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sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Informativo STF 319 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF


Brasília, 1º a 5 de setembro de 2003- Nº 319.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



Concessão de HC de Ofício
Habeas Corpus: Ameaça Indireta
HC e Atividade Clandestina de Telecomunicação
Índice de Reajuste de Benefício Previdenciário
Nomeação de Juiz do TRT
RE e Efeito Suspensivo
Revogação de Medida Provisória e EC 32/2001
Vício de Iniciativa e Administração Pública
MP e Ação de Investigação de Paternidade(Transcrições)
PLENÁRIO

Vício de Iniciativa e Administração Pública

Por ofensa ao art. 61, § 1º, II, e, da CF/88, que confere ao chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa de leis que disponham sobre a criação de órgãos da Administração Pública, o Tribunal julgou procedente o pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado de São Paulo, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.539/2000, do mesmo Estado, de iniciativa parlamentar, que mantinha a Delegacia de Ensino de Avaré como unidade integrante da Secretaria de Estado da Educação.
ADI 2.417-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 3.9.2003.(ADI-2417)

Índice de Reajuste de Benefício Previdenciário

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em que se pretende a reforma de decisão de Turma Recursal do Juizado Especial do Estado de Santa Catarina que, declarando a inconstitucionalidade dos diplomas legais que estabeleceram os índices de correção de reajustamento dos benefícios previdenciários relativamente aos anos de 1997, 1999, 2000 e 2001 - pela utilização de percentuais dissociados de quaisquer índices oficiais de mensuração da inflação, bem como por considerar incongruente a adoção de critério diverso para a correção dos benefícios e dos salários de contribuição -, assegurara a aposentado o direito ao reajuste de seu benefício previdenciário segundo a variação apurada pelo indexador IGP-DI, no período em referência, por ter sido este o último indexador oficial legalmente previsto, na forma da Lei 9.711/98. Sustenta-se, na espécie, a violação ao § 4º do art. 201 da CF, uma vez que os percentuais adotados pela Previdência para os anos em referência (com exceção apenas do ano de 2001, que teve diferença desprezível de 0,07% a menor) foram superiores à variação apurada pelo INPC e pelo IPCA, o que implicaria o atendimento do preceito constitucional que assegura a preservação em caráter permanente do valor real dos benefícios e, conseqüentemente, a constitucionalidade dos percentuais adotados, pela ausência de demonstração da manifesta inadequação dos mesmos para a atualização do valor dos benefícios. O Min. Carlos Velloso, relator, proferiu voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, para reafirmar a constitucionalidade dos dispositivos legais que estabeleceram os índices de correção dos benefícios previdenciários para o período em causa, por entender que os percentuais aplicados pela Previdência Social, sendo superiores ao índice INPC - que seria o índice mais adequado para a correção, por apontar a variação da inflação para estrato social mais assemelhado aos beneficiários da previdência, diversamente do IGP-DI, que utiliza a variação dos preços referentes aos bens de produção -, atendem o comando constitucional previsto no § 4º do art. 201, ficando afastado, ainda, o argumento do recorrido relativo à utilização de índices diversos para os benefícios e para os salários de contribuição, pelo fato de que tais institutos possuem natureza jurídica diversa, no que foi acompanhado pelo Min. Nelson Jobim. De outra parte, os Ministros Marco Aurélio, ressaltando a impossibilidade da utilização de percentuais dissociados de índices oficiais de inflação, e Carlos Britto, votaram no sentido de conhecer, mas negar provimento ao recurso extraordinário, por entenderem que o critério de atualização a ser adotado para o salário de contribuição, no caso o IGP-DI, deve ser o mesmo utilizado para os benefícios previdenciários, ante o vínculo existente entre ambos. Após, o julgamento foi suspenso em virtude do adiantado da hora.
RE 376.846-SC, rel. Min. Carlos Velloso, 3.9.2003.(RE-376846)

Revogação de Medida Provisória e EC 32/2001

Entendendo não caracterizada, à primeira vista, a motivação necessária a justificar a inconstitucionalidade da norma impugnada, o Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido de medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB e pelo Partido da Frente Liberal - PFL contra a Medida Provisória 128/2003, que revogou a Medida Provisória 124/2003. Alegava-se, na espécie, que a revogação da Medida Provisória 124/2003, cujo objetivo fora expressamente o de desobstruir a pauta de votações da Câmara dos Deputados, subtraíra do crivo parlamentar a apreciação da Medida Provisória revogada, ofendendo o art. 62, caput, e § 6º da CF/88, na redação dada pela EC 32/2001, e os princípios constitucionais da separação entre os Poderes, da moralidade, da legalidade e da finalidade dos atos administrativos. Considerou-se que o art. 62 da CF/88, mesmo após o advento da EC 32/2001, não impede a revogação de medida provisória pendente de apreciação pelo Congresso Nacional por outra, apenas suspendendo-se a eficácia da medida objeto de revogação, até que haja pronunciamento do Poder Legislativo sobre a medida provisória revogadora. Afastou-se, assim, a alegação de subtração da competência do Congresso Nacional para a apreciação de ambas as medidas, ficando apenas invertida a ordem de apreciação das matérias, já que o exame da medida ab-rogante deve preceder ao da medida ab-rogada. Salientou-se, ainda, que a possibilidade de revogação de medidas provisórias em curso não implica a viabilidade de se revogar e reeditar novas medidas de igual teor na mesma sessão legislativa, sob pena de desvirtuamento da finalidade pretendida com o advento da EC 32/2001, e conseqüente inconstitucionalidade, por fraude à Constituição. Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o pedido de medida liminar (CF, art. 62, § 6º: "Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando"). Precedentes citados: ADI 221-MC-DF (RTJ 151/331), ADI 1.204-MC-DF (DJU de 7.12.95), ADI 1.659-DF-MC (DJU de 8.5.98).
ADI 2.984-MC-DF, rel. Ministra Ellen Gracie, 4.9.2003.(ADI-2984)

Nomeação de Juiz do TRT

Julgando mandado de segurança impetrado contra iminente ato de nomeação de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, o Tribunal, inicialmente, por maioria, acolheu a preliminar de impropriedade da participação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - ANAMATRA no pólo ativo, na qualidade de assistente, por entender ser a assistência incompatível com a celeridade imposta à ação mandamental e com o disposto no art. 19 da Lei 1.533/51, vencidos, no ponto, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que admitiam a assistência da ANAMATRA. Em seguida, o Tribunal, também por maioria, entendendo caracterizada a ofensa ao art. 93, II, b, da CF, deferiu em parte o writ para determinar a anulação da lista tríplice encaminhada ao Presidente da República, objeto do writ, relativamente ao segundo e terceiro nomes, com a conseqüente determinação da elaboração de nova lista. No caso concreto, apenas três juízes com o intervalo de dois anos na respectiva entrância preenchiam o requisito constitucional de pertencer à primeira quinta parte da lista de antiguidade, tendo sido escolhido um deles para integrar a lista tríplice. Na votação do segundo e do terceiro nomes, com o fim de recompor o quinto de antiguidade, foram acrescidos dois outros juízes de primeiro grau não pertencentes ao quinto original, que acabaram sendo eleitos. Considerou-se que, havendo pelo menos dois juízes que satisfizessem os requisitos constitucionais conjuntos, como ocorrera na espécie, ficara assegurado o poder de escolha do Tribunal Regional, não se admitindo, assim, a pretexto de recompor a lista, a inclusão de outros nomes que não atendessem cumulativamente os requisitos constitucionais. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto que indeferiam o writ (CF, art. 93, II: "promoção de entrância, alternadamente, por antiguidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: ...b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;"). Precedente citado: ADI 581-DF (RTJ 144/146).
MS 24.414-DF, rel. Min. Cezar Peluso, 4.9.2003.(MS-24414)

PRIMEIRA TURMA


Concessão de HC de Ofício

Iniciado o julgamento de habeas corpus impetrado contra decisão do STJ que, por intempestividade, denegara agravo de instrumento, em que se sustentava a derrogação do art. 14 da Lei 6.368/76 pelo caput do art. 8º da Lei 8.072/90, bem como a possibilidade da progressão do regime de cumprimento de pena para o crime de associação para o tráfico de entorpecentes, por não constar do rol dos crimes previstos no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90. O Min. Carlos Britto, relator, entendendo que a impetração, na espécie, dirige-se contra a não concessão do habeas corpus de ofício pelo STJ, e considerando flagrante o constrangimento ilegal em virtude da existência de jurisprudência pacífica desta Corte favorável à tese defendida pelo paciente, proferiu voto no sentido de não conhecer da impetração, mas conceder habeas corpus de ofício para anular a condenação no tocante à dosimetria da pena imposta pelo crime de associação para o tráfico, a fim de que outra seja proferida com a observância do limite máximo de seis anos previsto no art. 8º da Lei 8.072/90, assegurando, ainda, a possibilidade de progressão de regime prisional de cumprimento da pena. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Cezar Peluso.
HC 83.017-RJ, rel. Min. Carlos Britto, 2.9.2003.(HC-83017)

RE e Efeito Suspensivo

A Turma referendou decisão do Min. Marco Aurélio, relator, que concedera eficácia suspensiva a recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade da Lei 9.718/98 - que alterou a base de cálculo do PIS e da COFINS, limitou a compensação de alíquotas da COFINS com a CSLL e definiu o conceito de faturamento -, cujo tema encontra-se em apreciação pelo Plenário no RE 346.084-PR (v. Informativo 294).
AC 52-MC-BA, rel. Min. Marco Aurélio, 2.9.2003.(AC-52)

SEGUNDA TURMA


Habeas Corpus: Ameaça Indireta

Entendendo caracterizada na espécie a ameaça indireta à liberdade de locomoção do paciente, a Turma deferiu em parte habeas corpus impetrado contra decisão do STJ - que não admitira o cabimento do writ contra ato que determinara a notificação do paciente para oferecer resposta prévia em ação penal instaurada por suposta prática de crime contra a honra - a fim de que o citado Tribunal aprecie e julgue o habeas corpus como entender de direito. Considerou-se que a alegação do paciente, parlamentar, de que o ato descrito na denúncia estaria amparado pela imunidade material, justifica a análise do mérito da impetração pelo STJ, uma vez que tal ato poderia, em tese, implicar o seguimento de ação penal incabível. Precedentes citados: HC 76.946-MS (DJU de 11.6.99), HC 71.466-DF (DJU de 19.12.94) e HC 80.772-PR (DJU de 29.6.2001).
HC 83.162-SP, rel. Ministro Carlos Velloso, 2.9.2003. (HC-83162)

HC e Atividade Clandestina de Telecomunicação

A Turma indeferiu habeas corpus em que se sustentava a atipicidade da conduta imputada aos pacientes - denunciados pelo suposto desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação, em face da distribuição de sinais de televisão por meio físico a comunidades abertas, sem autorização, concessão ou outorga do órgão competente -, sob a alegação de que não se teria configurado a clandestinidade, nem o dolo do art. 183 da Lei 9.472/97, necessário à tipificação da conduta, já que a atividade fora expressamente comunicada à ANATEL. A Turma, afastando a possibilidade de reexame de matéria probatória em sede de habeas corpus, bem como o pretendido trancamento da ação penal, considerou que, na forma prevista no parágrafo único do art. 184 da mencionada Lei, para a configuração da clandestinidade é suficiente o desenvolvimento de atividade de telecomunicação sem a competente outorga de concessão, não a excluindo a posterior comunicação à ANATEL (Lei 9.472, art. 183: "Desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação: .... art. 184: ... parágrafo único - considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radio freqüência e de exploração de satélite). Precedentes citados: RHC 56.693-DF (DJU de 11.1278), RHC 61.145-SP (RTJ 113/1.017) e HC 72.731-SP (DJU de25.8.2003).
HC 83.184-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 2.9.2003. (HC-83184)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

3.9.2003

4.9.2003

4

1a. Turma

2.9.2003

----

52

2a. Turma

2.9.2003

----

65



C L I P P I N G    D O    D J

5 de setembro de 2003

ACO N. 503-RS
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: Ação Cível originária. Imunidade fiscal com base no disposto no artigo 150, VI, "a", e seu parágrafo 2º. Natureza jurídica do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul - BRDE.
- Rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa "ad causam" dos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em conseqüência, fica prejudicada a alegação de incompetência residual desta Corte. Aliás, ainda quando os Estados-membros não tivessem legitimidade ativa "ad causam", haveria conflito federativo entre o Banco-autor, criado como autarquia interestadual por eles, e a União Federal que lhe nega essa natureza jurídica para efeito de negar-lhe a imunidade fiscal pretendida.
- No mérito, esta Corte já firmou o entendimento (assim, no RE 120932 e na ADI 175) de que o Banco-autor não tem a natureza jurídica de autarquia, mas é, sim, empresa com personalidade jurídica de direito privado. Conseqüentemente, não goza ele da imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "a", e seu parágrafo 2º, da atual Constituição, não fazendo jus, portanto, à pretendida declaração de inexistência de relação jurídico-tributária resultante dessa imunidade.
Ação que se julga improcedente.
* noticiado no Informativo 247

MEDIDA CAUTELAR EM ADI N. 2.266-RO
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA:- Ação direta de inconstitucionalidade. Medida liminar. 2. Pedido de medida cautelar contra Resolução n.º 015, de 1º de junho de 2000, expedida pelo Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia, que "disciplina a utilização de urnas eletrônicas em treinamento para a divulgação do voto eletrônico e dá outras providências". 3. Alegação de incontestável inconstitucionalidade na Resolução. 4. À Justiça Eleitoral incumbe administrar o processo eleitoral e zelar pela sua incolumidade. 5. Os simuladores podem constituir matéria ainda a ser objeto de disciplina e de regulamentação especial por lei. 6. Nas condições atuais, os simuladores particulares são preparados para orientar os eleitores relativamente a determinados candidatos que neles constem, ferindo-se, assim, o equilíbrio da propaganda eleitoral e o princípio de igualdade entre os candidatos, com oportunidade de abuso do poder econômico. 7. Medida cautelar indeferida.
* noticiado no Informativo 202

ADI N. 2.723-AgR-RJ
RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PARTIDO POLÍTICO QUE, NO CURSO DO PROCESSO, VEM A PERDER A REPRESENTAÇÃO PARLAMENTAR NO CONGRESSO NACIONAL - FATO SUPERVENIENTE QUE DESCARACTERIZA A LEGITIMIDADE ATIVA DA AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA (CF, ART. 103, VIII) - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA - POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO EX OFFICIO PELO RELATOR DA CAUSA - AÇÃO DIRETA DE QUE NÃO SE CONHECE - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

- A perda superveniente da bancada legislativa no Congresso Nacional descaracteriza a legitimidade ativa do partido político para prosseguir no processo de controle abstrato de constitucionalidade, eis que, para esse efeito, não basta a mera existência jurídica da agremiação partidária, sobre quem incide o ônus de manter, ao longo da causa, representação parlamentar em qualquer das Câmaras que integram o Poder Legislativo da União.

- A extinção anômala do processo de fiscalização normativa abstrata, motivada pela perda superveniente de bancada parlamentar, não importa em ofensa aos postulados da indisponibilidade do interesse público e da inafastabilidade da prestação jurisdicional, eis que inexiste, em favor do partido político que perdeu a qualidade para agir, direito de permanecer no pólo ativo da relação processual, não obstante atendesse, quando do ajuizamento da ação direta, ao que determina o art. 103, VIII da Constituição da República.
* noticiado no Informativo 299

Ext N. 853-REPÚBLICA DO PARAGUAI
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: EXTRADIÇÃO. APOLOGIA AO CRIME, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E EVASÃO DE IMPOSTOS. DUPLA TIPIFICAÇÃO. PEDIDO PARA FINS DE INVESTIGAÇÃO E INSTRUÇÃO CRIMINAL: POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA POR AUTORIDADE JUDICIÁRIA COMPETENTE. FATOS E INDÍCIOS SUFICIENTES PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CONDUTAS DELITUOSAS. LEGALIDADE FORMAL.
1. Pressupostos do pedido atendidos. Correspondência entre os tipos penais do País requerente e os do Brasil. Inexistência de prescrição.
2. Dupla tipificação. Não se tratando de formação de quadrilha autônoma, não há que cogitar do limite exigido pelo tipo previsto na legislação penal brasileira (CP, artigo 288), bastando que o agente se integre à organização criminosa preexistente para que se materialize o delito. Precedente.
3. Evasão de impostos. Condutas reveladoras da existência de fraude fiscal perpetrada contra a ordem tributária. Tipificação correspondente no Brasil (Lei 8137/90, artigo 1º).
4. Não cabe ao Supremo Tribunal Federal, em sede de delibação própria do processo extradicional, emitir juízo de valor quanto ao mérito das acusações imputadas ao investigado no País requerente.
5. Achando-se o processo em fase de instrução e estando os fatos e os indícios caracterizadores dos crimes suficientemente descritos de sorte que autorizem o decreto de prisão cautelar do extraditando pela autoridade competente, restam preenchidos os pressupostos básicos para o atendimento do pedido.
6. Não pode o Supremo Tribunal Federal avaliar o mérito dos elementos formadores da prova, inclusive a autoria e a materialidade dos delitos cometidos, ora em produção perante a autoridade judiciária do País requerente, tema afeto à sua soberania.
7. Pedido de extradição disfarçada acerca de seu real propósito. Insubsistência, em face do compromisso legal a que se sujeita o requerente de não proceder à reextradição do súdito para outro País que o reclame, senão com o expresso consentimento do Brasil.
Extradição deferida em parte, exceto quanto à apologia ao crime, cuja pena máxima é inferior a um ano (CP, artigo 287).
* noticiado no Informativo 295

Inq N. 537-TO
RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: INQUÉRITO. CRIME ELEITORAL. INCOMPATIBILIDADE ENTRE OS FATOS NARRADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E A CONDUTA TIPIFICADA NA NORMA ESPECIAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INÉPCIA REJEITADA. CO-RÉU QUE NÃO OSTENTA A CONDIÇÃO DE PARLAMENTAR. DECURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. CONSEQÜÊNCIA: EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.
1. Crime eleitoral. Denúncia que descreve e tipifica os fatos sem observância do princípio da correlação. Adequação da conduta do acusado à norma penal incriminadora quando do recebimento da denúncia pelo magistrado. Possibilidade. Preliminar de inépcia rejeitada, ressalvado o ponto de vista pessoal do relator.
2. Co-réu não detentor de mandato parlamentar. Decorrido o prazo prescricional no período compreendido entre a data dos fatos e a do recebimento da denúncia tem-se como conseqüência necessária a extinção da punibilidade.
* noticiado no Informativo 286

RE N. 158.834-SP
RED. P/ ACÓRDÃO: MIN. MARCO AURÉLIO
ICMS - CONVÊNIO - ARTIGO 34, § 8O, DO ADCT - BALIZAS. A autorização prevista no § 8o do artigo 34 do Ato das Disposições Transitórias da Carta de 1988 ficou restrita à tributação nova do então artigo 155, inciso I, alínea "b", hoje artigo 155, inciso II, da Constituição Federal.

ICMS - PRODUÇÃO - ATIVO FIXO - SAÍDA - FICÇÃO JURÍDICA. Mostram-se inconstitucionais textos de convênio e de lei local - Convênio nº 66/88 e Lei nº 6.374/89 do Estado de São Paulo - reveladores, no campo da ficção jurídica (saída), da integração, ao ativo fixo, do que produzido pelo próprio estabelecimento, como fato gerador do ICMS.
* noticiado no Informativo 287

RE N. 198.088-SP
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: TRIBUTÁRIO. ICMS. LUBRIFICANTES E COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSOS, DERIVADOS DO PETRÓLEO. OPERAÇÕES INTERESTADUAIS. IMUNIDADE DO ART. 155, § 2º, X, B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Benefício fiscal que não foi instituído em prol do consumidor, mas do Estado de destino dos produtos em causa, ao qual caberá, em sua totalidade, o ICMS sobre eles incidente, desde a remessa até o consumo.
Conseqüente descabimento das teses da imunidade e da inconstitucionalidade dos textos legais, com que a empresa consumidora dos produtos em causa pretendeu obviar, no caso, a exigência tributária do Estado de São Paulo.
Recurso conhecido, mas desprovido.
* noticiado no Informativo 189

RE N. 299.799-SP
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Recurso extraordinário: letra a: possibilidade de confirmação da decisão recorrida por fundamento constitucional diverso daquele em que se alicerçou o acórdão recorrido e em cuja inaplicabilidade ao caso se baseia o recuso extraordinário: manutenção, lastreada na garantia da irredutibilidade de vencimentos, da conclusão do acórdão recorrido, não obstante fundamentado este na violação do direito adquirido.

II. Recurso extraordinário: letra a: alteração da tradicional orientação jurisprudencial do STF, segundo a qual só se conhece do RE, a, se for para dar-lhe provimento: distinção necessária entre o juízo de admissibilidade do RE, a - para o qual é suficiente que o recorrente alegue adequadamente a contrariedade pelo acórdão recorrido de dispositivos da Constituição nele prequestionados - e o juízo de mérito, que envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário.

III. Irredutibilidade de vencimentos: garantia constitucional que é modalidade qualificada da proteção ao direito adquirido, na medida em que a sua incidência pressupõe a licitude da aquisição do direito a determinada remuneração.

IV. Irredutibilidade de vencimentos: violação por lei cuja aplicação implicaria reduzir vencimentos já reajustados conforme a legislação anterior incidente na data a partir da qual se prescreveu a aplicabilidade retroativa da lei nova.

RHC N. 83.009-RJ
RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Conexão: admissibilidade de instauração de novo processo por fato conexo ao objeto de processo em curso.

Se a conveniência de não prolongar a prisão processual do réu é motivo bastante à separação de processos antes reunidos ou ao desmembramento de processo cumulativo, com mais razão o será para a instauração de outro processo, quando já avançado o curso do primeiro, ainda quando sejam conexos os fatos objeto de um e de outro.

II. Ação Penal condicionada à representação: limitação material.

O fato objeto da representação da ofendida ou de seu representante legal constitui limitação material à ação penal pública a ela condicionada.
* noticiado no Informativo 309

Acórdãos Publicados: 137

T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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MP e Ação de Investigação de Paternidade (Transcrições)
(v. Informativo 315)
RE N. 248.869-SP*

RELATOR: MIN. MAURÍCIO CORRÊA
Relatório: O presente recurso extraordinário tem origem em ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, cuja inicial vem subscrita pelo representante do Ministério Público do Estado de São Paulo, como assistente de Danilo Augusto da Silva, menor impúbere, e de sua genitora e representante na lide, proposta com fundamento na Lei 8560, de 29 de dezembro de 1992.
2. Ao contestar a ação, o suposto pai, réu da ação, suscitou, em preliminar, a ilegitimidade ativa do Parquet, e quanto ao mérito, sustentou a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 2º da referida Lei 8560/92, por ofensa ao direito à intimidade, de que cuida o artigo 5º, incisos VI e X, da Constituição Federal (fls. 22/28).
3. O juízo de primeiro grau, considerando que o Ministério Público atuou como substituto processual, rejeitou a preliminar e deu por saneado o feito (fls. 30/32).
4. Interposto agravo de instrumento (fls. 2/6), o Tribunal de Justiça acolheu as razões do agravante, com fundamento em que o Ministério Público, no caso, não está agindo na defesa de interesse público, coletivo ou difuso. Pelo contrário, propôs ação em favor de menor representado por sua mãe, que só recorreu ao Parquet pelo fato de ser pessoa pobre. O acórdão entendeu que a ação deveria ser proposta pela Defensoria Pública, em face da insuficiência de recursos materiais do investigante (fls. 58/60).
5. Inconformado com a decisão do agravo de instrumento, o Ministério Público Estadual interpôs recursos extraordinário (fls. 64/87) e especial (fls. 89/112), esse não conhecido porquanto os fundamentos do acórdão impugnado teriam natureza estritamente constitucional (fls. 153/159).
6. O recurso extraordinário foi formulado com base na alínea a do inciso III do artigo 102 da Constituição, no qual se sustenta que a interpretação restritiva do caput do artigo 127 da Carta Federal resultaria em negativa de vigência da norma contida no inciso IX do artigo 129.
7. Afirma também que a atribuição que lhe confere a Lei 8560/92 caracteriza-se como hipótese de legitimação extraordinária, fundada no caráter indisponível do interesse individual em causa.
8. Nas contra-razões, aduz o recorrido que a matéria sobre a ilegitimidade ativa do Parquet não fora prequestionada e não constituíra razão de decidir do acórdão, que se limitara a afastar a sua capacidade postulatória (fls. 117/121).
9. O recurso não foi admitido na origem, mas subiu a esta Corte tendo em vista o provimento do agravo de instrumento em tempo interposto (fl. 159).
10. O parecer do Ministério Público Federal (fls. 186/193) é pelo provimento do recurso em face da determinação contida no artigo 127 da Carta Federal e no § 4º do artigo 2º da Lei 8560/92, que conferem legitimação extraordinária ao Parquet estadual para promover a ação de investigação de paternidade.
É o relatório.

Voto: A matéria constante do recurso está devidamente prequestionada, dado que desde a inicial alicerçou-se o pedido na atribuição conferida ao Ministério Público para a propositura da ação investigatória, consoante as disposições contidas nos artigos 127 e 129, inciso IX, da Constituição Federal c/c o § 4º do artigo 2º da Lei 8560/92. Apesar de não constar do acórdão impugnado o número do segundo dispositivo constitucional, a tese de sua aplicabilidade foi enfrentada e rejeitada no contexto do julgamento.
2. A decisão recorrida, acolhendo preliminar impugnada no agravo de instrumento, não reconheceu ao Ministério Público legitimação para ajuizar a ação de investigação de paternidade, por entender que a sua atuação não seria compatível com o caráter individual e disponível do direito perseguido e invadiria área de atividade profissional dos advogados ou do serviço de assistência jurídica do Estado. O decisum impugnado vem assim ementado, verbis:

"EMENTA: Ilegitimidade de Parte-ativa - Ocorrência - Atribuição de propor ação de investigação de paternidade c/c alimentos que não cabe ao MP - Irrelevância da parte ser economicamente hipossuficiente - Atribuição que cabe à defensoria pública. Recurso Provido".

3. Afasto, de plano, o argumento do recorrido de que a decisão não tratou do tema afeto à legitimidade do Parquet, mas exclusivamente de sua falta de capacidade postulatória. A matéria, por evidente, está relacionada às condições da ação, não estando restrita ao debate em torno da regularidade formal de constituição e desenvolvimento do processo. O teor expresso da ementa, de qualquer sorte, retira qualquer dúvida sobre a questão.
4. Cuida-se, no caso concreto, do direito à investigação de paternidade. Oportuno lembrar, de início, que a Constituição Federal adota a família como base da sociedade, a ela conferindo proteção do Estado. Tem-se como entidade familiar não apenas a decorrente do casamento, mas também aquelas fruto da união estável entre homem e mulher e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. O planejamento familiar, embora livre, deve fundar-se na dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à dignidade, ao respeito e à convivência familiar. Daí ser vedada, de forma expressa, a discriminação entre os filhos havidos ou não da relação de casamento, e o reconhecimento de ser direito legítimo da criança saber a verdade sobre sua paternidade, decorrência lógica do direito à filiação (CF, artigos 226, §§ 3º, 4º, 5º e 7º; 227, § 6º).
5. O estado da pessoa é uma qualificação jurídica que deriva da posição que os sujeitos ocupam na sociedade e da qual decorrem direitos e deveres, no ensinamento do mestre Orlando Gomes. E mais, regula-se por dispositivos de ordem pública, pois a situação jurídica de cada indivíduo interessa a toda sociedade. Esses preceitos não podem ser modificados pela vontade do particular. São "jus publicum", "privatorum pactis mutari non potest".
6. O direito ao nome insere-se no conceito de dignidade da pessoa humana, princípio alçado a fundamento da República Federativa do Brasil (CF, artigo 1º, inciso III). O nome, por sua vez, traduz a identidade da pessoa, a origem de sua ancestralidade, enfim é o reconhecimento da família, base de nossa sociedade. Por isso mesmo, o patronímico não pertence apenas ao pai senão à entidade familiar como um todo, o que aponta para a natureza indisponível do direito em debate. No dizer de Luiz Edson Fachin" a descoberta da verdadeira paternidade exige que não seja negado o direito, qualquer que seja a filiação, de ver declarada a paternidade. Essa negação seria francamente inconstitucional em face dos termos em que a unidade da filiação restou inserida na Constituição Federal. Trata-se da própria identidade biológica e pessoal - uma das expressões concretas do direito à verdade pessoal".
7. Fundado em tais premissas, dispõe expressamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90):

"Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça".

8. A indisponibilidade de determinados direitos não decorre da natureza privada ou pública das relações jurídicas que lhes são subjacentes, mas da importância que elas têm para a sociedade. O interesse público de que se cogita é aquele relacionado à preservação do bem comum, da estabilidade das relações sociais, e não o interesse da administração pública em sentido estrito. Daí reconhecer-se ao Estado não só o direito, mas o dever, de tutelar essas garantias, pois embora guardem natureza pessoal imediata, revelam, do ponto de vista mediato, questões de ordem pública.
9. Direito individual indisponível é aquele que a sociedade, por meio de seus representantes, reputa como essencial à consecução da paz social, segundo os anseios da comunidade, transmudando, por lei, sua natureza primária marcadamente pessoal. A partir de então dele não pode dispor seu titular, em favor do bem comum maior a proteger, pois gravado de ordem pública sobrejacente, ou no dizer de Ruggiero "pela utilidade universal da comunidade".
10. Está fora de qualquer dúvida, portanto, que o direito ao reconhecimento da paternidade tem conteúdo indisponível, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. Há que se considerar, ainda, que a proteção à infância, que por óbvio alcança o direito à filiação, deve ser tutelado pelo Estado, até porque relacionado expressamente entre os direitos sociais (CF, artigo 6º), que segundo José Afonso da Silva "são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais".
11. Como se sabe, a Constituição Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses sociais individuais indisponíveis (CF, artigo 127), podendo, para tanto, exercer outras funções prescritas em lei, que não as destacadas no rol meramente exemplificativo do artigo 129, desde que, por óbvio, compatível com sua finalidade institucional. Nesse sentido a lição da doutrina de Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins e Alexandre de Moraes, entre outros.
12. A respeito da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses indisponíveis, oportuno registrar a lição de HUGO NIGRO MAZZILLI:

"Já temos defendido que a tônica da intervenção do Ministério Público consiste na indisponibilidade do interesse. Hoje vamos mais além. A par dos casos em que haja indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, será também exigível a atuação do Ministério Público se a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convier à coletividade como um todo.
(...)
Num sentido lato, portanto, até o interesse individual, se indisponível, é interesse público, cujo zelo é cometido ao Ministério Público ..." .

13. Dúvida não há, portanto, de que o artigo 82 do CPC, em especial o seu inciso III, que permite ao Ministério Público intervir em todas as causas em que há interesse público, foi recebido pela Constituição Federal, devendo o Parquet atuar nas ações em que está em jogo o interesse público primário, consubstanciado no que retrata o interesse maior da sociedade.
14. Nessa perspectiva, foi editada a Lei 8560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências, pela qual o legislador ordinário expressamente assegurou ao Ministério Público a possibilidade de intentar a ação de investigação de paternidade, legitimação essa decorrente da proteção constitucional conferida à família e à criança, bem como da indisponibilidade legalmente atribuída ao reconhecimento do estado de filiação.
15. Especificamente sobre o tema ora em debate, assim manifestam-se NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY :

"A hipótese é de legitimação (CPC 6º), em vista de tratar-se de questão de estado (filiação), portanto, indisponível. A CF, 127 caput, atribui ao MP a defesa dos direitos individuais indisponíveis, aqui incluído o direito de investigar a paternidade, objeto da LIP."

16. Está, pois, o Ministério Público, desde que provocado pelo interessado e diante de evidências positivas, autorizado a propor a ação investigatória. Por outro lado, e como visto antes, o simples fato de o direito a ser tutelado ser individual não impede a ação do Parquet, pois há casos, como o presente, em que esse direito torna-se patentemente público, em sentido amplo, dada sua característica de indisponível. Não é por outra razão que o Ministério Público do Trabalho, por exemplo, pode propor reclamação trabalhista singular em favor de menor, na defesa de interesses decorrentes de relação de emprego. Com maior razão, há de reconhecer-se-lhe legitimidade para amparar a criança na busca de seu direito à filiação e subsistência.
17. Do estado de filiação originam-se, como conseqüência, direitos da personalidade e de caráter patrimonial, que determinam e justificam a necessária atuação do Ministério Público para assegurar a sua efetividade, sempre em defesa da criança, cuja tutela também cabe ao Estado por imposição constitucional.
18. A Carta da República, ao proclamar em seu artigo 127 que cabe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, está dizendo que essa instituição tem legitimidade processual ativa para propor ações que visem à tutela desses direitos, em especial aqueles assim reconhecidos expressamente em lei, a exemplo do que ocorre na questão ora analisada. Esse munus enquadra-se na previsão genérica do inciso IX do artigo 129, que cuidou de resguardar a possibilidade de atuação em todas as outras situações relacionadas com sua finalidade institucional, cujo elenco pode ampliar-se segundo novas atribuições que lhe forem conferidas.
19. Com base nesse quadro constitucional, há que se reconhecer como legítima a forma de atuação do Ministério Público neste processo, como ocorre na disciplina da Lei 8560/92, pois compatível com suas atribuições finalísticas, em especial na defesa de interesse social e individual indisponível, assim caracterizado expressamente em lei e em perfeita harmonia com os comandos constitucionais dos artigos 1º, 5º, 6º, 226 e 227. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se nesse mesmo sentido (RESP-78621-MG, Eduardo Ribeiro, 3ª T., DJ 19/08/96; RESP-73805-MG, Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4ª T., DJ 12/05/97, v.g.).
20. Certo de que há direito indisponível consagrado pela vigente ordem constitucional a proteger a criança, incogitável qualquer inconstitucionalidade do § 4º do artigo 2º da Lei 8560, de 29 de dezembro de 1992. Embora essa questão não tenha sido objeto de prequestionamento, sua análise de ofício é essencial à solução da controvérsia. Como visto à exaustão, a previsão estampada no referido dispositivo legal revela-se em perfeita harmonia com os postulados constitucionais que regem a atuação do Ministério Público. A regra, ao facultar ao Parquet o ajuizamento da ação de investigação de paternidade, apenas supriu exigência de índole procedimental, assegurando efetividade aos princípios maiores antes examinados.
21. Oportuno esclarecer que a mencionada lei, além de outorgar legitimidade ao Parquet, em conformidade com suas atribuições constitucionais, tratou de estabelecer uma seqüência de procedimentos a serem seguidos de ofício pelos juízes e oficiais de registros públicos, visando ao reconhecimento voluntário da paternidade ou, em caso de recusa, ao oferecimento ao Ministério Público de elementos suficientes para a ação de investigação de paternidade contra o suposto pai. Tal sucessão de atos impôs ao Estado e seus representantes iniciar o processo de tentativa de reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento, em face de seu interesse público, o que, por óbvio, não afasta a possibilidade de que os dados de fato necessários à ação judicial, eventualmente necessária, cheguem ao Ministério Público por outras vias, como por exemplo, pela iniciativa da própria mãe, como se deu no caso concreto.
22. Em qualquer hipótese, impõe-se essencial a iniciativa materna de indicar o pretenso genitor, preservando-se, dessa forma, o caráter personalíssimo igualmente reconhecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ao direito à filiação. Assim, desde que provocado pela representante legal do menor interessado, in casu, a mãe, pode e deve o Ministério Público, havendo elementos suficientes, propor a ação de investigação de paternidade.
23. Nos presentes autos a mãe do menor procurou o representante da promotoria estadual e ofereceu-lhe dados que lhe pareceram consistentes para propor a investigação. Embora a seqüência dos fatos que antecederam a ação não coincidam com a estabelecida na referida lei, a legitimidade do Parquet remanesce íntegra, até porque não advém desses procedimentos meramente formais, mas sim da sua função constitucional de defensor dos direitos individuais indisponíveis.
24. Conveniente registrar que não se está a reconhecer uma legitimação ampla e absoluta ao Ministério Público, que não pode ao seu alvedrio e por atuação ex-officio promover uma verdadeira devassa social em busca dos pais de filhos havidos fora do casamento e não reconhecidos voluntariamente. Trata-se, em verdade, de assegurar sua atuação em situação específica, prevista e autorizada pela legislação ordinária, estando essa, por sua vez, em harmonia com os princípios ditados pela Carta da República. O direito à filiação é personalíssimo e indisponível e, nesse contexto, indicado o suposto pai pela mãe, poderá o Parquet propor, de forma legítima, a ação de investigação de paternidade. Estará, dessa forma, defendendo direito individual indisponível, de manifesto interesse social e coletivo.
25. Por outro lado, tenho como de exagerado rigor e flagrante improcedência o argumento do recorrido de que a norma ordinária fere o princípio constitucional assegurado no inciso X do artigo 5º relativamente à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
26. Tal preceito, como se sabe, deve ser entendido com temperamentos, sobretudo quando se trata de situação que põe em jogo a vida de menor, que merece da ação estatal o amparo indispensável. Essas questões adstritas à imagem das pessoas não ficam comprometidas, tanto mais que a própria lei criou mecanismos de salvaguarda para que sejam elas protegidas (Lei 8560/92, artigos 5º e 6º). O direito à intimidade não pode consagrar a irresponsabilidade paterna, de forma a inviabilizar a imposição ao pai biológico dos deveres resultantes de uma conduta volitiva e passível de gerar vínculos familiares. De qualquer sorte essa garantia encontra limite no direito da criança e do Estado em ver reconhecida, se for o caso, a paternidade.
27. Não prospera, igualmente, a alegação de que o Ministério Público estaria atuando em descompasso com a vedação prevista na letra "b", do inciso II, do § 5º, do artigo 128 da Carta Federal, de modo a transformar-se em segmento concorrente da advocacia. O princípio da necessária intervenção do advogado não é absoluto (CF, artigo 133), dado que a Carta Federal faculta a possibilidade excepcional de a lei outorgar o jus postulandi a outras pessoas, como ocorre no habeas-corpus, na revisão criminal, nas demandas postuladas perante a Justiça Trabalhista e Juizados Especiais Cíveis e Criminais (HC 74.528, de que fui relator, DJ 13/12/96).
28. Além disso, a legitimação extraordinária do Ministério Público não é vedada pela Constituição, que no artigo 129 enumera as hipóteses da presença do Parquet como substituto processual, sendo que a lei (CPC, artigo 81) permite-lhe, existindo autorização legislativa, o exercício dessa atribuição, sendo vedada apenas a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
29. De todo modo, no caso em apreço, a própria 82ª Sub-Secção da Ordem dos Advogados do Estado de São Paulo recusou o patrocínio da defesa dos pobres na região de Matão, SP, "face à aviltante e bisonha tabela de honorários, bem como da demora entre a fixação dos honorários e os efetivos pagamentos" (fl. 10).
30. Registro que o fato de o Ministério Público haver ajuizado a ação como assistente do menor e de sua mãe não revela óbice ao seu prosseguimento. Como visto, têm os três legitimidade ativa, e basta a atuação legítima do Parquet (CPC, artigos 6º e 81) para a garantia da regularidade processual, revelando mero vício formal o nomen juris dado à condição do Ministério Público no processo. Ademais, a inicial registra expressamente que a ação foi proposta nos termos do artigo 2º, § 4º, da Lei 8560/92, de forma que caracterizada a substituição processual extraordinária permitida pela Constituição e pela lei.
31. Oportuno aqui o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior, de que "no exercício de suas múltiplas tarefas que lhe confere a ordem jurídica, o Ministério Público ora age como parte(art. 81) ora como fiscal da lei (art. 82). No processo civil, mesmo quando se comete ao Ministério Público a tutela de interesses particulares de outras pessoas, como os interditos, a fazenda pública, a vítima pobre do delito, etc., a sua função processual nunca é a de um representante da parte material. Sua posição jurídica é de substituto processual (art. 6º), em razão da própria natureza e fins da instituição do Ministério Público ou em decorrência da vontade da lei. Age, assim, em nome próprio, embora defendendo interesse alheio".
32. Relevante consignar, ainda, a circunstância de que se cuida de menor cuja mãe não tem condições econômicas para o seu sustento e educação. O fundamento lançado no acórdão de que a defesa dos pobres deve ser exercida exclusivamente pelas Defensorias Públicas, conquanto haja se esquecido da capacidade postulatória do Parquet, inspira maiores reflexões, porquanto, malgrado hoje tenha status constitucional (CF, artigo 134), essa extraordinária instituição - Defensoria Pública - não tem sido compreendida pelas autoridades encarregadas de sua implementação. Por esse motivo a consecução de seus objetivos acha-se em muito desestimulada e em grande parte inviabilizada pela inércia oficial.
33. Daí também não ter passado despercebido ao saudoso Senador Nelson Carneiro, inspirador do projeto que se converteu na Lei 8056/92, aprovada pelo Congresso Nacional, a atribuição ao Ministério Público da legitimidade para a propositura de ação como a que ora se examina, em especial diante das dificuldades enfrentadas pelos carentes do acesso jurisdicional, sobretudo nas áreas perdidas do interior do País, ainda inatingíveis pela precária assistência das Defensorias Públicas, mas de certo modo alcançáveis pela ação dos promotores de justiça.
34. Em um Estado de incomensuráveis deficiências na área social, como o nosso, querer que a defesa dos pobres faça-se exclusivamente pelos defensores públicos é "tapar o sol com a peneira" e não estimar a realidade do drama de quem tem de recorrer ao Judiciário neste imenso País, quando não se tem condições de contratar pessoalmente advogado, pelo que absolutamente razoáveis atribuições excepcionais conferidas ao Ministério Público.
35. Ao menos nos locais onde não haja defensoria pública efetiva, é fundamental que se reconheça a legitimidade extraordinária do Parquet, como, aliás, já o fez o Tribunal em relação à ação de ressarcimento de dano resultante de crime, prevista no artigo 68 do Código de Processo Penal (RREE 135328-7, Marco Aurélio, Pleno, DJ 20/04/01 e 147776, Pertence, DJ de 19/06/98).
36. Em conclusão, evidencia-se, mais do que nítidos, que os interesses defendidos neste processo embora sejam individuais detêm conteúdo indisponível, reconhecido expressamente em lei, o que caracteriza, por outra via, o interesse público sujeito à tutela estatal. A sua natureza personalíssima está resguardada pela iniciativa materna, razão pela qual o Ministério Público, neste caso concreto, encontra-se investido de capacidade postulatória para a ação civil de investigação de paternidade.
37. Cuida-se aqui de defender, em nome da sociedade, direitos de menor, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda o abrigo estatal. Não se pode olvidar a necessidade de oferecer às crianças a possibilidade de, independentemente da condição econômica que ostentem, valerem-se do direito constitucional e legal que têm à filiação. A propósito, muitos desses menores, sem condições de arcar com quaisquer despesas judiciais e de honorários, buscam, de forma subjacente, meios de subsistência perante o responsável. O direito em debate está ligado à família, à proteção, dignidade e respeito à criança, bens amparados, como se sabe, pela Constituição, como dever do Estado e obrigação de toda a sociedade (CF, artigos 6º e 227), o que não apenas autoriza como recomenda a atuação do Ministério Público.
Ante essas circunstâncias, conheço do recurso extraordinário e dou-lhe provimento, para determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que dê prosseguimento ao feito, julgando-o como entender de direito.

* acórdão pendente de publicação


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