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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Informativo STF 187 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 1º a 5 de maio de 2000- Nº187.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



ADIn: Conhecimento
ADIn por Omissão e Prejudicialidade
Agravo Regimental e Sustentação Oral
Contribuição Previdenciária - I
Contribuição Previdenciária - II
CPI e Fundamentação de suas Decisões
Criação de Taxa: Desconto em Folha
Desmembramento de Processo: Competência
Estabilidade e Concurso de Remoção
Hipótese não Explícita de Conflito
Impossibilidade de Desclassificação de Crime
Interesse de Agir da União: Competência
Reforma Agrária e Força Maior
Resíduo de 3,17%: Ofensa Reflexa
Trafico Internacional e Justiça Militar
TCU: Critério de Escolha de Ministro
Ação Penal Originária e Duplo Grau (Transcrições)
PLENÁRIO


Hipótese não Explícita de Conflito

A circunstância de o Superior Tribunal Militar ter denegado habeas corpus contra decisão de Auditoria Militar é suficiente para dar ao STM a condição de parte em conflito de competência positivo suscitado entre a Auditoria Militar e a Justiça Federal de primeira instância, porquanto tal pronunciamento implicitamente reconhece a competência da Justiça Militar para o julgamento da ação penal. Com esse entendimento, o Tribunal conheceu de conflito de competência - inicialmente suscitado entre juízes de primeira instância - à consideração de ser parte neste o Superior Tribunal Militar por fato superveniente, aplicando a jurisprudência no sentido de que cabe ao STF processar e julgar os conflitos de competência entre os Tribunais Superiores da União e os juízes de primeira instância a eles não vinculados (inteligência do art. 102, I, o, da CF).
CC 7.087-PE, rel. Min. Marco Aurélio, 3.5.2000. (CC-7087)

Trafico Internacional e Justiça Militar

Julgando o mérito do conflito de competência acima mencionado, o Tribunal reconheceu a competência da Justiça Federal para julgar ação penal versando sobre tráfico internacional de substância entorpecente, com uso de avião da Força Aérea Brasileira e em local sujeito à administração militar, tendo em vista que o art. 109, V, da CF - que fixa a competência da Justiça Federal para os crimes previstos em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente -, não fez qualquer ressalva quanto à competência da Justiça Militar (o crime de tráfico internacional está previsto na Convenção Única de Nova York, de 1961).
CC 7.087-PE, rel. Min. Marco Aurélio, 3.5.2000. (CC-7087)

TCU: Critério de Escolha de Ministro

Deferida medida liminar em ação direta ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB para suspender a eficácia do inciso III do art. 105 da Lei 8.443/92, assim como do inciso III do art. 280 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, que estabelecem para o processo de escolha de ministro do Tribunal de Contas da União, a partir da décima vaga, o reinício do critério de transição utilizado em caso de vaga ocorrida após a promulgação da Constituição de 1988, previsto nos incisos I e II da mencionada Lei 8.443/92 ("I - na primeira, quarta e sétima vagas, a escolha caberá ao Presidente da República, devendo recair as duas últimas, respectivamente, em auditor e membro do Ministério Público junto ao Tribunal; II - na segunda, terceira, quinta, sexta, oitava e nona vagas, a escolha será da competência do Congresso nacional;"). À primeira vista, o Tribunal considerou relevante a argüição de inconstitucionalidade sustentada pelo autor da ação, uma vez que os dispositivos impugnados mantêm normas transitórias sem atentar para a origem do ministro que vier a deixar o cargo, o que eventualmente ocasionaria a quebra da composição estabelecida pela CF/88, de 3 ministros escolhidos pelo Presidente da República e de 6 escolhidos pelo Congresso Nacional (CF, art. 73, § 2º).
ADInMC 2.117-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 3.5.2000. (ADI-2117)

Criação de Taxa: Desconto em Folha

Julgada medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil- PC do B contra dispositivos do Decreto 20.694/99, do Governador do Estado do Amazonas, que vedam a intermediação de associações, sindicatos, corretoras, clubes e outros, para descontos em folha de pagamento de servidores a título de seguros, planos de saúde, previdência privada ou financiamento da casa própria. O Tribunal, por maioria, não conheceu da ação relativamente ao art. 2º, § 2º, incisos I, III e IV do Decreto impugnado, tendo em vista que o requerente na petição inicial não desenvolveu qualquer fundamentação quanto à alegada inconstitucionalidade, como também ao final da petição não pediu a declaração de inconstitucionalidade desses dispositivos, vencido o Min. Marco Aurélio que conhecia da ação, por entender que a inicial apresentava-se satisfatória para o exame do alegada inconstitucionalidade. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu, em parte, a liminar para suspender, até decisão final, a eficácia do art. 10 e seus §§ 1º e 2º, do Decreto 20.694/99 - que fixa o valor da contribuição para cobertura dos custos de processamento de dados de consignações facultativas em R$ 1,00 por linha impressa no contra-cheque de cada servidor -, por aparente ofensa ao princípio da legalidade, dado que a contribuição ali instituída possui natureza de taxa, sendo vedada a sua criação por decreto (CF, art. 145, II e 150, I). Vencidos os Ministros Marco Aurélio, relator, Nelson Jobim, Sepúlveda Pertence, Octavio Gallotti e Néri da Silveira, que indeferiam o pedido de liminar, por não vislumbrarem, à primeira vista, relevância na tese de inconstitucionalidade sustentada pelo requerente.
ADInMC 2.134-AM, rel. Min. Marco Aurélio, 4.5.2000. (ADI-2134)

Agravo Regimental e Sustentação Oral

Iniciado o julgamento de questão de ordem em que se discute a possibilidade de sustentação oral, com prévia publicação em pauta, no julgamento de agravo regimental interposto contra decisão do relator que dá provimento a recurso extraordinário com base no art. 557, § 1º-A do CPC, redação dada pela Lei 9.756/98 ("Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso".). Após o voto do Min. Maurício Corrêa, relator, entendendo incabível a sustentação oral em tais hipóteses, uma vez que impediria que se desse celeridade à prestação jurisdicional, objetivo pretendido com a alteração introduzida pela Lei 9.756/98, e do voto do Min. Sepúlveda Pertence, no sentido do cabimento da sustentação oral, pediu vista o Min. Nelson Jobim.
RE (AgRg) (QO) 227.089-MG, rel. Maurício Corrêa, 4.5.2000. (RE-227089)

ADIn por Omissão e Prejudicialidade

Julgada prejudicada ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT e pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT, em que se pretendia declarar a inconstitucionalidade por omissão parcial da MP 1933-10/2000, que dispõe sobre o reajuste do salário mínimo a vigorar a partir de 1º de maio de 1999, tendo em vista a falta de aditamento da inicial quanto às reedições posteriores da medida provisória inicialmente impugnada.
ADIn (QO) 2.162-DF, rel. Min. Moreira Alves, 4.5.2000. (ADI-2162)

ADIn: Conhecimento

Por ausência de conflito direto com a CF, tendo em vista o necessário exame do conteúdo da LC 25/75, o Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Estado de Alagoas, contra a Lei Estadual 6.004/98, que concede crédito presumido e isenção de ICMS, além de autorizar a transferência de saldo credor do ICMS. Vencido o Min. Marco Aurélio, que conhecia da ação. Precedente citado: ADIn 1.428-SC (DJU de 10.5.96).
ADIn 2.122-AL, rel. Min. Ilmar Galvão, 4.5.2000. (ADI-2122)

Contribuição Previdenciária - I

A CF/88, na redação dada pela EC 20/98, não autoriza a cobrança de contribuição previdenciária sobre servidores aposentados e pensionistas. Com esse entendimento, o Tribunal deferiu medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República, contra a Lei 12.398/98, do Estado do Paraná, que estabelece que o Fundo de Natureza Previdenciária e o Fundo de Serviços Médico-Hospitalares do Estado do Paraná serão constituídos pelas contribuições mensais dos seus servidores ativos, inativos e pensionistas, para suspender, até decisão final, as expressões "inativos" e "da reserva remunerada e reformados e dos respectivos pensionistas", contida no art. 28, I, da Lei 12.398/98, e "e pensionista", contida no art. 78, bem como no § 1º, "b" e "c" da mencionada Lei. Precedentes citados: ADInMC 2.010-DF (julgada em 30.9.99, v. Informativo 164) e ADInMC 2.087-AM (julgada em 3.11.99, v. Informativo 169).
ADInMC 2.189-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.5.2000. (ADI-2189)

Contribuição Previdenciária - II

Com base no entendimento acima mencionado, deferiu-se também medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra a Lei 3.310/99, do Estado do Rio de Janeiro, em seus arts. 10 e 11, que determina o pagamento de contribuição previdenciária sobre proventos e pensões dos servidores do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, para suspender, até decisão final, as expressões "e inativos" e "e/ou proventos", contida no art. 10 e, na sua integralidade, o art. 11, ambos da Lei 3.310/99. ADInMC 2.197-RJ, rel. Min. Maurício Corrêa, 4.5.2000.
ADInMC 2.189-PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.5.2000. (ADI-2189)

CPI e Fundamentação de suas Decisões

Por ausência de fundamentação, o Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da CPI do narcotráfico, que determinara a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico do impetrante. Considerou-se que a CPI, ao exercer a competência investigatória prevista no art. 58, § 3º, da CF, está sujeita às mesmas limitações constitucionais que incidem sobres às autoridades judiciárias, devendo, dessa forma, fundamentar as suas decisões (CF, art. 93, IX).
MS 23.619-DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 4.5.2000. (MS-23619)

Reforma Agrária e Força Maior

Configura motivo de força maior e não perde a qualificação de propriedade produtiva o imóvel que, em razão de sucessivas invasões pelos membros do Movimento dos Sem-Terra, não comprova, no respectivo ano, a sua devida utilização (Lei 8.629/93, art. 6º, § 7º). Com esse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Presidente da República que declarara de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel do impetrante, com base em vistoria realizada pelo INCRA sete meses depois da última reintegração de posse.
MS 22.946-SP, rel. Min. Néri da Silveira, 4.5.2000. (MS-22946)

Desmembramento de Processo: Competência

Julgada procedente reclamação contra decisão de Juiz Federal da Seção Judiciária do Paraná que, em razão da prerrogativa de foro de um dos réus (Deputado Federal), deu-se por incompetente para julgar o processo em relação a este réu, e, na mesma decisão, declarou-se competente para julgar os demais co-réus, determinando o desmembramento do processo, com fundamento em precedente do STF [Inq (QO) 1.107, RTJ 165/170], onde fora permitida a separação dos processos, em face da existência de motivo relevante (CPP, art. 80). O Tribunal entendeu caracterizada a usurpação da competência do STF uma vez que, em virtude da existência da continência, competia à autoridade requerida determinar a remessa dos autos para esta Corte que, caso entendesse aplicável o decidido no precedente invocado, determinaria o desmembramento do processo.
RCL 1.121-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 4.5.2000. (RCL-1121)

PRIMEIRA TURMA


Estabilidade e Concurso de Remoção

O art. 19 do Decreto 24.639/86 do Estado de São Paulo, que exclui dos concursos de remoção as aulas que compõem a jornada parcial de trabalho dos professores estáveis pela Emenda 1/69, foi recebido pela CF/88 em face do art. 19 do ADCT ("Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37 da Constituição, são considerados estáveis no serviço público."). Com esse entendimento, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que assegurara a professores estáveis pela CF/88 a exclusão das aulas que ministram de concurso de remoção.
RE 158.396-SP, rel. Min. Moreira Alves, 2.5.2000. (RE-158396)

Interesse de Agir da União: Competência

A manifestação de interesse de uma empresa pública federal numa causa ajuizada perante a Justiça Comum provoca o deslocamento do processo para a Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF ("Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,..."). Com base nesse fundamento, a Turma manteve decisão do Min. Ilmar Galvão, relator, que conheceu de recurso extraordinário e a ele deu provimento para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que entendera indevida a intervenção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES em lide relativa à privatização da Companhia Petroquímica do Sul - COPESUL. Precedentes citados: RE 176.881-RS (DJU de 6.3.98); RE 183.188-MS (DJU de 14.2.97); RE 170.286-SP (DJU de 27.3.98) RE 116.434-SP (DJU de 24.11.95).
AG (AgRg) 161.864-RS, rel. Min. Ilmar Galvão, 2.5.2000. (AG-161864)

Resíduo de 3,17%: Ofensa Reflexa

A controvérsia relativa ao resíduo de 3,17% na conversão do salário dos servidores em URV tem natureza infraconstitucional, implicando, assim, a violação indireta ou reflexa à CF, que não dá margem a recurso extraordinário. Com esse entendimento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário interposto pela União Federal contra acórdão do TRF da 5ª Região que entendera devido o reajuste de 3,17% a título de diferença salarial com base no art. 28 da Lei 8.880/94.
RE 241.408-AL, rel. Min. Ilmar Galvão, 2.5.2000. (RE-241408)


SEGUNDA TURMA


Impossibilidade de Desclassificação de Crime

Concluído o julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ em que se pretendia a anulação do despacho que recebera a denúncia oferecida contra os pacientes, por suposto erro na tipificação do fato delituoso, o qual acarretara a impossibilidade de aplicação, ao caso, do benefício da suspensão condicional do processo prevista no art. 89, da Lei 8.099/95 - v. Informativo 184. A Turma, por maioria, indeferiu o writ, ao entendimento de que a apuração do suposto erro, na espécie, exigiria o exame de matéria probatória, incabível em sede de habeas corpus. Considerou-se, ainda, a jurisprudência do STF no sentido de que a capitulação errônea da denúncia não representa constrangimento remediável em habeas corpus, já que o réu se defende dos fatos nela contidos, cabendo ao juiz, na eventualidade de erro, apenas no momento da prolação da sentença, dar nova definição jurídica aos fatos (CPP, arts. 383 e 408, §4º). Vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia o habeas corpus para desclassificar o delito e determinar a aplicação do art. 89, da Lei 9.099/95. Precedente citado: RHC 63.619-SP (DJU de 14.3.86).
HC 79.856-RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 2.5.2000. (HC-79856)

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

3.5.2000

4.5.2000

25

1a. Turma

2.5.2000

-------

74

2a. Turma

2.5.2000

-------

45



C L I P P I N G D O D J

5 de maio de 2000

CC N. 7.028-5
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA: Conflito de Competência. Compete ao STF julgar conflito de competência entre Tribunal Superior do Trabalho e Juiz Federal. 2. Reclamação trabalhista movida por servidores públicos federais, ora regidos pelo sistema estatutário disciplinado pela Lei nº 8.112/1990, vindicando vantagens salariais referentes a período anterior à Lei nº 8112, de 1990, quando estavam sujeitos à CLT. 3. Hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho, mesmo se o aforamento da demanda ocorre já na vigência da Lei nº 8112/1990. 4. Constituição, art. 114. RE 182.040-3/210. Precedentes do STF. 5. Conflito conhecido, declarando-se a competência da Justiça do Trabalho.

MS N. 23.323-1
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA:- Mandado de segurança. Ato do Presidente da República. Decreto de desapropriação que declara de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural. 2. Sustentação de ilegalidade do decreto presidencial por inobservância de dispositivo legal que estabelece a impossibilidade da vistoria em imóvel invadido. Alegação de violação ao princípio da ampla defesa. 3. Prestadas as informações. Demonstrado o periculum in mora. Medida liminar deferida, para suspender, até o julgamento final, a eficácia do Decreto de Desapropriação. 4. Parecer da Procuradoria-Geral da República, pela concessão da segurança. 5. Mandado de segurança deferido para anular o Decreto de 23.9.1998, que declarou de interesse social, aos fins de desapropriação para Reforma Agrária, o imóvel rural nele descrito.
* noticiado no Informativo 175

PET (QO) N. 1.928-8
RELATOR: MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: Relevante discussão suscitada pela inovação trazida, no campo das execuções movidas contra a Fazenda, pela promulgação da Emenda nº 20-98, ao acrescentar § 3º ao art. 100 da Constituição.
Pedido cautelar deferido, para atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário (art. 21, IV, do Regimento Interno).
* noticiado no Informativo 182

PPE (AgRg) N. 375-7
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA: - 1. Prisão preventiva para fins de extradição. Agravo Regimental. Cabimento, tendo em conta ser, também, o Plenário competente para processar e julgar petição de "habeas corpus", eventualmente oponível contra despacho de relator que decreta prisão preventiva para fins de extradição. 2. Nota Verbal que noticia o envolvimento do agravante em crime que, em princípio, autoriza o processamento da extradição, pela verificação de correspondência de tipo penal com o sistema brasileiro. 3. Pedido que encontra apoio nos artigos 4º e 5º do Tratado de Extradição entre Brasil e México. 4. Desnecessidade de prévia discussão em relação aos aspectos de mérito da própria extradição, o que ocorrerá com a apresentação da documentação necessária ao pleito extradicional e após o devido processo legal.
* noticiado no Informativo 179

RE (AgRg) N. 245.214-9
RED. P/ O ACÓRDÃO: MIN. CELSO DE MELLO
E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL - DOMÍNIOS TEMÁTICOS PRÓPRIOS - ACÓRDÃO DE TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL QUE POSSUI DUPLO FUNDAMENTO - INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE AMBOS OS RECURSOS EXCEPCIONAIS - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - FATO QUE NÃO PREJUDICA O CONHECIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RECURSO DE AGRAVO PROVIDO.
- O recurso extraordinário e o recurso especial são institutos de direito processual constitucional. Trata-se de modalidades excepcionais de impugnação recursal, com domínios temáticos próprios que lhes foram constitucionalmente reservados.
Assentando-se, o acórdão do Tribunal inferior, em duplo fundamento, impõe-se à parte interessada o dever de interpor tanto o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (para exame da controvérsia de caráter meramente legal) quanto o recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal (para apreciação do litígio de índole essencialmente constitucional), sob pena de, em não se deduzindo qualquer desses recursos, o recorrente sofrer as conseqüências indicadas na Súmula 283/STF, motivadas pela existência de fundamento inatacado, apto a dar, à decisão recorrida, condições suficientes para subsistir autonomamente.
A circunstância de o Superior Tribunal de Justiça haver examinado o mérito da causa, negando provimento ao recurso especial - e, assim, resolvendo a controvérsia de mera legalidade instaurada nessa via excepcional - não prejudica o conhecimento do recurso extraordinário, que, visando à solução de litígio de índole essencialmente constitucional, foi interposto, simultaneamente, pela mesma parte recorrente, contra o acórdão por ela também impugnado em sede recursal especial.

Acórdãos publicados: 225


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
_______________________________________

Ação Penal Originária e Duplo Grau

RHC N. 79.785-RJ* (v. Informativo 183)

RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE

Relatório: A recorrente foi condenada em processo da competência originária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por figurar um Juiz de Direito como co-réu.
Do acórdão interpôs recurso inominado, "com força de apelação" para o Superior Tribunal de Justiça invocando a Constituição e a Convenção Americana de Direitos Humanos.
No Tribunal de origem, o órgão especial indeferiu liminarmente o apelo.
Donde o habeas corpus requerido por seu il. Defensor, advogado Luiz Carlos de Andrade, ao Superior Tribunal de Justiça, visando à subida do recurso inominado.
Da fundamentação do pedido se colhe:

"Basta uma interpretação isenta e profunda da Constituição Federal para se perceber o direito da paciente. Se a carta magna não inclui o reexame de mérito nas ações originárias, também não proíbe.
Não se pode esquecer que o duplo grau de jurisdição está incluído no capítulo referente às garantias individuais e coletivas sendo pressuposto do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, (art. 5º, LV); impossível falar em garantias processuais mínimas sem duplo grau de jurisdição. [ ...]

E depois de recordar que mesmo acusados da prática dos crimes hediondos têm direito ao reexame de mérito dos seus processos, conclui a argumentação:

"Agora, o que não se entende e não se pode aceitar é que uma pessoa que estudou, lutou, formou-se, não tem personalidade criminosa e não cometeu nenhum tipo de crime descrito acima, não possa ter os mesmos direitos que os autores de crimes repugnantes. Fere o bom senso. O fato de uma pessoa tornar-se promotor, procurador, magistrado e outros cargos com "foro privilegiado" não subtrai seus direitos de cidadão. Que "foro especial" é esse que massacra o indivíduo, tornando-o inferior processualmente aos demais cidadãos? A própria Constituição repugna qualquer forma de discriminação, seja por qualquer razão, (art. 3º, IV, C.F.).
A paciente é advogada, não tem foro especial, porém foi atraída a tê-lo em razão de um dos réus ser juiz de direito. Foi julgada como funcionária pública sem nunca ter sido. Por conta dessa "atração" desse "privilégio de foro" a paciente esta passando por essa dificuldade processual. Nunca teve os direitos de um agente público ou um magistrado, porém respondeu pelos deveres deste. Abre-se aqui uma oportunidade para este Superior Tribunal de Justiça corrigir este grave disparate, à que a atração se dera em franco prejuízo para sua pessoa."

No STJ, o em. Ministro Fernando Gonçalves, relator, indeferiu liminarmente o habeas corpus.
Dessa decisão houve agravo regimental, improvido, assim ementado o acórdão:

"PROCESSUAL PENAL. CAUSA DECIDIDA NO ÂMBITO DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. VIOLAÇÃO A ESTE PRINCÍPIO. INOCORRÊNCIA. PRETENSÃO DE SUBMETER AO STJ RECURSO INOMINADO NÃO CONTEMPLADO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL AO DIREITO AMBULATORIAL DA PACIENTE.
1. A Constituição Federal consagrou os julgamentos em única instância, não havendo, por isso mesmo, se falar em violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, e muito menos malferimento a Tratado Internacional de Direitos Humanos.
2. Não se vislumbra, por outro lado, qualquer maltrato ao direito de ir e vir da paciente, dado que o julgamento em instância única não é excludente dos recursos próprios, uma vez observadas as prescrições legais a respeito. Não se cogita de "qualquer recurso", mas, sim, daquele previsto na Lei Fundamental, a abrir ensejo ao debate da matéria pela instância especial, característica básica do STJ, de uniformização da jurisprudência e não de simples revisor das decisões locais."

Daí, o recurso ordinário para o Supremo Tribunal, que insiste e desenvolve a argumentação expendida na impetração originária.
Opina pelo improvimento o il. Subprocurador-Geral da República Cláudio Fonteles, que ementou o parecer nestes termos:

"As ações penais originárias, aliás com expressa previsão constitucional, não ferem o duplo grau de jurisdição: razão de ser do chamado duplo grau de jurisdição - evitar a decisão única e final de índole monocrática - não comprometida com o julgamento originário, que é sempre colegiado."

É o relatório.

Voto: Entendo oportuna uma breve revisão da estatura e do alcance reconhecidos ao princípio do duplo grau de jurisdição, antes que, já sob a égide do art. 5º, § 2º, da Constituição, a promulgação do Pacto de São José da Costa Rica - a Convenção Americana de Direitos Humanos - desse novo colorido ao tema.
Só era consensual que, explicitamente, apenas a Carta Política do Império, no art. 158, erigira o "duplo grau" em princípio constitucional.
Não obstante o silêncio das sucessivas Constituições da República - que leva autores de tomo a negar status constitucional ao princípio (v.g. J. C. Barbosa Moreira, Comentários ao C.Pr.Civil, Forense, 8ª ed, V/238; Roy Friede, Do Duplo Grau de Jurisdição, tese, UFRJ, 1990, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Atlas, 7ª ed., 2000, n. 18.3, p. 97) - é numeroso e respeitável o rol dos que entendem ser a garantia do duplo grau de jurisdição uma derivação da própria organização constitucional do Poder Judiciário - seja em razão da previsão de tribunais competentes para o julgamento de recursos ordinários ou extraordinários (v.g., A. Mendonça Lima, Introdução aos Recursos Cíveis, ed. RT, 1976, p. 140 ss) -, seja de outras garantias constitucionais, quer a da ampla defesa, quer particularmente aquela do devido processo legal - mesmo antes de sua consagração explícita na Lei Fundamental (v.g., J. Frederico Marques, Introdução ao Dir.Proc.Civil, Forense, 1960, IV/265, § 1000; Calmon dos Passos, O devido processo e o duplo grau de jurisdição, Em. Forense 277/1, 1982; Ada Grinover, Os Princípios e o C.Pr.Civil, Bushatsky, 1973, p. 143; H. Theodoro Jr., Estudos de Dir. Proc. Civil, 1974, 2/76; J. Celso de Mello Filho, Constituição Federal Anotada, Saraiva, 1986, p. 437; Nelson Nery Jr., Recursos no Processo Civil, ed. RT, 1993, p. 260; Djanira Radamés de Sá, Duplo grau de Jurisdição - Conteúdo e Alcance Constitucional, Saraiva, 1999, p. 3, e passim).
A leitura das opiniões divergentes permite verificar, contudo, que freqüentemente o dissenso - em especial, da parte dos que insistiram na hierarquia constitucional do postulado - tem menos de base dogmática do que de vigoroso whishfull thinking, que parte da firme convicção na utilidade dos recursos como instrumentos de segurança, de controle e de isonomia.
Assim, a preocupação dominante com a idéia de controle por via dos recursos da atividade jurisdicional, verdadeiramente agravada pelo nosso sistema de unipessoalidade do juízo de primeiro grau, ganha ênfase marcante nos trabalhos citados de Frederico Marques e Calmon dos Passos, assim como em Cintra, Grinover e Dinamarco (Teoria Geral do Processo, 14ª ed., Malheiros, p. 74).
De sua vez, é o princípio isonômico que domina o primoroso voto vencido do Ministro Romildo Bueno de Souza, pela inconstitucionalidade do art. 4º da L. 6.825/80, que instituiu a alçada para a apelação na Justiça Federal (TFR, RO 5.803, Plen., 24.6.82, rel. Ministro Adhemar Raymundo, in, R. Friede, Do Duplo Grau, cit., p. 207, 222).
Não obstante as graves preocupações subjacentes à tese - não é fácil, no Brasil, alçar, de lege lata, o duplo grau a princípio e garantia constitucional, tantas são as previsões na própria Constituição de julgamentos de única instância, já na área cível, já, particularmente, na área penal.
A mim me parece que - para que tenha a eficácia instrumental, que lhe atribuem, na realização de eminentes valores - o "duplo grau" há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específicos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confiado a órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária.
Daí que - para sustentá-lo a qualquer custo e ajustá-lo às numerosas exceções constitucionais - autores de justa nomeada tivessem chegado a admitir no ponto tais concessões, que acabavam por esvaziar o princípio que insistiam em afirmar implicitamente acolhido e observado pela Constituição.
Exemplo dessa postura é o dos que se contentam, para entender respeitado o duplo grau, com a submissão dos acórdãos da competência originária dos Tribunais superiores à eventualidade do cabimento do recurso extraordinário - no entanto, de devolução circunscrita à questão constitucional envolvida -, ou das decisões originárias dos Tribunais de segunda instância ao mesmo recurso extraordinário e aos demais recursos de revisão in jure da questão federal ordinária, confiados aos diversos Tribunais Superiores: tudo isso para tentar reduzir a exceção ao princípio às hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal. É significativo observar que a notável Ada Grinover - que parece subscrever, com Cintra e Dinamarco (Teoria Geral, cit., p. 75), a opinião referida - em trabalho mais recente (Um Enfoque Constitucional da Teoria Geral dos Recursos, em Tabenchlak e Bustamante, Livro de Estudos Jurídicos, IEJ, Rio, 1994, p. 70, 73) assinala, a meu ver corretamente, que "o princípio do duplo grau esgota-se nos recursos cabíveis no âmbito do reexame de decisão, por uma única vez. Os recursos de terceiro grau das Justiças trabalhista e eleitoral, o recurso especial para o STJ e o extraordinário para o STF, não se enquadram na garantia do duplo grau, sendo outro seu fundamento").
Para outros estudiosos, de sua vez, não seria essencial à identificação do duplo grau de jurisdição que a competência para o recurso tocasse a um outro ou ao mesmo órgão do próprio Tribunal a quo - a exemplo dos embargos - quando a melhor doutrina, nessa hipótese, não divisa mais que o princípio menos exigente de duplo exame da causa.
Para finalizar, recorde-se ainda a posição dos juristas que - persistindo na dignidade constitucional do princípio - entretanto, aceitam que a lei ordinária possa ditar exceções ao duplo grau, o que não parece fácil de conciliar com a tese de que se cuidaria de regra compreendida no âmbito da garantia fundamental do due process of law.
Tudo isso me conduziu - sem negar-lhe a importância, mormente como instrumento de controle - à conclusão de que a Constituição - na linha de suas antecedentes republicanas - efetivamente não erigiu o duplo grau de jurisdição em garantia fundamental.
Certo, não desconheço ser ele quase universalmente um princípio geral do processo.
Daí, a previsão constitucional de Tribunais cuja função - básica nos de segundo grau (v.g, art. 108, II), e extraordinária, nos Superiores (arts. 105, II, e 121, § 4º, III a V) e até no Supremo (art. 102, II) - é a de constituir-se em órgão de recursos ordinários.
Entretanto, não só a Carta Política mesma subtraiu do âmbito material de incidência do princípio do duplo grau as numerosas hipóteses de competência originária dos Tribunais para julgar como instância ordinária única, mas também, em linha de princípio, não vedou à lei ordinária estabelecer as exceções que entender cabíveis, conforme a ponderação em cada caso, acerca do dilema permanente do processo entre a segurança e a presteza da jurisdição.
Essa convicção me levou duas vezes - esta é a terceira - a negar estatura constitucional ao duplo grau de jurisdição e até à regra menor do duplo exame: a primeira, no voto como relator da ADInMC 675, DJ 20.6.97 - vencido por outros motivos -, e a segunda, quando, com o respaldo da Primeira Turma, neguei força de garantia constitucional à embargabilidade das decisões das ações penais originárias, que não as do Supremo Tribunal (HC 71.124, 1ª T., 28.6.94, Pertence, DJ 23.9.94).
Com a reserva, que entendo cabível, do exame, em cada hipótese, da razoabilidade da exclusão legal do recurso ordinário - continuo persuadido desse entendimento, isto é, de que a Constituição, quando não o repila ela mesma, não garante às partes o duplo grau de jurisdição.
Esse o quadro, compreende-se o esforço do impetrante para convencer de que a situação se alterou substancial e imediatamente, quando, já vigente o art. 5º, § 2º, da Constituição, sobrevieram os arts. 25.1 e 2, b, e 8º, 2, h, do Pacto de São José da Costa Rica.
É o que resta examinar.
Têm este teor as duas cláusulas invocadas da Convenção Americana de Direitos Humanos:

"Artigo 8º
Garantias Judiciais
(...)
2) Toda pessoa acusada de delito (...). Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...)
h)direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.
(...)
Art. 25
Proteção judicial
1) Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
2) Os Estados-Partes comprometem-se: (...)
b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial;".

Esses dois parágrafos do art. 25, a meu ver, nada têm a ver com o problema: neles, o termo recurso - traindo a ambigüidade que o caracteriza em língua espanhola e contamina freqüentemente as traduções para o português - não parece ter o sentido restrito de impugnação a sentenças, mas de ação ou remédio judicial, ainda quando endereçado o juízo de primeira ou única instância (recorde-se, por exemplo, que, na Constituição da Espanha (art. 161, 1, a), assim como na Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (art. 31 ss), o instituto assimilável à nossa ação direta de inconstitucionalidade se denomina "recurso de inconstitucionalidad".
Mas não importa: no art. 8º, 2, h, da Convenção, tem-se iniludível consagração, como garantia, ao menos na esfera processual penal, do duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de "toda pessoa acusada de delito", durante o processo, "de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior'.

II

Põe-se aqui, não resta dúvida, uma antinomia entre o Pacto - promulgado no Brasil em 1992 - e a Constituição.
O problema - como frisado de início - ganhou cores mais fortes a partir da Constituição de 1988, que deu realce específico, na sua Declaração de Direitos, às convenções internacionais a eles relativas, e prescreveu:

"Art. 5º. (...)
§ 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

A partir daí, a questão é saber, da perspectiva do juiz nacional, se as convenções de que decorrem direitos e garantias fundamentais do indivíduo, aplicáveis independentemente da intermediação normativa dos Estados pactuantes, têm hierarquia constitucional e conseqüente força ab-rogatória da Constituição, de modo, por exemplo, a nela inserir o princípio questionado do duplo grau de jurisdição.
O tema foi encarado pelo Tribunal duas vezes, pelo menos: a primeira, no HC 72.131, 23.11.95, Moreira Alves - relativa à compatibilidade da prisão civil do depositário infiel ou equiparado com o art. 5º, LXVII, CF, e com o Pacto de São José - e na ADinMC 1.480, 25.9.96, Celso de Mello - acerca da constitucionalidade da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.
Ambos os acórdãos lamentavelmente ainda aguardam publicação.
Mas, no primeiro, fiquei vencido, dada a inteligência restritiva que empresto à permissão constitucional da prisão do depositário infiel, independentemente da superveniência da Convenção Americana; e, no segundo, a nitidez das posições ficou um tanto comprometida com a circunstância de a Convenção possuir caráter programático - como a mim e a outros juízes pareceu - ou, pelo menos, admitir interpretação conforme, que exclua qualquer pretensão de eficácia plena e imediata (Inf. STF, n. 82) como entendeu a maioria (ver ementa do voto condutor do Ministro Celso de Mello, transcrito no Inf. STF 135).
Peço, assim, a paciência dos eminentes colegas para avançar algumas considerações sobre a controvérsia, de indiscutível relevância.
De logo, participo do entendimento unânime do Tribunal que recusa a prevalência sobre a Constituição de qualquer convenção internacional (cf. decisão preliminar sobre o cabimento da ADIn 1.480, cit., Inf. STF 48).
A visão dominante na doutrina nacional contemporânea não parece diversa.
Das leituras e releituras a que o caso me induziu, ficou-me a impressão de que nela, dos trabalhos acessíveis, só o il. Prof. Celso de Albuquerque Mello (O § 2º do art. 5º da Constituição Federal, em Ricardo Lobo Torres, Teoria dos Direitos Fundamentais, Renovar, 1999, 1, 25), não apenas empresta hierarquia constitucional aos tratados, mas vai além, ao ponto de afirmar-se "ainda mais radical no sentido de que a norma internacional prevalece sobre a norma constitucional, mesmo naquele caso em que uma constituição posterior tente revogar uma norma internacional constitucionalizada", postura - acresce - "que tem a grande vantagem de evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a julgar a constitucionalidade dos tratados internacionais".
A observação final é confirmação eloqüente da lição de Hans Kelsen (Teoria Geral do Direito e do Estado, trad. M. Fontes/UnB, 1990, p. 375): o grande pensador - antepondo também aqui o seu compromisso com o rigor científico à sua postura ideológica claramente internacionalista - demonstrou com clareza que entre as teorias monistas da primazia do Direito Internacional ou da primazia do Direito Nacional, a opção em abstrato não é jurídica, mas ideológica - na qual "somos guiados por preferências éticas ou políticas".
De qualquer sorte, não ouso lançar-me ao mare magnun das controvérsias que a matéria suscita entre os teóricos, relevante quando se cuida de decidir acerca da difusa responsabilidade internacional do Estado.
Se a questão, no entanto - no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional - é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional - que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional - não compreendo possa ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais. O que é bastante a firmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no conflito: é que, mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional.
"Recorde-se, de início" - assinalou Rezek, Direito Internacional Público, Saraiva, 1989, p. 103, com invejável precisão - "que o primado do direito das gentes sobre o direito nacional do Estado soberano é, ainda hoje, uma proposição doutrinária. Não há, em direito internacional positivo, norma assecuratória de tal primado. Descentralizada, a sociedade internacional contemporânea vê cada um de seus integrantes ditar, no que lhe concerne, as regras de composição entre o direito internacional e o de produção doméstica. Resulta que, para o Estado soberano, a constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma jurídica convencional. Dificilmente uma dessas leis fundamentais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado. Assim, posto o primado da Constituição em confronto com a norma pacta sunt servanda, é corrente que se preserve a autoridade da lei fundamental do Estado, ainda que isto signifique a prática de um ilícito pelo qual, no plano externo, deva aquele responder".
Talvez convenha frisar que o ensinamento não pode ser imputado sem mais - como talvez estimasse o ilustrado professor anteriormente recordado - à circunstância de partir de um Ministro do Supremo Tribunal Federal e do reacionarismo congênito que a todos eles atribui.
É eloqüente notar que também para o autorizado e insuspeito Cançado Trindade (Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção de direitos humanos nos planos internacional e nacional em Arquivos de Direitos Humanos, 2000, 1/3, 43) - que não é juiz do STF, mas Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos - "a posição hierárquica dos tratados no ordenamento jurídico interno obedece ao critério do direito constitucional de cada país...".
E não parece que realisticamente possa negá-lo quem, como juiz, deva aplicar o tratado na órbita da jurisdição indígena.
"A nós parece muito claro" - extraio do trabalho de um mestrando de qualificada Universidade (Maurício Andreiuolo Rodrigues, Os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos e a Constituição, em Torres, Teoria dos Direitos Fundamentais, cit., p. 162) - "que, ao menos no Brasil, o tratado internacional não pode ultrapassar os limites impostos pela Constituição da República. E a razão para tanto, está na natureza estável do texto constitucional. A leitura dos artigos 59 e seguintes deixa ver que se trata de uma Constituição rígida. E como tal, os seus preceitos revestem-se de situação hierárquica mais elevada. Porque se trata de conflito de normas de diferentes hierarquias - uma, constitucional e a outra, de natureza internacional, logo, infraconstitucional - não tem valor a regra do monismo moderado, ordinariamente utilizada, e de acordo com a qual lex posterior derogat lex priori".
"Seja como for" - conclui - "o tratado internacional derivará, sempre - e em qualquer ocasião - de um fundamento constitucional. Sendo norma derivada da Constituição, em nenhuma hipótese, vale sempre repetir, poderá transcender ao que foi posto originariamente pelo legislador constitucional".
Ora, a partir da Constituição positiva do Brasil - e não daquilo que a cada um aprouvesse que ela fosse - fica acima de minha inteligência compreender que, sobre ela, se afirmasse o primado incondicional das convenções internacionais, de tal modo que, se anteriores, permanecessem elas incólumes ao advento da norma constitucional adversa e, posteriores, pudessem ab-rogá-la.
Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b).
Certo, com o alinhar-me ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não assumo compromisso de logo - como creio ter deixado expresso no voto proferido na ADInMc 1.480 - com o entendimento, então majoritário - que, também em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fundamentais - preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis.
Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande freqüência, precisamente porque - alçados ao texto constitucional - se erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como à recepção das anteriores à Constituição (cf. Hans Kelsen, Teoria Geral, cit, p. 255).
Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos.
Ainda sem certezas suficientemente amadurecidas, tendo assim - aproximando-me, creio, da linha desenvolvida no Brasil por Cançado Trindade (e.q., Memorial cit., ibidem, p. 43) e pela ilustrada Flávia Piovesan (A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratado Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, em E. Boucault e N. Araújo (órgão), Os Direitos Humanos e o Direito Internos) - a aceitar a outorga de força supra-legal às convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas - até, se necessário, contra a lei ordinária - sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes.
Nessa linha, minha intuição é que se possa caminhar um tanto além de Luiz Flávio Gomes (Direito de Apelar em Liberdade, 2ª ed., RT, 1996, p. 83).
No caso presente, entretanto, o aprofundamento dessas reflexões seria ocioso.
É que, em relação ao ordenamento pátrio, para dar a eficácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei: seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogatória de normas da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema.
Com efeito, creio já ter notado que, na acepção que entendo lhe deva ser atribuída, o duplo grau reclama a oponibilidade de recurso de devolução ampla à sentença da instância originária: não o satisfaz, portanto, a simples sujeição dela aos recursos de tipo extraordinário, de âmbito de cognição circunscrito à questão de jure discutida.
Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu.
Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infraconstitucional, da lei ordinária à convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho - que não estão em causa - e da Justiça Militar - na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais -, assim como a do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores - o STJ e o TSE - estão enumeradas taxativamente na Constituição, que só ela mesma poderia ampliar.
À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribunais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.
Sem dar-lhe realce de um fundamento autônomo, o impetrante acena com o fato de que, no caso, a paciente "foi julgada como funcionária pública sem nunca ter sido" e, "por conta dessa atração desse 'privilégio de foro'" é que sofre a perda da possibilidade de reexame da sua condenação: o entendimento que, em tal hipótese, em relação ao particular, divisa ofensa da garantia do juiz natural é respeitável, mas tem sido sistematicamente repelido pelo Tribunal (v.g. Extr. 347, Djaci, Plen., 7.12.77, RTJ 86/1; RE 86.709, 22.8.78, Moreira, RTJ 90/950; HC 68.846, Pl., 2.10.91, Galvão, RTJ 157/563; Pet 760, Plen., 8.4.94, Moreira, RTJ 155/722): note-se que um dos precedentes evocados - o HC 68.846 - diz respeito ao processo a que respondeu a paciente.
De tudo - anotando o escorreito e dedicado trabalho profissional do jovem advogado impetrante - nego provimento ao recurso: é o meu voto.
*acórdão pendente de publicação


 
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Informativo STF - 187 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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