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terça-feira, 20 de julho de 2010

JURID - Responsabilidade civil por ato ilícito. Colisão. [20/07/10] - Jurisprudência


Apelação cível e recurso adesivo. Responsabilidade civil por ato ilícito. Colisão entre veículo e locomotiva.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação cível n. 2007.029091-6, de Forquilhinha

Relator: juiz Jânio Machado

APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO ILÍCITO. COLISÃO ENTRE VEÍCULO E LOCOMOTIVA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSÊNCIA DE PROVA DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA QUE GERA O DEVER DE INDENIZAR. DANOS MATERIAS E MORAIS BEM EVIDENCIADOS. MENSURAÇÃO DO DANO MORAL QUE NÃO SE APRESENTA EXCESSIVA OU REDUZIDA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE QUE FORAM ATENDIDOS NO CASO CONCRETO, NÃO SE JUSTIFICANDO A INTERFERÊNCIA DA CÂMARA NUMA ATIVIDADE QUE É MARCADA PELA DISCRICIONARIEDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PLEITO DE MAJORAÇÃO QUE É ACOLHIDO. RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ADESIVO.

1. A pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público responde de forma objetiva pelos danos causados a terceiros, a hipótese que os autos reproduzem, até porque não se comprovou a culpa exclusiva da vítima.

2. Os honorários advocatícios devem remunerar com dignidade o trabalho do advogado, considerando-se, também, o longo tempo de duração da ação e a necessidade de instrução plena, inclusive com acompanhamento da carta precatória de inquirição de testemunha.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2007.029091-6, da comarca de Forquilhinha (Vara Única), em que é apelante/apelada adesiva Ferrovia Tereza Cristina SA e apelados/apelantes adesivos Celso Wernke e Amabelle Maria Meurer de Bona Wernke:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Público, à unanimidade, negar provimento ao recurso principal e dar parcial provimento ao recurso adesivo. Custas legais.

RELATÓRIO

Celso Wernke e Amabelle Maria Meurer de Bona Wernke ajuizaram "ação ordinária de indenização por ato ilícito causado em acidente de trânsito" contra a Ferrovia Teresa Cristina S/A alegando que: em 6.11.2003 foram vítimas de um acidente de trânsito, tendo seu veículo sido abalroado pela locomotiva da requerida; "sem as cautelas devidas, o maquinista conduziu a locomotiva sem providenciar qualquer alerta de passagem, tanto por sinal sonoro, como por faróis devidamente acesos"; também "o semáforo e a cancela, vinculados ao trilho, não foram acionados, não dando sinal de 'alerta' (pisca amarelo) ou 'pare' aos veículos que ali trafegavam"; a autora sofreu lesões físicas graves, a saber, fraturas na costela, o que implicou na sua imobilização física durante várias semanas, necessitando de repouso forçado no leito e ficando incapaz de exercer suas atividades diárias, além de encontrar-se, desde o sinistro, auferindo auxílio-doença, pois está impossibilitada de trabalhar; "por conta da medicação que lhe foi ministrada", a autora despendeu a quantia de R$147,40 (cento e quarenta e sete reais e quarenta centavos); são devidos à autora, também, danos morais, "em face do sofrimento, dor e demais transtornos de ordem psicológica e física" que lhe afligem desde a data do sinistro; o autor deve ser ressarcido dos prejuízos materiais havidos, pois o veículo abalroado sofreu uma destruição quase completa; o autor não tem condições financeiras para efetuar o conserto do automóvel, cuja menor estimativa de preço totalizou R$4.785,00 (quatro mil, setecentos e oitenta e cinco reais); a culpa da requerida está bem evidenciada, impondo-se a sua responsabilização pelos danos materiais e morais causados, a razão do seu pedido de condenação da requerida ao pagamento dos danos materiais ao autor, no importe de R$4.785,00 (quatro mil, setecentos e oitenta e cinco reais), e à autora, no valor de R$147,40 (cento e quarenta e sete reais e quarenta centavos), acrescidos de juros da mora e correção monetária desde a data do fato, bem ainda de indenização pelos danos morais à autora, corrigidos monetariamente e com juros da mora a partir da citação. Requereram, ademais, a concessão do benefício da justiça gratuita (fls. 2/12).

A digna magistrada deferiu o pedido de justiça gratuita (fl. 39) e os autores juntaram exames realizados em 9.12.2003 e 2.3.2004 (fls. 40/42).

Citada, a requerida ofereceu contestação argumentando com: 1) a inépcia da petição inicial, por faltar-lhe causa de pedir e, também, porque da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão; 2) a carência da ação, uma vez que os autores não têm interesse processual; 3) a rejeição do pedido inicial, diante da inexistência da obrigação de indenizar na hipótese, afinal o sinistro ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo; 4) o fato de que não praticou qualquer ato ilícito, não tendo agido com culpa ou dolo, em nada contribuindo para o evento danoso; 5) a ausência de deficiência na sinalização do local do sinistro, sendo esta, em vez disso, superior à exigida pelas normas pertinentes; 6) a conduta inadvertida e irresponsável do condutor do veículo, justificando a ocorrência do sinistro; 7) o pleno atendimento dos procedimentos de segurança por seus funcionários; 8) a parada obrigatória nos cruzamentos de via férrea, o que, contudo, foi desrespeitado pelo autor, configurando sua imprudência; 9) a impossibilidade da sua responsabilização por qualquer dano material ou moral experimentado pelos autores, em face da inexistência de nexo de causalidade entre o fato e o dano; 10) a ausência de dano moral na hipótese; 11) o arbitramento prudente e moderado dos danos morais, acaso acolhido o pedido inicial; 12) o ônus dos autores, de provarem o fato constitutivo do direito invocado; 13) a fragilidade das provas apresentadas junto com a petição inicial e 14) a compensação dos honorários advocatícios, na hipótese de sucumbência recíproca e proporcional (fls. 47/67).

Sobreveio impugnação dos autores à contestação (fls. 138/142) e decisão designando data para a realização de audiência de conciliação e saneamento (fl. 143), ato em que a proposta conciliatória foi rejeitada e o autor pugnou pela produção de prova pericial e testemunhal, esta última também pleiteada pela requerida juntamente com a colheita do depoimento pessoal dos autores (fl. 147).

Após a apresentação do rol das testemunhas da requerida (fls. 151/152), o digno magistrado deferiu a produção da prova testemunhal, designando data para a realização da audiência de instrução e julgamento (fl. 153). Os autores juntaram o rol das suas testemunhas (fl. 163 e fl. 176) e, também, relatório clínico cirúrgico, recibo de consulta e recibo de pagamento da cirurgia realizada em 25.11.2004 (fls. 168/171).

Na referida audiência, depois de frustrada a tentativa de conciliação, foi colhido o depoimento de uma testemunha dos autores, facultando-se às partes, após o retorno das cartas precatórias de inquirição das demais testemunhas, o oferecimento de alegações finais (fls. 180/182).

Os depoimentos das testemunhas deprecadas foram juntados (fl. 200, fls. 248/249 e fl. 257), assim como as alegações finais dos autores (fls. 263/266) e da requerida (fls. 271/276).

Na sequência, a digna magistrada Miriam Regina Garcia Cavalcanti proferiu sentença acolhendo o pedido inicial para o fim de condenar a requerida ao pagamento: 1) da importância de R$4.785,00 (quatro mil, setecentos e oitenta e cinco reais) ao autor, atualizada monetariamente desde 17.11.2003, referente aos danos causados ao veículo envolvido no sinistro; 2) de 30 (trinta) salários mínimos à autora, a título de danos morais, quantia que corresponde na data desta decisão a R$10.500,00 (dez mil e quinhentos reais), incidindo a partir de então correção monetária; 3) do valor de R$147,40 (cento e quarenta e sete reais e quarenta centavos) à autora, atualizado monetariamente desde 10.11.2003 e 4) das custas e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, esta que deverá ser acrescida de juros da mora, à taxa de 12% (doze por cento) ao ano, a partir do evento danoso, a saber, 7.11.2003 (fls. 277/284).

Irresignada, a requerida interpôs recurso de apelação sustentando a: 1) ausência de qualquer responsabilidade pela ocorrência do sinistro; 2) existência de sinalização no local do acidente; 3) impossibilidade de deferimento do pleito relativo ao dano moral e 4) redução da dano moral arbitrado, acaso mantida tal condenação (fls. 289/298).

O apelo foi recebido (fl. 300) e os autores interpuseram recurso adesivo requerendo a majoração dos danos morais e dos honorários advocatícios arbitrados (fls. 303/305).

Após o recebimento do recurso adesivo (fl. 306), os autores apresentaram resposta ao apelo da requerida (fls. 308/315), esta que agiu do mesmo modo (fls. 318/322), vindo os autos, então, a esta Corte, onde foram redistribuídos a esta Câmara por força da decisão proferida pela Quarta Câmara de Direito Civil (fls. 325/330).

VOTO

Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações a respeito da matéria em debate:

I - O transporte ferroviário é regido pelo vetusto Dec. 2.681, de 07.12.12, estatuto inspirado, naquela época, na legislação da Polônia, posto a lume no início do século passado e informado de tendências de uma época na qual a responsabilidade civil no Brasil ainda sofria influência da escola subjetivista.

No campo da regulamentação da responsabilidade civil do transportador, é pioneiro. Foi o primeiro instrumento legal posto a lume em nosso país.

Referido decreto regula a responsabilidade contratual das estradas de ferro perante seus usuários, enquanto o regulamento da segurança, tráfego e polícia das estradas de ferro está disciplinado no Dec. 2.089, de 18.01.63. Pode-se lembrar, ainda, o Regulamento dos Transportes Ferroviários, contido no Dec. 1.832, de 04.03.96.

(...)

II - Mesmo após o advento da Constituição Federal em 1988 e do Código Civil em 2002, cabe observar que o Dec. 2.681/12 encontra-se em vigor, ainda que parcialmente.

Não mais prevalece, contudo, o art. 1º, quando dispõe que "será sempre presumida a culpa" da estrada de ferro.

Embora o sistema ferroviário brasileiro esteja quase todo privatizado, essas pessoas jurídicas de direito privado exercem atividade privativa do Estado e, nos termos do art. 37, § 6º, da CF, equiparam-se, para efeito de responsabilização, às pessoas jurídicas de direito público.

Sua responsabilidade está sustentada na teoria do risco administrativo e, portanto, é objetiva, independendo da verificação de culpa, como de resto ocorre com toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado, exercendo atividade do Estado, mediante autorização, permissão ou concessão. (Grifo no original). (STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2007, p. 403-404).

A empresa de direito privado que presta serviços públicos na forma autorizada pelo artigo 175 da Constituição Federal responde pelos danos causados a terceiros, tal qual sucede com a própria Administração, o que foi bem esclarecido por Sergio Cavalieri Filho:

Deve, entretanto, ser ressaltada neste ponto a distinção estabelecida na própria Constituição entre empresas que executam atividade econômica e empresas prestadoras de serviços públicos. As primeiras - Petrobrás, Banco do Brasil, etc. - estão sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas, só sendo permitido ao Estado explorá-las quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (Constituição, art. 173 e § 1º). As segundas, empresas prestadoras de serviços públicos - Metrô, Rede Ferroviária Federal, Transportes Aéreos, Telefonia etc. -, estão sujeitas ao regime do Direito Público, incidindo então o art. 175 da Constituição. É que o serviço público, embora prestado por entidade privada, preserva a sua natureza estatal; a titularidade continua sendo da entidade pública - União, Estado ou Município - que recebeu da Constituição competência para explorá-lo (arts. 21, XI e XII; 25, § 2º; 30, V). (Grifo no original). (Programa de responsabilidade civil. 6. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 265).

No mesmo sentido é a compreensão de Yussef Said Cahali, ao tratar especificamente da responsabilidade civil das empresas de transporte ferroviário por abalroamento de veículo por trem, na ultrapassagem de linha férrea:

A responsabilidade objetiva das empresas de transporte ferroviário pelos atropelamentos ou abalroamentos de veículos por trens, na ultrapassagem da linha férrea, representa o entendimento que melhor se afeiçoa à natureza da atividade desempenhada e à condição da empresa, como prestadora de serviço público: "Responde o Estado por atropelamento ocorrido em passagem de nível não aparelhada para evitar desastres com a passagem de trens". (TJSP, 4.ª Câmara, 08.07.1971, RT 431/91). No direito pretérito decidia-se que 'a responsabilidade presumida das estradas de ferro se restringe ao aspecto contratual em relação aos passageiros, não sendo possível admiti-la em relação a atropelamento por acidente em passagem de nível, hipótese em que o ônus da prova cabe ao acidentado". (STF, 2.ª Turma, 17.11.1954, RT 252/647).

Atualmente, enquadrando-se a atividade da empresa prestadora serviço público no elastério do art. 37, § 6.º, da Constituição, impõe-se à ferrovia a prova da excludente de responsabilidade. (Grifo no original). (Responsabilidade civil do Estado. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 240-241).

O Supremo Tribunal Federal, em pelo menos 2 (duas) oportunidades, tratou da responsabilidade civil da empresa que presta serviço público de transporte ferroviário e, nesta condição, provoca danos a terceiros, mais especificamente em relação à colisão sobre os trilhos do trem, momentos em que apresentou soluções à luz do preceito encontrado no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal: responsabilidade civil objetiva, somente elidida mediante a demonstração da culpa exclusiva da vítima (recurso extraordinário n. 214.413, do Rio de Janeiro, relator o ministro Gilmar Mendes, j. em 10.10.2006 e recurso extraordinário n. 234.010, do Rio de Janeiro, Segunda Turma, relator o ministro Carlos Velloso, j. em 23.8.2002. Disponíveis em: . Acesso em: 15 abr. 2010).

Os apelados ingressaram com a presente ação objetivando a responsabilização da apelante pelo acidente ocorrido em 6.11.2003, que envolveu o veículo daqueles e a locomotiva desta, com a sua consequente condenação ao pagamento dos danos materiais e morais que causou.

A apelante pretende ver reconhecida a ausência de qualquer responsabilidade sua pelo sinistro referido, defendendo, para tanto, a culpa exclusiva dos apelados e a existência de sinalização suficiente no local do acidente.

A responsabilidade civil, na hipótese, é objetiva, sendo prescindível, por isso, a demonstração de que a apelante agiu com culpa. Para eximir-se de tal responsabilização, é necessário que a apelante comprove a culpa exclusiva dos apelados, o que, contudo, não ficou evidenciado nos presentes autos.

Isso porque se colhe do depoimento prestado por Reginaldo Fernandes:

o depoente presenciou o acidente que envolveu as partes; que, o depoente conduzia o caminhão do lixo, trafegando no sentido Sangão/Centro de Criciúma; que, o acidente ocorreu com um carro branco que trafegava no sentido inverso, ou seja, Centro de Criciúma/Sangão; que, a colisão ocorreu quando a locomotiva atingiu o carro, sendo que a locomotiva estava com o giroflex desligado e com o farol apagado; que, parou o caminhão e foi atender as vítimas; que, no carro branco havia dois ocupantes; que, o maquinista chegou a deixar a locomotiva, momento em que o depoente o interpelou acerca das condições em que a locomotiva trafegava, não tendo o maquinista expressado qualquer manifestação; que, não ficou no local até a chegada da polícia; que, ficou naquele local por cerca de quinze minutos; que, a iluminação pública estava baixa naquele dia, não havia chovido, os semáforos que servem para disciplinar o trânsito dos veículos estava funcionando, porém aquele próximo a linha férrea não estava funcionando, estava apagado; que, não ouviu sinal sonoro que pudesse evidenciar a aproximação da locomotiva; que, chegou a ouvir o barulho da máquina da locomotiva, o que já o alertou quanto a possibilidade cruzar com a mesma; que, no cruzamento com a linha férrea não existe cancela; que, no local existem placas sinalizando o cruzamento da estrada com a linha férrea; (...) que, como iluminação baixa considera a iluminação de baixa luminosidade, esclarecendo que naquele dia não estava tendo queda de energia; que, hoje a iluminação naquele local foi alterada, isto é, antes cada poste tinha uma luminária, sendo que atualmente existem duas luminárias para cada poste; que, no local não há sinalização no asfalto indicativa da existência da linha férrea. (Fls. 181/182).

E outro não foi o conteúdo do depoimento de Maria Ondina E. Pelegrini:

que no dias dos fatos estava conduzindo seu veículo, juntamente com seu marido, na avenida Centenário, Criciúma, em direção a Forquilhinha; que havia apenas um veículo entre o dos autores e o da depoente; que viu quando o dos autores foi atingido pela locomotiva; que o trilho corta a avenida no sentido transversa; que não percebeu sinalização luminosa do local; que o acidente ocorreu à noite. (...) que ao que se recorda havia faróis acesos na locomotiva; que após a colisão ouviu uma espécie de alarme; (...) que no local há iluminação pública; que a depoente não chegou a ouvir o barulho da locomotiva se aproximando. (Fl. 200).

Os depoimentos juntados às fls. 248 e 257 foram prestados pelo condutor do trem e seu auxiliar, tendo ambos sustentado a regularidade e o pleno funcionamento da sinalização que informa a aproximação da locomotiva, apenas e tão só. Já a testemunha Marcos José Freitas, "que não presenciou o acidente descrito na exordial", em nada contribuiu para a demonstração da culpa dos apelados (fl. 249), o que seria necessário para a isenção da responsabilidade da apelante.

Nesse sentido, não custa enfatizar o entendimento proferido em casos de atropelamento de pedestre na linha férrea:

o "Se a companhia ferroviária não provê a ferrovia com adequada sinalização, fiscais, obstáculos, muros ou alambrados, decorrendo daí atropelamento de menor, negligencia o exercício do seu poder de polícia, sendo devida indenização, para tanto irrelevante que tenha a vítima imprudentemente atravessado a ferrovia em local inadequado e à frente do trem em movimento" (1º TACSP - Gr. Cs. Esp. jul./1989 - Elnfrs. - Rel. Ferraz de Arruda - j. 04.04.90 - RT 673/87).

o 'O atropelamento fatal de transeunte que atravessava a linha férrea enseja a responsabilidade civil objetiva, acarretando o dever de indenizar os danos morais e materiais decorrentes, uma vez não demonstrada a culpa exclusiva ou preponderante da vítima' (1º TACSP - 8ª C. - Ap. 1.055.439-7 - Rel. Rubens Cury - j. 05.06.2002 - RT 812/233). (STOCO, Rui. Op. cit. , p. 406).

Sendo assim, por força da sua responsabilidade objetiva, impõe-se, sim, à apelante o dever de reparar os danos materiais causados aos apelados, que são mantidos nos exatos termos da sentença recorrida, até porque não foram objeto do recurso de apelação interposto.

Melhor sorte não assiste às partes no que se refere à indenização pelo dano moral, plenamente cabível na hipótese e arbitrada moderadamente, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, não merecendo, portanto, redução ou majoração do seu valor, o que se faz pelas mesmas razões invocadas pela digna magistrada Miriam Regina Garcia Cavalcanti, com fulcro no artigo 150 do Regimento Interno desta Casa:

O Exame Pericial de fl. 21, comprova que a demandante Amabelle de Bona Wernke, realmente sofreu ofensa à sua integraidade física em decorrência do acidente de trânsito noticiado nos autos.

Não se pode olvidar, portanto, que "(...) ao exame 10/11/03 apresenta hematomas volumosos e equimoses do braço direito, na mama esquerda e na coxa direita e no pescoço anterior. O raio X de tórax mostra fraturas de arcos costais à direita (5.ª e 6 .ª costelas)."

Evidentemente, referidas lesões, a que foi exposta a autora, no momento do acidente, sem dúvida lhe causaram abalos psicológicos, tanto acerca do drama a que foi exposta no local do fato, quanto o trauma dos ferimento em seu próprio corpo.

Com efeito, é inafastável a responsabilidade da demandada pelo pagamento do dano moral causado à autora.

Por todas essas razões, é forçoso reconhecer que houve realmente dano moral sofrido pela demandante, em especial, em razão dos efeitos dos ferimentos que lhe acometeram.

Em relação aos critérios a serem observados para fixação dos danos morais, de julgado também emanado do egrégio TJSC, extraio o seguinte excerto doutrinário:

'(...) A lei não fixa parâmetros objetivos para quantificar a indenização por danos morais. Segundo Carlos Alberto Bittar, 'diante da esquematização atual da teoria em debate, são conferidos amplos poderes ao juiz para definição da forma e da extensão da reparação cabível, em consonância, aliás, com a própria natureza das funções que exerce no processo civil (CPC, arts. 125 e 126). Com efeito, como julgador e dirigente do processo, pode o magistrado ter conhecimento direto das partes, dos fatos e das respectivas circunstâncias, habilitando-as, assim, à luz do direito aplicável, a definir de modo mais adequado, a reparação devida no caso concreto' (Reparação civil por danos morais. RT, 1993, págs. 205/6).

Destaca o renomado jurista que a 'indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido.

Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante' (pág. 220).

Com ele consoa Humberto Theodoro Júnior. Depois de assinalar que 'resta, para a Justiça, a penosa tarefa de dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários', acrescenta que 'o problema haverá de ser solucionado dentro do princípio do prudente arbítrio do julgador, sem parâmetros apriorísticos e à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do nível sócio- econômico dos litigantes e da menor ou maior gravidade da lesão' (Alguns aspectos da nova ordem constitucional sobre o direito civil, RT 662/7-17).

No mesmo sentido são as lições de Wilson Melo da Silva (O dano moral e sua reparação. Forense, 1949, pág. 144) e de Antônio Lindbergh C. Montenegro (Ressarcimento de danos, Âmbito Cultural, 1984, págs. 134/135).' (AC n. 99.000460-0, rel. Des. NEWTON TRISOTTO, 1ª. Câm. Civil, data da decisão: 23.02.99; destaquei do acórdão)

Destarte, deve arcar a demandada com o pagamento de indenização pelo dano gerado em razão do constrangimento vivenciado pela autora.

Nada consta dos autos em desabono aos atributos morais da autora.

Por outro vértice, a demandada é uma empresa que, sob a atual denominação, atua no ramo desde 30/12/1996, data em que teve consolidada sua constituição (fl. 89) e, se assim o faz, deve estruturar-se de forma a evitar que inconvenientes dessa natureza se concretizem em desfavor de pedestres e condutores de veículos que efetiva ou potencialmente cruzam por suas linhas férreas.

Nesse compasso, tenho que a fixação dos danos morais em 30 (trinta) salários mínimos seja suficiente para proporcionar a reparação reclamada, devendo ser considerado o valor vigente ao tempo que se profere esta sentença (R$ 350,00).

Em doutrina, Wilson Melo da Silva ressalta que 'não se paga o preço da dor. Não se estabelece, dessa forma, o comércio dos bens morais. Entregando-se à vítima uma parcela em dinheiro, proporciona-se-lhe uma indireta reparação pelo prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que se inflinge ao culpado uma pena pelo dano que causou.' (O Dano Moral e sua Reparação, pág. 144, ed. 1949).' (Apud Apelação cível n. 00.008775-0, de Seara. Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz.)

É de se salientar, também, que 'a indenização por dano moral não pode levar à riqueza a vítima nem à ruína o seu ofensor, mas refletir, sob o equacionamento do órgão julgador, a extensão da lesão material e a suportabilidade da reparação.' (Apelação Cível n. 97.000281-5, de São José, Relator: Des. Anselmo Cerello) (Grifo no original) (fls. 282/283).

Ademais, em relação ao volume indenizatório, sabe-se que não há tabelas a serem observadas pelo julgador. Cabe ao magistrado, diante do caso concreto, com moderação e em respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, arbitrar o valor, levando em consideração as condições sociais e econômicas dos envolvidos e, também, o grau da culpa de cada um no evento, a gravidade da ocorrência, a extensão do dano e do sofrimento suportado pela vítima. E bem sopesadas estas circunstâncias, tem-se por suficiente e necessário o valor arbitrado em primeiro grau, anotando-se, ainda, que a interferência da Câmara, em tema que guarda extrema complexidade, dá-se em circunstâncias especiais, quando houver abuso na valoração, para mais ou para menos, a hipótese que os autos não retratam.

Por outro lado, merece prosperar a pretensão dos apelantes adesivos, de majoração dos honorários advocatícios para 20% (vinte por cento) do valor total da condenação, o que se determina em respeito ao disposto no artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil e considerando a longa duração do feito, necessidade de acompanhar precatória e realização da audiência de instrução.

Ultimando, registra-se, até mesmo para evitar a oposição de embargos de declaração: o artigo 29, inciso XII, do Código de Trânsito Brasileiro não foi violado no presente julgamento, tendo, em verdade, ainda que implicitamente, merecido a apreciação adequada.

Resumindo: 1) o recurso principal é desprovido e 2) o recurso adesivo é provido parcialmente para o fim único de arbitrar os honorários advocatícios em 20% (vinte por cento) do valor da condenação.

DECISÃO

Ante o exposto, a Quarta Câmara de Direito Público, à unanimidade, nega provimento ao recurso principal e dá parcial provimento ao recurso adesivo.

O julgamento, realizado no dia 29 de abril de 2010, foi presidido pelo desembargador Cláudio Barreto Dutra, com voto, e dele participou o desembargador José Volpato de Souza.

Florianópolis, 4 de maio de 2010.

Jânio Machado
Relator




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