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sexta-feira, 16 de julho de 2010

JURID - Ação civil pública. Defesa coletiva de consumidores. [16/07/10] - Jurisprudência


Administrativo, constitucional e processual civil. Ação civil pública. Defesa coletiva de consumidores. Optometristas.

Superior Tribunal de Justiça - STJ

RECURSO ESPECIAL Nº 1.169.991 - RO (2009/0239906-5)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE: ANTÔNIO SILVA MARQUES E OUTRO

ADVOGADO: FÁBIO LUIZ DA CUNHA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA

EMENTA

ADMINISTRATIVO, CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DEFESA COLETIVA DE CONSUMIDORES - OPTOMETRISTAS - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA - VERIFICAÇÃO DA RECEPÇÃO MATERIAL DE NORMA PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988 - INVIABILIDADE - VIGÊNCIA DO DECRETO 20.931/1932 EM RELAÇÃO AO OPTOMETRISTA - PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO 397/2002 - INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL.

1. Não ocorre ofensa aos arts. 165, 458 e 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. É inviável, em recurso especial, a verificação quanto à recepção material de norma pela Constituição de 1988, pois reforge à competência deste Tribunal Superior, uma vez que possui nítido caráter constitucional. Precedentes do STJ.

3. Estão em vigor os dispositivos do Decreto 20.931/1932 que tratam do profissional de optometria, tendo em vista que o ato normativo superveniente que os revogou (Decreto 99.678/90) foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.

4. A Portaria 397/2002 do Ministério do Trabalho e Emprego é parcialmente inconstitucional, uma vez que extrapolou a previsão legal ao permitir que os profissionais optométricos realizem exames e consultas, bem como prescrevam a utilização de óculos e lentes.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr(a). FÁBIO LUIZ DA CUNHA, pela parte RECORRENTE: ANTÔNIO SILVA MARQUES

Brasília-DF, 04 de maio de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON
Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Cuida-se de recurso especial interposto por Antônio Silva Marques e outro contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, assim ementado:

PROCESSO CIVIL, CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DE CONSUMIDORES. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. OPTOMETRISTAS. EXERCÍCIO ILEGAL DA MEDICINA. CRIME. PORTARIA 397/2002, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES - CBO. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. SUSPENSÃO DE REALIZAÇÃO DE CONSULTA E PRESCRIÇÃO DE ÓCULOS SEM LAUDO (RECEITUÁRIO) MÉDICO. POSSIBILIDADE.

O Ministério Público é legítimo para propor ação civil pública na defesa coletiva de direitos dos consumidores.

É parcialmente inconstitucional a Portaria n. 397/2002, do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, com relação à profissão de Optometrista, na medida em que extrapola seu poder regulamentador, porquanto outorgou funções aos respectivos profissionais que se inserem no campo de atuação médica, ultrapassando os limites da lei.

É possível, em ação civil pública, com base na tutela de direitos coletivos dos consumidores, suspender a realização, por parte de Optometristas, de consulta, bem como a prescrição de óculos, sem laudos médicos, quando tais condutas se revelem ilegais.

Alegam os recorrentes contrariedade aos artigos 165, 458 e 535, I, do CPC; art. 65 do CPP; arts. 38, 39 e 41 do Decreto 20.931/32 e arts. 13 e 14 do Decreto 24.492/34.

Houve contrarrazões (fls. 667 a 684) e o recurso especial não foi admitido, subindo os autos a esta Corte por força de decisão proferida em agravo de instrumento.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Trata-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal com o objetivo de determinar que os requeridos se abstenham de aviar óculos ou lentes de grau, realizar consultas, manusear aparelhos ou praticar atos privativos de médicos.

A ação foi julgada improcedente.

Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia deu parcial provimento ao recurso para determinar que "os profissionais e a empresa demandados se abstenham de realizar consultas e prescrever óculos sem o respectivo laudo médico, bem como façam a devida adequação de suas propagandas comerciais" (fl. 466).

Apontam os recorrentes contrariedade aos artigos 165, 458 e 535 do CPC, porque o Tribunal a quo não teria apreciado o ponto principal da lide, qual seja, a inaplicabiliade dos Decretos de 20.931/32 e 24.492/34 ao caso dos autos, "face a não incidência da ratio legis que motivou a edição dos mesmos, bem como a prevalência dos artigos 1º, IV c/c art. 5º, XIII; art. 170, IV e VII; art. 196; art. 205 c/c art. 209 e art. 214, IV e V, todos da CRFB/88, combinados ainda com o art. 39 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394/1996), sobre os Decretos Getulianos que estribam a decisão recorridda" (fl. 514).

Afasto a alegada contrariedade, tendo em vista que o Tribunal de origem decidiu, fundamentadamente, as questões essenciais à solução da controvérsia, consoante se observa no acórdão de fls. 449 a 466, complementado pelos embargos de declaração de fls. 497 a 502, quando ficou expressamente demonstrado que foi examinada a legislação pertinente ao caso, pretendendo os embargantes apenas a rediscussão da causa, fim para o qual não se prestam os embargos de declaração.

Além disso, alegam os recorrentes que o Tribunal a quo também teria incorrido em contradição, no tocante à absolvição dos réus em ação penal (art. 65 do CPP), em que se apurava o cometimento de crime de exercício ilegal de medicina.

Sobre a questão, o Tribunal reconhece a existência de ação diversa, em que foi a afastada a responsabilidade penal dos ora recorrentes, sob o argumento de que estes estavam amparados pela Portaria 397/2000 do Ministério do Trabalho e Emprego, razão pela qual não há exercício ilegal da medicina.

Apenas a título demonstrativo, colaciono trecho do acórdão recorrido (fl. 460, e-STJ):

Em conseqüência, a respectiva ação penal que tramitou no Juizado Especial Criminal de Cacoal, a qual teve recurso à Turma Recursal Criminal, foi julgada improcedente, tendo o citado colegiado assim decidido (extrato do julgamento à fl. 376):

Criminal. Optometrista. Previsão legal. Exercício ilegal de medicina. Não configuração. Reforma da sentença. Absolvição.

Em sendo expressamente prevista a profissão de optometrista pelo Decreto n. 20.931/32, e sendo as atividades praticadas pelo réus descritas na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, através da Portaria n. 397 de 09/10/2000, não há que se falar em exercício ilegal da medicina, ante a existência de norma autorizadora no ordenamento jurídico, prestigiando-se assim, o Princípio da Tipicidade Conglobante, impondo-ser a reforma da sentença condenatória para absolver o recorrente (TJRO - Turma Recursal do Interior - Recurso Criminal n. 100.008.2004.003360-8, rel. Juiz Marcos Alberto Oldakowski).

Todos esses elementos evidenciam a inexistência de prática do crime de exercício ilegal da medicina, porquanto não há o elemento objetivo do tipo, de tal modo que, ao menos por este fundamento, não há perigo, in concreto, aos cidadãos consumidores daquele município.

Entretanto, o Tribunal local destaca que a ação civil pública originária possui objetivo mais amplo que a simples repercussão cível de uma eventual prática criminosa (art. 65 do CPP).

Questiona-se, também, a própria legalidade da Portaria 397/2000, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que teria alargado as atividades do optometrista, em confronto às disposições dos Decretos 20.931/1932 e 24.492/1934, o que acarretaria no reconhecimento da inconstitucionalidade do mencionado ato normativo (fl. 460, e-STJ).

Superadas essas preliminares de nulidade, constato que o cerne da discussão reside no reconhecimento da aplicação dos Decretos 20.931/1932 e 24.492/1934 e se esses diplomas foram ou não recepcionados pela atual Carta Magna.

Ora, a análise do pleito dos recorrentes - verificação quanto à recepção material de norma pela Constituição de 1988 - é inviável em recurso especial, pois reforge à competência deste Tribunal Superior, uma vez que possui nítido caráter constitucional.

Nesse sentido, cito precedentes:

ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. ANÁLISE DA RECEPÇÃO DE NORMAS FRENTE À CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO NA VIA ELEITA. PENSÃO. REVERSÃO DO BENEFÍCIO. FILHA DE EX-COMBATENTE. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE À DATA DO ÓBITO. LEIS N.os 4.242/63 E 3.765/60.

1. A verificação quanto a terem sido, ou não, recepcionadas pela Carta Magna de 1988 as Leis n.os 3.765/1960 e 4.242/1963 é de natureza eminentemente constitucional, o que refoge aos limites da via do apelo nobre.

2. Segundo o entendimento pacificado desta Corte Superior de Justiça, norteado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o direito à pensão por morte decorrente da pensão de ex-combatente deve ser regido pela lei vigente à data do óbito do instituidor do benefício.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1166027/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 05/04/2010, grifei)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. MÉDICO LEGISTA DA POLICIA CIVIL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. APOSENTADORIA VOLUNTÁRIA DE NATUREZA ESPECIAL POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 51/85. MATÉRIA DE DIREITO CONSTITUCIONAL. RECURSO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O Tribunal a quo entendeu que a Lei Complementar Federal 51/85 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. O Estado do Espírito Santo, contrariamente, sustenta que referida Lei Complementar não foi recepcionada pela Constituição, por isso, o direito à aposentadoria especial não poderia ser reconhecido nos termos do § único do art. 5º da Lei 9717/98.

2. A matéria tratada no recurso especial é de competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, inciso I, da Constituiçãode 1988, pois o deslinde da questão está em saber se o conteúdo normativo da Lei Complementar 51/85 foi recepcionado materialmente pela Constituição Federal.

3. Agravo regimental a se nega provimento.

(AgRg no REsp 895.585/ES, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2010, DJe 15/03/2010, grifei)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO ESPECIAL. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PARTE BENEFICIADA PELA JUSTIÇA GRATUITA. ACÓRDÃO DA CORTE DE ORIGEM COM FUNDAMENTO EXCLUSIVAMENTE CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE DE ANÁLISE NO ÂMBITO DO RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Estando o acórdão recorrido embasado em fundamento exclusivamente constitucional, relativo a não ter o art. 12 da Lei 1.060/50 sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, revela-se imprópria a veiculação da matéria em Recurso Especial, em razão dos contornos definidos pela Carta Magna, no art. 105, III. Precedentes.

2. Agravo Regimental desprovido.

(AgRg no REsp 1103699/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 16/11/2009)

Ademais, ressalto que sob o aspecto infraconstitucional, esta Corte já se manifestou pela vigência dos dispositivos do Decreto 20.931/1932 que tratam do profissional de optometria, tendo em vista que o ato normativo superveniente que os revogou (Decreto 99.678/90) foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROFISSIONAL DA OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRECEDENTE/STJ. LEGITIMIDADE DO ATO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. DIREITO GARANTIDO SE PREENCHIDOS OS REQUISITOS SANITÁRIOS ESTIPULADOS NA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E A LIBERDADE PROFISSIONAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.

1. A valorização do trabalho humano e a liberdade profissional são princípios constitucionais que, por si sós, à míngua de regulação complementar, e à luz da exegese pós-positivista admitem o exercício de qualquer atividade laborativa lícita.

2. O Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado, dentre outros valores, na dignidade e na valorização do trabalho humanos.

Esses princípios, consoante os pós-positivistas, influem na exegese da legislação infraconstitucional, porquanto em torno deles gravita todo o ordenamento jurídico, composto por normas inferiores que provêm destas normas qualificadas como soem ser as regras principiológicas.

3. A constitucionalização da valorização do trabalho humano importa que sejam tomadas medidas adequadas a fim de que metas como busca do pleno emprego (explicitamente consagrada no art. 170, VIII), distribuição eqüitativa e justa da renda e ampliação do acesso a bens e serviços sejam alcançadas. Além disso, valorizar o trabalho humano, conforme o preceito constitucional, significa defender condições humanas de trabalho, além de se preconizar por justa remuneração e defender o trabalho de abusos que o capital possa dessarazoadamente proporcionar. (Leonardo Raupp Bocorny, In "A Valorização do Trabalho Humano no Estado Democrático de Direito, Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre/2003, páginas 72/73).

4. Consectariamente, nas questões inerentes à inscrição nos Conselhos Profissionais, esses cânones devem informar a atuação dos aplicadores do Direito, máxime porque dessa legitimação profissional exsurge a possibilidade do trabalho, valorizado constitucionalmente.

5. O conteúdo das atividades do optometrista está descrito na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002).

6. O art. 3º do Decreto nº 20.931, de 11.1.1932, que regula a profissão de optometrista, está em vigor porquanto o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n. 99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.

7. Reconhecida a existência da profissão e não havendo dúvida quando à legitimidade do seu exercício (pelo menos em certo campo de atividades), nada impede a existência de um curso próprio de formação profissional de optometrista.(MS 9469/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.08.2005, DJ 05.09.2005) 8. A competência da vigilância sanitária limita-se apenas à análise acerca da existência de habilitação e/ou capacidade legal do profissional da saúde e do respeito à legislação sanitária, objeto, in casu, de fiscalização estadual e/ou municipal.

9. O optometrista, todavia, não resta habilitado para os misteres médicos, como são as atividades de diagnosticar e tratar doenças relativas ao globo ocular, sob qualquer forma.

10. O curso universitário que está dimensionado, em sua duração e forma, para o exercício da oftamologia, é a medicina, nos termos da legislação em vigor (Celso Ribeiro Bastos, In artigo "Da Criação e Regulamentação de Profissões e Cursos Superiores: o Caso dos Oftalmologistas, Optomestristas e Ópticos Práticos", Estudos e Pareceres, Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 34, ano 9 - janeiro-março de 2001, RT, pág. 257).

11. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.

12. Recurso Especial provido, para o fim de expedição do alvará sanitário admitindo o ofício da optometria.

(REsp 975.322/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 03/11/2008, grifei)

Além desse julgado, a Primeira Seção deste Tribunal, ao apreciar mandamus em que se questionava o reconhecimento do Curso Superior de Tecnologia em Optometria, já sinalizava a existência de eventuais ilegalidades nas previsões contidas na Portaria Ministerial 397/2002:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA EM OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. LEGITIMIDADE DO ATO.

1. A manifestação prévia do Conselho Nacional de Saúde é exigida apenas para os casos de criação de cursos de graduação em medicina, em odontologia e em psicologia (art. 27 do Decreto n. 3.860/2001), não estando prevista para outros cursos superiores, ainda que da área de saúde.

2. Em nosso sistema, de Constituição rígida e de supremacia das normas constitucionais, a inconstitucionalidade de um preceito normativo acarreta a sua nulidade desde a origem. Assim, a suspensão ou a anulação, por vício de inconstitucionalidade, da norma revogadora, importa o reconhecimento da vigência, ex tunc, da norma anterior tida por revogada (RE 259.339, Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 16.06.2000 e na ADIn 652/MA, Min. Celso de Mello, RTJ 146:461; art. 11, § 2º da Lei 9.868/99). Estão em vigor, portanto, os Decretos 20.931, de 11.1.1932 e 24.492, de 28 de junho de 1934, que regulam a fiscalização e o exercício da medicina, já que o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n. 99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.

3. A profissão de optometrista está prevista em nosso direito desde 1932 (art. 3º do Decreto 20.931/32). O conteúdo de suas atividades está descrito na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002).

4. Ainda que se possa questionar a legitimidade do exercício, pelos optometristas, de algumas daquelas atividades, por pertencerem ao domínio próprio da medicina, não há dúvida quanto à legitimidade do exercício da maioria delas, algumas das quais se confundem com as de ótico, já previstas no art. 9º do Decreto 24.492/34.

5. Reconhecida a existência da profissão e não havendo dúvida quando à legitimidade do seu exercício (pelo menos em certo campo de atividades), nada impede a existência de um curso próprio de formação profissional de optometrista.

6. O ato atacado (Portaria n. 2.948, de 21.10.03) nada dispôs sobre as atividades do optometrista, limitando-se a reconhecer o Curso Superior de Tecnologia em Optometria, criado por entidade de ensino superior. Assim, a alegação de ilegitimidade do exercício, por optometristas, de certas atividades previstas na Classificação Brasileira de Ocupações é matéria estranha ao referido ato e, ainda que fosse procedente, não constituiria causa suficiente para comprometer a sua validade.

7. Ordem denegada.

(MS 9.469/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/08/2005, DJ 05/09/2005 p. 197, grifei)

Assim, necessária a realização do cotejo entre as disposições contidas no mencionado ato ministerial e a legislação aplicável ao caso, o que passo a fazer.

A Portaria 397/2002, que aprova a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO/2002, estabelece o seguinte:

Art. 1º Aprovar a Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, versão 2002, para uso em todo o território nacional.

O anexo da norma em questão dispõe da seguinte forma:

A - REALIZAR EXAMES OPTOMÉTRICOS

1. Fazer anamnese; 2. Medir acuidade visual; 3 - Analisar estruturas externas e internas do olho; 4. Mensurar estruturas externas e internas do olho; 5. Medir córnea (queratonometria, paquimetria e topografia); 6. Avaliar fundo do olho (oftomoscopia); 7. Medir pressão intraocular (tonometria); 8. Identificar deficiências e anomalias visuais; 9. Encaminhar casos patológicos a médicos; 10. Realizar testes motores e sensoriais; 11. Realizar exames complementares; 12. Prescrever compensação óptica; 14. Recomendar auxílios ópticos; 15. Realizar perícias optométricas em auxílios ópticos.

B - ADAPTAR LENTES DE CONTATO

[...]

C - CONFECCIONAR LENTES

[...]

D - PROMOVER EDUCAÇÃO EM SAÚDE VISUAL

[...]

E - VENDER PRODUTOS E SERVIÇOS OPTICOS E OPTOMÉTRICOS

[...]

F - GERENCIAR ESTABELECIMENTO

[...]

6. RECURSOS DE TRABALHO

Queratômetro; Máquinas surfaçadoras; lâmpada de Burton; Filtros e feltro; Lâmpada de fenda (biomicroscópio); Produtos para assepsia abrasivos; Retinoscópio; Lensômetro; Refrator; Oftalmoscópio (direto-indireto); Pupilômetro; Topógrafo; Caixas de prova e armação para auxílios ópticos; calibradores; alicates; chaves de fenda; máquinas para montagem; Tabela de Projetor de Optótipos; torno; tonômetro; Corantes e fluoesceínas; solventes polidores e lixas; forópetro; espessímetro; moldes e modelos Títmus Resinas.

Em contrapartida, trago à baila os dispositivos pertinentes dos mencionados decretos:

Decreto 20.931/1932

Art. 38 É terminantemente proibido aos enfermeiros, massagistas, optometristas e ortopedistas a instalação de consultórios para atender clientes, devendo o material aí encontrado ser apreendido e remetido para o depósito público, onde será vendido judicialmente a requerimento da Procuradoria dos leitos da Saude Pública e a quem a autoridade competente oficiará nesse sentido. O produto do leilão judicial será recolhido ao Tesouro, pelo mesmo processo que as multas sanitárias.

Art. 39 É vedado às casas de ótica confeccionar e vender lentes de grau sem prescrição médica, bem como instalar consultórios médicos nas dependências dos seus estabelecimentos.

(...)

Art. 41 As casas de ótica, ortopedia e os estabelecimentos eletro, rádio e fisioterápicos de qualquer natureza devem possuir um livro devidamente rubricado pela autoridade sanitária competente, destinado ao registo das prescrições médicas. (grifei)

Decreto 24.492/1934

Art. 13 É expressamente proibido ao proprietário, sócio gerente, ótico prático e demais empregados do estabelecimento, escolher ou permitir escolher, indicar ou aconselhar o uso de lentes de gráu, sob pena de processo por exercício ilegal da medicina, além das outras penalidades previstas em lei.

Art. 14 O estabelecimento de venda de lentes de gráu só poderá fornecer lentes de gráu mediante apresentação da fórmula ótica de médico, cujo diploma se ache devidamente registrado na repartição competente. (grifei).

Ora, percebe-se nitidamente que a portaria em questão foi além do que previsto na legislação de regência, ao permitir que os profissionais óticos realizem exames e consultas optométricos, bem como prescrevam a utilização de óculos e lentes.

Assim, concordo com o posicionamento adotado pela instância ordinária, no sentido de que os profissionais ora recorrentes se abstenham de realizar consultas e prescrever óculos sem o respectivo laudo médico.

Com essas considerações, conheço parcialmente do recurso especial, mas lhe nego provimento.

É o voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEGUNDA TURMA

Número Registro: 2009/0239906-5

REsp 1169991 / RO

Números Origem: 10200720060015701 200600157010 200900309449 20100720060015701 7060015701

PAUTA: 20/04/2010

JULGADO: 04/05/2010

Relatora
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO FRANCISCO SOBRINHO

Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE: ANTÔNIO SILVA MARQUES E OUTRO

ADVOGADO: FÁBIO LUIZ DA CUNHA

RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). FÁBIO LUIZ DA CUNHA, pela parte RECORRENTE: ANTÔNIO SILVA MARQUES

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, negou-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."

Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.


Brasília, 04 de maio de 2010

VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária

Documento: 963248
Inteiro Teor do Acórdão
DJ: 13/05/2010




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