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sexta-feira, 16 de julho de 2010

JURID - Condenação por falsidade ideológica [16/07/10] - Jurisprudência


Entrega de atestados falsos à Universidade resulta em condenação criminal
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV


Estado do Rio Grande do Sul

Poder Judiciário

PROCESSO-CRIME N.º 2.09.0011011-3
INQUÉRITO POLICIAL N.º 164508100311A
AUTOR: O MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: GUILHERME RODRIGUES MORAES
JUIZ-PROLATOR: JOSÉ RICARDO COUTINHO SILVA
DATA: 16.06.2010


VISTOS, ETC.


GUILHERME RODRIGUES MORAES, brasileiro, solteiro, com 22 anos de idade à época do fato, nascido em 10.08.1985, natural de Pelotas, RS, filho de Jorge Moraes e de Clair Terezinha da Silva Rodrigues, residente na Avenida Protásio Alves, n.º 7157/204, bloco 5, nesta Capital, foi denunciado pelo Ministério Público como incurso nas sanções do artigo 299, "caput", do Código Penal, por sete vezes, na forma do artigo 69, "caput", do Diploma Repressivo, porque:

"No dia 27 de novembro de 2007, por volta das 8 horas, nesta Cidade, o denunciado, por sete vezes, inseriu declarações falsas em atestados de comparecimentos à audiências com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.

"Na oportunidade, o denunciado a fim de obter a aprovação na cadeira de Prática de Processo Penal do Curso de Direito da PUC/RS, inseriu em atestados de comparecimento às audiências dados e assinaturas falsas (fls. 75/81 do Inquérito Policial), para com isso forjar que teria assistido à audiências, o que não fez".


Recebida a denúncia, foi o réu citado, tendo apresentado resposta escrita através de defensor constituído.

Na instrução, foram ouvidas duas testemunhas de acusação, sendo o acusado qualificado e interrogado.

Substituído o debate oral por razões escritas, nessas, o Ministério Público, entendendo provadas a autoria e a materialidade do crime, pediu a procedência da denúncia.

A defesa alegou que, para a configuração do delito de falsidade ideológica, é imprescindível que a falsidade seja apta a enganar, o que não ocorreu no presente caso, eis que o denunciado, apenas, escreveu uma assinatura qualquer no documento, sem procurar imitar a verdadeira, não havendo qualquer semelhança com a falsificada. Sustentou que todos os documentos estavam sujeitos à análise pelo professor, que os desconsiderou ao verificar o erro grosseiros nas assinaturas, bem como a ausência de carimbo do Tribunal, levando o réu à recuperação na disciplina. Portanto, não houve dano efetivo com a conduta do acusado, que, mesmo antes de causar possível prejuízo, foi punido pelo professor não lhe atribuindo a nota respectiva. Na hipótese de entendimento diverso, considerando o fato como crime, afirmou não caracterizado o concurso material, previsto no art. 69 do Código Penal. O fato não ocorreu em sete momentos diferentes, e, sim, em, apenas, um ato com o único objetivo de adquirir a aprovação na referida disciplina do curso superior, mediante declarações totalmente distantes do padrão em atestado de comparecimento às audiências. Pediu a absolvição do acusado, em razão da atipicidade do fato, e, subsidiariamente, o afastamento do concurso material de crimes.

Foram certificados os antecedentes (fls. 55, 106, 107, 136/137, 154 e 219/221).

É O RELATÓRIO.

DECIDO.


A materialidade dos fatos está consubstanciada nos documentos de fls. 78/84.

O acusado, quando interrogado, admitiu a prática do fato:

"J: O senhor praticou esse fato, o que houve efetivamente? I: As assinaturas opostas foram minhas, e as circunstâncias que levaram, eu vou explicá-las. Eu estava no último semestre da faculdade, tinha o TCC.

J: TCC era o quê? I: Trabalho de conclusão de curso, eu era o presidente da comissão de formatura, fazia estágio no Ministério Público de tarde, e fazia curso no IDC para a prova da ordem. Como todo brasileiro eu fui deixando as coisas para a última hora, para a última hora e tinha que assisti essas quatro audiências, se não me engano, que o professor exigia e na última semana me dirigi ao Tribunal Regional Federal e ao Tribunal de Justiça, fui nas Câmaras ver se tinham essas audiências que ele requisitava, era um hábeas corpus com sustentação oral e outras coisas, e me informaram que não teria aquela semana, e já era na semana de entregar a pasta. Eu peguei a pasta, preenchi com dados do Tribunal, de número do processo, e 20 minutos antes de entregar a pasta eu rabisquei, eu pus ali no lugar onde deveria ser a assinatura do servidor, sem conhecer, não conheço a assinatura de nenhum Desembargador, da Dra. Naeli, do Desembargador do Tribunal Federal, eu pus rubricas e entreguei a pasta.

J: O senhor pegou esses dados que o senhor preencheu os atestados? I: No momento que eu fui no Tribunal, eu peguei os números dos processos, eu acho que ficam ali dentro, aqui Doutor, com licença…

J: Aqui nesses formulários que estão nas folhas 78 a 84, então o senhor preencheu os dados, mas o senhor obteve isso, esses dados dos processos e o nome dos julgadores, o senhor obteve isso nos Tribunais respectivos? I: Nos Tribunais e depois na Internet.

J: E o senhor mesmo assinou no lugar da pessoa, de um funcionário que deveria assinar? I: Com aquele medo, com aquela ânsia de rodar no último semestre, a minha festa de formatura em Pelotas, todas as demais circunstâncias que envolvem o caso, eu com receio de rodar, eu pensei, vamos ver se passa, vamos ver o que acontece. Poderia muito bem ter conversado com o professor e dito: "olha professor, não assisti." Que foi o que teria acontecido se não tivesse feito isso. Eu iria para G2. Estudei, terei 10, como ele falou, e restei aprovado.

J: Mas o senhor tinha receio de não passar na cadeira por falta da nota com relação às audiências? I: Sim.

J: O senhor tinha pleno conhecimento que seria o servidor das Câmaras ou dos Tribunais é que teriam que assinar? I: Tinha. E foi exatamente assim, eu entreguei as pastas, e deu uma semana, o professor publicou as notas, eu verifiquei que estava em G2. No que eu verifiquei que eu estava em G2, eu estudei, fiz a minha prova, entreguei a prova para ele e ele me olhou assim e disse: "Guilherme, as tuas assinaturas deu um problema." E eu falei: "Exatamente professor, teve um equívoco, teve um erro da minha parte." Ele falou: "Vou ter que me reportar à direção." A direção teve reuniões internas, se não me engano, eu era muito ligado ao professor Jarbas Lima, na época era professor da faculdade, porque eu também era presidente do centro acadêmico, e ele me comunicou: "olha, está tendo o procedimento tal, mas não vai afetar na tua colação de grau." E, se não me engano no dia 09 de janeiro de 2008 eu colei grau, recebi o diploma.

J: Na época o senhor fazia estágio no Ministério Público? I: Eu fazia estágio no Ministério Público com o Doutor Ricardo de Oliveira Silva, ele era procurador junto a 5ª Câmara Criminal.

J: Quanto tempo o senhor estagiou lá? I: Eu estagiei durante 8 meses.

J: Na época o senhor também era presidente do centro acadêmico de Direito da PUC? I: Isso.

J: Quanto tempo o senhor foi presidente do centro acadêmico? I: Fui presidente durante todo o ano de 2007.

J: Atualmente o senhor está trabalhando na advocacia? I: Sou advogado bancário.

(...).

D: Gostaria de saber do acusado em qual foi o momento que ele teria efetuado as assinaturas nas atas de audiências? I: Foi 20, 15 minutos antes de entregar a pasta no final da aula.

D: Todas as assinaturas? I: Todas as assinaturas.

D: Tem algum processo que o acusado está respondendo? I: Não respondo a nenhum processo".




A testemunha Andrei Zenkner Schmidt relatou:

"J: O senhor lecionava Prática de Processo Penal na PUC em 2007? T: Isso.

J: Como foi essa situação, quando o Guilherme seria aluno da cadeira que o senhor lecionava e ele teria apresentado atestados de comparecimento à audiência falsos, o que houve exatamente? T: Um dos critérios de avaliação da cadeira de prática, além da formulação de peças, provas e etc, era a demonstração de comparecimento a sessões de julgamento no Tribunal de Justiça e no Tribunal Regional Federal. Eu sempre fazia exigência com sustentação oral, a demonstração desses comparecimentos ela era feita à vista de um atestado, é um formulário que eu não sei se foi confeccionado pelo próprio TRF ou pela PUC, enfim, eu sei que vinha um formulário padrão, em que era relatado cada processo em que o aluno compareceria.

J: O formulário é como esse que se encontra aqui na folha 78 e seguintes? T: Sim, é esse aqui sim. É esse formulário padrão. Então todos os alunos apresentam esse mesmo formulário padrão, de comparecimento, e isso valeria um critério de avaliação, que se não me fala a memória era um ponto e meio, de um total de dez pontos, os alunos entregam no final de semana uma pasta, o Guilherme acabou entregando a pasta dele, com os recursos, e acabou entregando esses formulários.

J: Com os atestados de comparecimento? T: Esses atestados de comparecimento. Na mesma ocasião que ele apresentou esses atestados de comparecimento, em sala de aula, mesmo revisando as pastas e uma das exigências é que esses atestados eles venham acompanhados de um carimbo que o próprio Tribunal, quando ele atesta, o servidor carimba, e isso inclusive eu já sabia, que era uma exigência antiga da casa, inclusive a casa já tinha nos alertado, a casa que eu digo é a PUC, tinha nos alertado.

J: E tem a assinatura do magistrado ou do funcionário, e com o carimbo? T: Com o carimbo. Logo que eu abri a pasta dele eu já notei que não havia o carimbo em nenhum dos atestados. A partir disso eu fui para um exame mais detalhado, de cada um desses atestados de comparecimento e percebi que inclusive o nome de um dos Desembargadores que houve o comparecimento na sessão, se não me engano que era a Desembargadora Naeli Piazzeta, o nome dela era com dois "es" e dois "tes" e estava faltava alguma letra, mas eu não lembro ser um "z" e dois "tes", eu sei que na hora eu já identifiquei que faltava alguma letra, e alguma coisa estava incorreta e a partir desse momento, também, nos demais atestados, eu já verifiquei que os do TRF também não tinham o carimbo, e pude já na hora constatar que a assinatura era uma caneta parecida até em todos os documentos, até vendo aí eu me lembrei que tinha assinatura vermelha, eu acho que nos outros também tinha uma caneta vermelha sendo utilizada, então de pronto eu já verifiquei que não correspondia provavelmente à assinatura de algum servidor ou mesmo de desembargador. A partir desse momento essas pastas eu levo para casa, para corrigir, e mandei um estagiário do meu escritório ir no Tribunal, verificar se existia mesmo, se equivalia a assinatura de algum representante da secretaria, ou o próprio desembargador e na hora lá já atestaram que não equivalia a assinatura de ninguém, e eu simplesmente fiz um comunicado à faculdade, do ocorrido, que era uma grande preocupação na faculdade, e que vinham no cobrando, era exatamente fazer esse tipo de fiscalização, encaminhei à faculdade. A faculdade, eu fiquei sabendo posteriormente que deu sequência a um procedimento interno, eu acabei prestando depoimento lá também, não fiquei sabendo do desfecho e aí fui intimado a prestar essas declarações.

J: Na ocasião que o senhor fez o encaminhamento à direção da faculdade da situação, foi através de uma manifestação escrita. É essa que se encontra aqui por cópia nas folhas 18 e 19? T: Sim.

J: Confirma o teor do que foi informado naquela ocasião? T: Confirmo.

J: O senhor chegou a conversar com o Guilherme com relação a essa situação T: Eu me lembro que na aula seguinte eu conversei com o Guilherme, mostrei a pasta para ele, se não me falha a memória, eu posso estar equivocado, mas eu acho que eu mostrei a pasta para ele, e mostrei a questão das assinaturas e eu não me lembro se na ocasião ele me disse que, não me recordo precisamente se ele disse que houve um equívoco ou alguma coisa assim, que ele achou que ele tivesse que colocar assinatura no documento. Eu não me recordo de detalhes. Eu lembro que eu tive efetivamente uma conversa com ele na aula seguinte, sobre aquilo ali e relatei a ele.

J: Antes ou depois do senhor fazer verificação? T: Depois de eu ter feito essa apuração, de já ter percebido.

J: Que não eram verdadeiras as assinaturas? T: Que não eram verdadeiras as assinaturas. Relatei a ele que eu ia ter que levar adiante isso na faculdade, enfim.

J: Com relação à cadeira, à aprovação na cadeira, ele recebeu aprovação, ele não foi aprovado? T: Ele foi aprovado, aliás, até hoje vendo o episódio, eu lamento profundamente o que está acontecendo aqui, porque em função desse atestado, acabou faltando um pouco de nota para ele na aprovação por média, mas depois na G2 ele acabou fazendo a G2 e acabou tirando 10 na G2, me chamou a atenção porque foi uma prova muito bem feita.

J: G2 seria uma espécie de recuperação? T: G2 seria a nota final em razão da nota que ficou faltando. Ele acabou sendo aprovado, essa nota acabou não sendo decisiva para a aprovação ou reprovação dele.

J: A falta da nota dos atestados? T: A falta dos atestados. Como a média era calculada em cima de dez pontos e se não me falha a memória esses atestados totalizavam um ponto e meio, isso acabou não influenciando decisivamente, ele acabou até, eu não lembro bem a média que ele ficou, mas eu lembro que ele foi para uma espécie de recuperação e na recuperação ele teve a nota máxima, fez uma prova inclusive muito bem feita.

J: Na aula qual era o procedimento dele, o que o senhor pode dizer? T: Normal. Procedimento padrão. Um aluno, em princípio, tranquilo.

J: Quando o senhor teve a conversa com ele sobre os atestados, já tendo verificado que não correspondiam à verdade ele deu alguma justificativa, o senhor chegou a admitir que ele teria falsificado, deu alguma justificativa para ter feito isso? T: Eu me lembro de ter relatado a ele que verifiquei que a assinatura não correspondia, e eu posso estar enganado, mas eu me recordo, faz alguns anos isso, deve fazer 2 anos, aproximadamente, mas eu me recordo dele ter dito que teria se enganado, que achou que a assinatura fosse ele que colocasse no atestado, etc. Ele tentou dar uma explicação para a situação e, enfim, eu acabei não levando adiante a conversa, e disse: "Eu vou ter que me reportar à faculdade, que é uma norma interna e a gente tem essa obrigação."

D: Gostaria de saber do depoente, tendo em vista que ele foi atrás do cartório e analisou as assinaturas, eu gostaria de saber se alguma assinatura que consta nas atas de audiência tem alguma semelhança com alguma assinatura do cartório?

J: O senhor recorda se chegou a ser feita essa verificação, se havia a semelhança das assinaturas com alguns funcionários ou eram totalmente dissonantes? T: Bom, são dois momentos. Quando eu vi, eu já percebi até pela forma como as assinaturas haviam sido feitas, que havia algum problema.

J: Em que sentido o senhor diz que percebeu isso? T: Porque era a mesma caneta, se não me engano em atestados de Tribunais distintos e uma assinatura que evidentemente não tinha uma característica de letras e nomes, em todas elas, ou seja, quase um rabisco, nesse sentido que me ocorreu, me passou a percepção imediata.

J: Todas as assinaturas tinham a mesma característica? T: Exatamente. Eu me lembro que no Tribunal Regional Federal, inclusive, agora eu estou lembrando, que eu fui pessoalmente no Tribunal, para fazer a certificação, falei com um funcionário da 8ª Turma, o Edemar, eu lembro o nome dele porque como eu tenho processos lá, são pessoas com quem a gente trabalha bastante, e eu me lembro de ter colocado esse atestado no balcão e o Edemar na hora já olhou e disse: "Isso não é de ninguém daqui."

J: Então não havia nenhuma semelhança? T: Não. E também a questão do carimbo, que para mim foi decisivo, quando eu vi que não tinha o carimbo. A falta do carimbo, para mim já estava bem evidenciado.

D: Além do próprio acusado que acabou, em virtude das assinaturas, tendo ficado em recuperação, gostaria de saber de fora ele ter sofrido o dano de ter fica em recuperação, se mais alguém foi lesado em virtude das assinaturas? T: Não. Eu me lembro que até numa reunião na universidade, no setor específico da universidade, onde tramitava esse processo administrativo, onde eu acabei prestando depoimento, eles me reportaram porque eu não havia rodado o aluno por causa disso, e eu disse: "eu não rodei ele porque o critério de avaliação correspondente a esses atestados era um ponto e meio e nas outras provas ele foi bem, ele obteve a aprovação suficiente." Então eu creio que não, eu creio que nenhum outro dano, nenhum outro prejuízo.

D: Gostaria de saber se as atas das audiências possuem data, se o acusado colocou alguma data?

J: Isso está nos autos Doutor.

D: Se o depoente recorda?

J: O senhor recorda se havia data? T: Não lembro.

D: É possível, em virtude da análise do professor, que o acusado tenha feito as assinaturas em um único ato, com um único propósito? T: É uma impressão pessoal, que me parece que sim, tendo em vista até essa similaridade de tinta da caneta, se não me engano e a impressão que passava era que foi feito exatamente como descrito na pergunta.

J: Havia essa possibilidade de algum dos alunos se enganarem, que a prova do comparecimento teria que ser a assinatura de alguém do cartório ou da vara do órgão julgador? T: Possibilidade existe. Talvez um pouco remota, mas a possibilidade existe. Parece que o formulário é bastante claro, sobre a titularidade da assinatura, mas essa possibilidade ela sempre existe. É necessário descrever um relatório do julgamento, do ocorrido num julgamento".

Nesse contexto, incontroverso ter o acusado, quando do fato, inserido as declarações e assinaturas falsas nos comprovantes de comparecimento às audiências e sessões apresentados ao professor da disciplina de Prática de Processo Penal, o que foi confessado pelo denunciado, confirmado pelo depoimento do professor respectivo, a testemunha Andrei, e está materializado nos documentos de fls. 78 a 84 e do que mais consta dos autos.

Inicialmente, o que chamou a atenção do professor foi a ausência do carimbo da autoridade judiciária, o que o levou ao subsequente exame mais aprofundado das assinaturas e à constatação do erro na grafia no nome da desembargadora, passando a suspeitar da autenticidade das assinaturas, o que fez, então, que diligenciasse nos órgãos judiciários referidos nos documentos.

Fosse menos exigente o professor com a necessidade do carimbo nos atestados e não olhasse com mais atenção as assinaturas, poderiam os documentos com conteúdo e assinaturas falsos ter passado despercebidos.

Portanto, tinham os documentos idoneidade para enganar outro professor que não tivesse as mesmas exigências e cuidados, logo, não se tratando de falsificações grosseiras:

"Caracteriza-se o crime do art. 304 do CP quando o documento mostra-se formalmente apto a enganar ao comum das pessoas a quem seja exibido, ao homo medius" (RTFR 31/224).

Outrossim, o delito de falsidade ideológica é crime formal, que se consuma com a omissão ou inserção de declaração falsa, não exigindo a produção de dano para sua caracterização, sendo suficiente que a conduta seja potencialmente lesiva, o que é o caso dos autos:

FALSIDADE IDEOLÓGICA. DISPENSABILIDADE DE DANO PARA A CONSUMAÇÃO. O crime de falsidade ideológica, por ser meramente formal, dispensa, para a consumação, a ocorrência de dano efetivo. ERRO SOBRE A ILICITUDE DO FATO NÃO CARACTERIZADO. A circunstância de o agente esconder das autoridades sua condição de estrangeiro, bem como a admissão, de sua parte, de que necessitava dos documentos falsificados, não autoriza o reconhecimento, em seu favor, do erro sobre a ilicitude do fato. ¿O desconhecimento da lei é inescusável¿ (art. 21, caput, do Código Penal). MATERIALIDADE. PERÍCIA DISPENSÁVEL. Para a comprovação de materialidade da figura típica do art. 299 do Código Penal, a perícia é prescindível, pois o vício incide sobre o conteúdo do próprio documento, formalmente perfeito. AUTORIA. CONJUNTO PROBATÓRIO. Não existindo dúvidas acerca do conhecimento da ilicitude do ato pelo agente, circunstância que, somada aos relatos de policiais que lograram êxito em prendê-lo na posse dos documentos falsificados ideologicamente, a condenação é o corolário lógico. Apelo improvido.

(Apelação Crime Nº 70007274798, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Foerster, Julgado em 19/05/2005)

FALSIDADE IDEOLOGICA. PARA A CONSUMACAO DO DELITO PREVISTO NO ART-299 DO CODIGO PENAL, BASTA A ACAO DO AGENTE E SUA VONTADE EM CONCRETIZA-LO, CONFIGURADORAS DO DANO POTENCIAL. APELO IMPROVIDO.

(Apelação Crime Nº 698305034, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcel Esquivel Hoppe, Julgado em 14/10/1998)

Portanto, plenamente caracterizada a materialidade e a autoria do crime imputado, tendo o acusado, quando do fato, inserido as declarações e assinaturas falsas nos comprovantes de comparecimento às audiências e sessões com o intuito de obter a nota correspondente na cadeira que cursava:

APELAÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. PROVA. Concluindo-se que os apelantes praticaram as condutas descritas no art. 299 do Código Penal, pois um deles fez inserir, e o outro inseriu, declaração falsa em documento particular, com a finalidade de alterar verdade sobre fato juridicamente relevante, a manutenção das condenações é a consequência lógica. Apelos improvidos. (Apelação Crime Nº 70013315585, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 21/12/2005)

Embora sete os documentos em que foram inseridos conteúdos e assinaturas falsas, tenho que o réu praticou uma única ação, desdobrada em vários atos, ou seja, a de falsificar os atestados de comparecimento a audiências e sessões de julgamento necessários à obtenção da nota respectiva na disciplina em questão.

Dessa forma, inexistente concurso de crimes, mas delito único.

O denunciado admitiu a prática do crime, fazendo jus à atenuante da confissão espontânea (art. 65, inc. III, "d", do Código Penal).

ISSO POSTO, julgo procedente a ação penal para condenar GUILHERME RODRIGUES MORAES nas penas do art. 299, "caput", do Código Penal.

Passo a dosar as penas.

O condenado é primário. A culpabilidade está bem determinada, visto que imputável, consciente da ilicitude de sua conduta, sendo-lhe exigível comportamento diverso, em conformidade com o direito. A personalidade não evidenciou anormalidade. Os antecedentes e a conduta social foram abonados. O motivo foi a obtenção de nota na disciplina sem a efetiva realização das atividades necessárias. As circunstâncias de ter o agente premeditado a conduta, buscando, previamente, dados de processos e nomes de julgadores para dar mais credibilidade à falsidade; de se destinar a prática criminosa a obter a nota correspondente em cadeira universitária, com procedimento desonesto e desleal com os demais colegas que assistiram efetivamente às audiências e sessões e, mais ainda, no curso de Direito e por quem pretendia exercer atividade jurídica, na qual a ética e a moral devem ser atributos fundamentais e a desonestidade combatida, como, também, salientado pela Desembargadora Naele Ochoa Piazzeta (fl. 24); e de não ter servido o estágio que o réu fazia à época em órgão do Ministério Público com atuação criminal para que refletisse sobre a gravidade e as consequências do fato, aumentam, sobremodo, a reprovabilidade da conduta. As consequências do delito só não foram maiores, pois descoberta a conduta pela diligência do professor. Não houve influência de vítima.

Diante das circunstâncias do art. 59 do Código Penal e, especialmente, pelas circunstâncias do crime, fixo a pena-base em 02 anos de reclusão, que reduzo de 06 meses pela atenuante reconhecida, ficando em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão, que torno definitiva na ausência de outras causas modificadoras. A pena pecuniária vai fixada em 30 dias-multa, na razão de um décimo do salário mínimo vigente à época do fato, corrigida quando do pagamento.

Iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade em regime aberto (art. 33, § 2º, "c", do Código Penal).

Estando presentes os requisitos do art. 44 e parágrafo 2º do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade, pelo tempo da pena carcerária imposta, conforme for provido pelo juízo da execução, cumulada com multa, que fixo no mesmo quantitativo acima, que deve ser com aquele acrescido.

Custas pelo réu.

Oficie-se à Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul, comunicando a condenação, com cópia da sentença.

Transitada em julgado, lance-se o nome do condenado no rol dos culpados, remetam-se as informações estatísticas, comunique-se ao Tribunal Regional Eleitoral e à Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul, e forme-se o Processo de Execução Criminal.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 16 de junho de 2010.


JOSÉ RICARDO COUTINHO SILVA
Juiz de Direito




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