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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Informativo STF 320 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 8 a 12 de setembro de 2003- Nº320.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS


ADI e Vício Formal
Contratação Temporária e Concurso Público
Débito Contestado em Juízo e CADIN
Denúncia e Atipicidade da Conduta
Direito de Recorrer em Liberdade
Efeito Vinculante da Liminar em ADI
FUNDEF e Valor Mínimo Anual por Aluno
HC e Incompetência Originária do STF
HC Preventivo e Extradição Futura
Presunção de Inocência e Promoção
Recurso contra Diplomação e Produção de Provas
Verbete 343 da Súmula e Ação Rescisória
Zona Franca de Manaus e Incentivos Fiscais
Reforma Constitucional - Controle Jurisdicional (Transcrições)
Desapropriação por Interesse Social (Transcrições)
PLENÁRIO


Denúncia e Atipicidade da Conduta

Julgado inquérito em que se pretendia o recebimento de denúncia oferecida contra dois parlamentares e contra servidora pública pela suposta prática, em concurso material, dos crimes de supressão de documento e de violação do sigilo funcional (CP, arts. 305 e 325), consistentes na destruição do lacre que garantia sigilo ao extrato da votação eletrônica, pela qual fora determinada a cassação de então senador da República, e da posterior revelação dos votos emitidos pelos demais parlamentares. Preliminarmente, o Tribunal reconheceu a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva, considerada a pena em abstrato, para o delito de violação de sigilo funcional, relativamente a um dos denunciados, por contar com mais de setenta anos à época dos fatos, fazendo incidir, assim, a redução do prazo prescricional previsto no art. 115 do Código Penal. Em seguida, o Tribunal rejeitou a denúncia para os demais, relativamente ao delito do art. 325 do CP, uma vez que a violação de sigilo funcional pressupõe que o fato revelado tenha chegado ao conhecimento do agente em razão do exercício do cargo, o que não ocorrera na espécie, já que nenhum dos denunciados possuía acesso à informação violada, sigilosa para todos, em razão da função exercida. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, considerando que a conduta praticada pelos acusados - consistente na alteração dos programas de informática do Senado, a fim de que o extrato da votação secreta, que não é transmitido para nenhum meio magnético, permanecendo no sistema apenas o tempo necessário à totalização dos votos, após o que é automaticamente perdido, pudesse subsistir no sistema, possibilitando a obtenção dos dados sigilosos - não implicara destruição, supressão ou ocultação de documento, mas, pelo contrário, impedira a destruição automática das informações, rejeitou a denúncia relativamente ao delito de supressão de documento, por atipicidade da conduta, vencido o Min. Carlos Britto, que, no ponto, recebia a denúncia, por entender que a desnaturação do documento, pela quebra do lacre, corresponderia à sua própria destruição (CP, art. 305: "Destruir, suprimir, ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor;" art. 325: "Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação").
Inq 1.879-DF, rel. Ministra Ellen Gracie, 10.9.2003.(INQ-1879)

Recurso contra Diplomação e Produção de Provas

Iniciado o julgamento de segunda medida cautelar em ação cautelar ajuizada contra ato da Presidência do TSE, que negara seguimento a recurso extraordinário interposto contra decisão que deferira a produção de provas em recurso contra a diplomação dos requerentes, Governador e Vice-Governadora do DF (v. Informativo 317). Pretende-se, na espécie, por meio da concessão de tutela antecipada, o sobrestamento do recurso contra a expedição de diploma em curso no TSE, até julgamento do recurso extraordinário já admitido para esta Corte, em face do provimento dado ao agravo de instrumento interposto. O Min. Marco Aurélio, reportando-se aos fundamentos expendidos quando do deferimento da primeira medida cautelar, proferiu voto no sentido de referendar a decisão por ele proferida, para determinar a suspensão do trâmite do recurso contra a expedição de diploma em curso no TSE, até julgamento do recurso extraordinário por esta Corte. De outra parte, os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Cezar Peluso votaram no sentido de negar referendo à decisão. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Gilmar Mendes.
AC 34-MC-MC-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2003.(AC-34)

HC Preventivo e Extradição Futura

Iniciado o julgamento de habeas corpus impetrado preventivamente, no qual se pretende evitar a prisão preventiva do paciente, supostamente destinada a futuro processo de extradição. O Min. Marco Aurélio, relator, tendo em conta a condição de brasileiro nato do paciente, o que inviabilizaria o deferimento da extradição, e o risco iminente de vir a ser preso, em face da ação penal em curso na Itália - na qual foi decretada a sua prisão preventiva -, proferiu voto no sentido de conhecer do habeas corpus e conceder o salvo-conduto pleiteado, limitado a possível ordem de prisão ligada à extradição. Após, o julgamento foi adiado em face do pedido de vista do Min. Nelson Jobim (CF, art. 5º, LI: "nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;").
HC 83.450-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 10.9.2003.(HC-83450)

FUNDEF e Valor Mínimo Anual por Aluno

O Tribunal referendou decisão proferida pelo Min. Marco Aurélio, relator, nos autos de ação cível originária ajuizada pelo Estado de Sergipe, que indeferira pedido de antecipação da tutela, pelo qual se pretendia, sob a alegação de incorreção no critério utilizado pela União para apuração do valor mínimo anual devido por aluno, o repasse das diferenças devidas desde o ano de 1998, relativamente às verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF. Considerou-se ausentes, na espécie, a verossimilhança das alegações formuladas pelo autor, ante a complexidade do tema envolvido, e o receio de dano irreparável ou de difícil reparação, já que os supostos valores seriam devidos desde 1998 e a ação somente foi ajuizada no ano de 2003.
ACO 669-MC-SE, rel. Min. Marco Aurélio, 11.9.2003.(ACO-669)


HC e Incompetência Originária do STF

Concluído o julgamento de habeas corpus impetrado contra decisão do Juízo de Direito da 4ª Vara do Foro Regional I - Santana/SP, que determinou a citação do paciente para responder à ação penal privada instaurada pela suposta prática dos delitos de difamação e de injúria, iniciada anteriormente à sua investidura no cargo de Presidente da República (v. Informativo 315). O Tribunal, por maioria, acompanhou o voto proferido pelo Min. Sepúlveda Pertence, relator, que, considerando ser o fato delituoso estranho ao exercício da função presidencial - o que, na forma prevista no § 4º do art. 86 da CF/88, implicaria a suspensão temporária do curso do processo penal, que somente terá prosseguimento por ocasião do término do mandato -, declarou a incompetência originária atual e futura do Supremo Tribunal Federal para a ação penal objeto do writ, determinando a remessa dos autos à origem. Vencido o Min. Marco Aurélio que, afastando a incidência do § 4º do art. 86 nas hipóteses de impetração de habeas corpus, reconhecia a competência do STF para julgamento do writ, na forma prevista na alínea b do inciso I do art. 102 da CF/88.
HC 83.154-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11.9.2003.(HC-83154)

Contratação Temporária e Concurso Público

Por entender caracterizada a ofensa ao inciso II do art. 37 da CF/88 - que determina que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público -, o Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 418/93, do Distrito Federal, que permitia, para o atendimento de necessidades de excepcional interesse público ali especificadas, contratações de pessoal, por prazo determinado, mediante contrato de locação de serviços no âmbito das empresas públicas e de sociedades de economia mista do Distrito Federal. Considerou-se que o modelo de contratação previsto na norma impugnada autorizava a contratação de pessoal de forma irregular, não enquadrada nas hipóteses excepcionais contidas no inciso IX do art. 37 da Constituição. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava improcedente o pedido formulado, por entender que a Lei impugnada seria compatível com o disposto no inciso IX do art. 37 da CF/88 ("IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;"). Precedentes citados: ADI 1.500-ES (DJU de 16.8.2002), ADI 2.125-DF (DJU de 29.9.2000) e ADI 2.380-DF (DJU de 24.5.2002).
ADI 890-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 11.9.2003.(ADI-890)

ADI e Vício Formal

Por ofensa ao art. 61, § 1º, II, a e c da CF/88 - que atribuem ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que disponham sobre a remuneração e regime jurídico de servidores públicos -, o Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado da Paraíba, para declarar a inconstitucionalidade formal do art. 39 da Constituição, do mesmo Estado, que assegurava a servidores públicos, em cada nível de vencimento, como garantia do princípio da hierarquia salarial "um acréscimo nunca inferior a cinco por cento do nível imediatamente antecedente, e a fixação, entre cada classe, referência ou padrão, de diferença não inferior a cinco por cento". Vencidos os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, que julgavam improcedente a ação relativamente ao alegado vício formal. Precedente citado: ADI 1.977-PB (DJU de 2.5.2003).
ADI 2.863-PB, rel. Min. Nelson Jobim, 11.9.2003.(ADI-2863)

Efeito Vinculante da Liminar em ADI

Entendendo caracterizado o desrespeito à decisão proferida por esta Corte, o Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em reclamação ajuizada pelo Estado do Rio Grande do Norte, para cassar acórdão do Tribunal de Justiça local que, com base no § 1º do art. 29 da Constituição do mesmo Estado - cuja vigência, à época do julgamento, já se encontrava suspensa por decisão cautelar proferida nos autos da ADI 1.730-MC-RN (DJU de 18.9.98) -, assegurara a servidor aposentado como auditor fiscal do tesouro nacional 6 o reenquadramento no nível 8, com efeitos financeiros desde a impetração. O Tribunal, embora salientando que, no caso, já houve julgamento do mérito da ação direta, considerou que a suspensão liminar da eficácia de lei ou de ato normativo, dotada de efeito vinculante, equivale à suspensão temporária de sua vigência - impedindo, assim, a aplicação da norma questionada por outros tribunais, pela administração ou por outros órgãos estatais - e acarreta a suspensão dos julgamentos que envolvam a aplicação da disposição que teve sua vigência suspensa. O Min. Carlos Britto, por sua vez, ressalvando o fato de que, no caso concreto, a decisão reclamada fora proferida quando já se encontrava suspenso o dispositivo da Constituição estadual, com efeitos ex nunc, também acompanhou a conclusão do voto proferido pelo Min. Gilmar Mendes. Vencido o Min. Marco Aurélio, que não conhecia da reclamação. Precedentes citados: Rcl 1.880-AgR-QO-SP (julgada em 7.11.2002, v. Informativo 289, RE 168.277-QO-RS (DJU de 29.5.98), Rcl 1.507-QO-RJ (DJU de 1º.3.2002).
Rcl 2.256-RN, rel. Min. Gilmar Mendes, 11.9.2003.(RCL-2256)

Débito Contestado em Juízo e CADIN

O Tribunal, por maioria, manteve decisão proferida pelo Min. Maurício Corrêa, que deferira pedido de medida liminar para o fim de impedir a inscrição do Estado do Paraná no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal - CADIN em razão de suposta dívida questionada judicialmente. O Tribunal, preliminarmente, por maioria, rejeitou a alegada litispendência entre a presente ação cautelar e a medida cautelar ajuizada na Seção Judiciária do Distrito Federal - cuja competência foi declinada para esta Corte após o deferimento da medida cautelar, em face do conflito federativo proveniente da discussão sobre eventual débito do mencionado Estado com a União -, vencidos os Ministros Marco Aurélio, Carlos Britto, Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence, que acolhiam a preliminar para julgar extinto o processo. Em seguida, o Tribunal, também por maioria, tendo em conta que a controvérsia acerca da existência ou não do débito encontra-se submetida à apreciação judicial, negou provimento ao agravo, vencido o Min. Marco Aurélio que o provia, para cassar a liminar deferida.
AC 39-AgR-PR, rel. Ministra Ellen Gracie, 11.9.2003.(AC-39)

Zona Franca de Manaus e Incentivos Fiscais

Ante a nova composição da Corte, o Tribunal deliberou renovar o julgamento de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Amazonas contra vários dispositivos das Leis 10.176/2001 e 8.387/91, que alteraram, respectivamente, a Lei 8.248/91 e o DL 288/67.
ADI 2.399-MC-AM, rel. Min. Marco Aurélio, 11.9.2003.(ADI-2399)

PRIMEIRA TURMA


Direito de Recorrer em Liberdade

A Turma, por maioria, indeferiu pedido de medida cautelar formulado em reclamação, na qual se alegava o descumprimento da decisão proferida pelo STF no julgamento do HC 82.909-PR (julgado em 2.9.2003, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 315) - que, declarando a nulidade do decreto de prisão preventiva, determinara a soltura do ora reclamante - por entender que a determinação desta Corte não fora descumprida, uma vez que a superveniente sentença condenatória que mantivera a prisão do reclamante embasara-se, também, em outros fundamentos, quais sejam, os preceitos do art. 9º da Lei 9.034/95 e do art. 3º da Lei 9.613/98. Vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio, relator, e Carlos Britto que deferiam a liminar, por considerarem descumprida a decisão judicial, já que a sentença condenatória reiterara os motivos da prisão cautelar. Em seguida, a Turma, tendo em conta questão suscitada pelo Min. Cezar Peluso sobre a possibilidade de concessão de habeas corpus de ofício, em razão de discussão sobre a constitucionalidade ou não do art. 9º da Lei 9.034/95 e do art. 3º da Lei 9.613/98 em face do princípio da não-culpabilidade, no mérito, deliberou remeter ao Plenário o julgamento da reclamação (Lei 9.034/95: art. 9º: "O réu não poderá apelar em liberdade, nos crimes previstos nesta Lei." e Lei 9.613/98, art. 3º: "Os crimes disciplinados nesta Lei são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória e, em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.").
Rcl 2.391-MC-PR, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, 9.9.2003.(RCL-2391)

Verbete 343 da Súmula e Ação Rescisória

A Turma manteve decisão do Min. Sepúlveda Pertence, relator, que negara provimento a agravo de instrumento mediante o qual se pretendia ver processado recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que, com base no Verbete 343 da Súmula do STF, indeferira petição inicial de ação rescisória - em que se discutia questão relativa à correção monetária de contas do FGTS. Considerou-se que não houve o prequestionamento do tema constitucional invocado, dado que a agravante, deixando de atacar a inadmissibilidade da ação rescisória, apenas reiterara, no agravo, os argumentos relativos ao mérito do acórdão rescindendo (ofensa ao direito adquirido).
AI 439.475-AgR-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 9.9.2003. (AI-439475)

SEGUNDA TURMA


Presunção de Inocência e Promoção

Os dispositivos das Leis 528/74 e 533/74, do Estado do Acre - que determinam a exclusão de oficiais da polícia militar do quadro de acesso à promoção e determinam sua agregação no caso de denúncia em processo crime, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado -, não são incompatíveis com a garantia da presunção de não-culpabilidade dos réus ou dos indiciados (CF, art. 5º, LVII), uma vez que se trata de princípio constitucional circunscrito ao âmbito penal. Precedentes citados: RE 356.119-RN (DJU de 7.2.2003) e RE 245.332-CE (DJU de 16.11.2001).
RE 368.830-AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 9.9.2003.(RE-368830)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

10.9.2003

11.9.2003

16

1a. Turma

9.9.2003

----

157

2a. Turma

9.9.2003

----

299



C L I P P I N G    D O    D J

12 de setembro de 2003

ADI N. 1.329-AL
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Concurso público (CF, art. 37, II): violação de sua exigência - que já não mais se limita à primeira investidura em cargo público - por norma de constituição estadual que admite a transferência de servidor de um para outro dos poderes do Estado.
* noticiado no Informativo 317

ADI N. 2.741-ES
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 255/2002, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES PÚBLICOS MILITARES ESTADUAIS. INICIATIVA DE LEI RESERVADA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO ART. 61, § 1º, II, C E F, DA CARTA MAGNA.
Ao dispor sobre promoção e transferência para a reserva de Sargentos e Subtenentes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado, tratou o Diploma em questão, inegavelmente, de matéria atinente ao regime jurídico dos servidores militares estaduais, cuja elaboração normativa, sem a iniciativa do Governador, afrontou a reserva prevista no art. 61, § 1º, II, c e f da CF, comando que jurisprudência desta Corte entende ser de observância obrigatória para os Estados e Distrito Federal, por encerrar corolário do princípio da independência dos Poderes. Precedentes: ADI 872-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, ADI 2.466-MC, Rel. Min. Moreira Alves, ADI nº 250, Rel. Min. Ilmar Galvão, ADI 2.742, Rel. Maurício Corrêa e ADI nº 2.393, Rel. Min. Sydney Sanches.
Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga procedente.
* noticiado no Informativo 317

Acórdãos Publicados: 248

T R A N S C R I Ç Õ E S

Reforma Constitucional - Controle Jurisdicional (Transcrições)


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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Reforma Constitucional - Controle Jurisdicional (Transcrições)

MS 24.645-MC-DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO PARLAMENTAR DE REFORMA CONSTITUCIONAL E DE ELABORAÇÃO DAS LEIS. LEGITIMIDADE ATIVA DOS MEMBROS DO PODER LEGISLATIVO. A QUESTÃO DAS LIMITAÇÕES JURÍDICAS AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL OUTORGADO AO CONGRESSO NACIONAL. A NATUREZA JURÍDICA DO PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO. OBRIGAÇÃO PROCESSUAL DE FUNDAMENTAR, ADEQUADAMENTE, A ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO CONSTITUCIONAL. MEDIDA LIMINAR INDEFERIDA.


DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, que, impetrado por quatro (4) Deputados Federais, tem por objetivo fazer cessar a tramitação, "na Câmara dos Deputados, da PEC nº 41/2003, que trata da Reforma Tributária" (fls. 22).
Sustenta-se, na presente sede mandamental, que a PEC nº 41/2003, quer em sua versão original, quer naquela resultante da aprovação, em primeiro turno, pelo Plenário da Câmara dos Deputados, da Emenda Aglutinativa nº 27/2003 (fls. 29/44), modificativa do Substitutivo adotado pela Comissão Especial (fls. 45/54), ofendeu, em vários de seus dispositivos, o princípio da Federação (CF, art. 60, § 4º, I), transgrediu "as diretrizes interpretativas do preâmbulo da Constituição" e desrespeitou os objetivos fundamentais da República, tais como enunciados no art. 3º da Carta Política.
Os ora impetrantes postulam, nesta fase introdutória do processo mandamental, a suspensão cautelar da "tramitação da PEC nº 41/2003, que se encontra submetida ao Plenário da Câmara dos Deputados" (fls. 22).
Impõe-se verificar, preliminarmente, no caso ora em exame, se os ora impetrantes - que são membros da Câmara dos Deputados - possuem, ou não, qualidade para agir, em sede jurisdicional, com a finalidade de questionar a validade jurídico-constitucional de determinada proposta de emenda (PEC nº 41/2003), por eles contestada em face da Constituição da República.
A jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na análise dessa particular questão revela entendimento afirmativo, consolidado em orientação que atribui, aos Deputados Federais e aos Senadores da República - e apenas a estes (MS 23.334/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), com a conseqüente exclusão de terceiros estranhos à instituição parlamentar (RTJ 139/783, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI) - legitimação para fazer instaurar o pertinente processo judicial:

"O processo de formação das leis ou de elaboração de emendas à Constituição revela-se suscetível de controle incidental ou difuso pelo Poder Judiciário, sempre que, havendo possibilidade de lesão à ordem jurídico-constitucional, a impugnação vier a ser suscitada por membro do próprio Congresso Nacional, pois, nesse domínio, somente ao parlamentar - que dispõe do direito público subjetivo à correta observância das cláusulas que compõem o devido processo legislativo - assiste legitimidade ativa 'ad causam' para provocar a fiscalização jurisdicional.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de recusar, a terceiros que não ostentem a condição de parlamentar, qualquer legitimidade que lhes atribua a prerrogativa de questionar, 'incidenter tantum', em sede mandamental, a validade jurídico-constitucional de proposta de emenda à Constituição, ainda em tramitação no Congresso Nacional. Precedentes.
- Terceiros, ainda que invocando a sua potencial condição de destinatários da futura lei ou emenda à Constituição, não dispõem do direito público subjetivo de supervisionar a elaboração dos atos legislativos, sob pena de indevida transformação, em controle preventivo de constitucionalidade em abstrato - inexistente no sistema constitucional brasileiro (RTJ 136/25-26, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, do processo de mandado de segurança, que, instaurado por mero particular, converter-se-ia em um inadmissível sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade. Precedentes."
(MS 23.565/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 17/11/1999)

Vê-se, portanto, que esta Suprema Corte consagrou diretriz jurisprudencial que reconhece a possibilidade do controle incidental de constitucionalidade das proposições legislativas, desde que instaurado por iniciativa de membros do órgão parlamentar perante o qual se achem em curso os projetos de lei ou as propostas de emenda à Constituição:

"Mandado de segurança contra ato da Mesa do Congresso que admitiu a deliberação de proposta de emenda constitucional que a impetração alega ser tendente à abolição da república.
- Cabimento do mandado de segurança em hipóteses em que a vedação constitucional se dirige ao próprio processamento da lei ou da emenda, vedando a sua apresentação (...) ou a sua deliberação (como na espécie). Nesses casos, a inconstitucionalidade diz respeito ao próprio andamento do processo legislativo, e isso porque a Constituição não quer - em face da gravidade dessas deliberações, se consumadas - que sequer se chegue à deliberação, proibindo-a taxativamente. A inconstitucionalidade, se ocorrente, já existe antes de o projeto ou de a proposta se transformar em lei ou em emenda constitucional, porque o próprio processamento já desrespeita, frontalmente, a Constituição."
(RTJ 99/1031-1032, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES - grifei)

A "ratio" subjacente a esse entendimento jurisprudencial apóia-se na relevantíssima circunstância de que, embora extraordinária, essa intervenção jurisdicional, ainda que instaurada no próprio momento de produção das normas pelo Congresso Nacional, tem por precípua finalidade assegurar, ao parlamentar (e a este, apenas), o direito público subjetivo - que lhe é inerente - de ver elaborados, pelo Legislativo, atos estatais compatíveis com o texto constitucional, garantindo-se, desse modo, àqueles que participam do processo legislativo, a certeza de prevalecimento da supremacia da Constituição, excluídos, necessariamente, no que se refere à extensão do controle judicial, os aspectos discricionários concernentes às questões políticas e aos atos "interna corporis", que se revelam essencialmente insindicáveis (RTJ 102/27 - RTJ 112/598 - RTJ 112/1023 - RTJ 169/181-182).
Titulares do poder de agir em sede jurisdicional, portanto, tratando-se de controvérsia constitucional instaurada ainda no momento formativo do projeto de lei ou da proposta de emenda à Constituição, hão de ser os próprios membros do Congresso Nacional, a quem se reconhece, como líquido e certo, o direito público subjetivo à correta observância da disciplina jurídica imposta pela Carta Política, em tema de elaboração das espécies normativas.
O parlamentar, fundado na sua condição de partícipe essencial do procedimento de formação das normas estatais, dispõe, por tal razão, da prerrogativa irrecusável de impugnar, em juízo, o eventual descumprimento, pela Casa legislativa, das cláusulas constitucionais que lhe condicionam, no domínio material ou no plano formal, a atividade de positivação dos atos normativos.
Cumpre assinalar, neste ponto, que essa orientação - firmada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - reflete-se, por igual, no magistério da doutrina, cabendo referir, em face da extrema pertinência de suas observações, a lição de ALEXANDRE DE MORAES ("Direito Constitucional", p. 596, item n. 9.1.5, 13ª ed., 2003, Atlas):

"Importante, porém, analisar-se a possibilidade do controle jurisdicional incidir sobre o processo legislativo em trâmite, uma vez que ainda não existiria lei ou ato normativo passível de controle concentrado de constitucionalidade.
Assim sendo, o controle jurisdicional sobre a elaboração legiferante, inclusive sobre propostas de emendas constitucionais, sempre se dará de forma difusa, por meio do ajuizamento de mandado de segurança, por parte de parlamentares que se sentirem prejudicados durante o processo legislativo. Reitere-se que os únicos legitimados à propositura de mandado de segurança, para defesa do direito líquido e certo de somente participarem de um processo legislativo conforme as normas constitucionais e legais, são os próprios parlamentares."

Desse modo, mostra-se irrecusável, no caso, a legitimidade ativa dos ora impetrantes, para o ajuizamento da presente ação de mandado de segurança, pois eles, na condição de membros da Câmara dos Deputados, têm o poder de fazer instaurar, em situações de alegado conflito de determinada proposta de emenda à Constituição com os valores essenciais protegidos pelas cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º), o concernente processo judicial.
O exame dos autos evidencia que os impetrantes - como inicialmente referido nesta decisão - buscam a paralisação do trâmite congressual da PEC nº 41/2003, sob a alegação de que essa proposta de emenda, por traduzir violação (ainda que potencial) ao princípio federativo, implicaria transgressão inadmissível a postulado fundamental protegido, quanto à integridade dos valores que representa, pelas cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4º da Constituição da República.
Há que se reconhecer, neste ponto, não obstante a possibilidade de controle preventivo incidental ou difuso de sua constitucionalidade, que as propostas de emenda à Constituição, uma vez aprovadas e promulgadas, converter-se-ão em emendas à Constituição, passíveis, mesmo assim, de fiscalização jurisdicional, eis que - como se sabe - emendas à Constituição, porque derivadas do exercício do poder reformador, de caráter meramente secundário e subordinado, podem, elas também, transgredir, formal ou materialmente, a Lei Fundamental, cujo texto, por emanar de órgão exercente de funções constituintes originárias, reveste-se, em função de sua natureza mesma, de índole eminentemente subordinante, consoante reconhece, na matéria, autorizado magistério doutrinário (GILMAR FERREIRA MENDES, "Controle de Constitucionalidade - Aspectos jurídicos e políticos", p. 95/98, 1990, Saraiva; LUÍS ROBERTO BARROSO, "Interpretação e Aplicação da Constituição", p. 62/67, item n. 2, 5ª ed., 2003, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Curso de Direito Constitucional", p. 47, item n. 7 e p. 582, item n. 1, 2002, Celso Bastos Editor; JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 65/68, itens ns. 23/24, 22ª ed., 2003, Malheiros, v.g.).
Foi por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, reconhecendo a essencial subordinação jurídica do poder reformador do Congresso Nacional às limitações impostas por normas constitucionais originárias, proclamou que uma emenda à Constituição - que transgrida tais restrições - "pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é a de guarda da Constituição..." (RTJ 151/755-756, Rel. Min. SYDNEY SANCHES).
O poder de reformar a Constituição, portanto, não confere ao Congresso Nacional atribuições ilimitadas, pois a instituição parlamentar não está investida do inaceitável poder de violar "o sistema essencial de valores da Constituição, tal como foi explicitado pelo poder constituinte originário", consoante adverte, em preciso magistério, VITAL MOREIRA ("Constituição e Revisão Constitucional", p. 107, 1990, Editorial Caminho, Lisboa).
Assentadas essas premissas, cumpre assinalar que não basta somente argüir a inconstitucionalidade de determinada norma, já positivada ou em fase de elaboração, impondo-se, a quem alega a situação de conflito com o texto da Constituição, demonstrá-la satisfatoriamente, fazendo-o com apoio em fundamentação consistente e juridicamente densa, em ordem a viabilizar o reconhecimento da própria plausibilidade jurídica da pretensão deduzida por aquele que invoca, perante os Tribunais, a ocorrência de antagonismo insuperável de certa regra, contestada em face da Lei Fundamental do Estado.
Esse dever de fundamentar a argüição de inconstitucionalidade, quer em sede de controle incidental (como no caso), quer no plano da fiscalização abstrata, onera e incide sobre aquele que faz tal afirmação, assumindo, por isso mesmo, um caráter de indeclinável observância (ADI 561/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Daí a advertência de JORGE MIRANDA ("Manual de Direito Constitucional", tomo II/369, item n. 101, 2ª ed., 1988, Coimbra Editora), cujo preciso magistério, ao versar o tema em questão, assevera que a alegação de inconstitucionalidade não pode - nem deve - cingir-se a afirmações genéricas:

"Como já dissemos, não pode imaginar-se uma infracção da Constituição de maneira genérica (...). A parte (...) não pode limitar-se a dizer que se verifica uma inconstitucionalidade." (grifei)

Esse mesmo entendimento, ainda que se cuide de fiscalização meramente incidental, é exposto, em valiosa abordagem do tema, por IVES GANDRA DA SILVA MARTINS e por GILMAR FERREIRA MENDES ("Controle Concentrado de Constitucionalidade", p. 147, item n. 3.3, 2001, Saraiva).
Tratando-se de ônus processual exclusivamente imputável ao que promove determinada ação, especialmente quando - ajuizada esta perante o Supremo Tribunal Federal - tem ela por objetivo viabilizar a intervenção judicial no desempenho das funções institucionais de qualquer das Casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal), impõe-se, consideradas as gravíssimas conseqüências que podem projetar-se no plano das atividades congressionais, que o autor cumpra o dever de expor, com suficiente densidade, os fundamentos jurídicos da impugnação pertinente às normas consideradas incompatíveis com o texto da Constituição, não se revelando cabível, nem admissível, deduzir alegações genéricas ou superficiais, sem qualquer demonstração razoável e adequada do suporte legitimador da pretensão de inconstitucionalidade, consoante já advertiu, em julgamento plenário, esta Suprema Corte (RTJ 144/690, Rel. Min. MOREIRA ALVES).
Não cabe, desse modo, ao Supremo Tribunal Federal, substituindo-se ao autor, suprir qualquer omissão que se verifique na petição inicial. Isso porque a natureza mesma de qualquer processo instaurado perante esta Corte, notadamente quando dele puder resultar grave repercussão na ordem jurídica interna, impõe maior rigidez no controle dos seus pressupostos formais (RTJ 135/19, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - RTJ 135/905, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
A magnitude dos meios de ativação da jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal, quer se cuide de fiscalização incidental, quer se trate de controle concentrado, impõe e reclama, até mesmo para que não se degrade em sua importância, uma atenta fiscalização desta Corte, que deve impedir que a instauração de processos possa conduzir à instauração de lides constitucionais eventualmente temerárias.
Feitas tais considerações, cabe-me assinalar, a partir da leitura da petição inicial, que os impetrantes limitaram-se a indicar, de modo insuficiente, as razões que deveriam dar substância à pretensão de inconstitucionalidade que deduziram.
Como precedentemente enfatizado, o processo parlamentar de reforma constitucional, embora passível de controle jurisdicional, há de considerar, unicamente, para efeito de aferição de sua compatibilidade com preceitos revestidos de maior grau de positividade jurídica, as normas de parâmetro que definem, em caráter subordinante, as limitações formais (CF, art. 60, "caput" e § 2º), as limitações circunstanciais (CF, art. 60, § 1º) e, em especial, as limitações materiais (CF, art. 60, § 4º), cuja eficácia restritiva condiciona o exercício, pelo Congresso Nacional, de seu poder reformador.
Os ora impetrantes sustentam que a PEC 41/2003 estaria em confronto com o preâmbulo da Constituição (fls. 21).
Não se desconhece a discussão doutrinária instaurada em torno da natureza do preâmbulo constitucional, como resulta evidente do magistério expendido por eminentes autores que analisaram esse particular aspecto do tema em questão (ALEXANDRE DE MORAES, "Constituição do Brasil Interpretada", p. 119, 2ª ed., 2003, Atlas; UADI LAMMÊGO BULOS, "Constituição Federal Anotada", p. 66, item n. 4, 5ª ed., 2003, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/13, 1990, Saraiva; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 1/3-5, 1989, Saraiva, v.g.).
Como se sabe, há aqueles que vislumbram, no preâmbulo das Constituições, valor normativo e força cogente, ao lado dos que apenas reconhecem, no texto preambular, o caráter de simples proclamação, que, embora revestida de significado doutrinário e impregnada de índole político-ideológica, apresenta-se, no entanto, destituída de normatividade e cogência, configurando, em função dos elementos que compõem o seu conteúdo, mero vetor interpretativo do que se acha inscrito no "corpus" da Lei Fundamental.
Há que se ter presente, no entanto, considerada a controvérsia em referência, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em recente (e unânime) decisão (ADI 2.076/AC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), reconheceu que o preâmbulo da Constituição não tem valor normativo, apresentando-se desvestido de força cogente.
Esta Suprema Corte, no julgamento plenário em questão, acolheu o magistério de JORGE MIRANDA ("Teoria do Estado e da Constituição", p. 437-438, item n. 216, 2002, Forense), cuja lição, no tema, assim versou a matéria concernente ao valor e ao significado dos preâmbulos constitucionais:

"(...) o preâmbulo é parte integrante da Constituição, com todas as suas conseqüências. Dela não se distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo instrumento em que se contém. Distingue-se (ou pode distinguir-se) apenas pela sua eficácia ou pelo papel que desempenha.
.......................................................
Os preâmbulos não podem assimilar-se às declarações de direitos.(...). O preâmbulo não é um conjunto de preceitos. (...). O preâmbulo não pode ser invocado enquanto tal, isoladamente; nem cria direitos ou deveres (...); não há inconstitucionalidade por violação do preâmbulo como texto 'a se'; só há inconstitucionalidade por violação dos princípios consignados na Constituição." (grifei)

Sob tal aspecto, verifica-se que a alegada ofensa ao preâmbulo da Constituição não tem o condão de conferir substância à pretensão mandamental ora deduzida pelos impetrantes, eis que, como já assinalado, o conteúdo do preâmbulo não impõe qualquer limitação de ordem material ao poder reformador outorgado ao Congresso Nacional.
Cumpre assinalar, de outro lado, que os impetrantes, ao impugnarem o art. 155, § 1º, IV; o art. 155, § 2º, XI e o art. 155, § 6º, I, da Constituição, na redação dada pela PEC nº 41/2003, apenas formularam breve "comentário" (fls. 06/07), deixando de explicitar os fundamentos jurídicos que permitiriam constatar a alegada violação ao núcleo temático irreformável da Constituição Federal.
A mesma insuficiente fundamentação registra-se quanto ao art. 155, § 2º, VIII, da Carta Política, na redação aprovada, em primeiro turno, pela Câmara dos Deputados, quando da apreciação da PEC nº 41/2003 (fls. 07/08).
Cabe acentuar, ainda, quanto à impugnação relativa ao art. 155, § 2º, VII, da Constituição, na redação dada pela PEC nº 41/2003, e no que concerne à suposta transgressão - por tal proposta de emenda à Constituição - às "diretrizes interpretativas do preâmbulo da Constituição" e aos "princípios maiores" da Lei Fundamental (fls. 21), que tais objeções foram deduzidas sem apoio em qualquer fundamentação consistente, limitando-se, a parte impetrante, apenas, à mera alegação de ocorrência de violação constitucional.
Na realidade, os impetrantes, em sua petição inicial, após tecerem considerações acerca do cabimento desta ação mandamental (fls. 01/04) e reproduzirem as normas que pretendem impugnar (fls. 05/07), transcrevem passagens de voto (de conteúdo extremamente genérico) oferecido por ilustre Deputada Federal, quando da discussão da PEC ora em exame perante a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (fls. 08/10).
Apresentam, os impetrantes, ainda, artigo versando o tema da "Reforma Tributária frente ao Princípio da Federação" (fls. 18/20), e transcrevem os "consideranda" constantes de documento encaminhado, pela Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, ao Relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (fls. 10/13).

Observo, por último, que, embora impugne alguns artigos da Constituição, na redação dada pela PEC nº 41/2003 e pela Emenda Aglutinativa nº 27, a parte ora impetrante, ao formular o pedido de fundo, culminou por ampliar-lhe o conteúdo temático, pois, afastando-se das referências pontuais veiculadas a propósito de determinadas normas reputadas conflitantes com a Carta Política, veio a requerer a paralisação de todo o procedimento de reforma constitucional, com evidente divórcio entre as alegações feitas e a postulação final deduzida nesta sede mandamental (fls. 22).
Feitas essas considerações, que entendi necessárias em face das graves conseqüências que podem resultar da intervenção jurisdicional no processo parlamentar de reforma constitucional, cabe-me examinar o pedido de medida liminar.
Entendo, presentes as razões que venho de expor, que não se revela acolhível a pretendida suspensão cautelar do processo parlamentar de reforma constitucional (PEC nº 41/2003 - "Reforma Tributária"), pois não vislumbro ocorrente, ao menos em juízo de estrita delibação, a configuração, na espécie, da necessária plausibilidade jurídica da pretensão mandamental formulada pelos ora impetrantes.
Impende assinalar, neste ponto, que, embora admissível o controle jurisdicional do processo parlamentar de formação das leis e de reforma constitucional - notadamente quando se alegar suposta lesão a qualquer dos valores protegidos pelas cláusulas pétreas - é certo que, sem a cumulativa configuração dos pressupostos necessários ao deferimento do provimento cautelar postulado (fumus boni juris e periculum in mora), torna-se inviável o exercício da faculdade a que alude o art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51.
É que, como se sabe, o deferimento da medida liminar, que resulta do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51: a existência de plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro.
Sem que concorram esses dois requisitos - que são necessários, essenciais e cumulativos -, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar."
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

De qualquer maneira, no entanto, e mesmo que se pudesse atribuir relevo jurídico à pretensão mandamental em causa, ainda assim não se configuraria, na espécie, considerado o que dispõe o art. 7º, II, "in fine" da Lei nº 1.533/51, hipótese apta a caracterizar situação de irreversibilidade, capaz de gerar dano irreparável "à ordem jurídica nacional" (fls. 22).
Sendo assim, e com apoio nos fundamentos ora expostos, indefiro o pedido de medida liminar.
2. Requisitem-se informações ao órgão ora apontado como coator.
Publique-se.
Brasília, 08 de setembro de 2003 (23:20h).


Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 15.9.2003
______________________________________________________

Desapropriação por Interesse Social (Transcrições)

Desapropriação por Interesse Social (Transcrição)
SS 2.217-RS*

RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA

DECISÃO: O Estado do Rio Grande do Sul requer suspensão de segurança contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça no recurso ordinário em mandado de segurança, que decidiu pela nulidade do Decreto Expropriatório 41241/2001, sob o fundamento de que o Estado não tem competência para proceder à desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, visto que tal matéria está reservada pela Constituição à União Federal (CF/88, artigos 5º, XXIV, 184 e 185).
2. O Governo estadual, depois de publicado o decreto de interesse social (fl. 434), propôs a ação desapropriatória obtendo, mediante depósito prévio da indenização em dinheiro, a imissão provisória na posse. A seguir, permitiu o ingresso dos futuros beneficiários do projeto de assentamento na área desapropriada, de modo a assegurar-lhes sua utilização, como beneficiários do Programa Estadual de Reforma Agrária (fl. 435).
3. Os expropriados resistiram à ocupação. Inconformados, impetraram mandado de segurança, em que sustentaram a competência privativa da União Federal para instaurar o processo de desapropriação objetivando a reforma agrária (CF, artigo 184), o que impossibilitaria o ente federado, a teor das disposições do artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, de agir concorrentemente, valendo-se da cláusula constitucional do interesse social.
4. Denegada a segurança pelo Tribunal de Justiça, os impetrantes interpuseram perante o Superior Tribunal de Justiça recurso ordinário e medida cautelar com a finalidade de emprestar efeito suspensivo ao primeiro, o que foi deferido, resultando da procedência desse pedido a ordem de desocupação da área rural em causa. A final, em sessão realizada em 25 de março de 2003, aquela Corte deu provimento ao recurso ordinário dos impetrantes, sendo concedida a segurança e consolidada a medida cautelar. Daí o presente pedido formulado pelo requerente, visando obstar a reintegração de posse dos expropriados.
5. Sustenta o requerente o risco de dano para as 105 (cento e cinco) famílias que atualmente ocupam a propriedade, em condições desumanas e sem poder exercer a atividade agrícola. Suscita, ainda, a possibilidade de resistência dos ocupantes, quando da utilização da força pública, com possível ocorrência de agressões e violências, evidenciando-se, nesse particular, a grave lesão à ordem e à segurança pública.
6. O pedido de liminar foi apreciado pelo Ministro Celso de Mello, que concedeu parcialmente a cautelar para suspender provisoriamente a decisão que determinou a desocupação do imóvel, até o julgamento desse processo.
7. É o breve relatório.
8. Decido.
9. O caso sob exame reveste-se de peculiar gravidade, especialmente pelas implicações sociais que o ato de remoção de famílias assentadas na área poderá acarretar. Dúvidas não há de que inexistiu invasão de terra, senão ocupação autorizada pelo Poder Público em benefício de pessoas cadastradas em programa social do Estado do Rio Grande do Sul. Houve pagamento de indenização prévia em dinheiro por depósito.
10. O decreto expropriatório fundou-se na previsão dos artigos 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal e 2º, inciso II, da Lei 4132, de 10 de setembro de 1962, visando à declaração de interesse social, para fins de desapropriação, de área rural para o estabelecimento de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola, "com o fito de assentamento de agricultores sem terra oriundos de várias regiões do Estado, que serão beneficiados pelo Programa Estadual de Reforma Agrária" (fl. 61).
11. A análise das peculiaridades do caso concreto revela a plausibilidade jurídica da tese defendida pelo requerente. De fato, não emerge dos autos, em princípio, que o Estado tenha pretendido realizar desapropriação nos moldes fixados pelo artigo 184 da Constituição Federal, cuja competência é indiscutivelmente da União. Tal modalidade, também denominada desapropriação-sanção, tem requisitos próprios, como a necessidade de o imóvel rural não estar cumprindo sua função social e o pagamento de indenização em títulos da dívida agrária. O disciplinamento legal desse procedimento encontra assento na Lei Complementar 76/93, alterada pela Lei Complementar 88/96, e pelos artigos 18 a 23 do Estatuto da Terra (Lei 4504/64) e pela Lei 8629/93, alterada pela Medida Provisória 2183-56/01. Nessa hipótese, o proprietário que descumprir o mandamento do artigo 5º, inciso XXIII, da Carta Federal, perde o bem e não recebe indenização em dinheiro, mas em títulos.
12. Diversa é a modalidade de desapropriação amparada no artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição e regulamentada pela Lei 4132, de 10/09/62, que arrola as hipóteses de interesse social em seu artigo 2º. Segundo Hely Lopes Meirelles, há interesse social quando "as circunstâncias impõem a distribuição ou o condicionamento da propriedade para seu melhor aproveitamento, utilização, ou produtividade em benefício da coletividade ou de categorias sociais merecedoras de amparo específico do Poder Público". Nesse caso, os bens desapropriados não se destinam à Administração ou a seus delegados, mas sim à coletividade ou a certos beneficiários que a lei credencia para recebê-los ou utilizá-los convenientemente.
13. Encontra ressonância na doutrina e na jurisprudência a competência dos demais entes da Federação para proceder à desapropriação, por interesse social, de imóvel rural, com pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro. Aqui não se cogita se a propriedade é produtiva, se é latifúndio ou não. Não se trata de sanção pelo mau uso da propriedade. Na realidade, o ente estatal, para desenvolver políticas públicas relacionadas com interesse social específico, expropria e paga a devida indenização ao expropriado, como no caso, sem que com isso invada competência própria da União Federal.
14. Longe de pretender firmar convicção no sentido do acerto ou não da decisão que autorizou a remoção das famílias, até porque ainda pendente de recurso, permito-me, antevendo a probabilidade do desfecho favorável ao Estado, visualizar o alcance social da execução imediata da medida, com a retirada das famílias, sem a decisão definitiva que reconheça a ilegitimidade do ato expropriatório.
15. Mesmo ciente do cabimento restrito da suspensão de segurança, a partir dos argumentos expendidos, impossível é não reconhecer a potencialidade de grave lesão à ordem pública, com iminente desestabilização social e, quiçá, atos de resistência e violência no meio rural, com a remoção dos agricultores da propriedade, tudo isso levando-se em conta o atual estágio do processo.
16. Ante essas circunstâncias, e reconhecendo a plausibilidade jurídica do pedido e a possibilidade de danos irreparáveis ao interesse público, defiro o pedido de suspensão, com base no artigo 297 do RISTF, até o julgamento definitivo do mandado de segurança, mantendo, em conseqüência, a decisão de fls. 1076/77.
Comunique-se, com urgência.
Intime-se.
Brasília, 2 de setembro de 2003.


Ministro MAURÍCIO CORRÊA
- Presidente -


* decisão publicada no DJU de 9.9.2003

Assessora responsável pelo Informativo
Graziela Maria Picinin
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