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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Informativo STF 180 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 28 de fevereiro a 10 de março de 2000 - Nº180.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



ADIn: Ilegitimidade Ativa
ADIn: Conhecimento
Autarquias Corporativas
Cobrança de Taxa em favor do FUNREJUS
Conflito de Competência: Inexistência
Contribuição Social e Não-Cumulatividade
Intervenção Federal e Precatórios
Licença de Militar em Estágio Probatório
Prerrogativa de Foro e Extensão
Recurso Extraordinário e Efeito Suspensivo
Transação Penal e Conversão de Pena
PLENÁRIO


Recurso Extraordinário e Efeito Suspensivo

O Tribunal, aplicando a orientação no sentido de que não cabe medida cautelar inominada para obtenção de efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi admitido na origem, manteve decisão do Min. Néri da Silveira, relator, que indeferira pedido de medida cautelar que visava a obter efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda sujeito ao juízo de admissibilidade no Tribunal a quo. Reconheceu-se que a impossibilidade de o STF conceder efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido na origem - tendo em vista que a concessão dessa medida pressupõe necessariamente a existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, e também pelo fato de que a sua concessão, em virtude da hierarquia jurisdicional, impediria que o Presidente do Tribunal a quo não admitisse o recurso - permite que, entre a interposição desse recurso e a prolação do juízo de admissibilidade, haja uma lacuna para o exame de liminar dessa natureza e, para supri-la, a solução é a de se atribuir ao Presidente do Tribunal a quo a competência para conceder, ou não, tal liminar e, se a conceder, essa concessão vigora, se o recurso extraordinário vier a ser admitido, até que o STF a ratifique, ou não. Precedente citado: Pet (QO) 1.881-RS (DJU de 11.2.2000).
Pet (AgRg) 1.903-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 1º.3.2000.

Cobrança de Taxa em favor do FUNREJUS

Indeferida medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro - PMDB contra o inciso VII, do art. 3º, da Lei 12.604/99, do Estado do Paraná, que estabelece, como receita do Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário - FUNREJUS, a alíquota de 0,2% sobre o valor do título do imóvel ou da obrigação nos atos praticados pelos cartórios de protestos de títulos, registros de imóveis, títulos e documentos e tabelionatos. O Tribunal, à primeira vista, entendeu não haver relevância na tese de inconstitucionalidade da referida taxa, uma vez que sua destinação é pública e que o Poder Judiciário é o fiscalizador da atividade notarial, estando, num primeiro exame, em conformidade com a jurisprudência do STF no sentido de não ser possível a vinculação de taxas judiciárias e emolumentos a entidades privadas, ou mesmo a serviços públicos diversos daqueles a que tais recursos se destinem.
ADInMC 2.059-PR, rel. Min. Nelson Jobim, 1º.3.2000.

ADIn: Ilegitimidade Ativa

Por falta de legitimidade ativa ad causam, o Tribunal não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Nacional da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, contra o art. 13 da Portaria 4.883/98 do Ministro da Previdência e Assistência Social, tendo em vista não se tratar de entidade de classe de âmbito nacional para efeito do art. 103, IX, da CF ("Podem propor a ação de inconstitucionalidade: ... IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional"). Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence, que reconheciam a legitimidade ativa da requerente.
ADIn 2.073-DF, rel. Min. Moreira Alves, 9.3.2000.

ADIn: Conhecimento

Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade que impugna, em determinado sistema normativo, apenas alguns dos preceitos que o integram - deixando de questionar a validade de outros dispositivos com eles relacionados - dado que essa declaração de inconstitucionalidade, tal como pretendida, alteraria o sistema da Lei. Com esse entendimento, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Partido Social Liberal - PSL, contra a Lei 3.329/99, do Estado do Rio de Janeiro, que cria o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro - RIOSEGURANÇA e dá outras providências.
ADIn 2.133-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 9.3.2000.

Intervenção Federal e Precatórios

Retomado o julgamento de pedido de intervenção federal no Estado de São Paulo, em que se alega o descumprimento de ordem judicial (CF, art. 34, VI) - v. Informativo 161. Em razão de o Min. Carlos Velloso, Presidente, haver apresentado os autos à mesa e declarado impedimento - em face de fato superveniente ocorrido no mês de janeiro do corrente ano -, o Tribunal decidiu cancelar o julgamento e remeter os autos ao Min. Marco Aurélio, Vice-Presidente.
IF 551-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 9.3.2000.

Conflito de Competência: Inexistência

Inexiste conflito de competência entre o STJ e os Tribunais dos Estados, uma vez que este incidente pressupõe decisões proferidas por órgãos entre os quais não haja hierarquia jurisdicional. Com esse entendimento, o Tribunal, resolvendo questão de ordem apresentada pelo Min. Sepúlveda Pertence, relator, não conheceu de conflito de competência entre o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão e o STJ, tendo em vista que as decisões daquele Tribunal são de competência recursal deste. Trata-se de conflito de competência em que se alegava que o STJ, ao deferir liminar para cassar os efeitos das decisões do Tribunal de Justiça do Maranhão em agravo de instrumento e em ação cautelar inominada, teria usurpado a competência do mencionado Tribunal de Justiça. Vencido o Min. Marco Aurélio, que entendia configurado, na espécie, o conflito de jurisdição suscitado pelo requerente. Precedentes citados: CJ 6978-DF (RTJ 136/583), CC 6.996-RS (RTJ 143/543); CC 6.997-PR (RTJ 143/547); CC 7.002-MG (RTJ 143/550).
CC (QO) 7094-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 9.3.2000.

Autarquias Corporativas

Concluído o julgamento de mandado de segurança impetrado pelo Conselho Federal de Odontologia contra decisão do TCU que recomendara ao impetrante a adoção do Regime Jurídico Único para seus empregados e a revisão dos valores das diárias pagas (v. Informativo 50). O Tribunal, por maioria, não conheceu do mandado de segurança quanto à recomendação do TCU para a adoção do regime jurídico único (Lei 8.112/90), tendo em vista não se tratar de uma determinação, mas apenas de uma recomendação, não possuindo, dessa forma, carga decisória a justificar a competência do STF (CF, art. 102, I, d). Vencidos, nesse ponto, os Ministros Carlos Velloso, relator, e Francisco Rezek, que indeferiam o mandado de segurança, ao entendimento de que, dada a sua natureza autárquica, o impetrante estaria obrigatoriamente submetido ao regime jurídico único da Lei 8.112/90, e o Min. Maurício Corrêa, que o deferia, para liberar o impetrante da exigência de submissão de seus empregados ao Regime Jurídico Único. Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu o mandado de segurança na parte relativa às diárias, por entender que o impetrante não pode fixar valores superiores aos fixados pelo Chefe do Poder Executivo (CF, art. 84, II). Vencidos, nessa parte, os Ministros Ilmar Galvão e Sepúlveda Pertence, que o deferiam, ao fundamento de que inexiste norma que determine que as diárias pagas aos conselheiros da entidade não possam ser superiores às pagas ao Presidente da República.
MS 21.797-RJ, rel. Min. Carlos Velloso, 9.3.2000.

PRIMEIRA TURMA


Contribuição Social e Não-Cumulatividade

A Turma, reconhecendo a constitucionalidade da cobrança da contribuição social prevista no art. 1º, I da LC 84/96 - conforme a orientação firmada pelo Plenário no julgamento do RE 228.321-RS (Sessão de 1º.10.98, v. Informativo 125) -, recebeu em parte embargos de declaração para, mantendo o resultado do julgamento do acórdão embargado, declarar que a mencionada contribuição não ofende os princípios da não-cumulatividade, da liberdade de associação e da livre concorrência.
RE (EDcl) 226.663-MG, 231.537-MG, 233.453-MG, rel. Min. Moreira Alves, 29.2.2000.

Licença de Militar em Estágio Probatório

Concluído o julgamento de recurso extraordinário interposto por ex-soldado da brigada militar em que se buscava a anulação do ato de licenciamento a bem da disciplina que o desligara da corporação durante o estágio probatório, a respectiva reintegração no cargo, além da contagem do respectivo tempo de serviço para todos os efeitos, inclusive para fins de vencimento e vantagens pessoais (v. Informativo 167). A Turma, entendendo que o policial militar, em estágio probatório, somente pode ser desligado da corporação mediante regular processo administrativo em que lhe seja garantido o contraditório e a ampla defesa (CF, art. 5º, LX), conheceu em parte do recurso extraordinário e, nessa parte, lhe deu provimento para anular o ato de licenciamento do recorrente, retornando este à situação em que se encontrava, inclusive quanto ao tempo faltante para o término do estágio probatório, e condenar o Estado a pagar a remuneração a que o recorrente teria feito jus a partir do seu afastamento. Vencidos, em relação aos efeitos financeiros da decisão, os Ministros Sepúlveda Pertence, relator, e Ilmar Galvão, que condenavam o Estado a ressarcir as perdas e danos conseqüentes do ato ilícito. Precedente citado: RE 230.540-SP (DJU de 13.8.99).
RE 247.349-RS, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, red. p/ ac. Min. Octavio Gallotti, 29.2.2000.

SEGUNDA TURMA


Transação Penal e Conversão de Pena

Ofende o princípio do devido processo legal a conversão de pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, em virtude de descumprimento de termo de transação penal (Lei 9.099/95, art. 76: "Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta"). Com base nesse entendimento, a Turma, salientando a natureza não condenatória da sentença que homologa a transação penal, deferiu habeas corpus impetrado pelo Ministério Público para reformar o acórdão do STJ que permitira a conversão da pena. Leia a íntegra do voto condutor da decisão na seção Transcrições deste Informativo
HC 79.572-GO, rel. Min. Marco Aurélio, 29.2.2000

Prerrogativa de Foro e Extensão

Tendo em vista o disposto no art. 78, III, do CPP ("Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: ...III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação."), a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia, por ofensa aos princípios do devido processo legal, do juiz natural e da isonomia, a descaracterização da competência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para julgar a ação penal - proposta para apurar a suposta prática de crimes cometidos contra o INSS - em virtude da extensão de foro privilegiado aos pacientes, pela prerrogativa de função de um dos co-réus, juiz de direito (CF, art. 96, III). Precedentes citados: HC 68.846-RJ (RTJ 157/563); HC 74.573-RJ (DJU de 30.4.98); PET 760-DF (RTJ 155/722).
HC 79.922-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 29.2.2000.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

1.3.2000

10.3.2000

17

1a. Turma

29.2.2000

-----

64

2a. Turma

29.2.2000

-----

427



C L I P P I N G D O D J

3 de março de 2000

ADIn N. 306-2
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Inconstitucionalidade parcial do inciso I, do art. 3º, da Lei nº 7.872, de 1989, e inciso I, do art. 3º, da Lei nº 7.873, além da parte final dos parágrafos únicos dos referidos artigos. 3. Cautelar deferida. 4. Previsão de elaboração de listas tríplices autônomas com Juízes Presidentes de Juntas de Conciliação e Julgamento de cada uma das áreas que integravam a Região desmembrada. Alegação de ofensa aos arts. 115, parágrafo único, I e 93, III, "b", da Constituição. 5. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente para declarar no inciso I do art. 3º, das Leis nº 7.872, de 08.11.89, e 7.873, de 09.11.89, a inconstitucionalidade das expressões: "com o aproveitamento de 2 (dois) Juízes da 1ª Região da Justiça do Trabalho e 2 (dois) Juízes da área desmembrada, apurada a antigüidade em razão do efetivo exercício da judicatura na respectiva área, ainda que em períodos descontínuos", e, no parágrafo único, do mesmo art. 3º, das referidas Leis, das expressões: "só podendo integrar aquelas listas os Juízes do Trabalho Presidentes de Junta de Conciliação e Julgamento que tenham jurisdição nas respectivas áreas há, pelo menos, 2 (dois) anos da data da publicação desta Lei."
* noticiado no Informativo 51

AO N. 152-8
RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA: C.F., art. 102, I, n. AÇÃO ORDINÁRIA COLETIVA: LEGITIMAÇÃO: ENTIDADE DE CLASSE: AUTORIZAÇÃO EXPRESSA: C.F., art. 5º, XXI. SERVIDOR PÚBLICO: REMUNERAÇÃO: CORREÇÃO MONETÁRIA.
I. - Ação ordinária em que magistrados do Rio Grande do Sul pleiteiam correção monetária sobre diferença de vencimentos paga com atraso. Interesse geral da magistratura gaúcha no desfecho da ação. Competência originária do Supremo Tribunal Federal: C.F., art. 102, I, n.
II. - Ação ordinária coletiva promovida por entidade de classe: C.F., art. 5º, XXI: inexigência de autorização expressa dos filiados. Voto vencido do Relator: aplicabilidade da regra inscrita no art. 5º, XXI, da C.F.: necessidade de autorização expressa dos filiados, não bastando cláusula autorizativa constante do Estatuto da entidade de classe.
III. - Diferença de vencimentos paga com atraso: cabimento da correção monetária, tendo em vista a natureza alimentar de salários e vencimentos. Precedentes do S.T.F.
IV. - Ação conhecida e julgada procedente.
* noticiado no Informativo 162

HABEAS CORPUS N. 79.792-0
RELATOR: MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: "Habeas corpus". Estelionato. Crime militar. - É pacífico que, em se tratando de estelionato, quando a pessoa enganada é diversa da prejudicada, ambas são sujeitos passivos desse crime, ainda que uma seja ente público.
- Reza o artigo 9º, III, "a", do Código Penal Militar - que é norma especial - que se consideram crimes militares, em tempo de paz, "os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar". Note-se que esse dispositivo alude a "patrimônio sob a administração militar" e não a patrimônio de que as entidades militares sejam titulares da propriedade pela singela razão de que elas não têm patrimônio próprio que é do Estado que o coloca sob a administração das entidades militares para que estas possam exercer as suas atribuições. Por isso, o furto de material sob a administração militar federal é crime militar, apesar de esse material não ser de propriedade do ente militar de que foi subtraído, mas, sim, da União. - Portanto, no caso, sendo prejudicada a Administração Militar pelo desapossamento de parte da área em causa, configura-se crime militar praticado por civil contra a instituição militar, por ter sido, em tese, cometido contra patrimônio sob a administração militar. "Habeas corpus" indeferido.
* noticiado no Informativo 177

RE N. 179.696-1
RELATOR: MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Desapropriação. Títulos da Dívida Agrária. 3. Art. 184, § 5º, da Constituição Federal. Isenção. 4. Os títulos da dívida agrária em poder de terceiros não são alcançados pela isenção prevista no art. 184, § 5º, da Constituição Federal, que tem por objetivo a proteção do proprietário do imóvel expropriado. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.
* noticiado no Informativo 175

Acórdãos publicados: 369




C L I P P I N G D O D J

10 de março de 2000

ADIn N. 2.054-4 - medida liminar
RELATOR: MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ECAD. ART. 99 E § 1º DA LEI Nº 9.610/98. ARTS. 5º, INCS. XVII E XX, E 173, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Ente que não se dedica à exploração de atividade econômica, não podendo, por isso, representar ameaça de dominação dos mercados, de eliminação da concorrência e de aumento arbitrário de lucros, práticas vedadas pelo último dispositivo constitucional sob enfoque. De outra parte, a experiência demonstrou representar ele instrumento imprescindível à proteção dos direitos autorais, preconizada no inc. XXVIII e suas alíneas a e b do art. 5º da Constituição, garantia que, no caso, tem preferência sobre o princípio da livre associação (incs. XVII e XX do mesmo artigo) apontado como ofendido. Cautelar indeferida.
* noticiado no Informativo 171

AÇÃO ORIGINÁRIA N. 517-3
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ART. 2º DA LEI Nº 8.870, DE 18.07.89, QUE LIMITA A APENAS UM MÊS DE FÉRIAS O AUMENTO, EM 30%, DOS VENCIMENTOS DOS MEMBROS DA MAGISTRATURA ESTADUAL, PREVISTO NO ART. 7º, XVII, DA CONSTITUIÇÃO.
Dispositivo legal que se revela incompatível com a norma constitucional em referência, dado tratar-se de carreira cujos integrantes têm direito a sessenta dias de férias anuais (art. 66 da LOMAN).
Direito dos apelados às parcelas atrasadas, não atingidas pela prescrição qüinqüenal, corrigidas pelos índices oficiais e com juros moratórios contados da data da citação. Honorários advocatícios de apenas 10% do valor da condenação. Apelação parcialmente provida. Inconstitucionalidade da lei estadual sob enfoque parcialmente declarada.
* noticiado no Informativo 175

RECLAMAÇÃO N. 567-4
RELATOR : MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: Cabe, em tese, a interposição do recurso extraordinário (e respectivo agravo de instrumento) contra decisão proferida por Colegiado Recursal, no âmbito da competência dos Juizados de Pequenas Causas.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 226.835-6
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: DIREITO À SAÚDE. ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE PERMITIU A INTERNAÇÃO HOSPITALAR NA MODALIDADE "DIFERENÇA DE CLASSE", EM RAZÃO DAS CONDIÇÕES PESSOAIS DO DOENTE, QUE NECESSITAVA DE QUARTO PRIVATIVO. PAGAMENTO POR ELE DA DIFERENÇA DE CUSTO DOS SERVIÇOS. RESOLUÇÃO Nº 283/91 DO EXTINTO INAMPS.
O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele. O acórdão recorrido, ao afastar a limitação da citada Resolução nº 283/91 do INAMPS, que veda a complementariedade a qualquer título, atentou para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, o de assistência à saúde. Refoge ao âmbito do apelo excepcional o exame da legalidade da citada resolução. Inocorrência de quebra da isonomia: não se estabeleceu tratamento desigual entre pessoas numa mesma situação, mas apenas facultou-se atendimento diferenciado em situação diferenciada, sem ampliar direito previsto na Carta e sem nenhum ônus extra para o sistema público. Recurso não conhecido.
Acórdãos publicados: 270


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
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HABEAS CORPUS N. 79.572-GO*

Relator: MIN. MARCO AURÉLIO

EMENTA: HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade.
TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.

Relatório: Valho-me do relato que tive oportunidade de elaborar ao proceder ao exame do pedido de medida acauteladora e deferi-la:

O Procurador-Geral de Justiça Substituto do Estado de Goiás subscreve a inicial deste habeas corpus relatando que Cleber de Souza Batista transacionou nos autos da ação penal contra si intentada considerado o tipo do artigo 233 do Código Penal - ultraje público ao pudor. Aceitou prestar serviços à comunidade, junto ao Lar Vicentino, pelo período de dois meses, em limite mínimo de quatro horas semanais. O descumprimento do que acertado resultou na revogação do acordo, vindo o Juízo, de forma imediata, a converter a pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade - detenção a ser cumprida em regime aberto, sendo determinada a expedição do mandado de prisão. O habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás - de nº 15.186-1/217 - 9800755950, visando a fulminar a ordem de prisão e ter-se a seqüência da ação penal, não frutificou. Interposto recurso ordinário, o Superior Tribunal de Justiça desproveu-o - Recurso em Habeas Corpus nº 8.198-98/0096138-6, oportunidade em que ficou vencido o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
O Impetrante evoca as garantias constitucionais dos incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal, consoante as quais ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal, nem será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, que não chegara a ocorrer porquanto se empolgara a norma do artigo 92 da Lei nº 9.099/95, preceito a direcionar à aplicação subsidiária das disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal no que não incompatíveis com a regência do processo tal como nela prevista. É que se mostrara adequada a regra do artigo 45 do Código Penal, reveladora da conversão da pena restritiva de direito em privativa de liberdade pelo tempo da primeira, isso na hipótese de inadimplemento injustificado da restrição imposta. Ressalta o subscritor da inicial a importância do tema porque envolvidos preceitos constitucionais viabilizadores do direito de defesa. Em síntese, ter-se-ia na espécie, sem tramitação normal do processo alusivo à ação, a ser instruído, a substituição automática da transação efetuada por ato que, sem o indispensável julgamento, estaria a evidenciar a imposição de pena privativa de liberdade. Requer-se liminar no sentido da suspensão da execução da pena (folhas 107 e 108).

Por se tratar de matéria estritamente de direito e já estando nos autos o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça que, segundo a inicial, revela o constrangimento, dispensei as informações, determinando a remessa dos autos à Procuradoria Geral da República. O parecer de folha 119 à 125 é no sentido do conhecimento e denegação da ordem, estando assim ementado:

Habeas Corpus. Lei 9.099/95. Transação Penal. O descumprimento de pena de prestação de serviços à comunidade imposta em decorrência de transação penal permite, de logo, a conversão em pena privativa de liberdade, vez que a sentença que homologa a transação tem natureza condenatória. Improcedente alegação de violação dos incisos LIV e LVII, artigo 5º da Constituição Federal (folha 119).

O Ministério Público adota a óptica constante do acórdão do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, ao aceitar a transação penal, o acusado assume a culpa, ficando o Estado acusador dispensado de prová-la. Ter-se-ia, na espécie, renúncia expressa a certas garantias. A partir de lição de Júlio Mirabetti, consta, no parecer, que o procedimento em audiência preliminar, no juizado especial, já consubstancia o devido processo legal, devendo ser observada a norma do artigo 92 da Lei nº 9.099/95, aplicando-se, assim, subsidiariamente, as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, ante a falta de incompatibilidade. Por isso, deu-se como incidente, na hipótese, o texto do artigo 45 do Código Penal, no sentido da possibilidade de substituição da pena privativa de direitos pela privativa do exercício da liberdade.

Voto: - Registre-se, em primeiro lugar, que este habeas corpus veio a ser formalizado pelo Ministério Público do Estado de Goiás, estando a peça primeira subscrita pelo Procurador-Geral de Justiça Substituto, Dr. Altamir Rodrigues Vieira Júnior. O fato bem revela a seriedade da impetração e, mais do que isso, o cumprimento do múnus público, a atuação eqüidistante do Órgão, no que voltada à busca da prevalência do arcabouço normativo constitucional, da predominância da verdade real, entendida esta última em seu sentido lato. A ação constitucional de habeas corpus não possui balizamento rígido sobre legitimados, abrangendo, a norma primária de regência para ajuizá-la, qualquer do povo, podendo, inclusive, ser concedido de ofício, o que se dirá quando a impetração ocorre mediante ato de quem tem o dever de tornar prevalecente a ordem jurídica. Neste sentido é a jurisprudência desta Corte, pouco importando a atuação de regra, como Estado-acusador, na persecução criminal. Por outro lado, o habeas está dirigido contra ato do Superior Tribunal de Justiça, enquadrando-se, assim, na competência desta Corte. Conheço da impetração.
Ao deferir a medida acauteladora, ressaltei:

A matéria veiculada possui contornos que a demonstram da maior relevância. Conforme consignado no fecho do relatório supra, a imposição da pena privativa de liberdade fez-se de maneira automática, sem a tramitação, em si, do processo consubstanciador da ação penal. A primeira visão que surge direciona no sentido de distinguir-se entre as penas restritivas de direitos, tais como previstas no Código Penal, verificando-se verdadeira substituição, e aquelas fixadas na Lei nº 9.099/95 em razão de fenômeno que antecede a instrução do processo penal, a conclusão sobre a culpa do acusado. O instituto da substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito, tal como disciplinado no Código Penal, pressupõe, para ser alvo de implemento, condenação do Juízo e, portanto, o ato derradeiro da ação penal que é a prolação da sentença, enquanto aquele versado na Lei nº 9.099/95 precede, a teor do disposto no artigo 76, a instrução e a formação de entendimento pelo Estado-juiz sobre o processo existente, a ação penal ajuizada, ou não, pelo Ministério Público. Atente-se para a circunstância de no artigo 76 cogitar-se de representação ou crime de ação penal pública incondicionada, autorizando-se o Ministério Público a propor "a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas a ser especificada na proposta". Há de interpretar-se o novo arcabouço normativo em harmonia com os princípios maiores constantes da Constituição Federal, resistindo-se à tentação de formalizar-se título executivo judicial penal sem o respeito ao devido processo, viabilizada, à exaustão, a defesa (folha 108).

Tal óptica não restou abalada pelo parecer da Procuradoria Geral da República, em que pese a pena proficiente do autor - Subprocurador Marden Costa Pinto. Aliás, permito-me pinçar do que elaborado lição das mais precisas, ou seja, de Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes em "Juizados Especiais Criminais", Editora Revista dos Tribunais, 1996, página 134:

A aplicação da sanção penal será feita por sentença, que não se poderá considerar condenatória, uma vez que não houve sequer acusação.
Trata-se de sentença nem condenatória nem absolutória, mas simplesmente de sentença homologatória de transação penal, com eficácia de título executivo.
É exatamente o que ocorre no campo processual civil: a homologação da transação não indica acolhimento nem desacolhimento do pedido do autor, mas sentença que, homologando a vontade das partes, constitui título executivo judicial (art. 584, III, CPC).

Rememore-se a espécie dos autos. Formalizou-se termo de ocorrência, tendo em conta o tipo do artigo 233 do Código Penal - ultraje público ao pudor - e, aí, designou-se, no Juizado Especial Criminal da Comarca de Itumbiara, data para a audiência preliminar. Nesta, o Ministério Público formulou "a proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, consistente em prestação de serviços à comunidade junto ao LAR VICENTINO, pelo período de 02 meses, laborando durante 04 horas semanais. A vítima não mensurou qualquer dano". Então, consultados o envolvido e o profissional da advocacia, concordaram com a proposta (folha 16). Vale dizer que não foi sequer formalizada a peça primeira da ação penal, ou seja, a denúncia, em si. Ora, não há como aplicar, à espécie, a menos que sejam colocados em plano secundário princípios constitucionais, o disposto no artigo 45 do Código Penal. Está-se diante de incompatibilidade reveladora de não ser o preceito nele contido fonte subsidiária no processo submetido ao juizado especial. Essa conclusão decorre do fato de a conversão das penas restritivas de direitos em penas restritivas do exercício da liberdade, tal como prevista no artigo 45 do Código Penal, pressupor, sempre, o regular processo, a regular tramitação da ação penal, a persecução criminal nos moldes contemplados pela ordem jurídica em vigor. Dá-se a instrução da ação penal, viabilizado o direito de defesa, e a prolação de sentença condenatória, vindo a ocorrer, aí sim, em passo seguinte, a conversão. Aliás, o princípio da razoabilidade, a razão de ser das coisas, cuja força é insuplantável, direciona no sentido de a conversão pressupor algo já existente, e isso diz respeito à pena privativa do exercício da liberdade. Vale considerar, portanto, que a substituição faz-se tendo em conta decreto condenatório de maior gravame. Isso não se verifica quando em jogo a transação prevista no artigo 76 da Lei nº 9.099/95. A proposta precede, até mesmo, a formalização de denúncia. Tem a sentença respectiva força de título executivo-judicial. Entrementes, fica este submetido à condição resolutiva estampada no descumprimento do que pactuado. Salta aos olhos a impossibilidade de imprimir-se, à espécie, caráter automático, queimando-se fase que a Carta da República registra como indispensável a que alguém perca a liberdade. Não é demais considerar a natureza imperativa, o caráter, até mesmo, de ordem pública dos preceitos insertos nos incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal, afastando, por presunção de mostrar-se inteiramente viciada, manifestação de vontade que implique o menosprezo ao que previsto:

Ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Disseram bem os Autores supramencionados que o termo de homologação do acordo não ganha contornos de sentença condenatória, muito menos quanto ao exercício da liberdade de ir e vir. Esse é uniforme, mais consentâneo com a nossa ordem jurídico-constitucional. Valorize-se o instituto da ação penal regida pela lei dos juizados especiais, sem, contudo, chegar-se a extravagância contrária ao Estado Democrático de Direito, como é a relativa a ter-se alguém privado do exercício da liberdade sem o devido processo, sem a oportunidade de defender-se, presentes o contraditório e a prova da culpa, sempre a cargo do Estado acusador. Já em 1998, outra não foi a conclusão do 4º Encontro de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, realizado no Rio de Janeiro. O Enunciado nº 21 bem proclamou:

O inadimplemento do avençado na transação penal, pelo autor do fato, importa descontituição do acordo e, após cientificação do interessado e seu defensor, determina a remessa dos autos ao Ministério Público.

Nem se diga que a visão resulta em desprestígio para o texto da Lei nº 9.099/95. Possível a execução direta do que acordado, esta há de ocorrer aplicando-se, subsidiariamente, as normas processuais comuns. Tratando-se de obrigação de fazer de cunho pessoal, impossível é substituí-la na forma estampada no acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Por isso, bem andou o Ministério Público do Estado de Goiás, no Processo nº 627/96, da Comarca de Itumbiara, ao requerer ao Juízo a revogação do termo de transação penal celebrado na audiência preliminar, pleiteando, ainda, a vista dos autos para oferecimento da denúncia ou requerimento de baixa à delegacia de polícia para a instauração de inquérito policial (folhas 28 e 29). Claudicaram Juízo (folha 30 à 34), Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (folha 44 à 57) e Superior Tribunal de Justiça (folha 85 à 97), valendo notar que, neste último, dissentiu da tese sufragada o Ministro-Presidente da Turma julgadora - a Sexta Turma -, ou seja, o Ministro Luís Vicente Cernicchiaro, oportunidade na qual externou o alcance da Lei nº 9.099/95.
Concedo a ordem para fulminar a conversão verificada, abrindo margem, assim, à remessa do processo ao Ministério Público para que formalize o que de direito.
* acórdão pendente de publicação


AÇÃO ORIGINÁRIA N. 672-DF (Medida Liminar)*

Relator: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: AÇÃO POPULAR. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. EXCEPCIONALIDADE, DESDE QUE OCORRENTE A HIPÓTESE PREVISTA NO ART. 102, I, "N", DA CONSTITUIÇÃO. EXISTÊNCIA, NO CASO, DE INTERESSE DE TODOS OS MEMBROS DA MAGISTRATURA DA UNIÃO.
- Em princípio, não compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, ação popular contra atos ou omissões de qualquer autoridade, ainda que se trate de atos ou omissões imputáveis ao Presidente da República, aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ao Presidente e aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, ou a quaisquer outros agentes públicos, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitos à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d), ressalvadas, unicamente, as hipóteses previstas no art. 102, I, n, da Carta Política (existência de interesse geral, direto ou indireto, de todos os membros da magistratura ou ocorrência de situação de impedimento/suspeição de mais da metade dos membros do Tribunal de origem).
AJUIZAMENTO DE AÇÃO POPULAR CONTRA ATO DE CONTEÚDO JURISDICIONAL. INADMISSIBILIDADE. AÇÃO POPULAR DE QUE NÃO SE CONHECE.
- Os atos de conteúdo jurisdicional - precisamente por não se revestirem de caráter administrativo - estão excluídos do âmbito de incidência da ação popular, porque se acham sujeitos a um sistema específico de contestação, quer por via recursal, quer mediante utilização de ação rescisória. Doutrina.
Tratando-se de ato de índole jurisdicional, cumpre considerar que este, ou ainda não se tornou definitivo - podendo, em tal situação, ser contestado mediante utilização dos recursos previstos na legislação processual -, ou, então, já transitou em julgado, hipótese em que, havendo decisão sobre o mérito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão.

DECISÃO: Trata-se de ação popular constitucional, com pedido de liminar, ajuizada, em litisconsócio passivo, contra o Senhor Ministro NELSON JOBIM, Relator da AO 630-DF, contra o Senhor FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Presidente da República, e contra a União Federal, sob alegação de que teriam sido responsáveis por comportamento ilícito, revestido de lesividade ao patrimônio público federal, decorrente de decisão proferida pelo primeiro litisconsorte passivo, que, em sede de mandado de segurança coletivo, "concedeu liminar no sentido de ser estendida aos Ministros do STF, a título de equivalência salarial, a majoração de seus vencimentos no valor correspondente ao intitulado 'auxílio-moradia' pago pela Câmara dos Deputados aos seus membros (...)" (fls. 3).
Sustenta-se a legitimidade passiva ad causam do Senhor Presidente da República, com fundamento na alegação de que este "nada fará para desconstituir o ato ora atacado..." (fls. 5), pois - segundo alega o autor da presente ação - o Chefe de Governo teria determinado ao Advogado-Geral da União que se abstivesse de recorrer da decisão em causa.
O autor popular, invocando a norma inscrita no art. 5º, § 4º, da Lei nº 4.717/65, pretende seja liminarmente suspensa a decisão proferida pelo eminente Ministro NELSON JOBIM (fls. 10/11).
Postula-se, finalmente, com a presente ação popular, seja decretada a invalidade da decisão judicial ora impugnada, condenando-se os réus ao pagamento de honorários advocatícios (fls. 11).
Cabe analisar, preliminarmente, a possibilidade de ajuizamento originário, perante o Supremo Tribunal Federal, da presente ação popular constitucional.
Como se sabe, a Constituição Federal de 1988 - observando uma tradição que se inaugurou com a Carta Política de 1934 - não incluiu o julgamento da ação popular na esfera das atribuições jurisdicionais originárias da Suprema Corte.
Na realidade, a previsão de ação popular não se subsume a qualquer das situações taxativamente enunciadas no rol inscrito no art. 102, I, da Carta Política, que define, em numerus clausus, as hipóteses de competência originária do Supremo Tribunal Federal (RTJ 43/129 - RTJ 44/563 - RTJ 50/72 - RTJ 53/776):

"A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CUJOS FUNDAMENTOS REPOUSAM NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - SUBMETE-SE A REGIME DE DIREITO ESTRITO.
.......................................................
O regime de direito estrito, a que se submete a definição dessa competência institucional, tem levado o Supremo Tribunal Federal, por efeito da taxatividade do rol constante da Carta Política, a afastar, do âmbito de suas atribuições jurisdicionais originárias, o processo e o julgamento de causas de natureza civil que não se acham inscritas no texto constitucional (ações populares, ações civis públicas, ações cautelares, ações ordinárias, ações declaratórias e medidas cautelares), mesmo que instauradas contra o Presidente da República ou contra qualquer das autoridades, que, em matéria penal (CF, art. 102, I, b e c), dispõem de prerrogativa de foro perante a Corte Suprema ou que, em sede de mandado de segurança, estão sujeitas à jurisdição imediata do Tribunal (CF, art. 102, I, d). Precedentes."
(Pet 1.738-MG (AgRg), Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É por essa razão que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - quer sob a égide da vigente Constituição republicana (RTJ 141/344, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 296-MG, Rel. Min. CÉLIO BORJA - Pet 352-DF, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - Pet 431-SP, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA - Pet 487-DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - Pet 626-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 682-MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 713-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - Pet 1.546-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), quer sob o domínio da Carta Política anterior (Pet 129-PR, Rel. Min. MOREIRA ALVES) - firmou-se no sentido de reconhecer que a competência originária desta Corte, por revestir-se de caráter estrito, não abrange as ações populares constitucionais, mesmo quando propostas contra atos do Presidente da República, ou das Casas que compõem o Congresso Nacional, ou de Ministros de Estado ou, ainda, de Ministros da própria Suprema Corte:

"AÇÃO POPULAR. AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - quer sob a égide da vigente Constituição republicana, quer sob o domínio da Carta Política anterior - firmou-se no sentido de reconhecer que não se incluem, na esfera de competência originária da Corte Suprema, o processo e o julgamento de ações populares constitucionais, ainda que ajuizadas contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ou de quaisquer outras autoridades cujas resoluções estejam sujeitas, em sede de mandado de segurança, à jurisdição imediata do STF. Precedentes."
(Pet 1.641-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto da questão, reconheceu não lhe assistir competência originária para processar e julgar ações populares constitucionais contra quaisquer autoridades, mesmo aquelas cujos atos estejam sujeitos, em sede de mandado de segurança, à jurisdição imediata desta Corte, ainda que se trate de impugnação a ato emanado do próprio Presidente da República:

"Competência. Ação Popular contra o Presidente da República.
- A competência para processar e julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, inclusive daquelas que, em mandado de segurança, estão sob a jurisdição desta Corte originariamente, é do Juízo competente de primeiro grau de jurisdição.
Agravo regimental a que se nega provimento."
(RTJ 121/17, Rel. Min. MOREIRA ALVES - grifei)

Essa orientação jurisprudencial reflete-se no magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, "Direito Constitucional", p. 184, item n. 7.8, 7ª ed., 2000, Atlas; RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, "Ação Popular", p. 129-130, 1994, RT, v.g.), que também assinala não se incluir, na esfera de competência originária do Supremo Tribunal Federal, o poder de processar e julgar ações populares ajuizadas contra o Presidente da República ou contra os próprios Ministros desta Corte.
Esse mesmo entendimento é perfilhado por HELY LOPES MEIRELLES ("Mandado de Segurança, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, 'Habeas Data'", p. 131, 20ª ed., 1998, atualizada por Arnoldo Wald, Malheiros), cuja autorizadíssima lição deixou consignada a seguinte advertência:

"Esclareça-se que a ação popular, ainda que ajuizada contra o Presidente da República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Governador ou o Prefeito, será processada e julgada perante a Justiça de primeiro grau (Federal ou Comum)." (grifei)

Vê-se, portanto, que, em princípio, faleceria competência originária ao Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a presente ação popular.
Ocorre, no entanto, que o conteúdo do ato decisório ora impugnado nesta sede processual - especialmente se consideradas as conseqüências, que, em função dele, projetar-se-ão sobre todo o universo da magistratura federal brasileira - impõe que o tema da competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar esta causa seja analisado sob a perspectiva da norma inscrita no art. 102, I, "n", da Constituição, que assim dispõe:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

...............................................
n. a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados."

Vê-se, portanto, que, havendo interesse de todos os magistrados federais na resolução do litígio, não se pode atribuir à Justiça Federal de primeira instância - ordinariamente competente para apreciar ações populares ajuizadas contra quaisquer autoridades federais - o encargo de processar e julgar a presente causa, motivo pelo qual revela-se legítimo reconhecer, na espécie, a incidência da regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Carta Política, observando-se, no ponto, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal.
Na realidade, esta Suprema Corte tem reconhecido ser ela o único órgão judiciário competente para apreciar quaisquer ações - inclusive ações populares (RTJ 168/22-26) -, quando a controvérsia disser respeito ao interesse geral e privativo de todos os magistrados de primeira instância.
É que se assim não for, restará comprometido o atributo da imparcialidade judiciária, que constitui um dos elementos essenciais à própria compreensão do conceito de juiz natural, frustrando-se, desse modo, a garantia fundamental do due process of law, como já advertiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 152/17-18, Rel. Min. CARLOS VELLOSO).
Não custa relembrar, neste ponto, que esta Suprema Corte - tendo presente a regra de competência inscrita no art. 102, I, n, da Constituição - invalidou sentença e acórdão emanados da Justiça Federal, proferidos no julgamento de causa que versava matéria de interesse direto e exclusivo de magistrados federais (RE 178.339-MG, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma).
Desse modo, impõe-se reconhecer, no caso, a configuração da competência originária do Supremo Tribunal Federal, para, com fundamento no art. 102, I, n, da Constituição, apreciar a presente causa.
Achando-se caracterizada a competência originária do Supremo Tribunal Federal para apreciar esta causa (CF, art. 102, I, "n"), cabe verificar se se revela legítimo, ou não, o ajuizamento de ação popular constitucional contra ato de conteúdo jurisdicional.
Entendo que não.
Com efeito, tenho para mim que o meio processual ora utilizado na presente sede mostra-se de todo incabível, pois, como se sabe, os atos jurisdicionais - como a decisão ora questionada -, precisamente por comportarem um sistema específico de impugnações, quer por via recursal, quer mediante ação rescisória, acham-se excluídos do âmbito de incidência da ação popular.
Tratando-se de ato de índole jurisdicional, cumpre considerar a seguinte relação dilemática: ou o ato em questão ainda não se tornou definitivo - podendo, em tal situação, ser contestado mediante utilização dos recursos previstos na legislação processual -, ou, então, já transitou em julgado, hipótese em que, havendo decisão sobre o mérito da causa, expor-se-á à possibilidade de rescisão.
Na realidade, cabe registrar que nem todos os atos estatais estão sujeitos a contestação mediante ação popular constitucional, pois, consoante advertem doutrina e jurisprudência, esse meio especial de impugnação não incide sobre leis em tese (J. M. OTHON SIDOU, "'Habeas Corpus', Mandado de Segurança, Mandado de Injunção, 'Habeas Data', Ação Popular - As Garantias Ativas dos Direitos Coletivos", p. 346, item n. 221, 5ª ed., 1998, Forense) e nem se estende a resoluções judiciais revestidas de conteúdo jurisdicional.
Essa impossibilidade jurídica decorre da circunstância de a ação popular restringir-se, quanto ao seu âmbito de incidência, à esfera de atuação administrativa de qualquer dos Poderes do Estado, abrangendo, desse modo, como salienta JOSÉ CRETELLA JÚNIOR ("Os 'writs' na Constituição de 1988", p. 128, item n. 40, 1989, Forense Universitária), unicamente, os atos administrativos, os contratos administrativos, os fatos administrativos e as resoluções que veiculem conteúdo materialmente administrativo.
É por tal razão que a jurisprudência dos Tribunais - após reconhecer a inviabilidade do exame em tese da validade constitucional de qualquer diploma legislativo (circunstância esta que transformaria a ação popular, indevidamente, em sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade) - tem insistido na asserção de que a ação popular somente "se destina à apreciação da validade ou nulidade de atos administrativos" (RDA 35/48 - grifei).
Essa mesma orientação é também perfilhada por HELY LOPES MEIRELLES ("Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, 'Habeas Data'", p. 122/123, item n. 3, 20ª ed., 1998, atualizada por ARNOLDO WALD, Malheiros), cujo magistério - após ressaltar que a ação popular objetiva permitir ao Poder Judiciário o controle da atividade administrativa do aparelho estatal - adverte que, "Em última análise, a finalidade da ação popular é a obtenção da correção nos atos administrativos ou nas atividades delegadas ou subvencionadas pelo Poder Público" (grifei).
Vê-se, desse modo, que o objeto da ação popular constitucional circunscreve-se aos atos ou omissões que se projetam no plano das atividades estritamente administrativas, revelando-se indiferente, para esse efeito, o domínio institucional em cujo âmbito atua o agente público a quem se atribuiu o comportamento qualificado pelas notas da ilegalidade e da lesividade patrimonial.
Cabe ter presente, bem por isso, na perspectiva do caso ora em exame, o entendimento, que, apoiado em autorizado magistério doutrinário, repele a possibilidade jurídica de impugnação de atos de conteúdo jurisdicional mediante ação popular (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Ação Popular Constitucional - Doutrina e Processo", p. 130, item n. 101, 1968, RT; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 1/213, 1989, Saraiva; HELY LOPES MEIRELLES, "Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e 'Habeas Data'", p. 122/123, item n. 3, 20ª ed., 1998, atualizada por ARNOLDO WALD, Malheiros; PÉRICLES PRADE, "Ação Popular", p. 14, item n. 2.2, 1986, Saraiva; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/84, 1990, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, "Os 'writs' na Constituição de 1988", p. 128, item n. 40, 1989, Forense Universitária; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, "Direito Administrativo", p. 540, 10ª ed., 1998, Atlas; ARRUDA ALVIM, "Ação Popular", in Revista de Processo, vol. 32/163-177, 173).
A circunstância de os atos jurisdicionais, como a decisão ora questionada, não serem sindicáveis em sede de ação popular constitucional não significa que todos os atos do Poder Judiciário estejam excluídos do alcance desse importante instrumento de fiscalização popular, pois - não custa assinalar - há atos ou resoluções de conteúdo materialmente administrativo, que, afetados pelo vício da ilegalidade e agravados pela nota da lesividade patrimonial, podem resultar da atividade desenvolvida por magistrados ou Tribunais, justificando-se, em tal situação, a possibilidade de utilização desse meio de controle sobre a atuação administrativa danosa ao patrimônio público exercida por órgãos do próprio Poder Judiciário.
Daí a observação de JOSÉ AFONSO DA SILVA ("Ação Popular Constitucional - Doutrina e Processo", p. 131, item n. 102, 1968, RT):

"Se os atos de natureza jurisdicional não são suscetíveis de serem impugnados em demanda popular, atos judiciais há, no entanto, que podem ser objeto desse remédio. Assim, os atos judiciais de natureza administrativa, que só são judiciais no sentido formal, subjetivo." (grifei)

No caso ora em análise, contudo, como já assinalado, trata-se de ato de caráter tipicamente jurisdicional, circunstância esta que inviabiliza, por completo, ante as considerações expostas, a demanda popular em referência.
Sendo assim, tendo presentes as razões invocadas, não conheço desta ação popular constitucional, por impossibilidade jurídica, motivo pelo qual nego trânsito ao processo em questão, ficando prejudicada, em conseqüência, a apreciação do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 09 de março de 2000.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão pendente de publicação

 
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Informativo STF - 180 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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