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terça-feira, 6 de julho de 2010

JURID - Apelação cível. Restituição de animal. Indenização. [06/07/10] - Jurisprudência


Apelação cível. Restituição de animal. Indenização. Danos materiais e morais. Busca e apreensão.
MBA Direito Comercial - Centro Hermes FGV

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Seul - TJRS

Apelação cível. Restituição de animal. Indenização. Danos materiais e morais. Busca e apreensão. Ilegitimidade de parte. Doação. Inversão da propriedade.

1. Confirma-se o reconhecimento da ilegitimidade de parte da pessoa jurídica ré e do Estado, em razão de não constar do pleito inicial nenhum fato que posse ser considerado ofensivo ao interesse patrimonial ou extrapatrimonial da parte autora. Os atos de busca e apreensão do animal estavam acobertados por ordem judicial com base em elementos coligidos no inquérito policial referente à apropriação indébita e foram executados dentro dos limites permitidos aos agentes policiais para a situação de fato. Recurso da autora improvido.

2. O ato de despejamento do animal pela então proprietária configura liberalidade nos termos do art. 538, que prescinde de meio próprio para constituição, bastando a tradição, considerado a natureza da coisa semovente, equiparada a móvel, e o pequeno valor, cujo lapso temporal de mais de um ano para a reclamação, não descaracteriza o ato de inversão da propriedade e legitima a manutenção do animal em poder da demandada.

APELAÇÃO DA AUTORA DESPROVIDA. APELAÇÃO DA RÉ PROVIDA. UNANIME.

Apelação Cível

Nona Câmara Cível

Nº 70034788737

Comarca de Santo Ângelo

SUELEN JANJAR

APELANTE/APELADO

CANDIDA SILVANA CAMARGO MARQUES

APELANTE/APELADO

CLINICA VETERINARIA BICHO BOM

APELADO

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso da autora e dar provimento ao recurso da ré.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente) e Des. Mário Crespo Brum.

Porto Alegre, 09 de junho de 2010.

DES. TASSO CAUBI SOARES DELABARY,
Relator.

RELATÓRIO

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Cuida-se de recursos de apelação interpostos por SUELEN JANJAR e CANDIDA SILVANA CAMARGO MARQUES, da sentença que, examinando a ação de indenização por danos morais e materiais, cumulada com pedido de restituição de bem apreendido, ajuizada por Cândida Silvana Camargo Marques, julgou parcialmente procedente os pedidos, reconhecendo as preliminares de ilegitimidade passiva arguidas por Clínica Veterinária Bicho Bom e Estado do Rio Grande do Sul, haja vista não restar demonstrada qualquer participação de ambos na relação havida entre a autora e a ré Suelen, e determinando a imediata restituição do cachorro "Xeren" à autora, forte, a magistrada, no entendimento de que não foi comprovada a alegada "doação" uma vez que, além de ser incontroverso que o cachorro "Xeren" era da propriedade da autora, restou demonstrado pelos testemunhos de Lisiane (fls. 177v./179), Ariane (fls. 180v./182), Eliezer (fls. 182v./184v.), Jaci (fls. 185/186) e Joseana (fls. 216/218) que ela não doaria o aludido cão, porque, além dela, a sua mãe também era muito apegada ao animal.

Em suas razões, Suelen Janjar argumenta no sentido de que a presente ação trata-se de pedido de devolução de um animal de estimação, ser vivo que tem seus direitos preservados e garantidos legalmente. Aduz que o cão não pode ficar indo e vindo, trocando de proprietários visto que é provido de sentimento e apego ao ser humano que o cuida e lhe dá carinho. Refere ter passado mais de um ano da data que recebeu o cão, correndo o animal sério risco de não se adaptar a antiga proprietária e vir a sofrer com problemas de saúde pela tristeza e ausência de sua atual companhia, podendo, inclusive, levá-lo a morte. Aduz que a autora confessou estar sofrendo problemas de saúde, de ter deixado a animal aos cuidados da requerida para ausentar-se sem data certa para retorno, a fim de acompanhar sua mãe em tratamento de saúde e resolver processos de seu filho mais velho, e que por está razão, fica claro que a autora não tem condições de cuidar e amparar com amor e atenção necessário o cãozinho (fls. 276/280).

Por sua vez, o recurso de Cândida Silvana Camargo Marques pretende a reforma da sentença quanto a extinção da demanda em face das apeladas Clinica Veterinária Bicho Bom, em razão de Suelen ser funcionária desta, constando em sua ficha de tratamento, desde o inicio, que "Xaren" era de propriedade da ré, bem como a extinção em face do Estado do Rio Grande do Sul pois a busca e apreensão realizada feriu diversos direitos da apelante, especialmente por ser uma busca infundada eis que a própria sentença determinou a devolução de "Xeren" a apelante. Aduz que os policiais, não agiram conforme princípios constitucionais de razoabilidade e bom senso, invadindo a residência da apelante fortemente armados entregando o cachorro a apelada Suelen na frente da residência da autora. Ademais, o ato de imputar falsamente um crime, expedição de um mandado de busca e apreensão e invasão de policiais armados a residência da apelante, somado ao tempo que esta ficou privada da presença do seu animal, caracterizam ato ilícito, surgindo o dever de indenizar (fls. 282/291).

Contra-arrazoado os recursos (fls. 298/313), vêm-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

Des. Tasso Caubi Soares Delabary (RELATOR)

Colegas:

Os recursos comportam conhecimento, eis que adequados, tempestivos e dispensados de preparo o da autora face ao benefício da gratuidade e devidamente preparado do da demandada (fl. 281).

Trata-se de apreciar dois recursos de apelação intentado pela autora, relativamente à extinção do processo sem julgamento do mérito em relação à Clinica Bicho Bom e ao Estado do Rio Grande do Sul, pretendendo que seja mantidas as partes na lide, pois sustenta que os mesmos foram responsáveis pelos danos materiais e morais sofridos pela autora; de outro lado, a parte demandada, Suelen Janjar, irresigna-se com a sentença de procedência parcial do pedido que a condenou a devolver o animal "Xeren" à autora, considerando que a propriedade do cão pertence a esta e que não se desfaria do animal segundo a prova produzida, porém a recorrente conseguiu demonstrar que o animal lhe foi doado pela antiga proprietária, ora autora, havendo a inversão da propriedade, tanto que lhe foi deferida a busca e apreensão em sede de inquérito policial.

Por primeiro, impõe o exame do recurso da parte autora que pretende a manutenção na lide das partes excluídas, ou seja, Clínica

Bicho Bom e o Estado do Rio Grande do Sul. Não tem razão a recorrente. Conforme bem apanhou a sentença, referente a à Clinica, nenhum fato é atribuído na inicial que pudesse constituir ilícito capaz de gerar os danos que a autora pretende reparar. A única relação existente é que a parte demandada, requerida Suelen, era funcionária da Clinica na época em que houve a transferência da posse do animal. Nada mais. Ora, isso não é bastante para que a autora pretenda recomposição de danos tanto de ordem material como moral referência à Clinica, pois não houve ofensa a qualquer bem da autora que se posse atribuir a pessoa jurídica. Assim, impõe a manutenção da extinção do pedido, confirmando-se a ilegitimidade passiva da Clinica Bicho Bom.

Já referente ao Estado do Rio Grande do Sul, igualmente não prospera a irresignação. Também era de rigor a extinção do processo, pois a alegada ofensa devido à busca e apreensão do animal na residência da autora, foi regularmente processada em procedimento de natureza policial - inquérito policial - por notícia-crime de apropriação indébito do animal. Houve prova produzida nesse sentido e a ordem de busca foi examinada e deferida judicialmente com base nos indícios até então coligidos. Portanto, em tese, os agentes públicos, agiram respaldados pelo estrito cumprimento do dever legal. Além disso, a prova não informa tenham os agentes públicos excedidos os meios para o cumprimento da ordem, tanto que o acesso à residência foi franqueado pela recorrente que permitiu o ingresso dos policiais que apanharam o animal e imediatamente transferiram a posse à contraparte. Assim, também não calha o recurso quanto ao Estado do Rio Grande do Sul, mantendo-se a extinção do processo conforme definido na sentença recorrida, com o que resta improvido o recurso da parte autora.

Quanto ao recurso da demandada Suelen, tenho que melhor sorte lhe socorre.

Conforme se viu do relatório, a controvérsia reside na identificação da conduta da autora ao entregar a posse do animal "Xeren", um cão da raça York Shire Terrier, adquirido anteriormente pela demandante, conforme os registros existentes nos autos, para a demandada Suelen, então funcionária da pet shop, ocorrido aproximadamente no mês de outubro de 2006.

Segundo a autora na inicial, a entrega da posse do animal ocorreu mediante empréstimo, para que Suelen obtivesse uma cria do animal.

Já a versão de Suelen é de que o animal lhe foi doado, porque na residência da autora a empregada estava maltratando o animal.

Ambas as partes produziram prova testemunhal no sentido de suas teses.

A sentença entendeu mais pertinente a tese da parte autora, sustentada na palavra das testemunhas que afirmaram que o animal era de estimação e a autora e sua mãe, pessoa de idade com 84 anos, eram muito apegadas ao animal, jamais teria um ato de despojamento.

Entretanto, denuncia contra a conduta da autora o tempo que deixou o animal aos cuidados de Suelen, por mais de um ano.

Ora, uma pessoa que se diz apegada ao animal de estimação e estabelece com o cão uma relação de companhia conforme relatos iniciais, não pode permitir que o animal fica tanto tempo afastado, entregue a outra pessoa. Segundo a autora o animal apenas foi cedido para procriar, cujo tempo necessário é muito reduzido em relação ao tempo que ficou, e permanece, em poder de terceiro.

Ademais, os fatos relatados envolvendo dificuldade de saúde em pessoas da família, fora dos limites do município de residência - Santo Ângelo -, não é suficiente para justificar tamanho tempo de separação do animal, contradizendo as alegações de apego e exacerbado afeto ao animal.

Tudo indica, assim, que efetivamente, houve a inversão da propriedade sobre o animal, mediante a transferência da posse do câo à demandada, ora recorrente.

Sabe-se que a propriedade das coisas móveis, aos quais se equiparam os semoventes, adquire-se pela tradição e posse.

E, no caso dos autos, a autora, até então legítima proprietária do animal, se despojou de seu direito sobre o semovente, entregando-o a demandada, a meu senso, consoante a prova coligida, mediante doação, somente obtendo novamente a posse do animal mediante ardil, ou seja, para obter uma cria, condição da doação, porém o reteve indevidamente, daí porque no inquérito policial, os indícios coligidos apontavam para tal solução, tanto que a autoridade policial representou sobre a busca e apreensão do animal e teve deferida judicialmente, tal as evidências de que, efetivamente, houve a transferência da propriedade do animal "Xeren" à demandada, que a mantinha há mais de um ano quando cedeu a posse precária a anterior proprietária a pretexto de procriar.

A versão das testemunhas da parte autora, merecem reservas, pois não se discute que a autora devotava ao animal arraigado sentimento, talvez por essa razão tenha se desfeito do animal, que era maltratado em sua casa pela serviçal, segundo informou à demandada, o que vem ratificado pelo testemunho da proprietária de Clinica Bicho Bom, Sandra Maria Barcelos Mitri, quando prestou depoimento nos autos do inquérito policial., e inclusive informou que naquela data, quando houve a doação, o animal estava com a pata fraturada, razão dos maus tratos e do gesto de despojamento da autora. Aliás, a fl. 25 dos autos consta da ficha do animal, na clínica, como sendo proprietária a demandada Suelen, desde 28/07/2006.

De outra parte, em que pese a autora alegar envolvimento com questões de saúde própria e de familiares para justificar a separação do cão, não justifica, repito, o prolongado tempo de afastamento do animal, especialmente diante das alegações de afeto, estimação e companhia com o cão, que envolvia também sua mãe, com 84 anos de idade, que, segundo a inicial, também era muito apegada ao animal, razão suficiente para que não houvesse uma separação tão longa com o animal, daí se concluir que pelo tempo que o animal permaneceu e ainda está na posse da demandada, deu-se sim, o ato de doação com a inversão da propriedade à recorrente.

A doação de coisas de pequeno valor, ao qual se equipara o semovente em questão, prescinde de forma específica, podendo ser efetuada modo verbal, desde que lhe siga, incontinenti, a tradição (§ único do art. 541 do CC). Foi o que ocorreu na espécie. Houve a doação com o ato incontinente de tradição do animal, o que justificou a posse da demandada, desde então e inclusive autorizou atos de defesa desta posse com a busca de meios legais para obtenção da reintegração mediante busca e apreensão judicial.

Desta maneira, renovada vênia à ilustre prolatora da decisão recorrida e ao representante do Parquet nesta instância, tenho que merece prosperar o recurso da demandada.

Posto isso, voto, pois, por negar provimento ao recurso da parte autora e dar provimento ao recurso da demandada, reconhecendo o direito da requerida sobre o animal em questão, o cão "Xeren", cuja propriedade pela demandada foi obtida por ato de liberalidade promovido pela parte autora, mantendo, assim, o animal em poder da demandada.

Em vista disso, inverto o ônus da sucumbência, atribuindo a responsabilidade pelas custas e honorários advocatícios à parte autora, cujos efeitos, entretanto, mantenho suspensos, devido ao benefício da gratuidade.

É o voto.

Des. Mário Crespo Brum (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70034788737, Comarca de Santo Ângelo: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. UNANIME."

Julgador(a) de 1º Grau: NINA ROSA ANDRES




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