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terça-feira, 20 de julho de 2010

JURID - Desclassificação do crime de latrocínio para o de homicídio. [20/07/10] - Jurisprudência


Apelação criminal. Latrocínio. Pretendida desclassificação do crime de latrocínio para o de homicídio.

Tribunal de Justiça do Mato Grosso - TJMT

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

APELAÇÃO Nº 659/2010 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA DE BARRA DO BUGRES

APELANTE: CÍCERO COSME GUARINO

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Número do Protocolo: 659/2010

Data de Julgamento: 28-4-2010

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL - LATROCÍNIO - PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO PARA O DE HOMICÍDIO - IMPOSSIBILIDADE - APLICACÃO DA PENA MÍNIMA - INVIABILIDADE - PROVAS SEGURAS E CONCRETAS DA PRÁTICA DO CRIME - PENA FIXADA E FUNDAMENTADA COM OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 59 DO CÓDIGO PENAL E DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - POSSIBILIDADE - RECURSO DESPROVIDO.

Estando a materialidade e autoria do delito comprovadas, não há que se falar em desclassificação do crime de latrocínio para o de homicídio, porque provas seguras e concretas da prática do crime foram produzidas durante a instrução processual.

No caso em comento, não há ilegalidade na dosimetria da pena aplicada, tendo em vista que a fixação da pena-base se deu acima do mínimo legal e de maneira fundamentada, com observância rigorosa ao disposto no artigo 59 do Código Penal.

Sentença mantida.

RELATÓRIO

EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES

Egrégia Câmara:

Cuida-se de Recurso de Apelação Criminal interposto por CÍCERO COSME GUARINO, conhecido como "ZÉ BEDEU", com o objetivo de ver reformada a sentença de fls. 147/160 que julgou procedente a denúncia e assim condenou-o a pena de 21 (vinte um) anos e 10 (dez) meses de reclusão e ao pagamento de 130 (cento e trinta) dias-multa no valor de 1/3 do salário mínimo vigente ao tempo do fato, em razão da prática dos crimes tipificados nos arts. 157, § 3º, última parte, c/c o 29, ambos do Código Penal.

O acusado, inconformado com o édito condenatório apela a este r. Sodalício, a fim de que seja desclassificado o crime de latrocínio para o de homicídio, eis que nada comprova que houve um assalto ou tentativa de assalto, devendo ser declarada a incompetência absoluta do juízo que julgou o referido processo por se tratar de homicídio, e se mantida a condenação requer a fixação da pena-base no mínimo legal.

Conforme consta da denúncia:

"No dia 22 de julho de 2008, período noturno, na Avenida Pau Brasil, próximo à Escola Herculano Borges, Bairro Jardim União, nesta cidade e comarca de Barra do Bugres/MT, CÍCERO COSME GUARINO, me comunhão de vontade e unidade de desígnios com o adolescente ELIEL DOS SANTOS SANTANA, subtraíram, em proveito próprio, dois relógios e uma carteira com documentos e aproximadamente R$ 30,00 (trinta reais) da vítima MANOEL DOMINGOS DE OLIVEIRA, mediante violência exercida por meio de arma branca (auto de apreensão de fl. 8-IP), sendo que da violência empregada resultou a morte da vítima, consoante o boletim de ocorrência (fl. 4-IP) e documentação fotográfica" (fls. 21/25-IP).

Apurou-se que na data dos fatos o denunciado CÍCERO COSME e seu comparsa ELIEL DOS SANTOS estavam conversando na rua quando avistaram a vítima MANOEL DOMINGOS DE OLIVEIRA passando. Diante disso resolveram segui-lo com o intuito de furtá-lo.

No seguimento, esperaram que a vítima estivesse em um lugar mais escuro e afastado e, portanto, propício para o intuito criminoso. Chegando ao local dos fatos o adolescente ELIEL DOS SANTOS saltou da bicicleta em que estavam e foi para cima da vítima, agarrando-a no pescoço. Iniciou-se a luta corporal e a vítima deu-lhe uma mordida no antebraço direito. Diante da reação de MANOEL DOMINGOS, CÍCERO COSME também partiu para cima da vítima e desferiram três facadas em MANOEL DOMINGOS, uma na altura do peito e duas na barriga.

Após os golpes pegaram tudo de valor que encontraram, sendo dois relógios e uma carteira com os documentos pessoais da vítima e aproximadamente R$ 30,00 (trinta reais) e evadiram-se.

Algum tempo depois do evento criminoso chegaram diversas pessoas ao local e encontraram MANOEL DOMINGOS DE OLIVEIRA caído ao chão, em posição decúbito ventral, com uma poça de sangue envolta do corpo e a faca utilizada nas agressões.

No decorrer das investigações conclui-se serem o denunciado CÍCERO COSME e o adolescente ELIEL DOS SANTOS os autores do crime, que em suas declarações confessaram a autoria do crime." (fls. 35/37 e 40/41)

Com efeito, em suas razões de fls. 183/188, o apelante pugna pela reforma da sentença monocrática para que seja desclassificado o crime de latrocínio para o de homicídio, porque nada comprova que houve um assalto ou tentativa de assalto, pelo que deve ser declarada a incompetência absoluta do juízo que julgou o referido processo por se tratar de homicídio, e se mantida a condenação requer a fixação da pena-base no mínimo legal.

Em contrarrazões (fls. 190/197), o Ministério Público, refutou as argumentações esposadas pelo apelante, pugnando pelo improvimento do recurso.

A I. Procuradoria-Geral de Justiça em parecer do Dr. Benedito Xavier de Souza Corbelino, (fls. 207/212-TJ), disse que, embora o apelante tenha negado o cometimento do latrocínio, o conjunto demonstra o inverso dessa assertiva, devendo, por esse fato, ser mantido o decreto condenatório. Pondera, ainda, que ante a prova inconcussa de coautoria por parte do apelante, não há falar em declaração de incompetência do juízo, devendo, portanto, ser mantida incólume a sentença condenatória. Em relação ao pleito de redução da pena-base, tem que, como o crime foi perpetrado mediante concurso de pessoas, em local ermo, e ainda, com requintes de crueldade (excessiva quantidade de facadas), sendo correto que as circunstâncias da infração são desfavoráveis ao apelante. Verifica-se, também, que a personalidade do réu é voltada à criminalidade, porquanto não satisfeito em deter a vítima, sendo certa a subtração (ante a superioridade de forças), decidiu, também, progredir na empreitada criminosa, matando-a, ou no mínimo, colaborando para que seu comparsa a matasse. Sustenta, ainda, que se sabendo que tamanha barbárie foi cometida tão somente para aquisição de drogas com o produto do crime (fl. 122), demonstra-se escorreito considerar os motivos do delito em desfavor do apelante. Salienta, que o quantum da pena demonstra-se apto a prevenir e reprimir a conduta do réu, pelo que improcede a pretensão ora combatida. Assim, opinou pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

À douta Revisão.

PARECER (ORAL)

A SRA. DRA. KÁTIA MARIA AGUILERA RÍSPOLI

Ratifico o parecer escrito.

VOTO

EXMO. SR. DES. GÉRSON FERREIRA PAES (RELATOR)

Egrégia Câmara:

A pretensão reformatória da decisão que condenou o apelante não deve ser acolhida. Isso porque, a materialidade e a autoria estão suficientemente comprovadas nos autos, o que torna o decreto condenatório escorreito, portanto, impassível de sofrer qualquer reforma.

No que tange à materialidade, esta se encontra bem demonstrada pelo boletim de ocorrência fls. 14, auto de apreensão fls. 18, relatório de diligência fls. 31/35, laudo de necropsia fls. 73/77.

De outro modo, verifica-se que, muito embora, em juízo (fls. 126/128), o réu tenha negado ser o autor do delito, é de se ressaltar que, na fase inquisitorial ele confessou ter desferido os golpes de faca na vítima após a abordagem, com o intuito de assaltála.

Portanto, não deve prosperar esta negativa, uma vez que o comparsa do Apelante (ELIEL DOS SANTOS SANTANA) confirmou que abordaram a vítima com o propósito de roubá-la e, para conseguir seus intentos, desferiram golpes de faca contra MANOEL DOMINGOS DE OLIVEIRA, portanto, não há que se falar em desclassificação do crime de latrocínio para o de homicídio, visto que a intenção do Apelante era certamente subtrair pertences da vítima, não importando que para concretizar seus desígnios fosse necessário matá-la, como de fato aconteceu.

O entendimento predominante nos tribunais pátrios é no sentido de que:

"PENAL - PROCESSUAL PENAL - RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - CONDENAÇÃO POR LATROCÍNIO (ART. 157, § 3º, PARTE FINAL, DO CÓDIGO PENAL) - IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA VISANDO A ABSOLVIÇÃO, DIANTE DA AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AO CRIME A QUE RESTOU CONDENADO OU A SUA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121 DO CP) - IMPOSSIBILIDADE - CONJUNTO PROBATÓRIO FARTO EM INDICAR A PRÁTICA DO CRIME DE LATROCÍNIO PELO APELANTE E SEUS COMPARSAS - CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL DA INTENÇÃO DE PRATICAR CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO, HARMONIZADA COM TESTEMUNHOS E PROVAS COLHIDOS EM JUÍZO - RECURSO IMPROVIDO. A prova policial só deve ser desprezada, afastada, como elemento válido e aceitável de convicção, quando totalmente ausente prova judicial confirmatória ou quando desmentida, contrariada ou nulificada pelos elementos probatórios colhidos em juízo através de regular instrução. Havendo, porém, como in casu, prova produzida no contraditório, pode e deve ser considerada e chamada para, em conjunto com a confissão extrajudicial, compor quadro probante suficientemente nítido e preciso.

Caracteriza-se o crime de latrocínio consumado, e não homicídio, quando o agente e seus comparsas ocasionam a morte da vítima, ainda que não consigam realizar a subtração de bens (inteligência da Súmula 610 do STF)." (TJMT, RAC N° 16684/2007, 3ª Câmara Criminal, Rel. Des. Diocles de Figueiredo, J. 2.07.2007).

Assim, apesar de negar o crime de latrocínio que lhe é imputado, os elementos dos autos demonstram com clareza o inverso de suas alegações, mostrando que mataram a vítima para dela subtraírem dois relógios e uma carteira com documentos e cerca de trinta reais (R$ 30,00), oportunidade em que lhe desferiram três facadas, uma na altura do peito e duas na barriga. Assim, não há que se falar em desclassificação do crime de latrocínio para o de homicídio, pois, demonstrados os requisitos daquele, na medida em que a subtração era e foi o objetivo principal do evento que se consumou com o emprego de violência tamanha que levou a vítima a óbito.

É da jurisprudência:

"Considera-se consumado o roubo quando o agente mediante violência ou grave ameaça, retira a coisa da esfera de disponibilidade da vítima, ainda que não venha a ser tranqüila a posse" (STJ - RESP . 162.090-SP, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, J.: 24.11.1998).

"Pacífico, hoje, que, para a consumação do crime de roubo, basta a inversão da posse do bem, com a cessação da grave ameaça ou da violência, sendo desnecessário que a coisa subtraída saia da esfera de vigilância da vítima, podendo, até mesmo, haver perseguição, ou seja, também não se exige tranqüilidade da posse, o que ocorreu in casu." (TJDF - AP. 2006.071003209-7, 1ª T. Rel. Dês. Márcio Machado, J: 19.07.2007).

Por outro lado, em análise da dosemetria da pena, verifica-se que sua fixação pelo juízo de piso se deu de forma correta, fundamentando Sua Excelência os motivos que o levaram a aplicar a pena do apelante acima do mínimo legal, considerando que das circunstancias judiciais insertas no art. 59 do Código Penal várias delas foram desfavoráveis, como a culpabilidade a conduta social, os antecedentes, os motivos e conseqüências do crime.

Assim, sem qualquer consistência a pretensão recursal nesse aspecto, na medida em que a maioria das circunstancias judiciais do art. 59 do Código Penal lhe foram consideradas desfavoráveis e a pena mínima só deve ser aplicada nos casos em que todas aquelas circunstâncias sejam favoráveis ao acusado, o que, verdadeiramente, não é a hipótese dos autos.

O entendimento predominante nos tribunais pátrios é no sentido de que:

"ROUBO QUALIFICADO. DECOTE DA QUALIFICADORA. ARMA NÃO APREENDIDA NEM PERICIADA. DESNECESSIDADE. PENA CORRETAMENTE DOSADA. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. Existindo provas suficientes da utilização da arma, prescindível é a realização de perícia para se constatar a efetiva lesividade do objeto. Se nem todas as circunstâncias do art. 59 do CP são favoráveis ao acusado, correta está a fixação da pena acima do mínimo legal". (Apelação Criminal nº 1.0518.04.063612-9/001(1), 2ª Câmara Criminal do TJMG, Rel. José Antonino Baía Borges. j. 27-3-2008, unânime, Publ. 25-4-2008)

"CRIME. ROUBO QUALIFICADO TENTADO. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PENA. REDUÇÃO. DESCABIMENTO. DETRAÇÃO LIBERDADE CONDICIONAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO. APELO IMPROVIDO. Comprovadas a autoria e materialidade, impõe-se a manutenção da sentença condenatória. Presentes circunstâncias judiciais desfavoráveis, justificado o apenamento acima do mínimo legal. Compete ao juízo da execução apreciar o pedido de detração da pena e de liberdade condicional. Apelo improvido". (Apelação Crime nº 70021612809, 4ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. José Eugênio Tedesco. j. 6-3-2008, DJ 26-3-2008)

"APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO QUALIFICADO - PRETENDIDA REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL E RECONHECIMENTO DA PRIMARIEDADE COMO ATENUANTE INOMINADA - IMPOSSIBILIDADE - PENA-BASE FUNDAMENTADA - PRIMARIEDADE CONSIDERADA NA 1ª SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO Nº 659/2010 - CLASSE CNJ - 417 - COMARCA DE BARRA DO BUGRES FASE - PENA-BASE AQUÉM DO MÍNIMO LEGAL - INVIABILIDADE - SÚMULA 231 DO STJ - PENA FIXADA EM 05 ANOS E 04 MESES DE RECLUSÃO - REGIME SEMI-ABERTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 33, § 2º, ALÍNEA "B" - RECURSO IMPROVIDO. A fixação de pena-base acima do mínimo legal é admitida quando devidamente fundamentada. A primariedade é considerada na primeira fase da aplicação da pena. A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, consoante determina a Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. O regime semi-aberto é o previsto para o cumprimento da pena de reclusão aplicada ao condenado não reincidente com pena superior a 04 (quatro) anos e não excedente a 08 (oito), nos termos do artigo 33, § 2º, alínea "b", do Código Penal". (Recurso de Apelação Criminal nº 208/2007, 2ª Câmara Criminal do TJMT, Rel. Des. Paulo da Cunha. j. 14-3-2007, unânime)

Vale ressaltar que o delito imputado ao apelante é de natureza grave, hediondo, causador de temor na sociedade que, a cada dia, no intuito de evitar a subtração do patrimônio adquirido durante uma vida inteira, vive enclausurada, refém do medo que se instala em decorrência da alta criminalidade que assola todo o país.

Desta feita, conclui-se que a manutenção da sentença em análise é medida imperativa.

Diante de todo o exposto, em consonância com o parecer ministerial, é que se nega provimento ao recurso, mantendo-se intacta a sentença de primeiro grau.

VOTO

EXMO. SR. DES. TEOMAR DE OLIVEIRA CORREIA (REVISOR)

Egrégia Câmara:

Consoante bem exposto pelo d. relator, CÍCERO COSME GUARINO foi condenado como incurso nos arts. 157, § 3º, última parte, c/c art. 29, ambos do CP, à pena de 21 (vinte e um) anos e 10 (dez) meses de reclusão em regime inicial fechado e ao pagamento de 130 (cento e trinta) dias-multa no valor de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Ressai do processado, haver o apelante juntamente com o menor E. dos S. S., subtraído da vítima Manoel Domingos de Oliveira 02 (dois) relógios e uma carteira contendo a quantia de R$30,00 (trinta reais), mediante violência empregada com uso de arma branca (faca), ocasionando a morte da vítima.

Pretende a defesa a desclassificação do crime de latrocínio pelo qual restara o réu condenado para o crime de homicídio. Alternativamente, requer a fixação da pena-base no mínimo legal.

DA DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO PARA O CRIME DE HOMICÍDIO:

A materialidade delitiva encontra-se provada através do Boletim de Ocorrência (fl. 14), Auto de Apreensão (fl. 18), Relatório de Diligência (fls. 31-35) e do Laudo de Necropsia (fls. 73-77).

A autoria, por sua vez, resta inconteste ante os depoimentos das testemunhas e demais elementos probatórios carreados ao longo da instrução processual.

Malgrado a negativa de autoria pelo apelante quando de seu interrogatório em juízo, o mesmo confessou a prática do crime perante a autoridade policial de forma coerente e pormenorizada.

A tese de legítima defesa aventada pelo apelante em seu depoimento na fase judicial, alegando que a vítima era quem estava com uma faca, não merece acolhida. A policial civil, Amélia Chagas Ferracioli descarta essa possibilidade quando declara em juízo (fls. 111/112):

"(...) segundo a irmã da vítima a faquinha encontrada próximo ao corpo da vítima não pertencia a esta e tampouco à irmã da vítima; a vítima não tinha consigo documentos, dinheiro ou quaisquer outros objetos de valor quando foi encontrada sem vida no chão."

Ademais, os depoimentos das demais testemunhas são uníssonos, atribuindo, inexoravelmente, a autoria do crime de latrocínio ao apelante.

O policial civil Ailton Bispo de Souza, asseverou em juízo (fl. 122/123):

"na delegacia o acusado disse que estava sentado em uma praça quando chegou o menor Eliel propondo que fizesse uma parada a fim de dinheiro para comprar drogas, nisso passou a vítima em sua bicicleta (...); ao chegarem em determinado ponto do trajeto, o menor deu uma 'gravata' na vítima que a fez cair no chão e logo depois deram início a uma luta corporal, sendo a vítima esfaqueada pelo menor, o qual também teria subtraído os dois relógios em poder da vítima (...) ao tomar o depoimento do menor, ele disse ter sido o acusado quem lhe convidou para fazer a parada, sendo este o autor do golpe de faca que ceifou a vida da vítima, também negou ter subtraído algum objeto de valor pertencente à vítima (...) o menor admitiu que foi ele quem deu uma 'gravatada' no pescoço da vítima; essa afirmação faz sentido porque na ocasião verificou-se que o menor tinha sinais de mordida no antebraço direito (...)"

Deveras, o móvel propulsor do delito a toda evidência foi a subtração dos bens móveis da vítima, consubstanciados em 02 (dois) relógios e uma carteira com a quantia de R$30,00 (trinta reais). E, para tanto, violentamente, resolveram ceifar a vida da vítima mediante três facadas nas regiões torácica direita, epigástrica e do hipocôndrio esquerdo (fls. 73/77), causando-lhe intenso sofrimento.

A jurisprudência quanto à consumação do latrocínio e afastando a tese de homicídio vem arestada no seguinte sentido, verbis:

"APELAÇÃO - LATROCÍNIO - CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO - CONCURSO DE PESSOAS - DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO - INVIABILIDADE - PROVA DO ANIMUS DE ROUBAR - DESVIO SUBJETIVO DE CONDUTA - INOCORRÊNCIA - PARTICIPAÇÃO - DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO - INADMISSIBILIDADE - REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA - INICIALMENTE FECHADO. Se a violência exercida contra a vítima, acarretando-lhe a morte, foi exercida com o intuito de subtrair a quantia que lhe pertencia, configura-se o delito de latrocínio. Em tema de latrocínio não se deve reconhecer a cooperação dolosamente distinta, agasalhada pelo art. 29, § 2º, do CP, se o envolvido na empreitada criminosa dela participou ativamente, ainda que não tenha executado atos que culminaram na morte da vítima, mas assumiu o risco da produção do resultado mais grave. Em consonância com o posicionamento por mim adotado neste Sodalício, tendo o pleno do STF, por maioria de votos (HC 82959/SP), em sede de controle difuso, declarado a inconstitucionalidade do parágrafo 1.º, do artigo 2.º, da Lei n.º 8.072/90, por contrariar os princípios da individualização e humanização das penas, afastou o óbice que impedia a progressão de regime aos chamados crimes hediondos e a eles equiparados.

Recursos parcialmente providos." (TJ/MG, Rel. Des. Antônio Armando dos Anjos, Apelação Criminal nº 1.0372.05.014103-8/001, Publicação: 12-5-2007) (grifos nossos.)

Convém ressaltar, o crime de latrocínio ocorre quando é empregada violência física contra a pessoa com o fim de subtrair a res, ou para assegurar a sua posse ou a impunidade do crime, daí decorrendo a morte da vítima.

É, pois, classificado como crime complexo, formado pelo crime contra o patrimônio (roubo) + crime contra a vida (homicídio).

Desse modo, a prova angariada está em consonância com os fatos apurados nos autos, restando evidente a prática do crime qualificado pelo resultado morte. A r. sentença nesse particular é irreprochável, devendo ser mantida, porquanto, a conduta exteriorizada pelo réu se amolda formal e materialmente ao tipo penal vazado no art. 157, § 3º, última parte, do CP.

DA PENA-BASE:

Sobre o aspecto da pena-base, a d. magistrada sentenciante considerou desfavoráveis as seguintes circunstâncias: culpabilidade, personalidade, circunstâncias, motivos, conseqüências e comportamento da vítima. Com efeito, fixou a pena-base em 22 anos e 02 meses de reclusão e 150 dias-multa.

Bem analisando o decisum, à exceção da personalidade, as demais circunstâncias encontram-se devidamente fundamentadas (art. 93, IX, CF/88).

Conforme reiteradas vezes assentamos, a personalidade se refere ao caráter da pessoa humana, servindo para demonstrar a índole do agente, seu temperamento.

Trata-se de circunstância muito mais afeta aos ramos da psicologia, da psiquiatria, da biologia, pois se deve mergulhar no interior psicológico e buscar se avaliar sua maneira de ser, de agir, de viver, de se apresentar no mundo exterior.

Tal circunstância somente poderá ser analisada e valorada a partir de um laudo psicossocial conclusivo e firmado por pessoa habilitada, fato inexistente na maioria dos casos postos sub judice.

O exame de dependência toxicológica em apenso apenas concluiu possuir o réu histórico de uso de álcool, não sendo dependente químico. Em suma, inexiste fundamento idôneo para se considerar desfavorável a circunstância judicial personalidade.

Por conseqüência, a pena-base deve ser parcialmente retificada nos seguintes termos:

Com fulcro no princípio constitucional da individualização da pena e art. 59 do CP, consideramos adequadamente fundamentadas pela juíza, como desfavoráveis, as seguintes circunstâncias judiciais: culpabilidade, circunstâncias, motivos, conseqüências e comportamento da vítima. Diante disso, fixamos a pena-base em 21 anos e 10 meses de reclusão e 125 dias-multa. Incide a circunstância atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d", CP), razão pela qual minoramos a reprimenda em 04 meses e 20 dias multa. À míngua de circunstâncias agravantes e causas de diminuição ou aumento de pena, ESTABELECEMOS A PENA DEFINITIVA DE 21 ANOS E 06 MESES DE RECLUSÃO E 105 DIAS-MULTA, EM REGIME INICIAL FECHADO.

Incabível a substituição da pena ou o sursis.

Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, DÁ PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DE APELAÇÃO, para reduzir a pena imposta ao réu para 21 anos e 06 meses de reclusão e 105 dias-multa.

É como voto.

VOTO

EXMO. SR. DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (VOGAL)

Acompanho o voto do douto Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. GÉRSON FERREIRA PAES, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. GÉRSON FERREIRA PAES (Relator), DES. TEOMAR DE OLIVEIRA CORREIA (Revisor) e DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA (Vogal), proferiu a seguinte decisão: POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, VENCIDO O D. REVISOR QUE VOTOU PELO PROVIMENTO PARCIAL DO APELO. DECISÃO DE ACORDO COM O PARECER.

Cuiabá, 28 de abril de 2010.

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DESEMBARGADOR GÉRSON FERREIRA PAES - PRESIDENTE DA SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL E RELATOR

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PROCURADOR DE JUSTIÇA




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