Penal. Processo penal. Revisão criminal. Art. 621, III, do CPP. Desacato. Art. 331 do CP. Prova nova.
Tribunal Regional Federal - TRF4ªR
REVISÃO CRIMINAL Nº 0011358-61.2010.404.0000/RS
RELATOR: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
REQUERENTE: JALUSA FIGUERO DA SILVA
ADVOGADO: Norberto Gubert e outro
: Barbara Gubert
: Charles Luz de Trois
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, III, DO CPP. DESACATO. ART. 331 DO CP. PROVA NOVA. REEXAME. ABSOLVIÇÃO.
A revisão criminal exige a apresentação de provas novas a amparar o pedido, conforme disposição do art. 621, III, do Código de Processo Penal.
As provas novas colacionadas aludem a outros episódios envolvendo a participação da médica perita do INSS, denotando certa recalcitrâncuia da vítima em envolvimento com eventos do mesmo jaez.
A expressão da personalidade da médica poderia ter deflagrado a reação da requerente, paciente portadora de distúrbio psiquiátrico diagnosticado, gerando dúvida consistente, a ser solvida favoravelmente à requerente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, julgar procedente a revisão criminal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de julho de 2010.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
RELATÓRIO
Trata-se de Revisão Criminal, com pedido de medida liminar, requerida por JALUSA FIGUEIREDO DA SILVA, objetivando a desconstituição de sentença condenatória proferida em seu desfavor, nos autos da Ação Penal nº 2007.71.07.001842-9, pelo crime de desacato à autoridade (art. 331 do Código Penal).
Refere que foi condenada a pena privativa de liberdade fixada em 08 meses de detenção, em regime aberto, a qual restou substituída por uma pena restritiva de direito, consistente em prestação pecuniária, fixada em 25 (vinte e cinco) salários-mínimos. Relata que enfrenta dificuldades para adimplir a alta prestação pecuniária que lhe foi imposta. Afirma que, em 26-01-2010, o Juízo da Execução deferiu pedido de fracionamento das parcelas em atraso, mantendo, entretanto, os valores em patamar que entende muito elevado. Em função disso, requer, em sede de medida liminar, a suspensão dos efeitos da sentença condenatória até o julgamento final do presente pedido revisional.
No mérito, fundamenta a necessidade de reanálise do caso na existência de novas provas de sua inocência que, no seu entendimento, são aptas a modificar a solução dada à ação penal originária. Refere que existem novos indícios de que a vítima do delito teria provocado os fatos, vez que possui outras ações penais e civis ajuizadas contra si, as quais demonstram que a servidora possui comportamento atentatório aos deveres inerentes ao cargo. Por fim, requer o reconhecimento de direito a justa indenização pelos prejuízos sofridos, a ser liquidada no juízo cível.
Os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal, que emitiu parecer pela improcedência da Revisão Criminal (fls. 86-89).
O pedido de medida liminar foi indeferido às fls. 91-96.
É o relatório. À Revisão.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
VOTO
É sabido que a finalidade da revisão criminal é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrem provas da inocência ou de circunstância que devesse ter influído no andamento da reprimenda. As hipóteses de seu cabimento, previstas nos incisos. I, II e III do art. 621 do CPP, são taxativas, de modo que a contrariedade ao texto expresso da lei penal e à evidência dos autos deve ser frontal, e a posterior descoberta de provas novas da inocência o acusado ou de causa de diminuição especial de pena deve ser inequívoca, verbis:
CPP. Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
No caso em tela, a petição inicial é acompanhada dos seguintes documentos:
a) cópia de sentença proferida na Ação Ordinária nº 2008.71.07.000270-0, pelo Juízo Federal de Caxias do Sul, que julgou procedente demanda para condenar o INSS ao pagamento de danos morais por atos praticados pela ré Patrícia Lazzarotto (vítima na ação penal que ora se pretende rescindir) no exercício de suas funções de perita médica (fls. 48-57);
b) cópia de sentença proferida pelo Juiz de Direito de Bento Gonçalves, no Mandado de Segurança nº 005/1.06.0001540-7, no qual foi reconhecido o direito da servidora de Patrícia Lazzarotto à isenção de Imposto de Renda, porquanto portadora de fibromialgia - doença que, segundo a requerente, causa distúrbios emocionais (fls. 58-61);
c) cópia de peças extraídas da Ação Ordinária nº 2008.71.07.000270-0, onde constam trechos de depoimentos testemunhais que referem outros fatos desabonadores da conduta da servidora vítima do desacato (fls. 66-68);
c) cópia de peças extraídas do Pedido de Justificação nº 2009.71.07.005248-3, onde constam testemunhos, igualmente negativos, em relação à personalidade de Patrícia Lazzarotto (fls. 69-82);
Da sentença, de lavra do MM. Juiz Federal Roberto Schaan Ferreira, destaco os seguintes trechos nucleares que esclarecem a hipótese dos autos (fls. 36-47):
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou JALUSA FIGUERO DA SILVA, brasileira, casada, professora, nascida em 12/02/1971, em Caxias do Sul - RS, filha de Valdori Leite da Silva e Ivanil Figuero da Silva, portadora da CI n° 5054229595 SSP/RS, residente na Rua Os Dezoito do Forte, 850/101, Bairro Lourdes, Caxias do Sul/RS, como incursa nas sanções do art. 331 do Código Penal. Narrou a denúncia que, no dia 29/01/2007, por volta das 16h15min, a denunciada compareceu na Agência da Previdência Social de Caxias do Sul, adentrando, acompanhada de seu esposo, na sala de perícias onde a médica perita do INSS, Patrícia Lazzarotto, desempenhava suas funções. Consta da inicial que a perita solicitou que o esposo da denunciada se retirasse da sala e, ato contínuo, solicitou à denunciada que se identificasse, tendo esta permanecido silente e jogado sua Carteira de Trabalho e Previdência Social sobre a mesa. Na seqüência, a perita indagou qual era sua profissão, tendo a denunciada respondido que olhasse na CTPS, oportunidade em que começou a gritar, agredindo Patrícia verbalmente, chamando-a de "vagabunda e mentirosa." Jalusa também teria agredido fisicamente a vítima, atingindo-a no rosto e provocando lesão corporal - "equimose medindo setenta por três milímetros com edema traumático subjacente" - conforme Auto de Exame de Corpo de Delito. (...) No Incidente de Insanidade Mental concluiu-se que a ré é imputável, sendo determinado o prosseguimento da ação, conforme cópia da decisão nas fls. 75-77.(...) Já a defesa alegou, preliminarmente, a impossibilidade do julgamento ser realizado por este Juízo sem ofensa ao princípio da identidade física do juiz, incorporado ao CPP pelo § 2° do art. 399, na redação dada pela Lei 11.719/2008. No mérito, referiu que a não aceitação da proposta de composição dos danos cíveis, bem como de suspensão processual, deixa claro que a ré está convicta de sua inocência e assim agiu movida pelo sentimento de injustiça por estar sendo processada. Sustentou a insuficiência de provas do fato narrado, afirmando que a prova testemunhal é inconsistente, além de estar fortemente vinculada à vítima, tendo as testemunhas, inclusive, relação hierárquica de inferioridade em relação àquela. Também referiu que não se pode culpar somente a acusada pelo episódio, uma vez que a vítima não permitiu que o marido da acusada a acompanhasse no momento da consulta, como ocorreu em consulta anterior e posterior, em que pese o marido tenha tentado explicar a existência de recomendação médica nesse sentido. Com relação ao incidente de insanidade mental, afirmou que nunca foi intenção da defesa amparar-se no art. 26, parágrafo único, do CP, pois a defesa tem certeza da atipicidade da conduta da ré. Todavia, asseverou que o laudo pericial não é conclusivo, pois na resposta ao questionamento sobre a capacidade de entendimento da acusada constou "Muito provavelmente, sim, a denunciada era...", cabendo à defesa a certeza de poder dizer que "provavelmente não". Argumentativamente, para a hipótese de condenação, requereu a fixação da pena aquém do mínimo legal, com substituição por penas restritivas de direitos, afirmando que as circunstâncias judiciais são favoráveis. Para tanto sustentou a inconstitucionalidade da Súmula 231 do STJ (fls. 88-101). (...)
MÉRITO.
Conforme o boletim de ocorrência policial (fl. 05 do apenso), na versão da médica do INSS, a acusada entrou na sala de perícias acompanhada pelo marido. A médica solicitou para este se retirar, o qual discutiu, mas se retirou. A médica solicitou o nome da ré, que não respondeu, jogou a CTPS na mesa da perita e não falou nada. A médica perguntou a profissão da ré e esta não respondeu, dizendo para a médica que olhasse na carteira de trabalho. A ré começou a gritar, agredindo a vítima verbalmente, e fisicamente, no rosto. A ré dizia para olhar na carteira de trabalho o seu nome, pois não era empregada e sim a vítima seria empregada da acusada. Com os gritos, o guarda entrou na sala e segurou a ré. A médica teve lesões no rosto (hematomas e escoriações). A ré, quando gritava, chamava a perita de "vagabunda e mentirosa". Na versão da acusada, quando entrou no consultório, acompanhada por seu marido, Sr. Rudimar Dal Bó, este tentou explicar à médica o motivo de estar acompanhando a ré. Porém, a médica foi agressiva e o expulsou do consultório. O marido queria explicar que a ré possui transtorno bipolar em fase de tratamento, apresentando mudança radical de comportamento, muita euforia, ou muito depressiva, sendo que não deveria ficar sozinha. Ao começar a consulta, a médica lhe perguntou o nome e, como este é difícil, entregou a carteira de trabalho aberta, onde constava nome e profissão. Quando a médica pediu sua profissão, respondeu que estava escrito no documento, sendo que, agressivamente, a médica pediu para a ré ler. As propostas de composição dos danos civis, transação penal e suspensão condicional do processo resultaram infrutíferas, sendo determinado o prosseguimento da ação. No interrogatório judicial (fls. 15-17), a acusada relatou que no dia dos fatos foi ao INSS para fazer uma perícia médica. Disse que entrou na sala de perícias já com a carteira de trabalho aberta, pois as pessoas têm dificuldade em entender seu nome. Por tal motivo, quando a médica perguntou seu nome, apenas lhe entregou a carteira de trabalho. A médica teria dito que era para a acusada ler o seu nome, ficando bastante alterada, pois, aparentemente, não queria ter o trabalho de ler o nome da acusada. Esta relatou ter dito que não iria ler seu nome, sendo que a médica levantou da mesa com seu martelo na mão, informando que a perícia estava encerrada. Disse que a médica largou o martelo na mesa e foi em sua direção, sendo que neste momento ficou assustada e gritou por socorro. Narrou que anteriormente a médica havia solicitado, agressivamente, que seu marido se retirasse da sala, sendo que geralmente é acompanhada por ele, pois tem transtorno bipolar de humor e síndrome do pânico. Seu marido tentou argumentar, sem sucesso, da necessidade de acompanhar a ré. Disse não lembrar de ter chamado a médica de "vagabunda e mentirosa". Narrou a ré que seu marido chamou a polícia e, para seu espanto, os policiais não foram atendê-la e sim à médica. Negou ter agredido fisicamente a médica. Ao contrário, afirmou que ela (ré) é quem foi agredida pela médica. Narrou que, inicialmente, ela e seu marido se recusaram a assinar o termo circunstanciado, pois a interroganda constava como autora e a médica como vítima. Como o policial referiu que poderiam usar corretivo e fazer constar a acusada também como vítima, assinou a ocorrência. Disse que quando assinou o termo não constavam todos os fatos como agora estão e na fl. 3, verso, do inquérito, onde consta "o acusado", na época havia um espaço de tabulação. Disse que quando assinou a ocorrência seu nome constava como vítima. A acusada disse que também apresentava uma lesão, mas não fez exame de corpo de delito em razão do calor do momento. A médica Patrícia Lazzarotto, ouvida em juízo, declarou que no dia do fato estava realizando perícias no INSS. Narrou que a acusada entrou na sala de perícia acompanhada pelo marido, sendo que a depoente pediu que este se retirasse, explicando que na sala poderia ficar somente o segurado. Relatou que o marido da acusada ficou agressivo e pediu o CRM da depoente, ao que informou que ele poderia ir até a chefia da agência e informar-se se aquele era o procedimento padrão. Disse que a acusada pegou sua carteira de trabalhou e jogou na mesa da depoente. Patrícia declarou que perguntou o nome da acusada e esta disse que se quisesse saber deveria ler na carteira. Também perguntou a profissão da acusada, tendo esta repetido que deveria olhar na carteira e que não era sua empregada. A médica disse que reiterou o pedido e a ré repetiu que deveria olhar na CTPS, passando a gritar. Diante disso, informou que não faria a perícia, e se levantou. A acusada teria dito que faria a perícia e a agarrou pelo braço, empurrando-a contra a parede e arranhando seu pescoço. Patrícia disse que não conseguiu se desvencilhar e pediu socorro. Os seguranças do INSS entraram na sala e separaram a acusada. Narrou que, mesmo contida pelos seguranças, a acusando continuou xingando a depoente, chamando-a de "mentirosa e vagabunda". Disse que mesmo com a chegada dos policiais, a acusada continuou agressiva, inclusive invadindo a sala em que estava prestando depoimento. Narrou que sofreu agressão no pescoço. Negou que quando os seguranças entraram na sala de perícias a depoente estivesse em cima da acusada e esta estivesse acuada. Narrou que o marido da depoente teria dito para os policiais, em tom de deboche, que "isso não vai dar em nada". Também relatou que o marido da acusada não comentou que ela sofria de problemas psiquiátricos e, por ordem médica, precisaria ser acompanhada por ele (fls. 26-27). Marco Antônio Simionato Ferraz, Policial Militar que atendeu a ocorrência, informou que não recorda quem chamou a Brigada Militar no local. Disse que, quando chegou no INSS, a médica estava em sua sala. Esta relatou que tinha sido agredida por uma segurada. Foram conversar com a segurada, não lembrando as palavras exatas que ela usou. Lembra que a segurada estava muito nervosa e agitada. Disse que a médica tinha marcas vermelhas e hematomas no rosto. Narrou que o esposo da segurada estava bastante transtornado, perguntando aos policiais quem eles eram para dizer quem era a vítima no local. Não recorda se a segurada tinha marcas de agressão. Disse que a médica estava chorando, sendo tranqüilizada por uma colega. Informou que o boletim de ocorrência foi elaborado por sua colega Francieli, não sabendo a razão pela qual foi utilizado corretivo. Não sabe se o relatório do boletim de ocorrência foi preenchido de uma só vez ou em diversos momentos. Relatou que o marido da acusada agiu em tom de deboche com os policiais, referindo "isso não vai dar em nada". Disse que a segurada estava bem exaltada, mas não agrediu os policiais. Narrou que, após a chegada dos policiais, continuou havendo agressões, não recordando se mutuas ou de uma contra a outra. Recorda que o marido da acusada referiu que ela tinha transtorno bipolar. Ele também referiu que queria entrar na sala de perícias, mas a médica teria respondido que a consulta era individual. Acredita que o marido da acusada referiu que sua esposa também era vítima (fls. 28-29). Francieli Giacometti, Policial Militar, declarou que não recorda quem chamou a Brigada Militar. Disse que quando chegou no INSS, a segurada e a médica já estavam separadas, a primeira no salão de entrada e a médica no consultório. Pelo que recorda, havia duas testemunhas do fato, o marido da acusada e o segurança que havia separado as duas. Não conversaram com o segurança. Não lembra a versão dos fatos dada pela médica e pela ré. Disse que escreveu a ocorrência no próprio INSS, ouvindo separadamente a médica e a segurada. Francieli disse que foi ela quem elaborou o boletim de ocorrência. Narrou que, no início, estava confusa sobre quem era vítima e quem era a agressora, tendo seu colega referido que o padrão é qualificar como vítima a pessoa lesionada, independente de quem tenha razão na discussão. Por este motivo usou corretivo na qualificação da acusada. Disse que somente a médica estava lesionada, com um arranhão no rosto. Narrou que quando chegaram ao local, a segurada e o marido estavam sentados no saguão, aparentemente normais, e a médica estava dentro do consultório, chorando e tomando água. No momento em que foram fazer a ocorrência, foram até o consultório da médica, sendo que a acusada e o marido entraram perguntando o que estava ocorrendo, respondendo a depoente que cada parte teria oportunidade de dar seu relato sobre os fatos. Francieli disse que não ouvi a acusada sobre os fatos. Pelo que recorda, a acusada disse que teria sido agredida verbalmente pela médica. Francieli narrou que Jalusa estava normal, não falando coisas desconexas, embora tenha sido muito mal educada com a depoente e seu colega. Também narrou que a acusada e seu marido ficaram querendo ler o depoimento da médica, e manifestando-se durante o preenchimento do relatório. Por fim, disse que ambas as partes referiram ter chamado a polícia (fls. 30-31). Morgane Lionço, testemunha referida, declarou que na época dos fatos era chefe substituta da agência do INSS em Caxias do Sul. Narrou que estava trabalhando em sua mesa, quando alguém veio lhe avisar que a médica Patrícia estaria sendo agredida. Disse que foi até o consultório, encontrando o vigilante Fernando e o marido da acusada parados na frente da porta. Determinou que Fernando abrisse a porta, vendo Patrícia atrás de sua mesa e a acusada bloqueando a porta. Disse que a acusada estava gritando mais, sendo que a médica estava falando firme. Não recorda das palavras que estavam sendo ditas. Quando entraram na sala, as duas não estavam agarrando uma a outra. Relatou que a médica estava com um arranhão acima do pescoço e uma lesão no peito. Pediu para outro segurança chamar a polícia, não sabendo quem efetivamente os chamou. Informou que, como regra, os segurados devem realizar a perícia desacompanhados. Somente em casos extremos, de deficiência física ou mental é autorizada a entrada de um acompanhante, sendo que o responsável por esta autorização é o próprio médico (fls. 38-39). Luiz Fernando Pinheiro, segurança do INSS, também foi ouvido na condição de testemunha referida, tendo declarado que no dia dos fatos estava na portaria da agência, quando ouviu alguns gritos vindos de dentro. Dirigiu-se ao setor de perícias e, quando ia entrar na sala de onde vinham os gritos, um senhor veio ao seu encontro e disse que não era para tocar em sua esposa. Referiu que só iria ver o que estava acontecendo e abriu a porta do consultório, percebendo que a médica estava tentando sair da sala e a acusada bloqueando a sua passagem. Não sabe de quem eram os gritos. A médica e a acusada não estavam segurando uma a outra. A médica aparentava ter um vergão no pescoço e a acusada não aparentava nenhuma lesão. Disse que tanto a médica quanto a acusada estavam bastante alteradas. Disse que quem chamou a polícia foi a chefe da agência. Disse que a polícia não tomou suas declarações. Narrou que depois que entrou na sala, separou a acusada em um canto e quando chegou a chefe da agência retirou a médica da sala. Disse que voltou para a portaria, não acompanhando o desenrolar dos fatos (fls. 40-41).O marido da depoente, Rudimar Dal Bo, declarou que no dia dos fatos acompanhou a acusada na perícia do INSS, por recomendação do médico que a atendia, constando a recomendação em atestado médico. Disse que quando entrou na sala de perícia junto com a ré, a médica Patrícia pediu que o depoente se retirasse, de forma agressiva. Rudimar narrou que argumentou que havia recomendação médica de acompanhamento de sua esposa, sendo que a médica falou "saia, senão não vai haver perícia". Disse que pediu o CRM da médica e esta teria dito que o número era problema dela. Referiu que para não prejudicar sua esposa, se retirou da sala e sentou nas cadeiras em frente. Disse que ouviu os chamados de socorro de sua esposa. Chegou à porta da sala de perícias junto com o guarda do INSS. Narrou que se postou na frente do guarda, bloqueando sua entrada na sala e falou para o guarda, antes de entrarem, que não era para bater em ninguém. Rudimar disse que foi ele quem abriu a porta e entrou na sala primeiro. Disse que quando entraram no consultório, Jalusa estava de costas para a parede, junto à porta, em posição de defesa, ao passo que a médica estava à frente de sua mesa, junto à Jalusa, em posição de ataque. Quando entraram na sala, a médica se afastou de Jalusa e depositou seu martelo na mesa. Depois da entrada na sala, as partes envolvidas ficaram gritando entre si por alguns instantes, até a chegada da chefe da agência, que levou todas as partes para a ante-sala do consultório. Neste momento, ligou para a Brigada Militar pedindo auxílio policial. Não viu se a médica tinha alguma marca de agressão no rosto, mas acha improvável que ela tenha sido agredida em razão da posição em que ambas estavam. Disse que sua esposa ficou com uma marca no pescoço, mas no plantão policial não foi permitido que ela registrasse o ocorrido ou fizesse exame de corpo de delito. Depois da chegada da Brigada Militar, procurou informar o ocorrido, mas foi ignorado por eles, que se dirigiram a outra sala com a médica e a chefe da agência. Resolveu entrar na sala para esclarecer o ocorrido, sendo determinada sua retirada. Disse que mostrou inconformidade com o fato de Jalusa ter sido qualificada como agressora no boletim de ocorrência, tendo o policial utilizado corretivo sobre essa qualificação e marcado na sua frente o campo vítima. Depois disso foi acrescentada ao boletim a versão do depoente e da ré sobre os fatos. Após assinarem o boletim, perceberam que havia um campo em branco antes do parágrafo que tratava da versão de Jalusa, o qual foi preenchido posteriormente à assinatura do boletim (fls. 51-51). As outras testemunhas arroladas pela defesa nada declararam acerca dos fatos, até porque não os presenciaram, limitando-se a abonar a conduta da acusada. Como se observa, as declarações da acusada e de seu marido estão em oposição às declarações da vítima, testemunhas de denúncia e testemunhas referidas. As declarações destas últimas são uniformes e coerentes. Pequenas divergências apontadas pela defesa, relativas a quem efetivamente abriu a porta da sala de perícias, por exemplo, são naturais e decorrem do decurso do tempo entre a data do fato e a tomada dos depoimentos. Neste caso, deve-se conferir credibilidade às declarações da vítima e servidores do INSS, pois não se verifica um interesse especial por parte destes em alterar a verdade dos fatos. Observe-se que os depoimentos de tais pessoas estão em conformidade com o que disseram os policiais militares que atenderam a ocorrência. Também não há razão para duvidar das afirmações dos policiais, uma vez que estes sequer conheciam a ré antes do fato, não havendo motivos que os levassem a querer prejudicá-la com uma acusação infundada. O policial Marcos, inclusive, fez referência à atitude do marido da ré, ao debochar dos policiais dizendo que "isso não vai dar em nada", corroborando a declaração da vítima no mesmo sentido. Isso vai ao encontro, também, das declarações da policial Francieli, que mencionou a postura mal-educada da acusada, levando a crer que ambos, a acusada e seu marido, efetivamente mantiveram um comportamento grosseiro perante a médica perita, servidores do INSS e policiais militares. As palavras usadas pela acusada, não há dúvida, foram altamente ofensivas, sendo que a médica, na ocasião, estava no regular exercício de suas funções. A conduta, portanto, amolda-se com perfeição ao tipo do art. 331 do Código Penal. Além da ofensa verbal, a acusada também agrediu fisicamente a médica, atentando contra a sua integridade corporal, conforme atesta o Exame de Corpo de Delito da fl. 08 do inquérito. Saliente-se, ainda, o resultado da perícia judicial, que atestou a capacidade de discernimento da acusada, bem como a existência de condições de efetuar atividades rotineiras de casa e trabalho pela ré. Na perícia também foi mencionado que somente uma pequena minoria de portadores de transtorno bipolar e patologia do eixo II, caso da ré, não são responsáveis pelos seus atos. Conclui-se, portanto, que a acusada, na época do fato, tinha limitações de ordem psiquiátrica, as quais, no entanto, não a impediam de se adequar às normas de convívio social. Ou seja, nada justificava que a ré, sob o escudo dos problemas psiquiátricos, proferisse palavras grosseiras e ofensivas contra a servidora da Autarquia Previdenciária.
Ante o exposto, comprovada a materialidade e a autoria delitivas, e não havendo causas que excluam o crime ou isente a ré de pena, impõe-se a condenação nos termos da denúncia.
III. APLICAÇÃO DA PENA.
Desacato. Culpabilidade. Reprovabilidade normal. Circunstância neutra. Antecedentes. A ré não possui antecedentes criminais. Circunstância neutra. Conduta social. Os testemunhos abonatórios da conduta da ré não são suficientes para verificação da sua conduta social. Circunstância neutra. Personalidade. A perícia realizada atestou que a acusada tem transtorno de personalidade. No entanto, não há indícios de que ela seja uma pessoa perigosa e com tendências à prática reiterada de delitos, não havendo razão para uma valoração negativa para fins de aplicação de pena. Circunstância neutra. Motivos. A intenção de ofender, que, no entanto, é normal na espécie. Circunstância neutra. Circunstâncias. A prática de desacato contra servidores do INSS é bastante comum. Circunstância neutra. Conseqüências. A prática do desacato incluiu, além da agressão verbal, também agressão física, do que resultou em ofensa à integridade corporal da vítima (equimose medindo setenta por três milímetros com edema traumático subjacente, conforme exame de corpo de delito da fl. 08 do inquérito). Circunstância desfavorável. Comportamento da vítima. Não foi apurada qualquer facilitação ou induzimento da vítima para a prática delituosa. Circunstância neutra. Diante da existência de uma circunstância desfavorável à ré, a pena-base é fixada em 08 (oito) meses de detenção, que se torna definitiva diante da inexistência de atenuantes e agravantes, bem como de causas de aumento ou diminuição. (...) Assim, a melhor opção para substituição é a prestação pecuniária (art. 43, I, do CP), a qual é fixada em 25 (vinte e cinco) salários mínimos, valor que deverá ser destinado a entidade assistencial a ser designada oportunamente. (...)
Nesta Corte, o apelo da requerente foi desprovido pela e. 8ª Turma, em acórdão publicado em 09-07-2009, verbis:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AUSÊNCIA DE CONTRARRAZÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. OFERECIMENTO DE PARECER EM SEGUNDA INSTÂNCIA. SUPRIMENTO. DESACATO. ARTIGO 331 DO CÓDIGO PENAL. CONFIGURAÇÃO. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA.
A manifestação ministerial quanto ao mérito recursal ofertada em segunda instância supre a ausência de contrarrazões do Ministério Público Federal ao recurso defensivo, implicando a inexistência de nulidade processual.
Incorre nas sanções do artigo 331 do Código Penal o agente que desprestigia ou afronta funcionário público no exercício da função ou em razão dela, quando presente o elemento subjetivo, consistente na vontade livre e consciente de ultrajar ou desrespeitar a função exercida pelo sujeito passivo.
A dosimetria de pena deve tomar em conta os princípios da necessidade e eficiência, decompostos nos diferentes elementos previstos no art. 59 do Código Penal, pautando-se a fixação da pena-base principalmente na censurabilidade da conduta, consoante doutrinam Zaffaroni e Pierangeli.
Sentença mantida, eis que adequada a dosimetria da pena, exasperando ligeiramente a reprimenda em face das conseqüências da conduta da apelante.
O pedido de medida liminar para suspensão dos efeitos da sentença condenatória até o julgamento final do presente pedido revisional foi indeferido, sob fundamento de que ausente a visualização, de plano, do direito da peticionária, não sendo compatível com o juízo provisório a valoração de prova.
Entretanto, examinando as ponderações sensíveis e coerentes da Exma. Juíza Federal Cláudia Cristina Cristofani, tenho que na hipótese em tela, existem elementos que levam à procedência do pedido de Revisão Criminal.
Os documentos ora carreados aos autos são aptos a ensejar o revolvimento da matéria fática. Ainda que a "prova nova", apresentada pela requerente, não se relacione diretamente com os fatos narrados na denúncia, a partir da qual sobreveio a condenação, evidenciam características reprováveis da personalidade da vítima, corroborando a tese de que a ofendida "provocou" a agressão sofrida. As provas colacionadas aludem a outros episódios envolvendo a participação da médica perita do INSS Patrícia Lazzarotto, denotando certa recalcitrâncuia da vítima em envolvimento com eventos do mesmo jaez. Os novos elementos que vieram aos autos dão conta de que a suposta vítima, médica do INSS e responsável pela perícia para benefícios por incapacitação, foi condenada a ressarcir danos morais de segurados em virtude de comportamento abusivo no trabalho, bem como viu-se envolvida em procedimento investigatório penal.
Assim, mostram-se relevantes as novas provas juntadas, dando conta de que a expressão da personalidade da médica poderia ter deflagrado a reação da requerente, paciente portadora de distúrbio psiquiátrico diagnosticado, gerando dúvida consistente, a ser solvida favoravelmente à requerente.
Por fim, entendo que o conflito surgido entre a médica e a paciente - portadora de distúrbio psiquiátrico - deve, ou deveria, ser solucionado no âmbito do consultório, constituindo em típico caso médico. Apenas em situações excepcionais, restaria configurada hipótese a invadir a seara penal. As provas anexadas à revisional - no sentido da participação da "vítima" em outro acontecimento semelhante ao narrado na denúncia denota - demonstra que a médica pode não ter utilizado da perícia recomendável à condução da consulta.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a revisão criminal para absolver a requerente, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Relator
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Data e Hora: 21/07/2010 11:12:08
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/07/2010
REVISÃO CRIMINAL Nº 0011358-61.2010.404.0000/RS
ORIGEM: RS 200771070018429
RELATOR: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
PRESIDENTE: Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro
PROCURADOR: Dr. Paulo Mazzotti Girelli
REVISOR: Juiza Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
REQUERENTE: JALUSA FIGUERO DA SILVA
ADVOGADO: Norberto Gubert e outro
: Barbara Gubert
: Charles Luz de Trois
REQUERIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído no Aditamento da Pauta do dia 15/07/2010, na seqüência 14, disponibilizada no DE de 01/07/2010, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e a DEFENSORIA PÚBLICA. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 25/06/2010.
Certifico que o(a) 4ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A SEÇÃO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU JULGAR PROCEDENTE A REVISÃO CRIMINAL.
RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
VOTANTE(S): Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
: Juiza Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
: Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA
: Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
Diana Vieira Mariani
Diretora Substituta de Secretaria
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Documento eletrônico assinado digitalmente por Diana Vieira Mariani, Diretora Substituta de Secretaria, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3603601v1 e, se solicitado, do código CRC DB5E19A7.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): DIANA VIEIRA MARIANI:10339
Nº de Série do Certificado: 443664D3
Data e Hora: 16/07/2010 17:28:23
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JURID - Penal. Revisão criminal. Desacato. Art. 331 do CP. [27/07/10] - Jurisprudência
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