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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Informativo STF 189 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 15 a 19 de maio de 2000- Nº189.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



ADPF: Cabimento
Embargos Declaratórios e Fraude Processual
Emenda Parlamentar e Vício Formal
Exame Psicotécnico e Subjetividade
Habeas Corpus e Intimação de Defensor
ICMS sobre Combustível: Incidência
Lei 9.099/95: Suspensão do Processo e Retratação
Ocupação Irregular de Imóvel Público e Multa
Poupança: IPC de Março de 90
Princípio da Unicidade Sindical e Federação
Prisão Civil por Dívida
Reajuste de Categoria em Separado
Reforma Agrária e Força Maior
Teto e Vinculação de Vencimentos
Retroatividade dos Tratados (Transcrições)
PLENÁRIO


ICMS sobre Combustível: Incidência

Concluindo o julgamento de recurso extraordinário (v. Informativo 177), o Tribunal, por maioria, decidiu que é legítima a incidência do ICMS sobre operação de compra de combustível, em outro Estado, por empresa, para uso próprio. Considerou-se que a imunidade tributária prevista no art. 155, § 2º, X, b, da CF - que exclui da incidência do ICMS as operações que destinem a outros Estados combustíveis derivados de petróleo - não beneficia o consumidor, mas sim o Estado destinatário, ao qual cabe todo o ICMS incidente sobre o produto. Salientou-se ainda que objetivo da norma é beneficiar os Estados consumidores em detrimento dos Estados produtores, dada a circunstância de ser grande o número daqueles e poucos o número destes, cuja compensação se dá de acordo com o art. 20, § 1º da CF ("§ 1º. É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração."). Vencido o Min. Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso do contribuinte, por entender que o art. 155, § 2º, X, b, da CF, dispõe que não incidirá o ICMS sobre operações que destinem petróleo a outros Estados, inclusive lubrificantes, e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados.
RE 198.088-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 17.5.2000. (RE-198088)

Reforma Agrária e Força Maior

Concluindo o julgamento de mandado de segurança em que se alega nulidade de decreto expropriatório que declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, imóvel rural do impetrante (v. Informativo 182), o Tribunal, por maioria, concedeu a segurança ao fundamento de que a invasão do imóvel pelos membros do Movimento dos Sem-Terra - reconhecido pelo INCRA como produtivo 33 dias antes do evento - configura motivo de força maior suficiente para afastar o estado de improdutividade do imóvel constatado em vistoria realizada dois anos após a reintegração de posse (Lei 8.629/93, art. 6º, § 7º: "Não perderá a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, por razões de força maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a espécie."). Vencido o Min. Ilmar Galvão, relator, que indeferia o writ por entender que a vistoria que considerou o imóvel como improdutivo fora realizada dois anos após a reintegração de posse, não caracterizando, assim, motivo de força maior.
MS 23.563-GO, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, red. p/ acórdão Min. Maurício Corrêa, 17.5.2000. (MS-23563)

Emenda Parlamentar e Vício Formal

Deferida medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo para suspender, até decisão final, a eficácia do art. 1º das Disposições Transitórias da Lei 10.207/99, do referido Estado, que, resultante de emenda parlamentar, determina a admissão automática de servidores da Fundação para o Desenvolvimento da Universidade Estadual Paulista (que prestam serviço público no Instituto de Terras do Estado de São Paulo - ITESP) no quadro de pessoal da recém-criada Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva. O Tribunal considerou relevante a argüição de inconstitucionalidade formal por aparente ofensa ao art. 63, I, da CF ("Não será admitido aumento da despesa prevista: I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República,...") e de inconstitucionalidade material por violação, à primeira vista, da exigência de concurso público para a investidura em cargo público (CF, art. 37, II), uma vez que a circunstância de a Fundação suceder o Instituto não implica que os servidores contratados pelo sucedido possam ingressar na entidade sucessora sem concurso público.
ADInMC 2.186-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 17.5.2000. (ADI-2186)

Reajuste de Categoria em Separado

O Tribunal indeferiu medida cautelar requerida pelo Governador do Estado de Mato Grosso do Sul contra a Lei 1.938/98, do mesmo Estado, que fixa em R$ 400,00 o vencimento-base dos Procuradores de Autarquias e Fundações Públicas. Considerou-se juridicamente irrelevante a alegação de que o princípio da legalidade (CF, art. 37, caput) não autorizaria a concessão de reajuste a uma categoria funcional isoladamente, sem contemplar as diversas categorias que, com ela, integram o Grupo Técnico de Nível Superior do Estado.
ADInMC 2.020-MS, rel. Min. Néri da Silveira, 17.5.2000. (ADI-2020)

ADPF: Cabimento

É incabível a argüição de descumprimento de preceito fundamental quando ainda existente medida eficaz para sanar a lesividade (Lei 9.882/99, art. 4º, §1º). Com esse entendimento, o Tribunal não conheceu de argüição de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo Governador do Estado do Ceará, contra ato do Tribunal de Justiça do mesmo Estado que deferira reclamação em mandado de segurança para determinar o pagamento de gratificações, sem a observância do preceito constitucional que proíbe a sua concessão "em cascata" (CF, art. 37, XIV - redação dada pela EC 19/98).
ADPF (QO) 3-CE, rel. Min. Sydney Sanches, 18.5.2000. (ADPF-3)

Poupança: IPC de Março de 90

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário interposto contra instituição financeira em que se discute a constitucionalidade da MP 168, de 15.3.90 (Plano Collor), posteriormente convertida na Lei 8.024/90, no ponto em que fixou o BTN Fiscal como índice de correção monetária aplicável às cadernetas de poupança com data-base posterior ao dia 15.3.90 (anteriormente obtido pelo IPC). O Min. Marco Aurélio, relator, reconhecendo o direito à correção monetária dos cruzados novos bloqueados pelo IPC do mês de março de 1990 (84,32%), proferiu voto no sentido de declarar a inconstitucionalidade do § 2º do art. 6º da Lei 8.024/90 ["as quantias relacionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimentos e a data da conversão acrescidas de juros equivalentes a 6% (seis por cento) ao ano ou fração pro rata."], por ofensa ao princípio do ato jurídico perfeito e do direito adquirido (CF, art. 5°, XXXVI). Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim.
RE 217.066-RS, rel. Min. Marco Aurélio, 18.5.2000. (RE-217066)

PRIMEIRA TURMA


Prisão Civil por Dívida

Aplicando o entendimento firmado pelo STF no sentido da constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel nos casos de alienação fiduciária em garantia (DL 911/69, art. 4º), a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ em que se sustentava a derrogação do DL 911/69 em face do art. 7º, item 7, do Pacto de São José da Costa Rica ("Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar"). Acrescentou-se, ainda, que o mencionado Pacto, dada a sua natureza infraconstitucional, não pode afastar as exceções à prisão civil por dívida que foram diretamente impostas pela CF, a qual prevê expressamente, e independentemente de regulamentação infraconstitucional, a possibilidade de prisão civil do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel (CF, art. 5º, LXVII). Precedente citado: HC 72.131-RJ (julgado em 22.11.95, acórdão pendente de publicação - v. Informativo 14).
HC 79.870-SP, rel. Min. Moreira Alves, 16.5.2000. (HC-79870)

Princípio da Unicidade Sindical e Federação

Não ofende o princípio da unicidade sindical (CF, art. 8º, II: "é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;") a criação na mesma base territorial de federação específica, por desmembramento da federação preexistente, genérica. Com esse entendimento, a Turma deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para reconhecer a legitimidade da criação da Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo, representativa da categoria dos "frentistas", a partir do desmembramento da Federação dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo, tendo em vista não haver, na espécie, uma categoria única de trabalhadores envolvidos.
RE 202.097-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 16.5.2000. (RE-202097)

Exame Psicotécnico e Subjetividade

A avaliação de candidato em exame psicotécnico realizado com base em critérios subjetivos, sem um grau mínimo de objetividade, ou em critérios não revelados, é ilegítima, por não permitir o acesso ao Poder Judiciário para a verificação de eventual lesão de direito individual pelo uso desses critérios (CF, art. 5º, XXXV) e, ainda, por não atender aos requisitos exigidos pelo art. 37, caput e incisos I e II da CF - universalidade de acesso aos cargos públicos, impessoalidade e publicidade dos atos relativos ao concurso público. Com esse entendimento, a Turma manteve acórdão do TRF da 5ª Região, que concluíra pela ilegalidade da reprovação, na segunda etapa de exame psicotécnico, de candidato a cargo de delegado de Polícia Federal, tendo em vista a ausência de divulgação dos critérios utilizados para a seleção.
RE 243.926-CE, rel. Min. Moreira Alves, 16.5.2000. (RE-243926)

Embargos Declaratórios e Fraude Processual

A utilização de embargos declaratórios com a finalidade ilícita e manifesta de adiar a afetividade de decisão proferida, em aberta tentativa de fraude processual, enseja a concessão excepcional de eficácia imediata àquela decisão, independentemente do trânsito em julgado. Com base nesse entendimento, a Turma rejeitou segundos embargos de declaração opostos por Prefeito municipal - condenado pelo crime de peculato pelo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba e cujo afastamento do cargo foi determinado após o trânsito em julgado dessa decisão - e determinou o imediato cumprimento da decisão recorrida. Precedente citado: RE (EDcl-EDcl-EDcl) 179.502-DF, julgado em 7.12.95, acórdão pendente de publicação - v. Informativo 16.
AG (AgRg) (EDcl-EDcl) 260.266-PB, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.5.2000. (AG-260266)

Habeas Corpus e Intimação de Defensor

A prerrogativa dos membros da Defensoria Pública dos Estados consistente no recebimento de intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição (LC 80/94, art. 128, I) não inclui a possibilidade de intimação pessoal da designação de data relativa a julgamento de habeas corpus, dado que esses julgamentos realizam-se sem a inclusão do feito em pauta. Com base nesse entendimento, e considerando que não há exigência legal para a inclusão da data de julgamento dos habeas corpus em pauta de publicação (CPP, art. 664) - o que está em consonância com o verbete 431 da Súmula desta Corte: "É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia intimação ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus" -, a Turma indeferiu habeas corpus em que se sustentava a nulidade de acórdão do STJ, em face da ausência de intimação do defensor da data de julgamento do writ.
HC 80.103-RJ, rel. Min. Sydney Sanches, 16.5.2000. (HC-80103)

Ocupação Irregular de Imóvel Público e Multa

Não ofende o princípio da irretroatividade das leis a aplicação da multa referente à ocupação irregular de imóvel público, prevista na Lei 8.025/90, quando o Termo de Responsabilidade e Ocupação tenha sido firmado anteriormente à sua entrada em vigor. Com base nesse entendimento, a Turma negou provimento a recurso em mandado de segurança, em que se sustentava o direito adquirido ao contido no Termo de Responsabilidade e Ocupação - no qual não constara qualquer penalidade à ocupação irregular - e a conseqüente impossibilidade de retroatividade da Lei 8.025/90. A Turma entendeu que, por se tratar de ocupação decorrente de permissão de uso, cujo regime é legal, e não contratual, inexiste o alegado direito adquirido.
RMS 23.108-DF, rel. Min. Moreira Alves, 16.5.2000. (RMS-23108)

SEGUNDA TURMA


Lei 9.099/95: Suspensão do Processo e Retratação

No sistema dos Juizados Especiais Criminais, a aceitação, pelo réu, da proposta de suspensão condicional do processo penal, que tenha sido formulada pelo Ministério Público com estrita observância de todos os requisitos fixados no art. 89 da Lei 9.099/95, constitui ato irretratável, salvo se comprovado que a manifestação de vontade do acusado acha-se afetada por vício de consentimento, como o erro e a coação.
HC 79.810-RJ, rel. Min. Celso de Mello, 16.5.2000. (HC-79810)

Teto e Vinculação de Vencimentos

A Turma, considerando que o art. 8º da LC 535/88, do Estado de São Paulo - que estabelece, ao dispor sobre reajuste de vencimentos e salários dos funcionários públicos e servidores estaduais, que "se o reajuste concedido por esta ou outra lei complementar acarretar retribuição global mensal superior a 20 (vinte) vezes o valor do piso salarial correspondente à jornada completa de trabalho, restringir-se-á, à importância que faltar para atingir esse limite" -, apenas fixou um teto remuneratório para seus servidores, deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que entendeu que LC estadual 535/88 teria estabelecido vinculação de vencimentos, o que seria vedado pelo § único do art. 98 da CF/67 ("Respeitado o disposto neste artigo, é vedada vinculação ou equiparação de qualquer natureza para efeito de remuneração do pessoal do serviço público".). Precedente citado: RE 162.306-SP (DJU de 20.2.98).
RE 140.708-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 16.5.2000. (RE-140708)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

17.5.2000

18.5.2000

8

1a. Turma

16.5.2000

-----

76

2a. Turma

16.5.2000

-----

54



C L I P P I N G D O D J

19 de maio de 2000

HABEAS CORPUS N. 74.319-GO
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: Nulidade decretada pelo Tribunal de Justiça, em prejuízo do réu, sem ter sido objeto da apelação do Ministério Público.
Habeas-corpus, ainda assim, indeferido por maioria, visto subsistir outro fundamento suficiente à sua conclusão (julgamento contrário à prova dos autos).

HABEAS CORPUS N. 80.033-BA
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Crime impossível: inexistência: flagrante preparado de crime de mera conduta já anteriormente consumado: inaplicabilidade da Súmula 145.
Cuidando-se de concussão - crime de mera conduta - que já se consumara com a exigência de vantagem indevida, a nulidade de prisão do servidor quando, dias depois, recebia a quantia exigida, obviamente não torna impossível o delito antes consumado.

AG (AgRg) N. 245.776-SP
RELATOR: MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: É matéria sujeita à disciplina de lei processual ordinária (não da Constituição) a questão relativa à inteireza dos traslados.

RE N. 159.080-SP
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: Concessão de proventos superior à remuneração percebida na atividade. Art. 102, § 2º, da Emenda Constitucional nº 1/69.
- Esta Corte já firmou o entendimento de que a concessão de proventos superior à remuneração percebida na atividade, atribuídos em razão do desempenho pretérito de cargo em cargo em comissão ou função gratificada, não mais exercidos à época da aposentadoria, contraria o disposto no art. 102, § 2º, da Emenda Constitucional nº 1/69, e isso porque a única finalidade admissível para o limite estabelecido por esse dispositivo constitucional é a de evitar que o servidor, podendo vir a receber mais em virtude da aposentadoria, seja, por isso, incentivado a aposentar-se. Daí ser o "quantum" percebido na ativa pelo servidor ao aposentar-se o limite para atender à finalidade do texto constitucional referido. Nesse sentido, entre outras, as decisões prolatadas nos RE 112.151 (Pleno), RE 115.901 e RE 117.985 (Primeira Turma) e RE 131.451 (Segunda Turma).
- Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

RE N. 168.110-DF
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: Recurso extraordinário. Alcance da imunidade tributária relativa aos títulos da dívida agrária.
- Há pouco, em 28.09.99, a Segunda Turma desta Corte, ao julgar o RE 169.628, relator o eminente Ministro Maurício Corrêa, decidiu, por unanimidade de votos, que o § 5º do artigo 184 da Constituição, embora aluda a isenção de tributos com relação às operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, não concede isenção, mas, sim, imunidade, que, por sua vez, tem por fim não onerar o procedimento expropriatório ou dificultar a realização da reforma agrária, sendo que os títulos da dívida agrária constituem moeda de pagamento da justa indenização devida pela desapropriação de imóveis por interesse social e, dado o seu caráter indenizatório, não podem ser tributados. Essa imunidade, no entanto, não alcança terceiro adquirente desses títulos, o qual, na verdade, realiza com o expropriado negócio jurídico estranho à reforma agrária, não sendo assim também destinatário da norma constitucional em causa.
- Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 184

RE N. 168.537-SP
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ANISTIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. RECEITA ANUAL: LIMITE. ADCT, art. 47, § 1º. EXEGESE.
Para fins de concessão da anistia da correção monetária prevista no artigo 47, § 1º, dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, considera-se a receita bruta, e não a receita líquida, que oscila de acordo com o mercado.
Recurso extraordinário não conhecido.
* noticiado no Informativo 75

RE N. 185.789-SP
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO DE BEM POR SOCIEDADE CIVIL PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICOS. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE.
1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física.
2. Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Importação de aparelho de mamografia por sociedade civil, não contribuinte do tributo. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Inexistência de circulação de mercadoria. Não ocorrência da hipótese de incidência do ICMS.
Recurso extraordinário não conhecido.
* noticiado no Informativo 176

RE N. 204.300-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
IMPOSTO DE RENDA - RETENÇÃO NA FONTE - SÓCIO COTISTA. A norma insculpida no artigo 35 da Lei nº 7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal quando o contrato social prevê a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data do encerramento do período-base. Nesse caso, o citado artigo exsurge como explicitação do fato gerador estabelecido no artigo 43 do Código Tributário Nacional, não cabendo dizer da disciplina, de tal elemento do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da norma conforme o Texto Maior.

RE N. 220.821-RS
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA. CONTAGEM RECÍPROCA DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PRESTADO À INICIATIVA PRIVADA. LEI Nº 744/92, ARTIGO 119, DO MUNICÍPIO DE NOVA BASSANO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. CONDIÇÕES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO. INCONSTITUCIONALIDADE.
1. Contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural ou urbana. Garantia constitucional que prescinde de integralização legislativa.
2. Compensação financeira entre os diferentes sistemas previdenciários. Necessidade de lei federal para disciplinar a matéria, fato que não obsta a contagem do tempo de contribuição prestado na atividade privada pela Administração Pública, para fins de aposentadoria.
3. Condicionamento à concessão de aposentadoria a um número mínimo de contribuições ao sistema previdenciário estadual. Inconstitucionalidade.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 178

RE N. 242.565-SP
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. RETIRADA DE SÓCIO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA COISA JULGADA E AOS INCS. XXXV E LV DO ART. 5º DA CF.
Inexistência, nos autos, até o acórdão recorrido, de decisão definidora dos índices a serem aplicados na atualização monetária dos haveres do sócio retirante e do termo inicial da incidência de juros de mora, não havendo que se falar, a esse respeito, em coisa julgada.
Matérias que, de resto, circunscrevendo-se ao âmbito da legislação infraconstitucional, não ensejam pronunciamento do STF em recurso extraordinário.
Quanto às alegadas ofensas aos incs. XXXV e LV do art. 5º da CF, não cuidou delas o acórdão, incidindo, conseqüentemente, o óbice das Súmulas 282 e 356 desta Corte.
Recurso não conhecido.

RE N. 264.480-MG
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: - Recurso extraordinário.
- Não é cabível quando, como ocorre no caso presente, o recorrente não indica expressamente qual o dispositivo constitucional que entende ter sido violado pelo acórdão recorrido.
Recurso extraordinário não conhecido.

RHC N. 79.917-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
INTIMAÇÃO - AUDIÊNCIA - CARTA PRECATÓRIA - DEFENSORIA PÚBLICA - AUSÊNCIA - DESIGNAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO - IMPROPRIEDADE. As partes devem ser intimadas para ciência de data designada para a oitiva quer da vítima, quer de testemunhas em audiência. Presente a atuação da Defensoria Pública no processo, há de ser observada a intimação pessoal, pouco importando a realização da audiência em virtude de carta precatória e, portanto, no juízo deprecado. Precedentes: Habeas Corpus nº 73.822-2/PB, 2ª Turma, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 31 de outubro de 1996.
* noticiado no Informativo 181

RE N. 218.038-RS
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA:- Recurso extraordinário. Administrativo. Mandado de Segurança. 2. Aposentados. Enquadramento em nova reclassificação. O art. 4º da Lei nº 9.695, do Estado do Rio Grande do Sul, não assegurou aos impetrantes vantagens correspondentes das Áreas superiores, conforme dispunha a Resolução CEE-RE nº 5/78. Requisito exigido para provimento como Operador Administrativo III, o nível superior, não detido pelos impetrantes. 3. Solução da controvérsia com base na legislação local. Incidência da Súmula 280. 4. Incabível recurso extraordinário para reapreciar reclassificação de cargos, decidida em mandado de segurança. Súmula 270. 5. Ausência de prequestionamento dos dispositivos tidos por violados. Súmulas 282, 356 e 284. 6. Recurso extraordinário não conhecido.

RE 225.071-SP
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: Caderneta de poupança. IPC do mês de janeiro de 1989.
- O que está em causa é saber qual o percentual correto que traduziria o IPC do mês de janeiro de 1989 em face da metodologia legal de sua apuração, e isso implica o exame prévio da legislação infraconstitucional, configurando-se, assim, a alegação de ofensa ao artigo 5º, XXXVI, da Constituição como sendo indireta ou reflexa, e, portanto, insuscetível de ser apreciada em recurso extraordinário.
Recurso extraordinário não conhecido

Acórdãos publicados: 143


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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Retroatividade dos Tratados


SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA N. 5.778-EUA*
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: Sentença Estrangeira em curso de homologação perante o STF. Divórcio do casal e busca e apreensão e guarda de menores brasileiros, nascidos nos Estados Unidos da América. Instauração, perante a Justiça do Estado de Goiás, de processo entre as mesmas partes (mãe brasileira x pai norte-americano), visando a guarda desses menores. Outorga, pela Justiça brasileira, em favor da mãe dos menores, da respectiva guarda provisória. Anterioridade temporal do processo judicial brasileiro e da decisão cautelar nele proferida em face da sentença estrangeira homologanda. A questão das relações entre o processo de homologação de sentença estrangeira (STF) e a ação civil, versando, parcialmente, a mesma lide, promovida perante órgão do Poder Judiciário brasileiro. Análise dos arts. 88, 89 e 90 do CPC e a discussão em torno da primazia das decisões judiciais brasileiras. Superveniência da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças, concluída em Haia (1980). Incorporação desse ato de direito internacional público ao ordenamento positivo interno do Brasil (Decreto nº 3.413/2000). O problema da retroatividade dos tratados internacionais. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Artigo 28): ato ainda em regime de aprovação pelo Congresso Nacional. Diligências complementares ordenadas pelo Relator da causa.

DESPACHO: Foi instaurado, perante a 2ª Vara da Família e Sucessões da comarca de Goiânia/GO, entre as mesmas partes que figuram na presente causa, processo visando a obtenção da guarda dos menores Geneva Mari e Felipe Von Cunningham, ambos titulares de nacionalidade brasileira primária (fls. 208/210) e filhos de Ty Von Cunningham e de Vilma Lopes Cunningham (fls. 165/169 e 173/177).

A Justiça brasileira, no processo em referência, concedeu, em favor de Vilma Lopes Cunningham, de nacionalidade brasileira, a guarda provisória de seus filhos (fls. 170/171), havendo ordenado, ainda, a citação, mediante carta rogatória, de Ty Von Cunningham, súdito norte-americano (fls. 344/357).

Houve contestação, que foi deduzida por Ty Von Cunningham perante o Juízo de Direito da 2ª Vara da Família e Sucessões da comarca de Goiânia (fls. 358/372). A essa contestação, seguiu-se a replicatio de Vilma Lopes Cunningham (fls. 503/516).

O magistrado brasileiro procedeu ao saneamento do processo e designou audiência de conciliação, instrução e julgamento (fls. 613/614), ordenando, ainda, a realização de perícia destinada a avaliar aspectos de caráter psicossocial concernentes a ambos os genitores e aos seus filhos (fls. 643).

A presente causa suscita algumas reflexões em torno da questão concernente à competência internacional do juiz brasileiro, tal como se acha definida nos arts. 88, 89 e 90 do CPC.

Quando Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao julgar pedido rogatório que me foi dirigido (CR 8.286-EUA, Rel. Min. CELSO DE MELLO), tive o ensejo de acentuar que o art. 88 do CPC, ao dispor sobre a competência internacional do Poder Judiciário brasileiro, define as causas, que, não obstante passíveis de apreciação por magistrados brasileiros, também podem ser validamente submetidas à esfera de atribuições jurisdicionais de Tribunais estrangeiros.

Disso resulta que as hipóteses definidas no art. 88 do CPC admitem o concurso de jurisdição entre magistrados estrangeiros e juízes brasileiros. Isso significa, portanto, que a norma de competência concorrente, fundada no preceito legal mencionado, enseja ao autor a possibilidade de livremente optar pela instauração de processos judiciais, seja perante magistrados brasileiros, seja perante Tribunais estrangeiros, desde que ocorrente qualquer das situações previstas no art. 88 do CPC.

Cabe referir, neste ponto, o autorizado magistério do saudoso CELSO AGRÍCOLA BARBI ("Comentários ao Código de Processo Civil", vol. I, tomo II/396-397, item n. 482, 1975, Forense), que, a propósito do tema ora em análise, observa:

"Nosso legislador, no art. 88, especificou causas em que a competência dos tribunais brasileiros é concorrente, isto é, elas podem ser julgadas também por tribunais estrangeiros. No art. 89, enumerou as causas em que a competência dos nossos tribunais é exclusiva.
Naquela primeira modalidade, a sentença proferida em Estado estrangeiro é válida no Brasil (...). Mas se for caso de competência exclusiva, a sentença estrangeira não tem nenhum valor no nosso País." (grifei)

Esse mesmo entendimento doutrinário é também perfilhado por ARRUDA ALVIM ("Manual de Direito Processual Civil", vol. 1 - Parte Geral, p. 233/234, item n. 80, 5ª ed., 1996, RT):

"O art. 88 estabelece a competência da autoridade judiciária brasileira, quando o réu for domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação; ou, ainda, se a ação se originar de fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Entretanto, pelo texto legal, é legítimo o entender-se estarmos ante casos de competência concorrente, ou seja, aquela que pode ser afastada pela vontade das partes, e valerá a sentença que primeiro alcançar a coisa julgada, devendo a estrangeira (se assim tiver sido), ser regularmente delibada. Entendemos isto pelo nítido contraste existente dentro do sistema, pois que o art. 89 prevê o que compete, com exclusividade, à autoridade judiciária brasileira, ou seja, conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil, inventários e partilhas de bens aqui situados, ao passo que o art. 88 se refere a competência concorrente." (grifei)

Vê-se, desse modo, que o Código de Processo Civil, ao proclamar, em seu art. 88, I, a competência da autoridade judiciária brasileira para processar e julgar causas em que o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, esteja domiciliado no Brasil, tornou lícito, em tema de competência internacional, o exercício de uma jurisdição concorrente, "que admite a atuação paralela da jurisdição estrangeira sobre a mesma causa sujeita à jurisdição brasileira" (RT 632/82).

É por essa razão - tratando-se de hipótese configuradora de competência concorrente (CPC, art. 88) - que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de reconhecer que "A circunstância de o réu, em processo instaurado perante Tribunal estrangeiro, ser brasileiro e eventualmente domiciliado no Brasil não atua, só por si, como fator de exclusão da competência jurisdicional da autoridade alienígena, eis que a nacionalidade brasileira, de um lado, e o domicílio do réu em território brasileiro, de outro, não se qualificam como elementos de conexão definidores da competência internacional exclusiva ou absoluta da Justiça nacional" (CR 7.870-EUA, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

De outro lado, cuidando-se da situação prevista no art. 89 do CPC, que estabelece a competência exclusiva da Justiça brasileira, impende assinalar que nenhum ato judicial estrangeiro, proferido nos casos indicados nesse preceito legal, poderá ser homologado ou ter a sua execução autorizada pelo Supremo Tribunal Federal, por tratar-se de cláusula consubstanciadora de um princípio de ordem pública (ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA/ADA PELLEGRINI GRINOVER/CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, "Teoria Geral do Processo", p. 149, item n. 75, 14ª ed., 1998, Malheiros; NELSON NERY JUNIOR/ROSA MARIA ANDRADE NERY, "Código de Processo Civil Comentado", p. 541, 4ª ed., 1999, RT, v.g.).

Na realidade, a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur em cartas rogatórias revelar-se-ão insuscetíveis de deferimento, se e quando o instrumento rogatório e o ato sentencial, emanados de Estado estrangeiro, versarem qualquer das matérias referidas no art. 89 do CPC. É que, presente esse contexto, impõe-se reconhecer que o ordenamento positivo nacional quis submeter tais matérias à competência absoluta da autoridade judiciária brasileira, "com exclusão de qualquer outra", afastando, em conseqüência, e unicamente nas hipóteses previstas no art. 89 do CPC, toda e qualquer possibilidade de exercício de jurisdição concorrente, por Tribunal estrangeiro (RTJ 101/69 - RTJ 121/924 - RTJ 124/905 - RTJ 125/80).

Bem por isso, e para efeito do juízo de delibação reclamado em sede de homologação de sentença estrangeira e de concessão de exequatur (cartas rogatórias), a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado ser necessário distinguir entre os casos de competência concorrente (CPC, art. 88), que admitem a instauração de processos também perante Tribunais estrangeiros, e os casos de competência exclusiva (CPC, art. 89), que se submetem, unicamente, à jurisdição dos magistrados brasileiros (RTJ 76/41 - RTJ 78/48 - RTJ 78/675 - RTJ 92/522 - RTJ 93/36 - RTJ 96/569 - RTJ 97/67, v.g.).

Assentadas tais premissas, impõe-se verificar a fase em que se acha, presentemente, o processo ora em curso perante a Justiça do Estado de Goiás, que, como já ressaltado, concedeu, em sede cautelar, à ora requerida (que é brasileira), a guarda sobre os filhos menores do casal, em momento que precedeu a prolação da sentença estrangeira que - relativamente a essas mesmas crianças - veio a outorgar, a seu pai (que é nacional dos Estados Unidos da América), a respectiva custódia.

Essa informação reveste-se de importância fundamental. É que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, em causa semelhante à presente, deixou assentada, no tema ora em análise, a seguinte orientação:

"Sentença Estrangeira - Homologação indeferida - Lide movida nos Estados Unidos da América visando a obtenção da guarda de filhos menores do casal, porém sem a prévia citação da requerida - Existência, ademais de sentença de Juiz no Brasil sobre o mesmo tema - Prevalência da decisão norte-americana que incorreria em ofensa a soberania nacional - Inteligência do art. 216 do RI/STF.
- Não é de se homologar a sentença estrangeira, se resulta dos autos que, para a lide movida nos Estados Unidos da América, visando a obter a guarda dos filhos menores do casal, com ordem de busca e apreensão, a requerida, embora ré no processo, não foi previamente citada.
Ademais, no caso, se há sentença de juiz no Brasil sobre o mesmo tema, não há como se dar prevalência à sentença norte-americana, sob pena de incorrer-se em ofensa à soberania nacional, o que contraria o art. 216 do RI/STF."
(RT 705/254, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei)

Vê-se, desse modo, a partir do entendimento firmado pelo Plenário desta Suprema Corte, que, em situações configuradoras de litispendência internacional ou de eventual conflito entre atos sentenciais brasileiros e estrangeiros que versem o mesmo tema, em processos distintos instaurados entre as mesmas partes, cumpre dar precedência à sentença proferida por autoridades judiciárias brasileiras, especialmente quando a decisão emanada do Poder Judiciário nacional resolver questões de família que envolvam filhos brasileiros e mãe domiciliada em nosso País, tal como se assentou, em matéria de guarda de menores, no julgamento plenário da SEC nº 4.694 - EUA, Rel. Min. ILMAR GALVÃO.

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, a advertência feita por AGUSTINHO FERNANDES DIAS DA SILVA ("Direito Processual Internacional", p. 176, item n. 192, 1971, Rio de Janeiro), cujo magistério - fundado no reconhecimento de que a ordem pública e a soberania nacional constituem obstáculos materiais à homologação de atos sentenciais estrangeiros - enfatiza que "não são homologáveis sentenças estrangeiras que venham chocar-se com os interêsses da segurança nacional ou que venham subtrair à soberania de nosso país o poder sôbre seus cidadãos, sôbre bens aqui situados ou sôbre atos aqui praticados ou exeqüíveis" (grifei).

Esse mesmo entendimento é também perfilhado por LUIS OLAVO BAPTISTA e por MILTON LATORRE ("Observações Práticas sobre a Homologação de Sentenças e de Laudos Arbitrais Estrangeiros no Brasil", in Revista Forense 276/311-317, 315), que, igualmente, acentuam a impossibilidade jurídica de homologar-se sentença estrangeira cujo teor esteja em conflito com a soberania nacional ou com os princípios que informam a ordem pública em nosso País, como ocorre naqueles casos em que a execução de sentença estrangeira possa afetar o poder do Estado brasileiro sobre os seus próprios nacionais, subtraindo-os ao império de seu ordenamento ou à autoridade decisória de seus próprios Tribunais.

Mostra-se relevante, no contexto ora em exame, a norma inscrita no art. 90 do CPC que consagra a prevalência da competência internacional da autoridade judiciária brasileira sobre processos em curso no exterior ou sobre decisões já proferidas por tribunais estrangeiros, ainda que com trânsito em julgado, pois, enquanto não sobrevier a homologação, pelo Supremo Tribunal Federal, do ato sentencial alienígena, inexistirá qualquer obstáculo a que a Justiça do Brasil conheça da mesma causa e de todas aquelas que, com ela, guardem relação de conexidade.

Neste sentido, cabe ter presente a observação feita por NELSON NERY JUNIOR e por ROSA MARIA ANDRADE NERY ("Código de Processo Civil Comentado", p. 542, 4ª ed., 1999, RT):

"Enquanto a autoridade brasileira for competente, na forma do CPC 88 I a III e 89 I e II, e não houver homologação da sentença estrangeira no Brasil (CF 102 I h), remanesce para o Estado brasileiro o poder de julgar a causa já ajuizada (não se induz litispendência), ou já julgada (não se reconhece coisa julgada) em outro país.
(...) À justiça brasileira é indiferente que se tenha ajuizado ação em país estrangeiro, que seja idêntica a outra que aqui tramite. O juiz brasileiro deve ignorá-la e permitir o regular prosseguimento da ação.
(...) Mesmo que a ação já tenha sido decidida no país estrangeiro, com trânsito em julgado, tal circunstância deve ser ignorada pelo juiz brasileiro. Somente depois de homologada pelo STF (CF 102 I h; CPC 483 e 484) é que a sentença estrangeira terá eficácia no Brasil." (grifei)

Cabe ter presente, bem por isso, a existência de precedentes do Supremo Tribunal Federal, que, em tema de busca e apreensão e guarda de menores, tem conferido primazia às decisões proferidas pela Justiça brasileira, ainda que não transitadas em julgado, porque, acaso concedida, "a homologação importaria em reforma de sentença brasileira, o que não se torna possível até porque isso maltrataria o princípio da soberania nacional" (RTJ 123/444, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO - grifei).

Todas essas questões - precisamente porque relevantes e pertinentes ao exame da presente causa - merecerão análise no momento processual oportuno.

Há, ainda, uma outra questão a ser debatida nesta causa.

Refiro-me à aplicabilidade, ou não, ao caso ora em exame, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças (Haia/1980), com vigência, no Brasil, desde 17/04/2000, data da publicação do ato que a promulgou (Decreto nº 3.413, de 14/04/2000).

É certo que o fato concernente à suposta abdução dos menores, por sua mãe brasileira, ocorreu em momento anterior àquele em que se deu, formalmente, a incorporação, ao ordenamento positivo interno brasileiro, da Convenção internacional em questão.

Esse aspecto de ordem temporal põe em evidência a questão concernente à retroatividade, ou não, dos tratados internacionais, que constitui matéria sujeita a intensa discussão no plano doutrinário, muito embora a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) - ainda em regime de tramitação parlamentar perante o Congresso Nacional (Câmara dos Deputados) - tenha consagrado, em seu Artigo 28, o princípio da irretroatividade, a cujo respeito assim se pronunciou, em obra monográfica, JOSÉ FRANCISCO REZEK ("Direito dos Tratados", p. 415, item n. 345, 1984, Forense):

"É primariamente lógico que nenhum tratado - como, de resto, nenhum fato humano - pode produzir qualquer efeito senão a partir do momento em que consumado. Admite-se, entretanto, que a norma jurídica expressa em tratado ou lei opere, desde quando vigente, em relação a fatos ou situações preexistentes. Isto é o que leva o nome de retroação, e que, nos tratados como nas leis, tem a marca da excepcionalidade." (grifei)

Cabe referir, por oportuno, neste ponto, o magistério de JUAN DE DIOS GIRALDO SUAREZ ("El Derecho de los Tratados", p. 109, 1976, Ediciones Tenaces, Colômbia), que, tendo presente a regência dessa matéria pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Artigo 28), expendeu as seguintes considerações sobre a aplicação dos tratados internacionais:

"Las normas son siempre para el futuro, las regulaciones serán siempre para hechos posteriores a la firma del Acuerdo. Los Tratados no son Retroactivos. Por lo anterior, las normas de un Tratado no cobijarán hechos pretéritos, ni por ellos serán vinculadas las partes, a menos que una "Intención" diferente se desprenda del Tratado.
Esto no obsta para que el Tratado verse sobre hechos anteriores como cuando se deciden cuestiones controvertidas en el pasado." (grifei)

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao julgar essa questão, embora em sede de processo extradicional, admitiu a possibilidade jurídica de o tratado internacional aplicar-se a fatos ocorridos anteriormente à celebração desse ato de direito internacional público (Ext 759-República Italiana (EDcl), Rel. Min. MOREIRA ALVES), invocando, para tanto, nessa decisão, precedente firmado pelo Plenário desta Suprema Corte, quando do julgamento da Ext nº 664-Reino da Espanha, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA.

Essa questão, contudo, tendo-se presente o contexto em análise nesta causa, constituirá matéria a ser também apreciada em momento oportuno.

Sendo assim, e tendo em vista as razões expostas, determino às partes (a) que informem, mediante exibição da respectiva certidão e de outros documentos que reputarem essenciais, a fase processual em que se acha, presentemente, o processo instaurado perante a Justiça Estadual de Goiás, e (b) que se pronunciem sobre o teor do presente despacho, notadamente sobre a eventual aplicabilidade, ao caso ora em exame, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Seqüestro Internacional de Crianças (Haia/1980), com vigência, no Brasil, desde 17/04/2000, data da publicação do ato que a promulgou (Decreto nº 3.413, de 14/04/2000), e, em especial, sobre a incidência dos Artigos 13, 16, 17 e 20 do tratado multilateral em questão.

Para tanto, assino-lhes o prazo de vinte (20) dias.

Oficie-se, ainda, ao Juízo de Direito da 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia/GO, solicitando-lhe informações sobre a presente fase em que se acha o Processo nº 9600551138, bem assim o encaminhamento, a este Tribunal, de cópia dos atos decisórios e/ou sentenciais proferidos naquela causa. Solicite-se, também, a esse colendo Juízo, informação sobre se já foi concluído, ou não, o exame psicossocial que por ele teria sido determinado no processo em questão. O ofício a ser expedido deverá ser instruído com cópia do presente despacho.

Publique-se.

Brasília, 12 de maio de 2000.


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 19.5.2000


 
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Informativo STF - 189 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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