamais imaginei que ele ia comprar isso aí', então a gente notou que o ELTON na verdade não sabia do que estava acontecendo, ele foi pego de surpresa na verdade; (...) a arma e a munição estavam dentro do pneu e os dois pacotes de maconha estavam dentro de uma mochila com roupa usada; esse Dyakson que assumiu que era dele; (...) ele (ELTON) falou que não sabia que ele (Dyakson) tinha comprado isso; (...) realmente estava surpreso".

Note-se que, se fosse a intenção do acusado eximir-se de responsabilidade penal imputando a autoria dos delitos aos menores que com ele fizeram a viagem, não haveria motivos para que não ocultasse também a arma e munições na bagagem dos mesmos. Aliás, é de se destacar o fato de um dos menores (Adriano) sequer possuir mochila na qual pudesse acondicionar as mercadorias das quais, supostamente, deveria assumir responsabilidade.

Quanto à tese de que não haveria justificativa para que o denunciado levasse consigo os menores, a não ser o fito de evitar a imputação penal pelo tráfico, trata-se de interpretação contrária àquela que nos permitem os princípios fundamentais da não culpabilidade e do in dubio pro reo, uma vez que diversos são os motivos que podem ter levado o acusado a fazer tal convite, inclusive o simples desejo de companhia para fazer uma longa viagem (mais de 660Km), não havendo provas contundentes do motivo incriminador.

O mesmo raciocínio se aplica ao fato de Dyakson não contar com qualquer quantia em dinheiro quando da abordagem policial, já que este pode, de fato, ter usado suas posses para a compra do entorpecente, uma vez que usuário assumido de maconha.

Ressalte-se, ainda, que o dolo exigido pelo tipo se caracteriza pela vontade livre e consciente de transportar substância que sabe ser entorpecente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, não havendo se falar em dolo eventual por ter o acusado permitido que o adolescente viajasse em seu veículo sem que tivesse ciência do conteúdo da mochila do mesmo. Tampouco podemos afirmar que o réu teria a obrigação de perceber o odor do entorpecente, não existindo nos autos quaisquer elementos que indiquem que este estava evidente e de fácil percepção. A condenação com base em quaisquer destes fundamentos consubstanciaria responsabilidade penal objetiva, o que, repito, não se admite.

Destarte, ao contrário do entendimento manifestado na sentença, o contexto fático e os elementos probatórios não permitem a certeza da autoria do tráfico de drogas por parte do réu.

Saliente-se que não se está a ignorar os indícios contrários ao réu, porém, entendo que estes não são conclusivos, deixando margem à dúvida quanto à sua participação intencional no crime. Esta, inclusive, foi a conclusão do órgão ministerial atuante no primeiro grau, que, em sede de alegações finais, requerendo a absolvição de ELTON no que tange à prática do delito em questão, asseverou, in verbis:

"Não obstante cause espécie os termos da viagem, principalmente a explicação referente à presença do adolescente DYAKSON e forma com que deu a situação da viagem, não existem outros indícios ou elementos de prova capazes de formar um juízo condenatório.

Veja-se que se houvesse união de desígnios entre o réu e o adolescente não haveria motivos para esconder a arma e munições no interior do pneu estepe e deixar a droga dentro de uma mochila, com fácil acesso.

Ao que tudo indica, o adolescente tinha conhecimento da arma de fogo e das munições, até porque assumiu imediatamente a propriedade, antes mesmo da abertura do pneu, todavia, não é possível extrair que o acusado sabia da presença de drogas na mochila de DYAKSON.

Dessa maneira, em razão da ausência de prova plena para a condenação do réu pelo tráfico de drogas, manifesta-se o Parquet por sua absolvição."

Portanto, reformo a decisão atacada, para absolver o réu ELTON LUCIANO CAVALHEIRO das sanções do artigo 33, caput, c/c artigo 40, inciso I, ambos da Lei 11.343/2006, com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.

2. Do artigo 18 da Lei 10.826/2003

Quanto ao crime em questão, cuja prática o autor confessou em seu depoimento judicial (fls. 101/102), a tipicidade, a autoria e a materialidade foram bem analisadas pelo julgador singular, que fixou para este delito pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, sob os seguintes fundamentos:

"Com fundamento no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e nos arts. 59 e 68 do Código Penal, passo à individualização da pena do acusado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, levando em conta que as penas previstas para a infração capitulada no artigo 18 da Lei nº 10.826/03, são de reclusão, de 04 (quatro) a 08 (oito) anos, e multa.

De início, procedo à fixação da pena-base, mediante a consideração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal:

- culpabilidade: ressalto que, nessa circunstância, a reprovabilidade a ser considerada é aquela que transborda a normalidade do tipo criminoso, o que no presente caso não se verifica, não devendo ser valorada negativamente a culpabilidade do agente;

- antecedentes: não possui antecedentes;

- conduta social: não há nos autos elementos que demonstrem que a conduta social do denunciado desvirtua-se dos ditames legais;

- personalidade: não há elementos nos autos que permitam aferir a personalidade do réu;

- motivos: o sentenciado afirmou ter adquirido a arma e as munições para segurança própria, porém tal justificativa não pode ser aceita, tendo em vista a grande quantidade de munições, que exorbitam a mera necessidade de segurança. De qualquer forma, a quantidade de munições será apreciada na próxima circunstância do art. 59 CP;

- circunstâncias: o fato de o calibre da arma e das munições ser reduzido (calibre .380) é circunstância elementar do tipo penal (art. 18 da Lei nº 10.826/03). Porém, deve ser valorada negativamente a grande quantidade de munição estrangeira apreendida em posse do réu (150 unidades);

- consequências: não foram graves, uma vez que a arma e as munições foram apreendidas.

- comportamento da vítima: prejudicado em razão da natureza do crime.

Nesses termos, tendo em vista a existência de uma circunstância judicial desfavorável ao acusado, fixo a pena-base privativa de liberdade em 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de reclusão, e multa.

Na segunda fase de fixação da pena, reconheço a presença da circunstância atenuante da alínea 'd' do artigo 65, III do CP, diante da confissão espontânea da autoria do delito pelo denunciado em Juízo. Inexistem circunstâncias agravantes (art. 61, CP). Portanto, atento ao teor da Súmula nº 231 do STJ, fixo a pena provisória em 04 (quatro) anos de reclusão, e multa.

Na terceira e derradeira fase de aplicação da pena, não verifico a presença de causas de aumento ou de diminuição. Portanto, fixo a pena, definitivamente, em 04 (quatro) anos de reclusão, e multa.

Diante do disposto no art. 49 do Código Penal e atento às circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena de multa em 10 (dez) dias-multa.

Haja vista a situação econômica do réu, que afirmou estar desempregado (f. 101), atribuo a cada dia-multa o valor de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo nacional vigente à época do fato, valor este que deverá ser corrigido monetariamente pelos índices oficiais quando da execução, desde a data do fato, observando-se os critérios de atualização estabelecidos pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, elaborado pelo Conselho da Justiça Federal (www.jf.jus.br)."

Estando correta a dosimetria e não havendo recursos no ponto, mantenho a pena fixada em sentença.

3. Do artigo 244-B da Lei 8.069/1990

Também quanto a este delito as questões da tipicidade, materialidade e autoria foram corretamente solvidas pelo julgador monocrático, sendo adotada sua fundamentação como razão de decidir:

"2.2.1 Tipicidade Objetiva

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL imputou ao denunciado a prática do crime previsto no art. 1º da Lei nº 2.254/54 (corrupção de menores), que consiste em corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la.

A Lei nº 12.015/2009 revogou a Lei nº 2.254/54 e acrescentou ao Estatuto da Criança e do Adolescente o art. 244-B, que tipifica penalmente a mesma conduta ora prevista no art. 1º da Lei nº 2.254/54:

'Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.'

Como o art. 244-B da Lei nº 8.069/90 deixou de prever a pena de multa, ora prevista no art. 1º da Lei nº 2.254/54, verifica-se a superveniência de lei penal mais benéfica, que deve ser aplicada ao caso concreto, nos termos do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal:

'Art. 2º (...) Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.'

É indispensável, para a caracterização do delito de corrupção de menores que adultos se utilizem de criança ou adolescente para a prática de delitos ou que, de qualquer forma, o induzam ou estimulem a que pratiquem atos incriminados pela legislação penal de regência, sozinhos ou acompanhados de um adulto.

Trata-se de crime que tem por fim proteger a integridade moral da criança e do adolescente.

O Ministério Público Federal e a defesa pugnaram pela absolvição do denunciado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, alegando que não basta, para a configuração do crime de corrupção de menores, que a criança ou adolescente esteja presente no momento da prática do ilícito penal, mas deve ser comprovada sua efetiva corrupção.

Não descuido da existência de precedentes neste sentido, inclusive da Sexta Turma do STJ (RESP 818893; Relator(a) Paulo Medina; Órgão julgador: Sexta Turma). No entanto, o STF, a própria Sexta Turma do STJ e, de modo tranquilo, a Quinta Turma do STJ têm reiteradamente afirmado que o delito de corrupção de menores é crime formal, e independe da efetiva corrupção da vítima. A esse respeito os seguintes julgados:

'Habeas corpus. Penal. Paciente condenado pelos crimes de roubo (art. 157 do Código Penal) e corrupção de menor (art. 1º da Lei nº 2.252/54). Menoridade assentada nas instâncias ordinárias. Crime formal. Simples participação do menor. Configuração. 1. As instâncias ordinárias assentaram a participação de um menor no roubo praticado pelo paciente. Portanto, não cabe a esta Suprema Corte discutir sobre a menoridade já afirmada. 2. Para a configuração do crime de corrupção de menor, previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/54, é desnecessária a comprovação da efetiva corrupção da vítima por se tratar de crime formal que tem como objeto jurídico a ser protegido a moralidade dos menores. 3. Habeas corpus denegado.'

(STF; HC 92014; Relator para o acórdão o Ministro Menezes Direito; 1ª Turma, Decisão: 02.09.2008)

'PENAL. HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO DE MENORES. CRIME FORMAL. PRÉVIA CORRUPÇÃO DO ADOLESCENTE. IRRELEVÂNCIA À TIPIFICAÇÃO. CRIAÇÃO DE NOVO RISCO AO BEM JURÍDICO TUTELADO. INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA E TELEOLÓGICA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA. TIPICIDADE DA CONDUTA RECONHECIDA. ORDEM DENEGADA. 1. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento (REsp 1.031.617/DF, de minha relatoria, DJ de 4/8/08), ratificou o entendimento de que o crime tipificado no art. 1º da Lei 2.252/54 é formal, ou seja, a sua caracterização independe de prova da efetiva e posterior corrupção do menor, sendo suficiente a comprovação da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 anos. 2. Além disso, na mesma ocasião, o Colegiado manifestou o entendimento de que a citada norma penal incriminadora objetiva impedir tanto o ingresso como a permanência do menor no universo criminoso, sendo, portanto, irrelevante à tipificação do delito a participação anterior da criança ou do adolescente em ato infracional, porquanto do comportamento do maior de 18 anos advém a criação de novo risco ao bem jurídico tutelado. 3. Ordem denegada.'

(STJ; HC 113341; Relator(a) ARNALDO ESTEVES LIMA; Órgão julgador QUINTA TURMA; DJE 01/12/2008)

'PENAL. CORRUÇÃO DE MENORES. - O delito previsto no art. 1º da Lei 2252/54 prescinde de prova da efetiva corrupção do menor. - Recurso especial que recebeu provimento.'

(STJ; RESP 422379; Relator(a) FONTES DE ALENCAR; Órgão julgador SEXTA TURMA; DJ 02/02/2004, PG:00373)

'PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. ART. 1º DA LEI Nº 2.252/54. CARACTERIZAÇÃO. 1 - Segundo precedentes deste STJ o delito previsto no art. 1º da Lei nº 2.252/54, por ser formal, prescinde da efetiva prova da corrupção do menor (adolescente), sendo suficiente apenas a sua participação em empreitada criminosa junto com um sujeito penalmente imputável (maior de 18 anos). 2 - A legislação visa, em última ratio, a degradação da personalidade do menor, com repetidos aliciamentos para o crime, sendo, pois, irrelevante a constatação de ter sido, em data anterior, autor de ato infracional. 3 - Recurso conhecido e provido.'

(STJ; RESP 445633; Relator(a) FERNANDO GONÇALVES; Órgão julgador SEXTA TURMA; DJ 04/08/2003, PG:00462; Decisão por unanimidade)

Em razão deste entendimento, não pode ser considerada atípica a conduta perpetrada pelo réu, sobretudo porque há notícias de que os adolescentes DYAKSON CALIS PALMAS e ADRIANO DE MELO responderam à ação sócio-educativa de nº 19/2009 na Comarca de Laranjeiras do Sul/PR (f. 37-39).

No dizer do julgamento proferido pelo STJ (RESP 1043849), da Relatoria do Ministro FELIX FISCHER, exigências adicionais para a tipificação são extra-legais e até esbarram no velho brocado commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat ('Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés da que os reduz à inutilidade') -DJE 29/09/2008.

Outrossim, o fato de o menor DYAKSON CALIS PALMAS já estar supostamente corrompido, como quer fazer crer a defesa (f. 128) não afasta a tipificação penal, porque o crime se consuma igualmente quando há estímulo, retorno, facilitação da corrupção, dando ao menor oportunidade para ter contato com o ambiente criminoso. Nesse sentido:

'RESP - PENAL - LEI Nº 2.252/54 - CONCURSO FORMAL - A Lei nº 2.252/54 visa a preservar o menor, punindo quem o iniciar na prática delituosa, ou seja, buscando sua colaboração material para a prática do crime. Todo crime é crime de resultado. Não basta a conduta. Imprescindível ocasionar impacto no objeto jurídico, trazendo dano, ou perigo de dano. Fora desse limite, o comportamento se faz atípico. Não há resultado presumido. Existe, ou não existe! Relativamente à conduta descrita na Lei nº 2.252/54, é 'corromper ou facilitar a corrupção'. Tem-se, pois, pluralidade alternativa de eventos típicos. O primeiro significa afetar o caráter do menor, de modo a ajustá-lo ao terreno do ilícito penal; o segundo é ensejar oportunidade para que isso aconteça. O agente que atrai menor para auxiliá-lo na prática do roubo, crime contra o patrimônio, facilita, estimulando, encorajando, o jovem na senda criminosa. Ainda que o fato seja isolado, não haja repetição. Facilitar, aqui, é dar oportunidade para ingressar na senda negra da criminalidade. Evidente, se houver retorno também, estará configurada a corrupção. A distinção, entretanto, não invoca o velho crime formal. Na hipótese, há resultado, qual seja, a probabilidade da corrupção. Lógico, a extensão do evento pode ser maior, compreendendo também a atração, o estímulo e o fornecimento de meios para a execução mostrar-se eficaz. O delinqüente não ganha carta de crédito aberta para atrair menores porque, antes, o adolescente incursionara no caminho do crime. Acentuar, concretizar, consolidar a corrupção, corrupção é. A teleologia da lei busca impedir a atração de jovens (não se esgota em uma só vez) para a criminalidade. A corrupção vai se consolidando a medida em que alguém busca a colaboração do menor para a prática do ilícito penal. Não há limites estanques. Enseja graduação. A repetição da conduta delituosa vai, a pouco e pouco, corroendo a personalidade. O tipo penal se faz presente, assim, também quando o jovem é atraído, mais uma vez, para o campo da delinqüência. Não há perfeita igualdade com o crime do mencionado art. 218 do Código Penal, onde vozes há que excluem a criminalidade se a vítima estiver integrada na prática da vida sexual. Importante: o objeto jurídico é outro. Na lei nº 2.252/54 busca-se impedir o estímulo de ingresso, ou permanência na criminalidade.'

(STJ; RESP 182471; Relator(a) LUIZ VICENTE CERNICCHIARO; Órgão julgador SEXTA TURMA; DJ 21/06/1999, PG:00207)

Por essas razões, é típica a conduta praticada.

2.2.2. Materialidade

A materialidade encontra-se devidamente comprovada por intermédio dos seguintes documentos:

a) Auto de Prisão em Flagrante (f. 08-17 do IPL apenso);

b) Boletim de Ocorrências Policiais n° 78180 (f. 22-26 do IPL);

d) Termo de encaminhamento de adolescentes infratores das f. 27-29 do IPL;

e) Termos de entrega de adolescentes desinternados aos responsáveis legais (f. 38-39).

2.2.3. Autoria e Tipicidade Subjetiva

É inconteste a autoria do delito de corrupção de menores por parte do denunciado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO.

Interrogado sob o crivo do contraditório, o sentenciado confessou que foi ao Paraguai com a intenção de comprar uma arma e que convidou o adolescente DYAKSON CALIS PALMAS para ir em sua companhia (f. 101-102):

'(...) que foi para o Paraguai para comprar uma arma, ou seja, a pistola calibre .380; que comprou a arma de fogo e a munição do Paraguai, para uso próprio, visando à própria segurança; que pagou R$ 1.200 pela arma e pelos 150 cartuchos, em Ciudad del Este; que o interrogado e sua família não estão ameaçados por ninguém; (...) que convidou o adolescente Adriano de Melo para viajar ao Paraguai; que, ao saber da iminente viagem, o adolescente Dyakson Calis Palmas pediu ao interrogado para acompanhá-los; (...) que não tinha conhecimento do vício de fumar maconha de Dyakson pois conhecia-o apenas quando realizou a entrega de gás em sua residência; que não tinha conhecimento o que Dyakson iria fazer no Paraguai; que Dyakson perguntou se poderia acompanhá-lo até o Paraguai; que comprou a arma a qual já acompanhava 100 cartuchos e que comprou mais 50 cartuchos; que não tinha intenção de matar alguém; que utilizaria a arma apenas para a sua defesa'.

Embora tenha afirmado no IPL (f. 12 do IPL) que apenas o menor ADRIANO DE MELO teria presenciado a prática do crime de tráfico internacional de arma de fogo, o adolescente DYAKSON CALIS PALMAS tinha também ciência do cometimento do delito, pois foi o primeiro a informar aos policiais que havia uma arma no estepe do veículo, e inclusive confessou a prática do crime:

'(...) que o objetivo da locação do veiculo era de passear em Jaguariaiva e também de ir ao Paraguai comprar câmeras fotográficas digitais; que o interrogado afirma ter convidado na data de ontem a pessoa de ADRIANO DE MELO para acompanhar o interrogado na viagem ao Paraguai, eis que ADRIANO é amigo de infância do interrogado; que o interrogado afirma que DYAKSON CALIS PALMAS, também na data de ontem, de alguma forma ficou sabendo que o interrogado iria ao Paraguai, e sendo de tal forma, procurou pelo interrogado e solicitou para viajar junto, tendo o interrogado permitido; (...) que o interrogado afirma ter deixado o automóvel em um estacionamento no Paraguai, sendo que deixou a chave no veículo a pedido de um funcionário do estacionamento, eis que poderia ser necessário fazer manobras no local; que o interrogado afirma ter saído com ADRIANO, enquanto que DYAKSON permaneceu no estacionamento; (...) que o interrogado e ADRIANO não ficaram juntos de DYAKSON; que depois de aproximadamente 40 minutos, o interrogado e ADRIANO retomaram para pegar o automóvel, enquanto que DYAKSON estava próximo do veículo no referido estacionamento; que saíram do Paraguai por volta das 10 horas, com destino a Jaguariaiva; que ao trafegar pela Rodovia BR 277, foram abordados no Posto da Policia Rodoviária Federal desta cidade de Laranjeiras do Sul, ocasião em que os Policiais encontraram uma pistola, e munições no interior do pneu estepe do automóvel, sendo que na ocasião, DYAKSON afirmou que era o proprietário da arma de fogo e munições; (...)'

A testemunha de acusação Lucas Premebida confirmou o relato de que o adolescente DYAKSON CALIS PALMAS foi o primeiro a manifestar ciência sobre o tráfico internacional de arma de fogo:

LUCAS PREMEBIDA (f. 97-98): 'Que em operação de rotina de fiscalização no Posto de Laranjeiras do Sul abordou o veículo VW placas AOB 7080 conduzida pelo réu Elton Luciano Cavalheiro acompanhado dos menores Dyakson Tales Calis Palmas e Adriano de Melo, ocasião em que encontrou no estepe do veículo uma pistola Bersa, calibre 380, de fabricação argentina, cuja propriedade foi assumida pelo menor Dyakson; que por sua experiência profissional acreditando ser falsa a afirmação pois o menor não teria como sozinho colocar a arma no estepe tarefa que demandaria o seu desmonte do estepe, consumindo tempo e sendo necessário o esforço de outras pessoas; (...)'

LUCAS PREMEBIDA (f. 08-09 do IPL): 'QUE na data de hoje (21/0312009), por volta das 14 horas e 35 minutos, ao realizar abordagens de rotina em frente ao posto policial, o depoente determinou que parasse o veiculo VW GOL de cor vermelha placas AOV-0780 (Jaguaraíva - PR), com três ocupantes, que trafegava pela Rodovia BR 277, sentido Foz do Iguaçu a Curitiba; que ao realizar a abordagem o depoente solicitou a documentação, tendo então constatado que o condutor do referido automóvel tratava-se da pessoa de ELTON LUCIANO CAVALHEIRO; que o depoente indagou de onde estavam vindo tais pessoas, ao que, o condutor do veiculo GOL, ELTON afirmou que estavam vindo do Paraguai, porém como não apresentavam nenhuma bagagem, o depoente indagou acerca das eventuais compras realizadas pelos mesmos, tendo ELTON respondido que iriam comprar câmeras fotográficas digitais, porém, como referido produto estava muito caro, não haviam comprado nada; que suspeitando da resposta e atitude dos ocupantes do veiculo GOL, o depoente juntamente com o PRF ADELINO iniciaram uma busca minuciosa no interior do veiculo; que o depoente ao revistar o bagageiro do automóvel, ao manusear o pneu estepe percebeu a existência de objetos soltos no interior do pneu, ao que, o adolescente DYAKSON afirmou que no interior do pneu de estepe haviam uma arma de fogo, ao que, ao ser desmontado o pneu de estepe, o depoente encontrou uma pistola marca BERSA, calibre 380, com um carregador, número de série 954062, e ainda três caixas contendo em cada uma 150 cartuchos intactos calibre 380, totalizando 150 cartuchos intactos calibre 380;' (...)

Dito isso, friso que não há nos autos qualquer elemento tendente a afastar a antijuricidade da conduta, porque ausente causa de justificação da conduta (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal).

Presente também a culpabilidade na conduta do réu: é imputável, porque capaz de entender o caráter ilícito do fato. Era-lhe exigível, nas circunstâncias em que se encontrava, conduta diversa, porque não há elementos que indiquem coação moral irresistível ou obediência hierárquica. Além disso, é possível concluir que possuía o réu na data do fato potencial consciência da ilicitude.

Por fim, não há causas que isentem o réu de pena.

Portanto, a autoria é certa e recai sobre a pessoa de ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, não havendo, no bojo dos autos, qualquer elemento descaracterizador do dolo ou da ilicitude da conduta, nem mesmo que afastem a culpabilidade ou a punibilidade do agente."

Afastada, desta forma, a tese de atipicidade aventada pela defesa e confirmadas a materialidade e autoria do delito de corrupção de menores.

Quanto à dosimetria, o julgador singular fixou a pena definitiva de 1 (um) ano 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, sob os seguintes fundamentos:

"Com fundamento no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, e nos arts. 59 e 68 do Código Penal, passo à individualização da pena do acusado ELTON LUCIANO CAVALHEIRO, levando em conta que as penas previstas para a infração capitulada no artigo 244-B da Lei nº 8.069/90, são de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

De início, procedo à fixação da pena-base, mediante a consideração das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal:

- culpabilidade: ressalto que, nessa circunstância, a reprovabilidade a ser considerada é aquela que transborda a normalidade do tipo criminoso, o que no presente caso não se verifica, não devendo ser valorada negativamente a culpabilidade do agente;

- antecedentes: não possui antecedentes;

- conduta social: não há nos autos elementos que demonstrem que a conduta social do denunciado desvirtua-se dos ditames legais;

- personalidade: não há elementos nos autos que permitam aferir a personalidade do réu;

- motivos: não restaram esclarecidos durante a instrução probatória, não havendo o que considerar em desfavor do réu;

- circunstâncias: deve ser valorada negativamente, porque o denunciado, na companhia dos menores desacompanhados dos pais, ultrapassou a fronteira do território nacional para a prática de crime;

- consequências: foram graves, uma vez que os adolescentes responderam à Ação Sócio-educativa nº 019/2009 perante a Comarca de Laranjeiras do Sul/PR;

- comportamento da vítima: não há o que valorar.

Nesses termos, tendo em vista a existência de duas circunstâncias judiciais desfavoráveis ao acusado, fixo a pena-base privativa de liberdade em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase de fixação da pena, reconheço a presença da circunstância atenuante da alínea 'd' do artigo 65, III do CP, diante da confissão espontânea da autoria do delito pelo denunciado em Juízo. Inexistem circunstâncias agravantes (art. 61, CP). Portanto, fixo a pena provisória em 01 (um) ano e 03 (três) meses de reclusão.

Na terceira e derradeira fase de aplicação da pena, verifico a presença da causa de aumento prevista no art. 70 do Código Penal porque mediante uma só ação, o sentenciado praticou dois crimes, idênticos, quais sejam: a corrupção do menor ADRIANO DE MELO e a corrupção do menor DYAKSON CALIS PALMAS. Portanto, aumento a pena em 1/6 (um sexto) e fixo a pena, definitivamente, em 01 (um) ano, 5 (cinco) meses e 15 (quinze) dias de reclusão."

Não vejo relevância suficiente a desabonar as circunstâncias do crime, o fato do réu ter atravessado a fronteira em companhia dos menores, pois a tutela penal do tipo é voltada a afastar o adolescente do crime, seja ele local ou transnacional.

Desta forma, tendo em vista a existência de uma circunstância judicial negativa, a pena-base deve perfazer total de 1 (um) ano, 2 (dois) meses e 7 (sete) dias.

Em virtude da alteração acima, a pena provisória, com a incidência da atenuante da confissão, passa a ser de 1 (um) ano.

Aplicando-se à sanção, na derradeira fase, a causa de aumento prevista no artigo 70 do Código Penal, fixo a pena definitiva em 1 (um) ano e 2 (dois) meses.

4. Concurso de Crimes

Os elementos informativos dos autos esclarecem que o denunciado convidou o menor Adriano de Melo e aceitou a participação do também menor Dyakson Calis Palmas para, então, dirigir-se ao Paraguai e praticar o crime de tráfico internacional de arma de fogo e munições.

Nota-se, desta forma, pluralidade de ações e desígnios por parte do acusado, que direcionou, voluntária e conscientemente, sua conduta para a perpetração de ambos os delitos, restando configurado o concurso material.

Neste sentido:

"MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. CORRUPÇÃO DE MENORES. CONCURSO MATERIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO CONFIGURADO. LEI Nº 12.015/09. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. 1. Devidamente comprovadas a materialidade e a autoria, impõe-se a condenação pelos crimes de moeda falsa e corrupção de menores, em concurso material. 2. Configurado o elemento volitivo caracterizador do dolo na conduta do agente, através do conjunto probatório dos autos. 3. Cabível a aplicação da Lei nº 12.015/09 em face da novatio legis in mellius." (TRF4, ACR 2007.71.08.005802-3, 7ª Turma, Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro, D.E. 25-3-2010)

Aplicando-se à hipótese dos autos a regra insculpida no artigo 69 do Código Penal, a pena definitiva deve perfazer total de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato.

5. Regime de cumprimento da pena corporal e substituição das penas

Haja vista a absolvição do denunciado quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como o preenchimento dos requisitos elencados no artigo 33, § 2º, "b", do Código Penal, fixo o regime semi-aberto para o início do cumprimento da pena corporal.

Também em observância ao fato de ter sido o acusado absolvido das sanções do artigo 33 da Lei de Drogas, bem como à notícia de que o veículo apreendido (VW/Gol, placas AOV-0780 e chassi 9BWCA05W68T005310), não é de propriedade de ELTON, mas de empresa locadora de automóveis, determino seja o mesmo restituído ao proprietário.

Por fim, não estão preenchidos os requisitos para a substituição da pena, insculpidos no artigo 44 do Estatuto Repressor.

6. Dispositivo

Ante o exposto, nos termos da fundamentação, voto no sentido de dar parcial provimento ao apelo.

Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Relator

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/07/2010

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2009.70.06.001605-4/PR

ORIGEM: PR 200970060016054

RELATOR: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PRESIDENTE: Victor Luiz dos Santos Laus

PROCURADOR: Dr. Douglas Firscher

REVISOR: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

APELANTE: ELTON LUCIANO CAVALHEIRO reu preso

ADVOGADO: Defensoria Pública da União

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/07/2010, na seqüência 29, disponibilizada no DE de 08/07/2010, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 01/07/2010.

Certifico que o(a) 8ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO AO APELO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

VOTANTE(S): Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA

: Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

AUSENTE(S): Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

: Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Lisélia Perrot Czarnobay
Diretora de Secretaria

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JURID - Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Ônus da prova. [29/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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