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terça-feira, 28 de outubro de 2008

Informativo STF 286 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 14 a 18 de outubro de 2002- Nº286.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



Ação Penal Pública: Nova Classificação na Denúncia
Afirmações da Defesa e Fato Novo
Atualização Monetária de ICMS
Cargo em Comissão: Aposentadoria
Crimes Contra a Ordem Tributária
Extradição e Carta Rogatória
Imunidade Profissional de Advogado
Precatório e Juros de Mora
Revisão de Benefício e Conversão em URV
Suspensão de Segurança e Tutela Antecipada
Vício Formal: Promoção de Juiz por Antiguidade
Delação Anônima e Investigação Estatal (Transcrições)
PLENÁRIO


Extradição e Carta Rogatória

Concluído o julgamento de habeas corpus impetrado em favor de extraditando preso preventivamente em que se alega a inexistência de pedido de extradição pelo governo argentino, uma vez que o pedido encaminhado pelas vias diplomáticas consistiria, na verdade, em carta rogatória solicitada por autoridade judiciária argentina a órgão judiciário brasileiro (v. Informativos 272 e 274). O Tribunal, em face da notificação da representação diplomática argentina endossando como pedido de extradição a carta rogatória encaminhada a esta Corte, julgou prejudicado o pedido de habeas corpus.
HC 81.939-SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.10.2002. (HC-81939)

Crimes contra a Ordem Tributária
Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se pretende o trancamento da ação penal instaurada contra o paciente pela suposta prática de crime contra a ordem tributária, consistente em suprimir tributo e contribuição social através da omissão de informação às autoridades fazendárias e mediante fraude à fiscalização tributária, omitindo operações em documentos e livros exigidos pela lei fiscal (Lei 8.137/90, art. 1º, I e II, c/c art. 71 do CP). Alega-se, na espécie, constrangimento ilegal pelo oferecimento e recebimento da denúncia enquanto ainda estava pendente de apreciação a impugnação do lançamento apresentada em sede administrativa. O Min. Sepúlveda Pertence, relator, reportando-se aos fundamentos do voto proferido no julgamento do HC 77.002-RJ (DJU de 2.8.2002) cujo julgamento acabou prejudicado, votou no sentido de que, nos crimes do art. 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado, a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma condição objetiva de punibilidade, sem a qual a denúncia deve ser rejeitada, uma vez que a competência para constituir o crédito tributário é privativa da administração fiscal, cuja existência ou montante não se pode afirmar até que haja o efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo. O Min. Sepúlveda Pertence salientou, ainda, que a circunstância de uma decisão administrativa ser condicionante da instauração de um processo judicial não ofende o princípio da separação e independência dos Poderes, haja vista que a punibilidade da conduta, quando não a tipicidade, está subordinada à decisão de autoridade diversa do juiz da ação penal (nos termos do voto proferido na Extradição 783 - questão de ordem; v. Informativo 241). Em seguida, após o voto do Min. Gilmar Mendes acompanhando o voto do Min. Sepúlveda Pertence, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.
HC 81.611-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16.10.2002. (HC-81611)

Suspensão de Segurança e Tutela Antecipada

Iniciado o julgamento de agravo regimental contra decisão do Min. Marco Aurélio, Presidente, que, em face de grave lesão à ordem e à economia públicas tendo em conta a vultosa importância envolvida no pleito, deferiu pedido de suspensão de execução de liminar em mandado de segurança concedida por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que determinara o cumprimento de carta precatória objetivando a execução de tutela antecipada deferida em autos de ação indenizatória intentada pela Impetrante contra a União e o Banco do Nordeste do Brasil. Após o voto do Ministro Marco Aurélio, relator, desprovendo o agravo, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista da Ministra Ellen Gracie.
SS (AgR) 2.069-CE, rel. Min. Marco Aurélio, 16.10.2002. (SS-2069)

Ação Penal Pública: Nova Classificação na Denúncia

Apreciando denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra deputado federal pela suposta prática de crime contra a honra de juiz eleitoral, previsto no art. 325 do Código Eleitoral ("Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo a sua reputação"), o Tribunal, em face da circunstância de que o fato narrado se passou em comício realizado após as eleições, não havendo, portanto, crime eleitoral, decidiu, por maioria, rejeitar a alegação de inépcia da denúncia porquanto os fatos narrados encontram correspondência no crime de difamação previsto no Código Penal. Considerou-se que o réu defende-se dos fatos e que, reconhecida a legitimação do Ministério Público para a propor a ação penal pública por crime contra a honra de magistrado, o juiz pode dar a eles nova capitulação, diversa daquela proposta pelo Ministério Público. Vencidos os Ministros Maurício Corrêa, relator, Nelson Jobim e Gilmar Mendes, que votaram pela inépcia da denúncia. Em seguida, o Tribunal, por unanimidade, recebeu a denúncia.
INQ 537-TO, rel. Min. Maurício Corrêa, 17.10.2002. (INQ-537)

Precatório e Juros de Mora

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário interposto pelo INSS contra acórdão que entendera serem devidos juros moratórios no período compreendido entre a data de expedição e a do efetivo pagamento de precatório relativo a crédito de natureza alimentar, no prazo constitucionalmente estabelecido. Após o voto do Min. Gilmar Mendes, relator, conhecendo e provendo o recurso extraordinário para excluir os juros da mora, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Carlos Velloso.
RE 298.616-SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.10.2002. (RE-298616)

Cargo em Comissão: Aposentadoria

Iniciado o julgamento de mandado de segurança impetrado por ocupante de cargo em comissão contra ato do Tribunal de Contas da União que concluíra pela ilegalidade do ato de sua aposentadoria no cargo DAS 102.4 pela circunstância de que o impetrante, ocupante do cargo DAS 102.2, fora nomeado para o DAS 102.4 após o advento da Lei 8.647/93, que vinculou os detentores de cargo em comissão sem vínculo efetivo com a Administração Pública Federal ao Regime Geral de Previdência Social. O Min. Ilmar Galvão, relator, proferiu voto no sentido de indeferir a segurança por entender que, tendo o impetrante implementado o tempo de serviço necessário para a aposentadoria antes da entrada em vigor da Lei 8.647/93, foi-lhe resguardada apenas a aposentadoria estatutária correspondente ao cargo que ocupava quando da aquisição do direito, ou seja, o cargo DAS 102.2, e não ao cargo para o qual fora nomeado após a vigência da mencionada Lei (DAS 102.4). Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Marco Aurélio.
MS 24.024-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 17.10.2002. (MS-24024)

Vício Formal: Promoção de Juiz por Antiguidade

Por aparente inconstitucionalidade formal, o Tribunal, por maioria, deferiu o pedido de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para suspender, até decisão final da ação, a eficácia do art. 156 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, na redação dada pela EC 28/2002, do mesmo Estado - que, tratando dos critérios para a apuração da antiguidade de juízes, disciplina a recusa de promoção, exige sessão administrativa pública e veda o escrutínio secreto bem como o voto não declarado. Considerou-se que normas sobre promoção de juízes devem ser tratadas, conforme seu alcance, ou no Estatuto da Magistratura Nacional (CF, art. 93), ou na lei de organização judiciária de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça (CF, art. 96, II, d), ou mesmo no Regimento Interno do Tribunal (CF, art. 96, I, a). Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, que recusava o fundamento de vício formal, por entender que a Constituição do Estado pode disciplinar temas relevantes da organização do Poder Judiciário estadual, e Marco Aurélio, por considerar que a norma impugnada surge dos princípios da moralidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, que norteiam a administração pública (CF, art. 37, caput).
ADI (MC) 2.700-RJ, rel. Min. Sydney Sanches, 17.10.2002. (ADI-2700)

PRIMEIRA TURMA


Afirmações da Defesa e Fato Novo

A Turma deferiu em parte habeas corpus contra acórdão do STJ que mantivera decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por sua vez, anulara decisão absolutória para determinar que o paciente fosse submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri, sob o fundamento de que a defensora durante sua manifestação no plenário prestou depoimento pessoal como testemunha de fato não contido nos autos. Considerando as particularidades do caso, entendeu-se que a defensora, ao discorrer sobre a conduta profissional do réu e sobre o fato de estar ele a sofrer ameaças, não agiu como testemunha pessoal do caso, haja vista que as afirmações da defesa estavam corroboradas por depoimentos de testemunhas, não havendo falar-se em fato novo, estranho ao processo, que consubstanciaria prova nova e surpreenderia a acusação. Habeas corpus deferido em parte para que, afastada a preliminar invocada, seja dado seguimento ao julgamento da apelação, com análise do mérito do recurso.
HC 82.258-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 15.10.2002. (HC-28258)

Revisão de Benefício e Conversão em URV

Aplicando o entendimento firmado pelo Plenário no julgamento do RE 313.382-SC - no qual se declarou a constitucionalidade da expressão "nominal" constante do inciso I do art. 20 da Lei 8.880/94 ("Os benefícios mantidos pela Previdência Social são convertidos em URV em 1º de março de 1994, observado o seguinte: I - dividindo-se o valor nominal, vigente nos meses de novembro e dezembro de 1993 e janeiro e fevereiro de 1994, com correção monetária integral") - a Turma deu provimento a uma série de recursos extraordinários interpostos pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para julgar improcedentes as ações que pretendiam a aplicação do índice integral do IRSM a tal período, sem qualquer redução ou limitação.
RE 311.292-SC, rel. Min. Moreira Alves, 15.10.2002. (RE-311292)
RE 312.141-SC, rel. Min. Moreira Alves, 15.10.2002. (RE-312141)
RE 312.934-SC, rel. Min. Moreira Alves, 15.10.2002. (RE-312934)

SEGUNDA TURMA


Atualização Monetária de ICMS

A Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que declarara o direito de empresa corrigir monetariamente os créditos fiscais que não pôde escriturar em época própria em virtude da concessão de liminar na ADI 600-DF (DJU de 6.5.92) que suspendera a eficácia do art. 3º da Lei Complementar Federal 65/91 - que permite à recorrida a compensação de pagamentos feitos a título de ICMS incidentes sobre a matéria-prima e outros insumos utilizados pela empresa -, ação essa posteriormente julgada improcedente no mérito. Reconheceu-se que o lançamento dos créditos pelo valor histórico e não pelo valor atual, devidamente corrigido, acarretaria enriquecimento sem causa do Estado que, amparado por medida liminar, arrecadou a maior do contribuinte.
RE 282.120-PR, rel. Maurício Corrêa, 15.10.2002. (RE-282120)

Imunidade Profissional de Advogado

Retomado o julgamento de recurso em habeas corpus em que se pretende o trancamento da ação penal ajuizada contra o recorrente, advogado, pela suposta prática de crime de injúria (CPM, art. 216), sob a alegação de que as expressões tidas por injuriosas, constantes de representação promovida contra general do Exército em procedimento administrativo militar, estariam acobertadas pela imunidade profissional - v. Informativo 283. O Min. Carlos Velloso, divergindo do Min. Nelson Jobim, relator, proferiu voto-vista no sentido de indeferir o writ, no que foi acompanhado pelo Min. Gilmar Mendes, por entender que a imunidade profissional do advogado, relativamente aos crimes de injúria e difamação não é absoluta, dado que manifestações injuriosas ou difamatórias devem guardar pertinência com a questão que está sendo, em concreto, cuidada pelo procurador, ou devem guardar nexo lógico com o objeto da controvérsia. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Maurício Corrêa.
RHC 82.033-AM, rel. Nelson Jobim, 15.10.2002. (RHC-82033)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

16.10.2002

17.10.2002

10

1a. Turma

15.10.2002

----

225

2a. Turma

15.10.2002

----

79



C L I P P I N G    D O    D J

18 de outubro de 2002

ADI N. 48-RS
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. SERVIDORES. FIXAÇÃO DE SUBTETO. RESOLUÇÃO INTERNA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL.
1. O artigo 37, inciso XII, da Constituição Federal, estabelece paridade de vencimentos entres cargos idênticos ou assemelhados dos três poderes, tendo por parâmetro aquele estabelecido para o Poder Executivo. Não implica, no entanto, fixação de teto para os demais poderes, que poderão instituir limites diversos, na medida em que tenham cargos diferenciados.
2. A fixação de subteto para os servidores do Poder Legislativo Estadual, porém, deve ser feita por lei em sentido estrito (CF, artigo 51 IV c/c artigo 25, caput). Incabível na hipótese, resolução de âmbito interno. Vício formal insanável que resulta na declaração de inconstitucionalidade da Resolução 2154, de 12 de janeiro de 1989, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
Ação direta de inconstitucionalidade procedente.
* noticiado no Informativo 278

ADI N. 550-MT
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 354 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MATO GROSSO. LEI ESTADUAL N.º 5.696/90. FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO. ALEGADA CONTRARIEDADE AOS ARTS. 2.º; 61, § 1.º, II, A E E; E 169 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Parcial perda de objeto do feito em relação à Lei n.º 5.696/90, tendo em vista sua expressa revogação. Precedentes.
Dispositivo da Constituição estadual que, ao destinar dois por cento da receita tributária do Estado de Mato Grosso à mencionada entidade de fomento científico, o fez nos limites do art. 218, § 5.º, da Carta da República, o que evidencia a improcedência da ação nesse ponto.
* noticiado no Informativo 279

ADI N. 852-RR
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 16, CAPUT, E SEU § 1.º DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS RORAIMENSE. NOMEAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. INICIATIVA LEGISLATIVA PARA ELABORAÇÃO DA LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL.
Tendo a norma do caput do art. 16 do ADCT de Roraima eficácia limitada no tempo, dirigida que era a regular a nomeação do Procurador-Geral de Justiça até que os membros do parquet do Estado atingissem a vitaliciedade, resta caracterizada a perda de objeto do feito nesse ponto específico ante a nomeação, para o cargo em questão, de Procurador no gozo de tal garantia. Precedente.
A atribuição, exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo estadual, da iniciativa do projeto de Lei Orgânica do Ministério Público, por sua vez, configura violação ao art. 128, § 5.º, da Constituição Federal, que faculta tal prerrogativa aos Procuradores-Gerais de Justiça.
Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do § 1.º do referido art. 16 do ADCT da Constituição do Estado de Roraima, estando prejudicada quanto ao mais.
* noticiado no Informativo 279

ADI N. 1.026-SE
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE DOS §§ 3.º E 4.º DO ART. 86 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SERGIPE COM O ART. 22, I, DA CARTA DA REPÚBLICA.
Normas que, estendendo ao Governador do Estado, sem expressa referência no texto constitucional federal, garantias do Presidente da República como Chefe de Estado, implicam relativização da responsabilidade dos governantes, violando o princípio republicano, conforme decidido na ADI 978, Rel. Min. Celso de Mello. Ressalva do entendimento do Relator.
Ação julgada procedente.
* noticiado no Informativo 279

ADI (MC) N. 2.407-SC
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 11.223/99, do Estado de Santa Catarina. Obrigatoriedade de identificação telefônica na carroceria de veículos de transporte de carga e de passageiros (art. 1º e 2º). Imposição de penalidade restritiva, na forma de bloqueio do licenciamento pela autoridade de trânsito local (art. 3º). Relevância jurídica da alegação de invasão de competência da União para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI da CF). Periculum in mora consistente na imposição de sanção em caso de descumprimento da obrigação. Pedido de liminar deferido em parte, e com efeitos "ex tunc", tão somente para suspender, até o julgamento final da ação direta, a eficácia do art. 3º.
* noticiado no Informativo 223

AO N. 772-SP - Q. ordem
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES

EMENTA: Ação civil originária. Ação popular contra o Presidente do TRE do Estado de São Paulo e esse próprio Tribunal. Competência para processá-la e julgá-la originariamente. Questão de ordem.
- Em face do objeto e da finalidade incomuns da presente ação popular - pretende-se, em verdade, anular a totalidade de uma apuração eleitoral feita com base na lei em vigor sob a alegação de que o sistema de urna eletrônica pode apresentar, numa ou noutra dessas urnas, falha na apuração dos votos dados -, a competência para processá-la e julgá-la originariamente deve ser aferida, não pela origem do ato a ser anulado, mas pelo fim a que ela visa e que, no caso, se situa estritamente no âmbito da competência da Justiça eleitoral a que cabe decidir as questões relativas à apuração de eleição.
- Por isso, e em face da jurisprudência desta Corte no tocante a que a competência para processar e julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, inclusive de Tribunais, é do Juízo competente de primeiro grau de jurisdição, a competência, no caso, para o processo e julgamento originários desta ação popular, é do Juízo eleitoral de primeiro grau da capital do Estado de São Paulo a que for ela distribuída.
- Ademais, é de notar-se, desde logo, que, na hipótese sob julgamento, para a prática de qualquer ato da competência de segunda instância, será competente esta Corte, que decidirá como instância final, por aplicação do disposto no artigo 102, I, letra "n", da Constituição, dado o impedimento de todos os membros do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo, que, não fora esse impedimento, teria essa competência de segunda instância.
Questão de ordem que se resolve no sentido da incompetência desta Corte e da competência, para processar e julgar originariamente a presente ação popular, do Juízo Eleitoral de primeiro grau da capital do Estado de São Paulo a que vier ela a ser distribuída.
* noticiado no Informativo 215

AO N. 847-AP
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA

EMENTA: AÇÃO ORIGINÁRIA. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ALEGAÇÃO DE IMPARCIALIDADE DO DESEMBARGADOR RELATOR. APLICAÇÃO DO ARTIGO 135, INCISO IV, DO CPC: INOCORRÊNCIA. OUTRA AÇÃO PROPOSTA PELO EXCEPTO COM O MESMO OBJETO E FUNDAMENTOS. PRELIMINARES. IMPROCEDÊNCIA DA SUSPEIÇÃO.
1. O STF é competente para processar e julgar exceção quando a ela se opõem mais da metade dos Desembargadores do Tribunal a quo. Se procedente, julga-se o mérito da ação principal. Se improcedente, devolvem-se os autos ao Tribunal de origem a quem competirá apreciar a questão de fundo. Precedentes.
2. Na hipótese de impedimento de mais da metade dos membros do Tribunal (CF, artigo 102, I, alínea n, segunda parte), não cabe indagar se o direito pleiteado diz respeito a interesse exclusivo da magistratura, dado que, confirmada a suspeição, o Tribunal de origem não poderá julgar a ação, mesmo se versar sobre interesse comum a outras categorias funcionais.
3. Preliminares de impossibilidade jurídica do pedido, litispendência, prescrição e perda do objeto, suscitadas pelo excepto, rejeitadas por insuficiência de fundamentação.
4. Não se considera aconselhamento, para os efeitos do artigo 135, inciso IV, do CPC, a parte da sentença ou voto que inclui em seus fundamentos a espécie de ação que seria adequada ao caso.
5. Despiciendo ter a Associação dos Magistrados do Estado do Amapá ajuizado ação com o mesmo objeto e razão de pedir, pois a vantagem pleiteada é comum a todo o funcionalismo do Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo - direito a 11,98% proveniente da URV de 1994 -, sendo a Justiça local competente para julgá-la, ainda que seus membros sejam interessados na causa, a não ser que eles mesmos se julguem suspeitos. Precedentes.
Exceção de suspeição julgada improcedente.

INQ N. 1.247-DF
RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO

CRIME CONTRA A HONRA - ELEMENTO SUBJETIVO - O DOLO - INVIOLABILIDADE PARLAMENTAR - RETORSÃO - ALCANCE. Tratando-se de hipótese a revelar prática inicial coberta pela inviolabilidade parlamentar, sentindo-se o titular do mandato ofendido com resposta formalizada por homem público na defesa da própria honra, único meio ao alcance para rechaçar aleivosias, cumpre ao órgão julgador adotar visão flexível, compatibilizando valores de igual envergadura. A óptica ortodoxa própria aos crimes contra os costumes, segundo a qual a retorsão é peculiar ao crime de injúria, cede a enfoque calcado no princípio constitucional da proporcionalidade, da razoabilidade, da razão de ser das coisas, potencializando-se a intenção do agente, o elemento subjetivo próprio ao tipo - o dolo - e, mais do que isso, o socialmente aceitável. Considerações e precedente singular ao caso concreto.

Rcl N. 1.206-CE
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA

EMENTA: RECLAMAÇÃO. PROCESSO LEGISLATIVO. VETO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. REJEIÇÃO. MAIORIA ABSOLUTA. EXIGÊNCIA DE QUORUM DE DOIS TERÇOS. INADMISSIBILIDADE. DECLARAÇÃO DE INVALIDADE DO PROCEDIMENTO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PATRIMONIAL. RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE.
1. Lei estadual. Reajuste de vencimentos dos servidores do Poder Judiciário. Veto do Governador. Processo legislativo que manteve a parte vetada por não haver sido alcançado o quorum previsto na Constituição cearense. Invalidade. Se para a apreciação do veto é exigido o voto da maioria absoluta (CF, artigo 66, § 4º) e o seu exame ocorreu na vigência da atual ordem constitucional, não poderia a Assembléia Legislativa valer-se daquele fixado na anterior Carta Estadual para determiná-lo como sendo o de dois terços. O modelo federal é de observância cogente pelos Estados-membros desde a data da promulgação da Carta de 1988. Precedente.
2. Ausência de condenação patrimonial e de vigência automática da lei vetada. Invalidação do procedimento adotado pela Assembléia Legislativa local, a quem cumpria retomar o processo legislativo. Reclamação. Pretensão de conferir efeitos executivos ao acórdão. Inadequação da via eleita e inexistência de desrespeito à autoridade do julgado desta Corte.
Reclamação improcedente.

RE N. 305.186-SP
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CRÉDITO DE NATUREZA ALIMENTAR. JUROS DE MORA ENTRE A DATA DA EXPEDIÇÃO DO PRECATÓRIO E A DO EFETIVO PAGAMENTO. C.F., ART. 100, § 1.º (REDAÇÃO ANTERIOR À EC 30/2000).
Hipótese em que não incidem juros moratórios, por falta de expressa previsão no texto constitucional e ante a constatação de que, ao observar o prazo ali estabelecido, a entidade de direito público não pode ser tida por inadimplente.
Orientação, ademais, já assentada pela Corte no exame da norma contida no art. 33 do ADCT.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
* notificado no Informativo 282

RHC N. 82.416-RJ
RELATORA: MIN. ELLEN GRACIE

HABEAS CORPUS. CRIME DE ROUBO. DUAS CONDUTAS CRIMINOSAS. DENÚNCIA QUE, AO DESCREVER A PRIMEIRA CONDUTA, REFERIU-SE TÃO SOMENTE À SUBTRAÇÃO DE COISA ALHEIA MÓVEL, NÃO TENDO MENCIONADO NENHUMA VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA EMPREGADA PARA TANTO. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ROUBO EM AMBAS AS CONDUTAS. NULIDADE PARCIAL. PREVALÊNCIA DO VOTO-VENCIDO PROFERIDO NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO, QUE DESCLASSIFICOU O PRIMEIRO FATO DELITUOSO PARA O ART. 155, § 4º, INCISO IV DO CÓDIGO PENAL E FIXOU A RESPECTIVA PENA NO MÍNIMO LEGAL. HABEAS CORPUS DEFERIDO PARCIALMENTE.

RE N. 233.652-DF
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. APOSENTADORIA POR CARDIOPATIA GRAVE. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. VIÚVA. PENSÃO. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO.
1. Funcionário público. Aposentadoria por cardiopatia grave. Isenção de imposto de renda. Lei 7.713/88. Benefício de natureza subjetiva, relacionada e vinculada com os atributos pessoais do servidor aposentado. Extensão do benefício à pensionista. Impossibilidade. A exclusão do crédito tributário decorre da lei.
2. Superveniência da Lei 8.541/92. Isenção do pagamento de imposto de renda também à pensionista - excetuadas as hipóteses de moléstia profissional -, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão. Requisitos e condições especificados em lei não comprovados pela autora. Conseqüência: improcedência do pedido.
Recurso extraordinário não conhecido.
* notificado no Informativo 278

Acórdãos Publicados: 363

T R A N S C R I Ç Õ E S

Delação Anônima e Investigação Estatal (Transcrições)


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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Delação Anônima e Investigação Estatal

MS 24.369-DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: DELAÇÃO ANÔNIMA. COMUNICAÇÃO DE FATOS GRAVES QUE TERIAM SIDO PRATICADOS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES QUE SE REVESTEM, EM TESE, DE ILICITUDE (PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS SUPOSTAMENTE DIRECIONADOS E ALEGADO PAGAMENTO DE DIÁRIAS EXORBITANTES). A QUESTÃO DA VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ANONIMATO (CF, ART. 5º, IV, "IN FINE"), EM FACE DA NECESSIDADE ÉTICO--JURÍDICA DE INVESTIGAÇÃO DE CONDUTAS FUNCIONAIS DESVIANTES. OBRIGAÇÃO ESTATAL, QUE, IMPOSTA PELO DEVER DE OBSERVÂNCIA DOS POSTULADOS DA LEGALIDADE, DA IMPESSOALIDADE E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA (CF, ART. 37, "CAPUT"), TORNA INDERROGÁVEL O ENCARGO DE APURAR COMPORTAMENTOS EVENTUALMENTE LESIVOS AO INTERESSE PÚBLICO. RAZÕES DE INTERESSE SOCIAL EM POSSÍVEL CONFLITO COM A EXIGÊNCIA DE PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE MORAL DAS PESSOAS (CF, ART. 5º, X). O DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO DO CIDADÃO AO FIEL DESEMPENHO, PELOS AGENTES ESTATAIS, DO DEVER DE PROBIDADE CONSTITUIRIA UMA LIMITAÇÃO EXTERNA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE? LIBERDADES EM ANTAGONISMO. SITUAÇÃO DE TENSÃO DIALÉTICA ENTRE PRINCÍPIOS ESTRUTURANTES DA ORDEM CONSTITUCIONAL. COLISÃO DE DIREITOS QUE SE RESOLVE, EM CADA CASO OCORRENTE, MEDIANTE PONDERAÇÃO DOS VALORES E INTERESSES EM CONFLITO. CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS. LIMINAR INDEFERIDA.

DECISÃO: O fundamento básico em que se apóia a presente impetração mandamental reside na alegação, deduzida pelo Conselho Federal de Farmácia, de que o princípio constitucional que veda o anonimato, consagrado no art. 5º, IV, da Carta Política, impede que o E. Tribunal de Contas da União conheça e faça processar denúncia anônima.
A parte ora impetrante sustenta que o próprio Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, aprovado pela Resolução Administrativa TCU n. 15/93, dando execução à norma constitucional mencionada, exige que a denúncia, dentre outros requisitos, contenha "o nome legível do denunciante, sua qualificação e endereço (...)" (art. 213, caput), de tal modo que, não observados os requisitos e formalidades a que alude a norma em questão, impor-se-á, ao Relator ou ao Tribunal, o não-conhecimento da denúncia, com o conseqüente arquivamento do processo (art. 213, parágrafo único).
Cabe referir, não obstante tais razões, que o eminente Ministro MARCOS VINICIOS VILAÇA, tendo em consideração que a denúncia anônima ora questionada revelava fatos graves (licitações supostamente direcionadas e alegado pagamento de diárias exorbitantes), aptos a justificar a adoção das providências legais pertinentes, determinou fosse instaurado procedimento com o objetivo de apurar tais "indícios de irregularidades graves" (fls. 27), realizando-se, em conseqüência, "uma inspeção junto ao Conselho Federal de Farmácia (CFF), para averiguação dos fatos citados" (fls. 28).
O presente mandado de segurança foi impetrado contra essa deliberação, postulando, a entidade autárquica ora impetrante, seja determinado, aos órgãos ora apontados como coatores, "que se abstenham de processar denúncias ou representações anônimas, tendo em vista a falta de amparo legal para tal mister" (fls. 15).
Formulou-se, no caso, pedido de medida liminar, objetivando a suspensão cautelar "da tramitação dos autos de processo da representação n.º 014.784/2002-7, no qual se utiliza, indevidamente, (...) missiva apócrifa, recebida como representação, originando, assim, ilegalmente, a inspeção dessa Corte, nos quadros da Autarquia (...)" (fls. 15 - grifei).
Passo a apreciar o pedido em questão.
O veto constitucional ao anonimato, como se sabe, busca impedir a consumação de abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, pois, ao exigir-se a identificação de quem se vale dessa extraordinária prerrogativa político-jurídica, essencial à própria configuração do Estado democrático de direito, visa-se, em última análise, a possibilitar que eventuais excessos, derivados da prática do direito à livre expressão, sejam tornados passíveis de responsabilização, "a posteriori", tanto na esfera civil, quanto no âmbito penal.
Essa cláusula de vedação - que jamais deverá ser interpretada como forma de nulificação das liberdades do pensamento - surgiu, no sistema de direito constitucional positivo brasileiro, com a primeira Constituição republicana, promulgada em 1891 (art. 72, § 12), que objetivava, ao não permitir o anonimato, inibir os abusos cometidos no exercício concreto da liberdade de manifestação do pensamento, viabilizando, desse modo, a adoção de medidas de responsabilização daqueles que, no contexto da publicação de livros, jornais ou panfletos, viessem a ofender o patrimônio moral das pessoas agravadas pelos excessos praticados, consoante assinalado por eminentes intérpretes daquele Estatuto Fundamental (JOÃO BARBALHO, "Constituição Federal Brasileira - Comentários", p. 423, 2ª ed., 1924, F. Briguiet; CARLOS MAXIMILIANO, "Comentários à Constituição Brasileira", p. 713, item n. 440, 1918, Jacinto Ribeiro dos Santos Editor).
Vê-se, portanto, tal como observa DARCY ARRUDA MIRANDA ("Comentários à Lei de Imprensa", p. 128, item n. 79, 3ª ed., 1995, RT), que a proibição do anonimato tem um só propósito, qual seja, o de permitir que o autor do escrito ou da publicação possa expor-se às conseqüências jurídicas derivadas de seu comportamento abusivo: "Quem manifesta o seu pensamento através da imprensa escrita ou falada, deve começar pela sua identificação. Se não o faz, a responsável por ele é a direção da empresa que o publicou ou transmitiu."
Nisso consiste a ratio subjacente à norma, que, inscrita no inciso IV do art. 5º, da Constituição da República, proclama ser "livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" (grifei).
Torna-se evidente, pois, que a cláusula que proíbe o anonimato - ao viabilizar, "a posteriori", a responsabilização penal e/ou civil do ofensor - traduz medida constitucional destinada a desestimular manifestações abusivas do pensamento, de que possa decorrer gravame ao patrimônio moral das pessoas injustamente desrespeitadas em sua esfera de dignidade, qualquer que seja o meio utilizado na veiculação das imputações contumeliosas.
Esse entendimento é perfilhado por ALEXANDRE DE MORAES ("Constituição do Brasil Interpretada", p. 207, item n. 5.17, 2002, Atlas), UADI LAMMÊGO BULOS ("Constituição Federal Anotada", p. 91, 4ª ed., 2002, Saraiva) e CELSO RIBEIRO BASTOS/IVES GANDRA MARTINS ("Comentários à Constituição do Brasil", vol. 2/43-44, 1989, Saraiva), dentre outros eminentes autores, cujas lições enfatizam que a proibição do anonimato - por tornar necessário o conhecimento da autoria do pensamento exteriorizado ou da comunicação feita - visa a fazer efetiva, "a posteriori", a responsabilidade penal e/ou civil daquele que abusivamente exerceu a liberdade de expressão.
Lapidar, sob tal perspectiva, o magistério de JOSÉ AFONSO DA SILVA ("Curso de Direito Constitucional Positivo", p. 244, item n. 15.2, 20ª ed., 2002, Malheiros), que, ao interpretar a razão de ser da cláusula constitucional consubstanciada no art. 5º, IV, in fine, da Lei Fundamental, assim se manifesta:

"A liberdade de manifestação do pensamento tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir claramente a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros. Daí porque a Constituição veda o anonimato. A manifestação do pensamento não raro atinge situações jurídicas de outras pessoas a que corre o direito, também fundamental individual, de resposta. O art. 5º, V, o consigna nos termos seguintes: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Esse direito de resposta, como visto antes, é também uma garantia de eficácia do direito à privacidade. Esse é um tipo de conflito que se verifica com bastante freqüência no exercício da liberdade de informação e comunicação." (grifei)

A presente impetração mandamental, nos termos em que deduzida, sustenta, com apoio na cláusula que veda o anonimato, a existência, em nosso ordenamento positivo, de impedimento constitucional à formulação de delações anônimas.
É inquestionável que a delação anônima pode fazer instaurar situações de tensão dialética entre valores essenciais, igualmente protegidos pelo ordenamento constitucional, dando causa ao surgimento de verdadeiro estado de colisão de direitos, caracterizado pelo confronto de liberdades revestidas de idêntica estatura jurídica, a reclamar solução que, tal seja o contexto em que se delineie, torne possível conferir primazia a uma das prerrogativas básicas, em relação de antagonismo com determinado interesse fundado em cláusula inscrita na própria Constituição.
O caso ora exposto pela parte impetrante - que é entidade autárquica federal - pode traduzir, eventualmente, a ocorrência, na espécie, de situação de conflituosidade entre direitos básicos titularizados por sujeitos diversos.
Com efeito, há, de um lado, a norma constitucional, que, ao vedar o anonimato (CF, art. 5º, IV), objetiva fazer preservar, no processo de livre expressão do pensamento, a incolumidade dos direitos da personalidade (como a honra, a vida privada, a imagem e a intimidade), buscando inibir, desse modo, delações anônimas abusivas. E existem, de outro, certos postulados básicos, igualmente consagrados pelo texto da Constituição, vocacionados a conferir real efetividade à exigência de que os comportamentos funcionais dos agentes estatais se ajustem à lei (CF, art. 5º, II) e se mostrem compatíveis com os padrões ético-jurídicos que decorrem do princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput).
Presente esse contexto, resta verificar se o direito público subjetivo do cidadão à rigorosa observância do postulado da legalidade e da moralidade administrativa, por parte do Estado e de suas instrumentalidades (como as autarquias), constitui, ou não, limitação externa aos direitos da personalidade (considerados, aqui, em uma de suas dimensões, precisamente aquela em que se projetam os direitos à integridade moral), em ordem a viabilizar o conhecimento, pelas instâncias governamentais, de delações anônimas, para, em função de seu conteúdo - e uma vez verificada a idoneidade e a realidade dos dados informativos delas constantes -, proceder-se, licitamente, à apuração da verdade, mediante regular procedimento investigatório.
Entendo que a superação dos antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, "hic et nunc", em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como adverte o magistério da doutrina (DANIEL SARMENTO, "A Ponderação de Interesses na Constituição Federal" p. 193/203, "Conclusão", itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, "Temas de Direito Constitucional",
p. 363/366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; FÁBIO HENRIQUE PODESTÁ, "Direito à Intimidade. Liberdade de Imprensa. Danos por Publicação de Notícias", in "Constituição Federal de 1988 - Dez Anos (1988-1998)", p. 230/231, item n. 5, 1999, Editora Juarez de Oliveira; J. J. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, "Colisão de Direitos", p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, "Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade", p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, "O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais", p. 216, "Conclusão", 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica).
Parece registrar-se, na espécie em exame, uma situação de colidência entre a pretensão mandamental de rejeição absoluta da delação anônima, ainda que esta possa veicular fatos alegadamente lesivos ao patrimônio estatal, e o interesse primário da coletividade em ver apuradas alegações de graves irregularidades que teriam sido cometidas na intimidade do aparelho administrativo do Estado.
Isso significa, em um contexto de liberdades em conflito, que a colisão dele resultante há de ser equacionada, utilizando-se, esta Corte, do método - que é apropriado e racional - da ponderação de bens e valores, de tal forma que a existência de interesse público na revelação e no esclarecimento da verdade, em torno de supostas ilicitudes penais e/ou administrativas que teriam sido praticadas por entidade autárquica federal, bastaria, por si só, para atribuir, à denúncia em causa (embora anônima), condição viabilizadora da ação administrativa adotada pelo E. Tribunal de Contas da União, na defesa do postulado ético-jurídico da moralidade administrativa, em tudo incompatível com qualquer conduta desviante do improbus administrator.
Na realidade, o tema pertinente à vedação constitucional do anonimato (CF, art. 5º, IV, in fine) posiciona-se, de modo bastante claro, em face da necessidade ético-jurídica de investigação de condutas funcionais desviantes, considerada a obrigação estatal, que, imposta pelo dever de observância dos postulados da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput), torna imperioso apurar comportamentos eventualmente lesivos ao interesse público.
Não é por outra razão que o magistério da doutrina admite, não obstante a existência de delação anônima, que a Administração Pública possa, ao agir autonomamente, efetuar averiguações destinadas a apurar a real concreção de possíveis ilicitudes administrativas, consoante assinala JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES, eminente Professor e Conselheiro do E. Tribunal de Contas do Distrito Federal ("Tomada de Contas Especial", p. 51, item n. 4.1.1.1.2, 2ª ed., 1998, Brasília Jurídica):

"Ocorrendo de a Administração vislumbrar razoável possibilidade da existência efetiva dos fatos denunciados anonimamente, deverá promover diligências e, a partir dos indícios coligidos nesse trabalho, instaurar a TCE, desvinculando-a totalmente da informação anônima." (grifei)

Essa orientação é também admitida, mesmo em sede de persecução penal, por FERNANDO CAPEZ ("Curso de Processo Penal", p. 77, item n. 10.13, 7ª ed., 2001, Saraiva):

"A delação anônima (notitia criminis inqualificada) não deve ser repelida de plano, sendo incorreto considerá-la sempre inválida; contudo, requer cautela redobrada, por parte da autoridade policial, a qual deverá, antes de tudo, investigar a verossimilhança das informações." (grifei)

Com idêntica percepção da matéria em exame, revela-se o magistério de JULIO FABBRINI MIRABETE ("Código de Processo Penal Interpretado", p. 95, item n. 5.4, 7ª ed., 2000, Atlas):

"(...) Não obstante o art. 5º, IV, da CF, que proíbe o anonimato na manifestação do pensamento, e de opiniões diversas, nada impede a notícia anônima do crime (notitia criminis inqualificada), mas, nessa hipótese, constitui dever funcional da autoridade pública destinatária, preliminarmente, proceder com a máxima cautela e discrição a investigações preliminares no sentido de apurar a verossimilhança das informações recebidas. Somente com a certeza da existência de indícios da ocorrência do ilícito é que deve instaurar o procedimento regular." (grifei)

Esse entendimento é também acolhido por NELSON HUNGRIA ("Comentários ao Código Penal", vol. IX/466, item n. 178, 1958, Forense), cuja análise do tema - realizada sob a égide da Constituição republicana de 1946, que expressamente não permitia o anonimato (art. 141, § 5º), à semelhança do que se registra, presentemente, com a vigente Lei Fundamental (art. 5º, IV, "in fine") - enfatiza a imprescindibilidade de investigação, ainda que motivada por delação anônima, desde que fundada em fatos verossímeis:

"Segundo o § 1.º do art. 339, 'A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto'. Explica-se: o indivíduo que se resguarda sob o anonimato ou nome suposto é mais perverso do que aquêle que age sem dissimulação. Êle sabe que a autoridade pública não pode deixar de investigar qualquer possível pista (salvo quando evidentemente inverossímil), ainda quando indicada por uma carta anônima ou assinada com pseudônimo; e, por isso mesmo, trata de esconder-se na sombra para dar o bote viperino. Assim, quando descoberto, deve estar sujeito a um plus de pena."(grifei)

Pronuncia-se em igual sentido JOSÉ FREDERICO MARQUES ("Elementos de Direito Processual Penal", vol. I/147, item n. 71, 2ª ed., atualizada por Eduardo Reale Ferrari, 2000, Millennium), cujo magistério - não obstante a vedação constitucional do anonimato, vigente quando da publicação de sua obra (CF/46, art. 141, § 5º) - coloca em relevo a impossibilidade de a autoridade pública ignorar a comunicação, ainda que de origem não identificada, contanto que essa notícia veicule, de modo idôneo, a suposta ocorrência de atos revestidos de ilicitude:

"No direito pátrio, a lei penal considera crime a denunciação caluniosa ou a comunicação falsa de crime (Código Penal, arts. 339 e 340), o que implica a exclusão do anonimato na notitia criminis, uma vez que é corolário dos preceitos legais citados a perfeita individualização de quem faz a comunicação de crime, a fim de que possa ser punido, no caso de atuar abusiva e ilicitamente.
Parece-nos, porém, que nada impede a prática de atos iniciais de investigação da autoridade policial, quando delação anônima lhe chega às mãos, uma vez que a comunicação apresente informes de certa gravidade e contenha dados capazes de possibilitar diligências específicas para a descoberta de alguma infração ou seu autor. Se, no dizer de G. Leone, não se deve incluir o escrito anônimo entre os atos processuais, não servindo ele de base à ação penal, e tampouco como fonte de conhecimento do juiz, nada impede que, em determinadas hipóteses, a autoridade policial, com prudência e discrição, dele se sirva para pesquisas prévias. Cumpre-lhe, porém, assumir a responsabilidade da abertura das investigações, como se o escrito anônimo não existisse, tudo se passando como se tivesse havido notitia criminis inqualificada." (grifei)

Essa mesma posição é igualmente perfilhada por GUILHERME DE SOUZA NUCCI ("Código de Processo Penal Comentado", p. 68, item n. 29, 2002, RT) e por DAMÁSIO E. DE JESUS ("Código de Processo Penal Anotado", p. 9, 18ª ed., 2002, Saraiva), cumprindo rememorar, ainda, por valiosa, a lição de ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Persecução Penal, Prisão e Liberdade", p. 34/35, item n. 6, 1980, Saraiva):

"Não deve haver qualquer dúvida, de resto, sobre que a notícia do crime possa ser transmitida anonimamente à autoridade pública (...).
(...) constitui dever funcional da autoridade pública destinatária da notícia do crime, especialmente a policial, proceder, com máxima cautela e discrição, a uma investigação preambular no sentido de apurar a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação positiva. E isto, como se a sua cognição fosse espontânea, ou seja, como quando se trate de notitia criminis direta ou inqualificada (...)." (grifei)

Cabe referir, finalmente, neste ponto, que o E. Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar a questão da delação anônima, em face do art. 5º, IV, in fine, da Constituição da República, já se pronunciou no sentido de considerá-la juridicamente possível, desde que o Estado, ao agir em função dessa comunicação não identificada, atue com cautela, em ordem a evitar a consumação de situações que possam ferir, injustamente, direitos de terceiros:

"CRIMINAL. RHC. NOTITIA CRIMINIS ANÔNIMA. INQUÉRITO POLICIAL. VALIDADE.
1. A delatio criminis anônima não constitui causa da ação penal que surgirá, em sendo o caso, da investigação policial decorrente. Se colhidos elementos suficientes, haverá, então, ensejo para a denúncia. É bem verdade que a Constituição Federal (art. 5º, IV) veda o anonimato na manifestação do pensamento, nada impedindo, entretanto, mas, pelo contrário, sendo dever da autoridade policial proceder à investigação, cercando-se, naturalmente, de cautela.
2. Recurso ordinário improvido."
(RHC 7.329-GO, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES - grifei)

"CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. (...). PROCESSO ADMINISTRATIVO DESENCADEADO ATRAVÉS DE 'DENÚNCIA ANÔNIMA'. VALIDADE. INTELIGÊNCIA DA CLÁUSULA FINAL DO INCISO IV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (VEDAÇÃO DO ANONIMATO). (...). RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO."
(RMS 4.435-MT, Rel. Min. ADHEMAR MACIEL - grifei)

Vê-se, pois, não obstante o caráter apócrifo da denúncia, que, tratando-se de comunicação de fatos revestidos de aparente ilicitude, existiria possibilidade de o E. Tribunal de Contas da União adotar medidas destinadas a esclarecer a idoneidade das alegações de irregularidades que lhe foram transmitidas, em atendimento ao dever estatal de fazer prevalecer - consideradas razões de interesse público - a observância do postulado ético-jurídico da moralidade administrativa e da legalidade.
Note-se, por necessário, que o eminente Ministro MARCOS VINICIOS VILAÇA limitou-se, na espécie, como Relator, a agir com extrema cautela e louvável prudência, determinando fosse instaurado procedimento com o único objetivo de apurar os "indícios de irregularidades graves" (fls. 27) expostos na denúncia anônima, em ordem a promover a "averiguação dos fatos citados" (fls. 28), para, em função de tais esclarecimentos, adotar, então, as providências reclamadas pelo ordenamento jurídico.
De outro lado, e mesmo que se pudesse vislumbrar plausibilidade jurídica na pretensão mandamental deduzida pela parte impetrante, ainda assim não se revelaria presente, na espécie, o requisito pertinente ao periculum in mora, eis que a tramitação do procedimento ora questionado não basta, só por si, para tornar concreta qualquer situação de possível frustração da ordem mandamental, caso venha esta a ser deferida.
É que, eventualmente concedido, na espécie, o mandado de segurança impetrado, invalidar-se-á, desde o início, o referido procedimento administrativo, sem que resulte, daí, uma situação apta a afetar, de modo irreversível, o direito ora vindicado pela parte impetrante, que consistiria - segundo sustenta - no alegado direito de não sofrer fiscalização com base em denúncias anônimas.
Cabe assinalar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, em sede mandamental, somente se justifica, se, de sua eventual recusa, puder resultar, de modo irreversível, a frustração da própria sentença concessiva do mandado de segurança, comprometida, assim, sob tais circunstâncias, em sua precípua função de amparo à integridade do direito por ela assegurado (Lei nº 1.533/51, art. 7º, II, in fine).
Na realidade, dentre os requisitos legitimadores da outorga do provimento liminar, destaca-se, por seu relevo, a possibilidade de ocorrência de lesão irreparável ou de difícil reparação, de tal modo que, em não se registrando tal hipótese, revelar-se-á insuscetível de acolhimento a pretensão de ordem cautelar.
Isso significa, portanto, que, sem a cumulativa ocorrência dos pressupostos a que alude o art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51, não se justificará a concessão da medida liminar, em sede de mandado de segurança.
Esse entendimento tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

"Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7º, II da Lei nº 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que, do ato impugnado, possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar."
(RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID - grifei)

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, indefiro, em sede de delibação, o pedido de medida liminar, sem prejuízo de oportuno reexame da questão ora veiculada nesta sede mandamental.
2. Requisitem-se informações aos órgãos ora apontados como coatores, encaminhando-se-lhes cópia da presente decisão.
Publique-se.

Brasília, 10 de outubro de 2002.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 16.10.2002

Assessora responsável pelo Informativo
Maria Ângela Santa Cruz Oliveira
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