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segunda-feira, 19 de julho de 2010

JURID - Negativa de renovação de CNH. Condutar semi-analfabeto. [19/07/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Ação ordinária. Negativa de renovação de CNH. Condutar semi-analfabeto.

Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul - TJMS

Quarta Turma Cível

Apelação Cível - Ordinário - N. 2008.016981-0/0000-00 - Campo Grande.

Relator - Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.

Apelante - Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul - DETRAN-MS.

Procurador - Alandnir Cabral da Rocha.

Apelado - Jose Martins de Oliveira Filho.

Advogado - Laercio de Arruda Guilhem.

EMENTA - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - NEGATIVA DE RENOVAÇÃO DE CNH - CONDUTAR SEMI-ANALFABETO - LEGALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO - MATÉRIA QUE DEVERIA SER ALEGADA NA CONTESTAÇÃO - RÉU REVEL - PRECLUSÃO TEMPORAL - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA QUE O CONDUTOR SE ADEQUE AO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NA PARTE CONHECIDA PROVIDO.

É inadmissível ao réu alegar, em sede de apelação, matéria de deveria ter insurgido na peça de defesa, sob pena de preclusão temporal, logo, não deve ser conhecido o recurso nessa parte.

Deve ser limitado o prazo para que o condutor semi-analfabeto se adeque ao Código de Trânsito Brasileiro, para que tal situação não permaneça ad eternum.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Quarta Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso e, na parte conhecida, dar-lhe parcial provimento, nos termos do voto do relator.

Campo Grande, 18 de maio de 2010.

Des. Paschoal Carmello Leandro - Relator

RELATÓRIO

O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro

Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul - Detran/MS recorre da sentença prolatada pelo Juízo da 1ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, que julgou procedente a ação ordinária ajuizada por José Martins de Oliveira Filho, sustentando, em resumo, que a carteira nacional de habilitação, bem como a sua renovação não é um direito do autor, mas sim uma licença administrativa concedida, de forma unilateral e precária, pela Administração Pública a quem preencher os requisitos legais, entre eles, saber ler e escrever. Aduz, outrossim, que desde a primeira habilitação conferida ao recorrido, em 06/01/1966, o poder público incorreu em erro, pois nessa época já se exigia como condição para a emissão da CNH saber ler e escrever, logo, considerando que a licença para dirigir é um ato administrativo, o qual pode ser revisto a qualquer tempo, e que o apelado não preenche o requisito de saber ler e escrever (art. 140, II, CTB), nada impede que Administração Pública possa anular o ato concedido anteriormente, deixando, portanto, de renovar a carteira de habilitação do recorrido. Salienta, também, que proporcionou ao apelado a inscrição no curso denominado "MOVA", ou seja, uma espécie de curso de alfabetização de adultos para obter a CNH, sendo que ele deixou de comparecer as aulas. Assevera, ainda, que, a sentença ao determinar que o recorrido seja submetido, nas futuras renovações, unicamente à prova de sinais até que ele venha a alfabetizar-se, conferiu-lhe um prêmio, desobrigando o apelado de buscar a alfabetização, já que deixou de estipular prazo para isso. Ao final, requer provimento ao recurso, a fim de julgar improcedente o pedido, declarando a legalidade do ato de não renovação da CNH do recorrido, ou, que seja fixado data limite para a alfabetização do apelado a próxima renovação da CNH.

O apelado, apesar de regularmente intimado, deixou de apresentar as contrarrazões.

VOTO

O Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro (Relator)

Trata-se de ação ordinária ajuizada por José Martins de Oliveira Filho em desfavor do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul, sob o argumento de que, no dia 06 de janeiro de 1966, obteve a sua carteira nacional de habilitação, sendo que desde o ano de 1975, passou a trabalhar em diversas empresas, exercendo sempre a função de motorista e que em 1979 tornou-se funcionário público do município de Campo Grande, onde também ocupa o cargo de motorista. Relatou, também, que durante mais de 25 (vinte e cinco) anos renovou a sua CNH, nos termos da lei, sem qualquer problema. Afirmou que na data de 03 de agosto de 2005, ao realizar novamente o procedimento de renovação da carteira de motorista perante a autarquia requerida, foi surpreendido pela aplicação de um prova escrita, na qual foi reprovado, por ser semi-analfabeto, sendo considerado pela avaliadora como candidato com dificuldade de leitura, ocasião em que foi encaminhado ao programa "MOVA-Rotativo", o qual propicia uma espécie de alfabetização aos condutores, sendo que não pode participar desse curso, porque o horário era incompatível com o do trabalho, motivo pelo qual o processo de renovação da CNH foi indeferido e arquivado. Diante disso, pleiteou, em tutela antecipada, a imediata renovação de sua carteira de habilitação, independentemente de avaliação teórica que dependesse de interpretação e leitura e, no mérito, pugnou para que seja declarado nulo o ato jurídico que negou a renovação de sua CNH.

A magistrada de instância singela julgou procedente o pedido formulados na inicial, para: "i) declarar nulo o ato jurídico que negou a renovação da CNH do requerente, a qual tinha validade até o dia 24 de agosto de 2005; ii) determinar que, até que o autor deixe de ser semi-analfabeto, nas oportunidades em que este tiver que renovar a sua Carteira Nacional de Habilitação, lhe seja aplicada, em substituição à prova escrita, uma avaliação para averiguação de sua capacidade de entendimento e discernimento dos sinais de trânsito".

Dessa decisão recorre o requerido, sustentando, em resumo, que a carteira nacional de habilitação, bem como a sua renovação não é um direito do autor, mas sim uma licença administrativa concedida, de forma unilateral e precária, pela Administração Pública a quem preencher os requisitos legais, entre eles, saber ler e escrever. Aduz, outrossim, que desde a primeira habilitação conferida ao recorrido, em 06/01/1966, o poder público incorreu em erro, pois nessa época já se exigia como condição para a emissão da CNH saber ler e escrever, logo, considerando que a licença para dirigir é um ato administrativo, o qual pode ser revisto a qualquer tempo, e que o apelado não preenche o requisito de saber ler e escrever (art. 140, II, CTB), nada impede que Administração Pública possa anular o ato concedido anteriormente, deixando, portanto, de renovar a carteira de habilitação do recorrido. Salienta, também, que proporcionou ao apelado a inscrição no curso denominado "MOVA", ou seja, uma espécie de curso de alfabetização de adultos para obter a CNH, sendo que ele deixou de comparecer as aulas. Assevera, ainda, que, a sentença ao determinar que o recorrido seja submetido, nas futuras renovações, unicamente à prova de sinais até que ele venha a alfabetizar-se, conferiu-lhe um prêmio, desobrigando o apelado de buscar a alfabetização, já que deixou de estipular prazo para isso. Em face disso, requer que seja declarada a legalidade do ato de não renovação da CNH do recorrido, ou, que seja fixada data limite para a alfabetização do apelado a próxima renovação da CNH.

Inicialmente, cumpre frisar que no tocante ao pedido principal de legalidade do ato administrativo de não renovação da CNH do apelado, tal matéria não deve ser conhecida, porque deveria ter sido alegada em momento oportuno, qual seja, no prazo para apresentar a peça de contestação, sendo que o réu/apelante deixou de apresentá-la, sendo considerado revel.

Portanto, tenho que não é cabível ao recorrente, em sede de apelação, alegar fatos que deveria de sido debatido na peça de defesa, ocorrendo, desse modo, o fenômeno da preclusão temporal, ou seja, a perda da faculdade de o apelante realizar o referido ato processual, em razão de haver decorrido o prazo, sem que o tenha praticado.

A respeito do tema, o Professor Luiz Guilherme Marinoni, in "Manual do Processo de Conhecimento", Editora Revista dos Tribunais, 5ª Edição, pág. 624, preleciona que:

"Preclusão temporal: todos os atos processuais têm oportunidade e ocasião próprias para realização. A lei processual concebe prazos a serem obedecidos, sob pena de sanções (por exemplo, art. 183 do CPC). Esgotado o prazo de que dispunha o sujeito para a prática de determinado ato (tratando-se de prazo peremptório) ou superada a oportunidade adequada para tanto, extingue-se o direito de realizá-lo, ocorrendo, então, a preclusão temporal. Assim, por exemplo, se o réu deixa de oferecer resposta no prazo assinalado pelo Código de Processo Civil, extingue-se o direito de fazê-lo posteriormente, ficando-lhe vedado oferecer resposta ulteriormente (salvo situações especificas)."

Além disso, vale ressaltar que a segunda parte do parágrafo único do art. 322 do Diploma Processual Civil é expressa ao consignar que o revel recebe o processo no estado em que se encontrar, o que significa dizer que não há possibilidade de retorno a fases anteriores.

Nesse diapasão, trago à colação os seguintes julgados deste Sodalício, in verbis:

"O revel não pode alegar no recurso de apelação fatos próprios da contestação para se contraporem aos suscitados pelo autor, recebendo aquele o processo no estado em que se encontra, de acordo com o artigo 322 do Código de Processo Civil" (Apelação Cível N. 2007.027564-6 - Rel. Des. Paulo Alfeu Puccinelli - J. 14/07/2008).

"AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - LUCROS CESSANTES - DANOS EMERGENTES - DANOS MORAIS - CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA - REVELIA - RECURSO DE APELAÇÃO - FATO NOVO E EXTINTIVO DO DIREITO DO AUTOR - PRECLUSÃO - RECURSOS IMPROVIDOS.

O revel não pode alegar no recurso de apelação fatos próprios da contestação, para se contraporem aos suscitados pelo autor.

Não se tratando de matéria de ordem pública, o momento adequado para o réu aduzir fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor é a contestação, sob pena de preclusão" (Apelação Cível n. 2006.015978-9 - Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz - J 03/04/2007).

No que concerne ao pedido alternativo de fixação da data limite para a alfabetização do apelado, tenho que esse pedido merece prosperar, uma vez que a magistrada singular deixou de limitar a data para que o apelado se enquadrasse aos requisitos exigidos pela legislação pátria.

Dessa forma, para que o preenchimento do requisito do art. 140, inciso II, do Código de Trânsito Brasileiro (saber ler e escrever) não fique ao bel prazer do recorrido, o prazo para o seu cumprimento deverá ser fixado, a fim de evitar uma situação ad eternum.

Logo, por analogia ao parágrafo 2º do art. 147 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual estabelece que o condutor deve ser submetido ao exame de aptidão física e mental para a renovação da carteira de habilitação a cada 05 (cinco) anos, quando contar com idade inferior a 65 (sessenta e cinco) anos, como no caso em tela, tenho ser razoável estipular o mencionado prazo para que o apelado regularize a sua situação de alfabetização, a contar do trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos.

Pelo exposto, conheço em parte do recurso, e da parte conhecida, dou provimento, a fim de fixar o prazo de 05 (cinco) anos, a contar do trânsito em julgado desta decisão, para que o apelado se alfabetize, adequando-se ao Código de Trânsito Brasileiro.

DECISÃO

Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, CONHECERAM PARCIALMENTE DO RECURSO E, NA PARTE CONHECIDA, DERAM-LHE PARCIAL PROVIMENTO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

Presidência do Exmo. Sr. Des. Dorival Renato Pavan.

Relator, o Exmo. Sr. Des. Paschoal Carmello Leandro.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Paschoal Carmello Leandro, Dorival Renato Pavan e Rêmolo Letteriello.

Campo Grande, 18 de maio de 2010.




JURID - Negativa de renovação de CNH. Condutar semi-analfabeto. [19/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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