Penal. Tráfico de droga. Materialidade comprovada. Autoria. Insuficiência de provas.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG
EMENTA: PENAL - TRÁFICO DE DROGA - MATERIALIDADE COMPROVADA - AUTORIA - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS - CONTRADIÇÕES NOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO EM FLAGRANTE DO ACUSADO - RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. - Se do conjunto probatório não se extrai prova da autoria do delito de tráfico, em nenhuma das modalidades previstas no art. 33 da Lei nº 11.343/06, a manutenção da absolvição é medida que se impõe.- Recurso improvido.
APELAÇÃO CRIMINAL N° 1.0079.09.934409-9/001 - COMARCA DE CONTAGEM - APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADO MINAS GERAIS - APELADO(A)(S): RAFAEL LEANDRO DA SILVA - RELATOR: EXMO. SR. DES. HÉLCIO VALENTIM
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência da Desembargadora BEATRIZ PINHEIRO CAIRES , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 27 de maio de 2010.
DES. HÉLCIO VALENTIM - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. HÉLCIO VALENTIM:
VOTO
Cuida-se de ação penal pública promovida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, perante o Juízo da Vara Criminal da Comarca de Contagem, contra Rafael Leandro da Silva, imputando-lhe a prática de fato tipificado como tráfico de droga, nos termos do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.
Narra a denúncia que, no dia 14 de fevereiro de 2009, policiais militares receberam denúncia anônima, de que o denunciado estava praticando tráfico de drogas na região do bairro Novo Riacho, no município de Contagem.
Lá chegando, os milicianos perceberam o acusado dispensando um porta-objetos ao solo, momento em que o abordaram e constataram que, no interior de tal objeto, havia dez porções de maconha, oito de cocaína e duas pedras de crack, tudo a apontar para o tráfico ilícito de tais substâncias.
A inicial acusatória veio acompanhada de inquérito policial, instaurado por APFD (f. 4/56).
O acusado foi citado (f. 60) e apresentou defesa preliminar, através de Defensor Público (f. 62/63).
Recebida a denúncia (f. 64), o réu foi interrogado (f. 83/84), ocasião em que negou os fatos a ele imputados.
Durante a instrução ouviram-se cinco testemunhas (f. 85/90).
Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação do réu, nos exatos termos da denúncia (f. 101/107). A Defesa, por sua vez, requereu a absolvição, por insuficiência de provas, ou, em caso de condenação, a fixação da pena no mínimo legal e a concessão do benefício da justiça gratuita (f. 110/115).
Sentença às f. 116/122, restando o réu absolvido, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
As partes foram intimadas da sentença (f. 125-v e 138).
Inconformado, apelou o Ministério Público (f. 126), em cujas razões requer a reforma da sentença, para a condenação do réu, nos moldes da denúncia (f. 129/146).
Contra-razões recursais às f. 147/153.
O parecer da douta Procuradoria de Justiça é pelo provimento do recurso (f. 160/165).
Eis, do que importa, o relatório.
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE.
Conheço do recurso, porque presentes os pressupostos para a sua admissão.
PRELIMINARES.
Não há preliminares a serem analisadas, nem nulidades a serem reconhecidas de ofício.
MÉRITO.
A materialidade delitiva encontra-se comprovada nos autos, através do APFD de f. 5/10, do auto de apreensão de f. 13 e do laudo toxicológico definitivo de f. 48.
Porém, o mesmo não se pode dizer em relação à autoria, dado que, conforme bem analisou o douto Sentenciante, o conjunto probatório revela-se frágil a fundamentar um decreto condenatório.
De início, tem-se, de um lado, a negativa categórica do acusado, assim vazada:
"que é falsa a imputação que lhe é feita na denúncia, que no dia dos fatos havia saído de casa por volta das 19h30min para ir até a casa da namorada; que próximo à sua casa foi abordado pelo Militares; que estava junto com mais dois colegas e quando a polícia passou resolveu abordar o interrogando; que a única coisa que carregava era o aparelho de telefone celular e o carregador; que não carregava nenhum porta objeto; que quando foi abordado os outros dois colegas ainda estavam com o interrogando que nenhum de seus colegas portava algum porta objeto; que os policiais militares não acharam qualquer porta objeto perto da abordagem; que la dentro da viatura é que foi mostrado para o depoente um porta objeto; que os policiais falaram que era para o depoente apontar que traficava na Rua Rio Verde" (sic f. 83).
De outro lado, há, contra o réu, tão-somente, os depoimentos testemunhais dos policiais que efetuaram a sua abordagem e prisão em flagrante, sendo esses os únicos elementos de prova nos quais se sustenta o pleito condenatório.
Ocorre que, como bem observou o diligente Sentenciante, tais depoimentos testemunhais encontram-se repletos de contradições, não se prestando, portanto, a sustentar um decreto condenatório. Senão, veja-se.
Três policiais foram ouvidos pelo Juiz, apresentando eles três versões absolutamente distintas acerca da companhia na qual se encontrava o réu no momento de sua abordagem e prisão. Confira-se:
"que o acusado estava acompanhado de um outro rapaz" (Sebastião da Costa Heredia, sic f. 85).
"que quando chegou no local não verificou pessoas próximas ao acusado" (Thiago Luiz Barbosa, sic f. 87).
"que chegando no local foi dado ordem para que todos se encostassem para a devida busca pessoal; que se recorda que se tratava de várias pessoas" (Ronilson Eustáquio Marteleto, sic f. 88).
Soa no mínimo estranho que, em se tratando de uma prisão em flagrante efetuada pelos três policiais, tenha havido um desencontro tão grande quanto a esse aspecto.
Ademais, como bem destacou o Sentenciante, uma dessas testemunhas, Sebastião da Costa Heredia, iniciou a sua oitiva afirmando que "não se recorda muito bem da ocorrência Militar sobre os fatos narrados na denúncia" (sic f. 85), mas, depois, como se milagrosamente tivesse reativado a memória, descreveu os fatos com riqueza de detalhes, conforme se vê no extenso depoimento prestado às f. 85/86. É, no mínimo, estranho!
De qualquer forma, mesmo abstraindo-se o fato de os três policiais apresentaram três versões diversas para a abordagem do réu, a verdade é que, segundo um dos milicianos, o acusado estava acompanhado de um terceiro, que "ficou encostado na parede e como ele não portava nada, não foi identificado, sendo liberado em seguida" (sic f. 85).
Ora, a pessoa que supostamente estaria na companhia do acusado sequer foi identificada, muito menos solicitada pelos milicianos para testemunhar a prisão daquele, é algo que deve ser relevado aqui.
Pois bem, voltando ao exame das provas produzidas, verifico que há, ainda, outra contradição nos depoimentos colhidos. Enquanto o policial Sebastião da Costa Heredia afirmou, categoricamente, que o acusado resistiu à prisão, sendo necessário o uso de força por parte dos policiais até que ele fosse algemado (f. 85/86), o miliciano Ronilson Eustáquio Marteleto afirmou que "na hora da abordagem não houve resistência do acusado" (sic f. 88).
Por fim, vejo que os policiais relataram ter havido uma quebradeira geral quando o acusado foi conduzido até a sua residência, enquanto as testemunhas Roseli Campos da Silva (f. 89) e René Alves do Nascimento (f. 90), em sentido absolutamente oposto, negam que isso tenha ocorrido.
Junte-se a tudo isso o fato de que, como já admitia o ilustre Promotor de Justiça quando da apresentação das alegações finais, há, aqui, sérios indícios de abuso de autoridade por parte dos policiais envolvidos, tanto é verdade que foram extraídas cópias de peças dos autos, remetidas à autoridade competente (f. 154/155).
Se, por um lado, tais indícios não significam, necessariamente, o desvio de conduta por parte dos milicianos, por outro, deve-se admitir que isso fragiliza, ainda mais, o poder probatório dos seus depoimentos.
Como se vê, não há provas suficientes que permitam atribuir ao réu, com segurança, a propriedade das substâncias apreendidas.
Não se descarta a possibilidade de que ele estivesse, mesmo, traficando as drogas que foram apreendidas. Mas, lamentavelmente (ou não), as contradições contidas nos depoimentos das únicas testemunhas arroladas pela Acusação não trazem a firmeza imprescindível para se formar o meu convencimento sobre a sua culpa, mormente quando se trata de reformar sentença absolutória proferida por Juiz que presidiu a instrução e que, por isso mesmo, encontrava-se mais próximo dos fatos e pôde apreciá-los diretamente, pondo à prova a firmeza das versões apresentadas pelo acusado e pelas testemunhas.
Dessarte, tenho que nenhuma prova concreta foi produzida nos autos acerca da autoria do crime, de modo que não há certeza necessária a sustentar um édito condenatório, revelando-se a prova, como visto, deveras frágil, razão pela qual a sentença absolutória deve ser mantida.
Tudo considerado, nego provimento ao recurso, para manter, tal como lançada, a r. sentença.
Custas, ex lege.
É como voto!
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): RENATO MARTINS JACOB e NELSON MISSIAS DE MORAIS.
SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.l
JURID - Penal. Tráfico de droga. Materialidade comprovada. Autoria. [22/07/10] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário