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quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Informativo STF 237 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 13 a 17 de agosto de 2001- Nº237.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



Competência Originária do STF: "letra n"
Concurso Público e Capacitação Moral
Correição Parcial e Prazo
Devido Processo Legal e Invasão dos Sem-Terra
HC e Cabimento
HC: Pedido de Extensão e Competência
Imunidade Tributária de Bem Locado
Indulto e Homicídio Qualificado
MPDFT e Ilegitimidade para Recorrer
Poupança: IPC de Março de 90
STF: Competência em Razão da Matéria
Taxa de Segurança e Legitimidade
Tribunal do Júri e Formulação de Quesitos
Verbete 160 da Súmula e Nulidade Absoluta
Verbete 606 da Súmula: Reafirmação
HC e Sanção Administrativa (Transcrições)
PLENÁRIO


MPDFT e Ilegitimidade para Recorrer

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios não tem legitimidade ativa para interpor agravo regimental perante o STJ contra despacho proferido por relator de agravo de instrumento. Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, julgando habeas corpus afetado ao Plenário pela Segunda Turma (v. Informativo 215), deferiu a ordem para anular acórdão proferido pelo STJ que, em agravo regimental interposto pelo MPDFT em agravo de instrumento, determinara a subida do recurso especial criminal inadmitido na origem - contra decisão do Tribunal de Justiça local que anulara a condenação do paciente pelo júri -, e para determinar que o Ministério Público Federal que oficia junto ao STJ seja intimado quanto àquela decisão monocrática. Considerou-se que, em face do princípio da unidade e da indivisibilidade, o MPDFT limita-se ao âmbito de competência do Tribunal de Justiça e dos Juízes do Distrito Federal e Territórios, compreendendo a interposição de recurso perante esses órgãos, nos termos do art. 149 da LC 75/93 (LC 75/93, art. 149: "O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios exercerá as suas funções nas causas de competência do Tribunal de Justiça e dos Juízes do Distrito Federal e dos Territórios."). Vencido o Min. Marco Aurélio, que reconhecia a legitimidade do MPDFT quando atuasse na qualidade de titular da ação penal. Precedente citado: RE 262.178-DF (DJU de 24.11.2000 - Leia na seção de Transcrições do Informativo 211 o inteiro teor do relatório e do voto condutor deste precedente).
HC 80.463-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 15.8.2001.(HC-80463)

Poupança: IPC de Março de 90

Concluindo o julgamento de recurso extraordinário interposto contra o Banco Central do Brasil (v. Informativos 118 e 227), o Tribunal, por maioria, afastou a alegada inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 168, de 15.03.90 (Plano Collor), posteriormente convertida na Lei 8.024/90, no ponto em que fixou o BTN Fiscal como índice de correção monetária aplicável às cadernetas de poupança com data-base posterior ao dia 16.3.90 (anteriormente obtido pelo IPC). O Tribunal entendeu constitucional o § 2º do art. 6º da Lei 8.024/90 ["As quantias mencionadas no parágrafo anterior serão atualizadas monetariamente pela variação do BTN fiscal, verificada entre a data do próximo crédito de rendimentos e a data da conversão acrescidas de juros equivalentes a 6% (seis por cento) ao ano ou fração pro rata."], por entender que os cruzados novos bloqueados passaram a constituir uma nova conta individualizada no Banco Central, de natureza diferente da conta de poupança de origem, não ocorrendo, portanto, a alegada ofensa aos princípios da isonomia e do direito adquirido. Vencido o Min. Marco Aurélio, que reconhecia o direito à correção monetária dos cruzados novos bloqueados pelo IPC do mês de março de 1990 (84,32%) e declarava inconstitucional a mencionada norma por ofensa ao princípio da isonomia por terem as cadernetas de poupança recebido tratamento diverso em função de sua data-base.
RE 206.048-RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, 15.8.2001.(RE-206048)

STF: Competência em Razão da Matéria

Tendo em vista que compete ao STF processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (CF, art. 102, I, g), o Tribunal, por maioria, reconheceu sua competência originária para conhecer de habeas corpus preventivo contra a Divisão de Polícia Criminal Internacional - INTERPOL, do Departamento de Polícia Federal, em razão de ter recebido, da sua congênere no Canadá, mandado de prisão expedido por magistrado canadense contra cidadã brasileira, residente no Brasil, por suposto seqüestro dos próprios filhos. Vencido o Min. Marco Aurélio, que entendia caracterizada a competência da Justiça Federal de primeira instância para o julgamento do writ, em razão da autoridade apontada como coatora. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, tendo em vista que nenhuma ordem internacional de prisão pode ser executada no Brasil a não ser mediante pedido de extradição ao STF, deferiu o habeas corpus para expedir-se, em benefício da paciente, o salvo-conduto para que não sofra constrangimento à sua liberdade de locomoção, com as comunicações aos Ministério da Justiça e à Divisão de Polícia Criminal Internacional - INTERPOL, do Departamento de Polícia Federal. Quanto ao pedido de retirada imediata da paciente do quadro de procurados da Interpol na internet, o Tribunal dele não conheceu, por estar fora do alcance e controle da jurisdição nacional, haja vista que o portal eletrônico é de responsabilidade da Interpol de Lyon, França.
HC 80.923-SC, rel. Min. Néri da Silveira, 15.8.2001.(HC-80923)

Competência Originária do STF: "letra n"

A competência originária concedida ao STF pelo art. 102, I, n da CF (para julgar "a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados.") diz respeito, tão-só, a competências jurisdicionais e não a atribuições de caráter meramente administrativo. Com este entendimento, o Tribunal manteve decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que negara seguimento a mandado de segurança, impetrado originariamente perante o STF, contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará quando da eleição do Corregedor-Geral de Justiça local. Determinou-se, assim, a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, competente para processar e julgar mandado de segurança contra seus próprios atos (LOMAN, art. 21, VI). Precedentes citados: AO 154-DF (RTJ 148/331); MS (AgRg) 21.460-SC (RTJ 141/490) e AOr 176-MS (DJU de 18.6.93).
AO (AgRg) 813-CE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 15.8.2001.(AO-813)

Verbete 606 da Súmula: Reafirmação

Resolvendo questão de ordem, o Tribunal, por maioria, afastou a revisão do verbete 606 da Súmula do STF ("Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou do Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso"), e não conheceu de habeas corpus interposto contra decisão proferida em habeas corpus pela Segunda Turma, vencido o Min. Marco Aurélio, que dele conhecia. Em seguida, o Tribunal, por maioria, rejeitou a proposta do Min. Sepúlveda Pertence, relator, de remeter o processo à Segunda Turma para que apreciasse se é mera reiteração do habeas corpus anterior ou se há fundamento novo, vencido, também, o Min. Marco Aurélio, que acolhia a proposta.
HC (QO) 80.082-AL, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.8.2001.(HC-80082)

Verbete 160 da Súmula e Nulidade Absoluta

Iniciado o julgamento de habeas corpus afetado ao Plenário pela Primeira Turma (v. Informativo 230) em que se pretende, sob alegação de ofensa ao Verbete 160 da Súmula do STF ("É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de ofício."), a reforma de decisão do STJ que mantivera acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo o qual, acolhendo a preliminar de incompetência absoluta do juízo estadual suscitada pelo Ministério Público perante aquela Corte - e não suscitada pelas partes na apelação e nas contra-razões ao recurso -, anulara a sentença absolutória proferida pela justiça estadual, determinando o processamento dos autos na justiça federal. O Min. Ilmar Galvão, relator, entendendo que o conceito de nulidade disposto no Verbete 160 compreende a nulidade absoluta da sentença proferida por juiz incompetente, proferiu voto no sentido de conceder em parte a ordem para assentar a preclusão da matéria relativa à competência e anular o acórdão proferido pela Justiça comum para que se prossiga no julgamento do mérito do recurso do Ministério Público. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim.
HC 80.263-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 16.8.2001.(HC-80263)

Devido Processo Legal e Invasão dos Sem-Terra

Deferido mandado de segurança impetrado contra o decreto do Presidente da República que declarara de interesse social para fins de reforma agrária imóvel rural do impetrante, pela ausência de resposta do INCRA à impugnação do laudo da vistoria que reclassificou o imóvel como improdutivo, ofendendo, portanto, o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), e pela circunstância de que o laudo da vistoria do imóvel - invadido por membros do Movimento dos Sem-Terra, e desocupado havia 14 meses -, fora lavrado quando já estava em vigor o § 6º do art. 2º da Lei 8.629/93 (na redação dada pela MP 2.027-38/2000), que proibia a realização de vistoria em imóvel rural invadido nos dois anos seguintes à desocupação. Os Ministros Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence deferiram o mandado de segurança apenas quanto ao primeiro fundamento, por não darem esse alcance ao mencionado § 6º do art. 2º da Lei 8.629/93, haja vista que os trabalhos de campo foram realizados antes de sua entrada em vigor.
MS 23.825-MS, rel. Min. Néri da Silveira, 16.8.2001.(MS-23825)

PRIMEIRA TURMA


Tribunal do Júri e Formulação de Quesitos

Iniciado o julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ em que se pretende a anulação do julgamento que condenara o paciente pela prática do crime de homicídio, sob alegação de nulidade dos quesitos propostos ao jurados - porquanto, embora a denúncia e os laudos apontassem outro co-réu como autor material do crime, a formulação dos quesitos fora feita como se a autoria material fosse do paciente. Após o voto do Min. Ilmar Galvão, relator, indeferindo o writ por considerar que, ainda que existente eventual falha na quesitação proposta, o júri expressara sua vontade de forma inequívoca no sentido de negar a tese de autoria material do paciente, adotando a tese da participação, pediu vista dos autos o Min. Sepúlveda Pertence.
HC 80.906-GO, rel. Min. Ilmar Galvão, 14.8.2001.(HC-80906)

Correição Parcial e Prazo

Considerando que o prazo para promoção de correição parcial é de cinco dias após o recebimento dos autos de inquérito mandado arquivar ou de processo findo (RISTM, art.152, § 2º, com a redação dada pela emenda regimental 8/99), a Turma deferiu habeas corpus para determinar o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente - em razão do deferimento de correição parcial requerida intempestivamente, em que se determinara o desarquivamento do inquérito policial militar. Entendeu-se caracterizada a preclusão da decisão que determinara o arquivamento do inquérito policial militar, o qual somente poderia ser reaberto com o surgimento de provas ou fatos novos. Precedente citado: HC 80.396-DF (DJU de 20.4.2001).
HC 81.009-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 14.8.2001.(HC-81009)

HC e Cabimento

Tendo em vista a inexistência, na espécie, de ameaça à liberdade de locomoção a ensejar o cabimento de habeas corpus, instrumento voltado à proteção do direito de ir e vir, a Turma negou provimento a recurso em habeas corpus interposto contra acórdão do STJ - que, em sede de agravo regimental mantivera despacho que não conhecera do habeas corpus - no qual se pretendia impedir o cumprimento de decisão que determinara o seqüestro de bem imóvel da recorrente.
RHC 81.033-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 14.8.2001.(RHC-81033)

Taxa de Segurança e Legitimidade

Aplicando a orientação firmada pelo Plenário no julgamento do RE 206.777-SP (DJU de 30.4.99), a Turma deu provimento a recurso extraordinário para declarar a legitimidade da cobrança, pelo Município de Santo André - SP, da taxa de segurança exigida para cobrir despesas com a manutenção dos serviços de prevenção e extinção de incêndios (Lei municipal 6.185/85).
RE 252.295-SP, rel. Min. Moreira Alves, 14.8.2001.(RE-252295)

Imunidade Tributária de Bem Locado

Concluído o julgamento de recurso extraordinário em que se discutia se a imunidade tributária conferida à fundação mantenedora de universidade estadual (CF, art. 150, VI, a, e c) abrange o IPTU sobre imóvel de sua propriedade locado a terceiros - v. Informativo 153. Tratava-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pela Universidade do Estado do Rio Janeiro - UERJ contra acórdão do Tribunal de Alçada Cível do mesmo Estado que lhe negara a pretendida imunidade ao fundamento de que o imóvel submetido a locação não estaria vinculado à atividade de ensino. A Turma, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário por considerar que a imunidade prevista no art. 150, IV, c, da CF abrange o IPTU incidente sobre imóvel de entidades universitárias públicas, ainda que locado a terceiro. Vencido o Min. Ilmar Galvão, relator, que não conhecia do recurso extraordinário. Precedente citado: RE 237.718-SP (julgado em 29.3.2001, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 222).
RE 217.233-RJ, rel. orig. Min. Ilmar Galvão, red. p/ o acórdão Min. Sepúlveda Pertence, 14.8.2001.(RE-217233)

SEGUNDA TURMA


Concurso Público e Capacitação Moral

Concluído o julgamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que restabelecera decisão administrativa que reprovou o recorrente na prova de capacitação moral para o ingresso no curso de formação para o cargo de escrivão e inspetor de polícia, em virtude de condenação criminal pelo delito de falsidade ideológica, já atingido pela prescrição - v. Informativo 198. A Turma acompanhou o voto do Min. Marco Aurélio, relator, conhecendo do recurso e lhe dando provimento para restabelecer a sentença monocrática que reconhecera ao recorrente o direito de concorrer com os demais candidatos em igualdade de condições, por entender que o mesmo não poderia ser considerado incapacitado moralmente em razão da prática de crime cuja extinção da punibilidade já ocorrera em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado.
RE 212.198-RS, rel. Min. Marco Aurélio, 14.8.2001.(RE-212198)

HC: Pedido de Extensão e Competência

A Turma, embora ressaltando que, a rigor, os pedidos de extensão em habeas corpus devem ser apreciados pelo juiz prolator da decisão, deferiu o habeas corpus para estender ao paciente a decisão do juízo de primeiro grau que absolvera o co-réu, determinando, em conseqüência, o trancamento da ação penal relativamente ao paciente, em face das peculiaridades do caso concreto - em que o paciente, denunciado de forma idêntica juntamente com outro co-réu, obtivera em sede de habeas corpus o trancamento da ação penal contra ele instaurada, havendo sido reformada tal decisão posteriormente, quando já transitada em julgado a sentença absolutória relativa ao co-réu.
HC 80.933-MG, rel. Min. Nelson Jobim, 14.8.2001.(HC-80933)

Indulto e Homicídio Qualificado

A Turma, considerando que os requisitos estabelecidos em decreto concessivo de indulto devem ser preenchidos pelos sentenciados no momento da concessão do benefício, deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal que reconhecera ao recorrido - condenado pela prática de homicídio qualificado cometido anteriormente à edição da Lei 8.930/94, que incluiu o referido crime no rol dos crimes hediondos - o direito a indulto concedido por decreto presidencial que excluíra de seu âmbito os condenados por crimes hediondos. Afastou-se a alegada ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais severa (CF, art. 5º, XL) porquanto, no momento da concessão do indulto, o homicídio qualificado já se caracterizara como hediondo. Precedentes citados: HC 74.354-SP e HC 74.429-SP (DJU de 21.3.97).
RE 274.265-DF, rel. Min. Néri da Silveira, 14.8.2001.(RE-274265)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

15.8.2001

16.8.2001

65

1a. Turma

14.8.2001

------

95

2a. Turma

14.8.2001

------

78



C L I P P I N G D O D J

17 de agosto de 2001

ADIn N. 304-MA
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO: CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO, § 2º DO ART. 21. LEI 4.983/89, DO MESMO ESTADO, ARTIGOS 1º E 2º. ISONOMIA DE VENCIMENTOS.
I. - Vinculação de vencimentos entre as carreiras do Ministério Público e dos Procuradores do Estado, entre as carreiras do Ministério Público e dos defensores públicos e entre as carreiras do Ministério Público e dos Delegados de Polícia: inconstitucionalidade. Precedentes: EADIn's 171-MG e 465-PB.
II. - ADIn julgada procedente, em parte.
* noticiado no Informativo 11

ADIn N. 2.064-MS
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE DISPÕE SOBRE BARREIRAS ELETRÔNICAS. MULTA E ANISTIA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO. PRECEDENTES.
1. À União compete legislar sobre trânsito; aos Estados, se autorizados por lei complementar federal (CF, artigo 22, XI).
2. Inconstitucionalidade de lei estadual que dispõe sobre proibição de instalação de barreiras eletrônicas e desativação das já existentes. Tema específico de trânsito e não de educação para o trânsito.
4. Multa e anistia aplicadas por lei estadual aos infratores do trânsito. Invasão da competência constitucionalmente reservada à União e aos Municípios do Estado.
Ação julgada procedente. Inconstitucionalidade da Lei nº 1.992, de 31.08.99, do Estado de Mato Grosso do Sul.
* noticiado no Informativo 164

HABEAS CORPUS N. 80.116-DF
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: HABEAS CORPUS - JÚRI - ANULAÇÃO DO JULGAMENTO POR DEFICIÊNCIA NA FORMULAÇÃO DOS QUESITOS - MANUTENÇÃO DA PRISÃO DECORRENTE DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA - ALEGADO RETARDAMENTO DO NOVO JULGAMENTO - REALIZAÇÃO DESSE JULGAMENTO EM MOMENTO POSTERIOR AO DA IMPETRAÇÃO DO WRIT - PEDIDO PREJUDICADO.
- A ocorrência de fato processualmente relevante - condenação penal da paciente, em face da realização de novo julgamento - gera situação de prejudicialidade da ação de habeas corpus, por perda superveniente de seu objeto.
- A decisão que apenas desconstitui a condenação imposta ao paciente, determinando seja ele submetido a outro julgamento, não lhe assegura, de modo irrestrito, o direito de aguardar esse novo julgamento em liberdade. É que, subsistente a sentença de pronúncia, permanecem íntegros todos os efeitos que dela juridicamente decorrem, inclusive a decretação da prisão cautelar do réu. Precedentes.
O postulado constitucional da não-culpabilidade do réu não se qualifica como obstáculo jurídico que impeça a imediata constrição do status libertatis da pessoa.
PRISÃO CAUTELAR E CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.
- A Convenção Americana sobre Direitos Humanos não impede a privação antecipada da liberdade individual do réu, ainda que se revele suscetível de recurso a condenação penal que lhe tenha sido imposta.
- O Supremo Tribunal Federal, em sucessivos pronunciamentos, tem proclamado que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não assegura, de modo irrestrito, ao condenado, o direito de recorrer em liberdade, pois o Pacto de São José da Costa Rica, em tema de proteção ao status libertatis do réu, estabelece, em seu Artigo 7º, n. 2, que "Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas", admitindo, desse modo, a possibilidade de cada sistema jurídico nacional instituir - como o faz o ordenamento estatal brasileiro - os casos em que se legitimará a privação antecipada da liberdade de locomoção física do réu ou do condenado. Precedentes.

MS N. 23.744-MS
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA AGRÁRIA. AVALIAÇÃO DA TERRA NUA E BENFEITORIAS ANTES DO DECRETO PRESIDENCIAL. FASES DISTINTAS DO PROCEDIMENTO EXPROPRIATÓRIO REGIDAS POR DIPLOMAS LEGAIS ESPECÍFICOS. AFERIÇÃO DO GRAU DE PRODUTIVIDADE FEITA POR GLEBA E NÃO PELO IMÓVEL COMO UM TODO: POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DO PERÍODO DE 12 MESES PARA O LEVANTAMENTO DOS DADOS E INFORMAÇÕES DO IMÓVEL. TRAMITAÇÃO DE AÇÃO CAUTELAR, QUE NÃO SUSPENDE NEM INTERROMPE A REALIZAÇÃO DOS ATOS EXPROPRIATÓRIOS. PRECEDENTES.
1. A primeira fase do procedimento expropriatório destina-se ao levantamento de dados e informações do imóvel expropriando, no qual os técnicos do órgão fundiário são autorizados a ingressar (Lei nº 8.629/93, artigo 2º, § 2º). A segunda, ao procedimento judicial, disciplinado por lei complementar, conforme previsto no § 3º do artigo 184 da Constituição Federal, durante a qual a Administração poderá novamente, vistoriar a área com a finalidade de avaliar a terra nua e as benfeitorias (LC 76/93, artigo 2º, § 2º).
2. Nada impede, porém, que a Administração faça a avaliação a partir dos dados colhidos na primeira fase, se julgá-los suficientes, não fazendo uso da faculdade que a lei complementar lhe dá para ingressar novamente no imóvel.
3. A avaliação a partir da primeira vistoria não é causa de nulidade do decreto presidencial, mesmo porque nenhum prejuízo sofreu o proprietário. Pas de nullité sans grief.
4. Aferição do grau de produtividade feita por gleba e não pelo imóvel como um todo. Esta Corte já decidiu que a União, após a vistoria de toda a área, pode optar pela desapropriação de apenas parte dela (MS nº 22.075-MT, Ilmar Galvão, DJ de 09.06.95).
5. O mandado de segurança não é meio idôneo para se buscar solução referente à classificação do imóvel objeto da desapropriação. Inexistência de direito líquido e certo à intangibilidade do primeiro laudo em face do segundo. Ausência de provas pré-constituídas. Precedentes.
6. Alegação de inobservância do período de 12 meses para o levantamento dos dados do imóvel. Improcedência da afirmação, visto que as glebas foram desmembradas após ter sido vistoriado o imóvel, como um todo, sendo desnecessária a reavaliação de cada parcela.
7. Tramitação de ação cautelar de produção antecipada de prova sobre as mesmas questões tratadas no mandamus. As duas ações são independentes. Os atos do procedimento expropriatório não se vinculam ao desfecho da ação cautelar. Precedentes (MS nº 20.747/DF, SYDNEY SANCHES, DJ de 31.03.89 e MS nº 23.311/PR, PERTENCE, DJ de 25.02.00.
Segurança denegada.

RE (AgRg) N. 235.699-SP
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DO FUNDAMENTO EM QUE SE ASSENTOU O ATO DECISÓRIO QUESTIONADO - PROCESSO TRABALHISTA - RECURSO DE REVISTA -PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL - NÃO CONFIGURAÇÃO - RECURSO IMPROVIDO.
O RECURSO DE AGRAVO DEVE IMPUGNAR, ESPECIFICADAMENTE, TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA.
- O recurso de agravo a que se referem os arts. 545 e 557, § 1º, ambos do CPC, na redação dada pela Lei nº 9.756/98, deve infirmar os fundamentos jurídicos em que se assenta a decisão agravada. O descumprimento dessa obrigação processual, por parte do recorrente, torna inviável o recurso de agravo por ele interposto. Precedentes.
CONFIGURAÇÃO DO PREQUESTIONAMENTO, EM PROCESSO TRABALHISTA, PARA EFEITO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
- Tratando-se de recurso extraordinário deduzido contra decisão do Tribunal Superior do Trabalho, proferida no julgamento de recurso de revista, cabe à parte recorrente, para o fim a que se refere a Súmula 282/STF, invocar as questões constitucionais até a interposição do recurso de revista, pois é neste ato processual que reside "o momento último para a suscitação de tema constitucional" (Ag 120.177-MG (AgRg), Rel. Min. ALDIR PASSARINHO).
Desse modo, tem-se por tardia a configuração do prequestionamento, para efeito de acesso à via recursal extraordinária, se a matéria constitucional vem a ser suscitada, perante o Tribunal Superior do Trabalho, após a interposição do recurso de revista, ressalvada a hipótese em que a situação de litigiosidade constitucional tenha surgido, originariamente, no próprio acórdão de que se recorre para o Supremo Tribunal Federal. Precedentes.

EXT (Edcl) N. 703-REPÚBLICA ITALIANA
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: EXTRADIÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRISÃO PERPÉTUA.
A jurisprudência do Tribunal é no sentido de admitir, sem qualquer restrição, a possibilidade do Governo Brasileiro extraditar o súdito estrangeiro, mesmo que sujeito a sofrer pena de prisão perpétua no Estado requerente.
Embargos recebidos, em parte, para suprir a omissão, sem modificar a parte dispositiva do acórdão embargado.
* noticiado no Informativo 105

RE N. 194.295-RJ
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL - NORMAS LEGAIS - CABIMENTO. A intangibilidade do preceito constitucional que assegura o devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da tese de que a ofensa à Carta Política da República suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário há de ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora se torne necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito: o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais.
* noticiado no Informativo 209
RE N. 214.117-MG
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
COISA JULGADA - PARÂMETROS - DEFINIÇÃO. A definição da coisa julgada há de fazer-se mediante exame do título executivo judicial como um todo, descabendo potencializar erro material contido na parte dispositiva.
* noticiado no Informativo 207

RE N. 261.766-SP
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO
PENA - REGIME DE CUMPRIMENTO - CRIMES HEDIONDOS. A progressividade no regime de cumprimento da pena, ainda que se trate dos denominados crimes hediondos, não conflita com a Constituição Federal. Impertinência do recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público como fiscal da lei, no que concedido o habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, possibilitando a referida progressão.

RHC N. 80.035-SC
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO JUDICIAL QUE, SEM JUSTO MOTIVO, DEIXA DE RESTITUIR OS BENS PENHORADOS - INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA CARACTERIZADA - POSSIBILIDADE DE DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL NO ÂMBITO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DA PROPOSITURA DE AÇÃO DE DEPÓSITO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS) - RECURSO IMPROVIDO.
PRISÃO CIVIL, DEPOSITÁRIO JUDICIAL DE BENS PENHORADOS E INFIDELIDADE DEPOSITÁRIA.
- O depositário judicial de bens penhorados, que é responsável por sua guarda e conservação, tem o dever ético-jurídico de restituí-los, sempre que assim for determinado pelo juízo da execução.
O desvio patrimonial dos bens penhorados, quando praticado pelo depositário judicial ex voluntate propria e sem autorização prévia do juízo da execução, caracteriza situação configuradora de infidelidade depositária, apta a ensejar, por si mesma, a possibilidade de decretação, no âmbito do processo de execução, da prisão civil desse órgão auxiliar do juízo, independentemente da propositura da ação de depósito. Precedentes.
A QUESTÃO DO DEPOSITÁRIO INFIEL E A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS.
- A ordem constitucional vigente no Brasil - que confere ao Poder Legislativo explícita autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel (art. 5º, LXVII) - não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante tratado ou convenção internacional, ter-se-ia interditado a prerrogativa de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada, expressamente, pela própria Constituição da República. Precedentes.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de subordinar-se, no plano hierárquico-normativo, à autoridade da Constituição da República, não podendo, por isso mesmo, contrariar o que dispõe o art. 5º, LXVII, da Carta Política, também não derrogou - por tratar-se de norma infraconstitucional de caráter geral (lex generalis) - a legislação doméstica de natureza especial (lex specialis), que, no plano interno, disciplina a prisão civil do depositário infiel.

Acórdãos publicados: 46


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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HC e Sanção Administrativa (Transcrições)

HC e Sanção Administrativa (Transcrições)

HC 80.800-MG*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: PUNIÇÃO DISCIPLINAR IMPOSTA A MAGISTRADO FEDERAL. PENA DE CENSURA. NÃO-CABIMENTO, EM TAL HIPÓTESE, DA AÇÃO DE HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO DO WRIT QUE TAMBÉM OBJETIVA O TRANCAMENTO DE INVESTIGAÇÃO PENAL. INQUÉRITO DESTINADO A APURAR FATO QUE SE REVESTE, EM TESE, DE TIPICIDADE PENAL. LEGITIMIDADE DESSA INVESTIGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. LIMINAR INDEFERIDA.

- A ação penal de "habeas corpus" não se revela cabível, quando promovida com o objetivo de invalidar decisão administrativa que impôs, a magistrado, a pena de censura. É que a função clássica desse writ constitucional - desde a cessação, em 1926, da doutrina brasileira do habeas corpus - restringe-se à tutela exclusiva da liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.

- Havendo suspeita de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração de inquérito policial, eis que se impõe, ao Poder Público, a adoção de providências necessárias ao integral esclarecimento da verdade real, notadamente nos casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública incondicionada. Precedentes.

DECISÃO: Insurge-se, a impetrante, na presente ação de habeas corpus, contra punição disciplinar imposta ao ora paciente, que é magistrado federal (pena de censura, aplicada nos termos do art. 42, II, c/c o art. 44, ambos da LOMAN), postulando, ainda, o trancamento do inquérito policial instaurado contra esse mesmo Juiz federal, por suposta prática do crime de abuso de autoridade.

O acórdão, objeto da presente impetração, proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça, está assim ementado (fls. 253):

"PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DO SINDICADO PARA A CONTINUIDADE DO JULGAMENTO. INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO. BIS IN IDEM.
1. Devidamente intimado para a sessão de julgamento da sindicância, na qual foi lido o relatório e realizada a sua defesa oral, não há falar-se em nulidade por falta da intimação do sindicado para a continuidade do julgamento, efetivada assim que o Juiz que pediu vista apresentou o seu voto.
2. A punição disciplinar não impede a verificação de possível ilícito na esfera criminal, tendo em vista o princípio da independência entre as instâncias administrativa e penal.
3. Habeas Corpus conhecido. Pedido indeferido." (grifei)

Cabe examinar, preliminarmente, se se revela suscetível de conhecimento o remédio de habeas corpus, quando impetrado, como no caso, contra sanção de caráter meramente disciplinar.

Como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido - tratando-se de hipótese em que não há risco efetivo de constrição à liberdade de locomoção física do paciente - que, em tal específica situação, não tem pertinência o writ constitucional do habeas corpus. É que a utilização do remédio heróico supõe, necessariamente, a concreta configuração de ofensa, atual ou potencial, ao direito de ir, vir e permanecer da pessoa (RTJ 135/593, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 136/1226, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 142/896, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RTJ 152/140, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 80.199-MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus - este writ passou a amparar, "única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos..." (RF 213/390 - RF 222/336 - RF 230/280 - RT 338/99 - RT 423/327 - HC 69.854-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

Na realidade, a ação penal de habeas corpus não se revela cabível, ainda que para discutir eventual nulidade do processo penal, desde que não resulte configurada qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque (RTJ 66/396).

Com maior razão, evidencia-se o descabimento desse writ constitucional, quando se tratar de punição de caráter simplesmente disciplinar, como ocorre na espécie destes autos, não se justificando, por isso mesmo, a pretendida restauração de eficácia da medida liminar concedida, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, pelo ilustre Relator do HC 13.791-MG (fls. 03).

Impõe-se destacar que o remédio jurídico-processual do habeas corpus, na tradição de nosso direito republicano, sempre encontrou assento nas diversas Constituições promulgadas a partir de 1891.

Trata-se de instrumento constitucional, de essencialidade inquestionável, destinado a ativar a tutela jurisdicional do Estado e a resguardar, de modo eficaz, a imediata liberdade de locomoção física das pessoas naturais, preservando-lhes o exercício do direito de ir, de vir e de permanecer.

Com o advento da ordem constitucional republicana em 1891, institucionalizou-se, em nosso sistema jurídico, já agora num plano de maior hierarquia normativa, a ação de habeas corpus, prevista, até então, apenas no âmbito da legislação imperial ordinária ou comum (Código de Processo Criminal do Império de 1832, art. 340, e Lei Imperial nº 2.033, de 1871, art. 18).

Sabemos todos que o sentido abrangente da norma inscrita no art. 72, § 22, da Constituição republicana de 1891, na redação anterior à estabelecida pela Revisão Constitucional de 1926, elasteceu, sob o influxo da doutrina brasileira do habeas corpus, a área de atuação processual desse instrumento formal de proteção às liberdades públicas.

A doutrina brasileira do habeas corpus - como enfatiza, em preciso magistério, ROBERTO ROSAS ("Direito Processual Constitucional", p. 85/86, 1983, RT) - ampliou o campo de incidência desse remédio constitucional, permitindo que, por meio dele, se defendessem outros direitos cujo gozo tivesse por suporte o exercício da liberdade de locomoção física.

O habeas corpus, então, sob a decisiva influência das idéias sustentadas pelo notável magistrado desta Corte, PEDRO LESSA ("Do Poder Judiciário", p. 337/339, 1915, Livraria Francisco Alves), passou a tutelar, no plano jurisdicional, não só o direito de ir, vir e permanecer, ainda quando este, na simples condição de direito-meio, pudesse vir a ser afetado de modo reflexo, indireto ou oblíquo (RF 22/306 - RF 34/505 - RF 36/192 - RF 38/213 - RF 45/183), mas, também, quaisquer outras liberdades ou prerrogativas jurídicas afetadas por comportamentos ilegais ou abusivos dos órgãos ou agentes da administração pública (RF 13/148).

Na realidade, a ampliação das funções jurídicas do habeas corpus deveu-se à inexistência, em nosso ordenamento positivo, de um remédio processual, que, à semelhança da ação de mandado de segurança - que só viria a ser institucionalizada pela Constituição de 1934 -, atuasse como instrumento viabilizador da tutela pronta, imediata e eficaz de outros direitos e liberdades expostos à ação eventualmente arbitrária do Poder Público (CASTRO NUNES, "Do Mandado de Segurança e de outros meios de defesa contra atos do Poder Público", p. 1/2, item n. 1, 8ª ed., 1980, Forense; SEABRA FAGUNDES, "O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário", p. 258, item n. 105, nota n. 19, 4ª ed., 1967, Forense).

O fato irrecusável é que, após a Reforma Constitucional de 1926, "A proteção do habeas corpus não vai além do direito de locomoção. Por ele não se tutelam outros direitos, nem mesmo os que, na faculdade de ir e vir ou ficar, têm a sua condição de exercício" (RF 222/336 - RT 173/24 - RT 338/99).

É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, em recentes julgamentos, enfatizou, uma vez mais, a estrita destinação constitucional do remédio de habeas corpus, proferindo, então, decisões consubstanciadas em acórdãos assim ementados:

"Após a Reforma Constitucional de 1926, e com a cessação da doutrina brasileira do habeas corpus, esse remédio processual passou a ter pertinência somente nos casos em que ocorrer situação de risco efetivo ou de dano potencial à liberdade de locomoção física do paciente ('jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque'). Precedentes."
(HC 80.199-MT, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

"A função clássica do habeas corpus restringe-se à estreita tutela da imediata liberdade de locomoção física das pessoas.
- A ação de habeas corpus - desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque - não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitivamente executada.
Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus - haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes."
(HC 80.575-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma)

Sendo assim, e considerando que, na controvérsia narrada pela ora impetrante, não se expõe a risco ou a gravame o status libertatis do magistrado federal em questão - pois foi ele punido com a sanção disciplinar da censura (LOMAN, art. 42, II, c/c o art. 44) -, torna-se evidente, quanto a essa específica punição administrativa, que inexiste, para efeito de incidência da norma inscrita no art. 5º, LXVIII, da Constituição, qualquer situação de litigiosidade que afete a imediata liberdade de locomoção física do paciente, razão pela qual não há como inferir, da situação em análise, qualquer possibilidade de ofensa ao direito de ir, vir ou permanecer daquele em cujo favor foi impetrado o presente habeas corpus.

Desse modo, e no que se refere à punição disciplinar em questão, não conheço da presente ação de habeas corpus.

Conheço, no entanto, deste writ constitucional, no ponto em que impugna a instauração de procedimento de investigação penal destinado a apurar a suposta participação do ora paciente em prática delituosa.

Passo, em conseqüência, a apreciar o pedido de medida liminar que a impetrante deduziu na presente sede processual.

Cumpre enfatizar que a mera instauração de inquérito policial, que objetive a investigação de fatos considerados criminosos pelo ordenamento positivo, não constitui, só por si, ato capaz de caracterizar situação de injusto constrangimento, mesmo porque se impõe ao Poder Público, nos casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública incondicionada, adotar as providências necessárias ao integral esclarecimento da prática delituosa.

Por tal razão, firmou-se, nesta Suprema Corte, orientação jurisprudencial no sentido de que "a simples apuração da notitia criminis não constitui constrangimento ilegal a ser corrigido pela via do habeas corpus" (RTJ 78/138).

Havendo suspeita de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se essencial proceder à ampla apuração dos fatos, satisfazendo-se, desse modo, a um imperativo inafastável, fundado na necessidade ético-jurídica de sempre fazer prevalecer a verdade real.

A requisição judicial de inquérito policial, determinada com o objetivo de promover investigação penal sobre a prática do crime de abuso de autoridade, não constitui, por isso mesmo, ato configurador de injusto constrangimento, especialmente se a conduta sob apuração assumir, em tese, a qualificação de fato revestido de tipicidade penal (RT 582/418), como parece ocorrer no caso.

Cabe referir, neste ponto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, cuja orientação firmou-se no sentido de que, havendo suspeita fundada de crime, legitima-se a instauração de inquérito policial (RT 590/450), pois o trancamento da investigação penal somente se justificaria se os fatos pudessem, desde logo, evidenciar-se como "inexistentes ou não configurantes, em tese, de infração penal" (RT 620/368).

Esse entendimento - que se reflete na jurisprudência dos Tribunais (RT 598/321 - RT 603/365 - RT 610/321 - RT 639/296-297 - RT 729/590) - também encontra apoio em autorizado magistério doutrinário, como se vê da lição de JULIO FABBRINI MIRABETE ("Código de Processo Penal Interpretado", p. 1.424, item n. 648.2, 7ª ed., 2000, Atlas):

"Em regra, o habeas corpus não é meio para trancar inquérito policial, porque, para a instauração do procedimento inquisitório, basta haver elementos indicativos da ocorrência de fato que, em tese, configura ilícito penal, e indícios que apontem determinada pessoa ou determinadas pessoas como participantes do fato típico e antijurídico. Se os fatos configuram crime em tese, o inquérito policial não pode ser trancado por falta de justa causa." (grifei)

Sendo assim, e tendo presentes as razões expostas, indefiro o pedido de medida liminar, eis que não se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão deduzida pela ora impetrante.

2. Considerando que já foram prestadas as informações pelo órgão ora apontado como coator (fls. 250/258), ouça-se a douta Procuradoria-Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 1º de agosto de 2001.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 14.8.2001


 
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Informativo STF - 237 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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