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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Informativo STF 174 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 6 a 10 de dezembro de 1999 - Nº174.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



ADIn contra LDO: Não Cabimento
Agravo Regimental e Sustentação Oral
Acórdão: Anulação Parcial e Prisão
Contingenciamento sobre Vencimentos
Fiança e Concurso Material
Instrução Provisória e Arquivamento
Intimação: Validade
Legitimidade Ativa: Ministério Público - 1
Legitimidade Ativa: Ministério Público - 2
Processo Legislativo e Veto
RE Retido e Efeito Suspensivo
Recurso Extraordinário e Efeito Suspensivo
Retroatividade dos Tratados de Extradição
PLENÁRIO


Legitimidade Ativa: Ministério Público - 1

Concluído o julgamento do recurso extraordinário em que se discute a legitimidade ativa do Ministério Público para propor ação civil pública que verse sobre tributos (v. Informativos 124 e 130). Preliminarmente, o Tribunal, por maioria, afastou a prejudicialidade do recurso extraordinário interposto simultaneamente com o recurso especial contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, uma vez que o STJ, ao não conhecer deste último, apenas confirmou o entendimento do acórdão recorrido, não se tratando, portanto, de questão surgida originariamente quando do julgamento do recurso especial, caso em que seria necessária a interposição de novo recurso extraordinário. Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava prejudicado o recurso extraordinário por entender que o acórdão impugnado fora substituído pelo acórdão proferido pelo STJ, de acordo com o art. 512 do CPC ("o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto do recurso"). No mérito, o Tribunal, por diversos fundamentos, manteve o acórdão recorrido que negara legitimidade ao Ministério Público para a propositura de ação civil pública visando à revisão de lançamentos do IPTU do Município de Umuarama. Vencido o Min. Marco Aurélio, que conhecia e dava provimento ao recurso extraordinário do Ministério Público.
RE 195.056-PR, rel. Min. Carlos Velloso, 9.12.99.

Legitimidade Ativa: Ministério Público - 2

Com base no entendimento acima mencionado, ou seja, de que o Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública que verse sobre tributos, o Tribunal, por maioria, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que julgara extinta, sem julgamento do mérito, ação civil pública movida pelo Ministério Público contra a taxa de iluminação pública do Município de Rio Novo (Lei 23/73). Vencido o Min. Marco Aurélio, que conhecia e dava provimento ao recurso extraordinário do Ministério Público estadual.
RE 213.631-MG, rel. Min. Ilmar Galvão, 9.12.99.

Retroatividade dos Tratados de Extradição

Os tratados de extradição têm aplicação imediata, independentemente de o crime em que se funda a extradição ser anterior a ele, salvo disposição expressa em contrário. Reafirmando esse entendimento, o Tribunal, por inexistir omissão a ser suprida, rejeitou embargos de declaração opostos contra acórdão que deferira pedido de extradição, no qual se afastara a tese de irretroatividade do Tratado de Extradição entre o Brasil e a Itália.
Extradição 759-Itália (EDcl), rel. Min. Moreira Alves, 9.12.99.

Processo Legislativo e Veto

Por ofensa à norma constitucional do processo legislativo, o Tribunal julgou procedente a ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro e declarou a inconstitucionalidade formal do Decreto Legislativo 55/95 que, declarando intempestivos vetos governamentais a projeto de lei já promulgado há vários anos, retificava a manutenção de tais vetos pela Assembléia Legislativa e os considerava sancionados tacitamente.
ADIn 1.254-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 9.12.99.

Contingenciamento sobre Vencimentos

Deferida medida liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT para suspender, até decisão final, a eficácia de dispositivos da Lei 5.827/99, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contingenciar despesas com pessoal, até o limite de 20% da remuneração do servidor público, acarretando a postergação de pagamentos pelo prazo de até 12 meses (art. 2º e seus parágrafos e, no art. 3º, a expressão "inclusive as despesas da folha de pagamento de pessoal"). O Tribunal considerou que, sob o título de contingenciamento, as normas impugnadas autorizaram a retenção de parcela dos vencimentos dos servidores, ofendendo, à primeira vista, o princípio da irredutibilidade de vencimentos (CF, art. 37, XV). Salientou-se que o art. 169, da CF, ao determinar que a despesa com pessoal ativo e inativo não poderá exceder os limites fixados em lei complementar (redação dada pela EC 19/98), prevê, para o seu cumprimento, a redução das despesas com cargos em comissão e a exoneração dos servidores não estáveis, não autorizando, portanto, a retenção dos vencimentos dos servidores públicos. O Tribunal, por maioria, conferiu à decisão efeito ex tunc, vencido, neste ponto, o Min. Moreira Alves, que dava efeito ex nunc. Precedentes citados: ADInMC 482-RJ (DJU de 1.7.92); ADIn 1.396-SC (DJU de 7.8.98); ADInMC 1.392-PI (DJU de 22.10.99).
ADInMC 2.022-ES, rel. Min. Ilmar Galvão, 9.12.99.

ADIn contra LDO: Não Cabimento

Não se conhece de ação direta de inconstitucionalidade contra atos normativos de efeitos concretos, ainda que estes sejam editados com força legislativa formal. Com esse entendimento, o Tribunal não conheceu de ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Amapá contra dispositivos da Lei estadual 456/99 (Lei de Diretrizes Orçamentárias) resultantes de emenda parlamentar ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias, pela ausência de generalidade da norma atacada. Precedentes citados: ADI (AgRg) 203-DF (DJU de 20.4.90); ADIn 1.716-DF (DJU de 27.3.98).
ADIn 2.057-AP, rel. Min. Maurício Corrêa, 9.12.99.

PRIMEIRA TURMA


RE Retido e Efeito Suspensivo

A Turma, por unanimidade, deferiu, em parte, pedido de medida cautelar em que se pretendia dar efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido na origem e determinar o seu processamento - recurso interposto contra acórdão que mantivera tutela antecipada que, na forma do § 3º do art. 542 do CPC, estava retido nos autos do processo principal - para determinar que o Presidente do Tribunal a quo emita o juízo de admissibilidade ou não do recurso extraordinário, embora esse recurso, depois do juízo de admissibilidade, fique retido nesse Tribunal (CPC, art. 542. § 3º: "O recurso extraordinário, ou o especial, quando interpostos contra decisão interlocutória em processo de conhecimento, cautelar, ou embargos à execução ficará retido nos autos ..."). Considerou-se que a aplicação da regra do § 3º do art. 542 do CPC, em determinadas situações excepcionais, como em casos de medida liminar ou tutela antecipada, pode acarretar prejuízo da pretensão deduzida contra o acórdão proferido na interlocutória, sendo necessária a análise do recurso extraordinário antes da existência de decisão final, e como não se pode dar efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido na origem, porquanto tal exame resultaria em prejulgamento da admissão do RE pelo STF, faz-se necessário o exame da admissibilidade do recurso pelo Presidente do Tribunal a quo para que se possibilite a análise do pedido de efeito suspensivo.
PET 1.834-DF, rel. Min. Octavio Gallotti, 16.11.99.

Recurso Extraordinário e Efeito Suspensivo

A Turma, aplicando a orientação firmada pelo STF, no sentido de que não cabe medida cautelar inominada para obtenção de efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi admitido na origem, resolveu questão de ordem e indeferiu pedido de medida cautelar que visava a obter efeito suspensivo a recurso extraordinário interposto contra acórdão que, em execução, determinara o pagamento de crédito, independentemente de precatório, em face do disposto na 2ª parte do art. 128 da Lei 8.213/91, declarada inconstitucional pelo STF (ADIn 1.252, DJU de 24.10.97). Observou-se que, como o STF não pode dar efeito suspensivo a recurso extraordinário ainda não admitido na origem - tendo em vista que a concessão dessa medida pressupõe necessariamente a existência de juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, e também pelo fato de que a sua concessão, em virtude da hierarquia jurisdicional, impediria que o Presidente do Tribunal a quo não admitisse o recurso - a solução seria a de se admitir que o Presidente do Tribunal a quo examinasse o pedido de liminar e, se a concedesse, essa concessão seria provisória, cabendo ao STF, qua do subissem os autos, ratificar ou rejeitar a liminar.
PET (QO) 1.872-RS e PET 1.863-RS, rel. Min. Moreira Alves, 7.12.99.

Instrução Provisória e Arquivamento

O procedimento de instrução provisória de insubmissão, previsto no Código de Processo Penal Militar para apurar crime de insubmissão (art. 463 e § 1º), por se tratar de procedimento que tem a mesma natureza e função do inquérito policial militar, somente pode ser arquivado pelo juiz, a requerimento do Ministério Público Militar. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus impetrado contra decisão do Superior Tribunal Militar que determinou o desarquivamento de instrução provisória de insubmissão, que havia sido arquivada a requerimento da defensoria pública, sem que houvesse pedido do Ministério Público nesse sentido.
HC 79.533-MS, rel. Min. Moreira Alves, 7.12.99.

Intimação: Validade

Em se tratando de parte representada por mais de um advogado constituído nos autos, é válida a intimação feita em nome de qualquer deles, quando, apesar de existir advogado com escritório profissional na sede do Tribunal, inexiste nos autos especificação de que as intimações devam ser feitas em seu nome. Com base nesse entendimento, a Turma, por maioria, indeferiu habeas corpus em que se pedia a nulidade de intimação de decisão que negou provimento a agravo de instrumento que objetivava o processamento de recurso especial, por não constar o nome do advogado com escritório profissional nesta Capital, mas apenas do advogado residente no Estado de Mato Grosso. Vencido o Min. Sepúlveda Pertence, que deferia o habeas corpus, por entender que a intimação deveria ser feita em nome do advogado com escritório profissional em Brasília, independentemente da existência nos autos de petição requerendo que as intimações fossem feitas em seu nome.
HC 79.592-MT, rel. Min. Ilmar Galvão, 7.12.99.

SEGUNDA TURMA


Acórdão: Anulação Parcial e Prisão

A Turma, por maioria, indeferiu pedido de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ que, mantendo a custódia do paciente, anulou acórdão condenatório do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco a fim de que outro fosse proferido com a devida motivação da dosimetria da pena. Considerou-se que a manutenção da prisão do paciente não caracterizaria constrangimento ilegal, tendo em vista a anulação apenas parcial do acórdão. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que deferiam o pedido, por entenderem que se o paciente foi absolvido na primeira instância e condenado na segunda, uma vez anulado o acórdão condenatório, não poderia subsistir a prisão decorrente do mesmo.
HC 79.548-PE, rel. Min. Maurício Corrêa, 7.12.99.

Agravo Regimental e Sustentação Oral

A Turma deliberou afetar ao Plenário o julgamento de questão de ordem em que se discute a possibilidade de sustentação oral no julgamento de agravo regimental, com prévia publicação em pauta, contra a decisão do relator que dá provimento a recurso extraordinário com base no art. 557, §1º do CPC. Entendeu-se que eventual atendimento do pedido implicaria a alteração do Regimento Interno. (CPC, art. 557, § 1º: "Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.").
RE (AgRg) 247.520, rel. Min. Maurício Corrêa, 7.12.99.

Fiança e Concurso Material

Iniciado o julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do STJ, que indeferiu o pedido de arbitramento de fiança, com base na Súmula 81 - STJ - "Não se concede fiança quando, em concurso material, a soma das penas mínimas cominadas for superior a dois anos". Trata-se, na espécie, de pedido de fiança em crime cometido em concurso material, cuja soma das penas fixadas ultrapassa o quantum de 2 anos, previsto no art. 323, I do CPP. O Min. Celso de Mello, relator, proferiu voto indeferindo o pedido, ao fundamento de que, para efeito da concessão de fiança, deve ser considerada a soma das penas mínimas cominadas em concurso material. De outra parte, o Min. Marco Aurélio proferiu voto concedendo a ordem, ao entendimento de que deveriam ser consideradas as penas mínimas cominadas individualmente, e não a sua soma. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim. (CPP, art. 323: "Não será concedida fiança: I - nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a dois anos;").
HC 79.376-RJ, rel. Min. Celso de Mello, 7.12.99.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

--------

9.12.99

9

1a. Turma

7.12.99

--------

145

2a. Turma

7.12.99

--------

7



C L I P P I N G D O D J

10 de dezembro de 1999

ADI N. 1.793-4
RELATOR : MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: CONSTITUCIONAL. PROVIMENTO DA CORREGEDORIA-GERAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. VISA ADEQUAR MODIFICAÇÕES NOS SERVIÇOS DE PROTESTO DE TÍTULOS INTRODUZIDAS PELA LEI 9.492/97. ATO QUE NÃO É AUTÔNOMO. CONFRONTO ENTRE O PROVIMENTO E A LEI. HIPÓTESE DE ILEGALIDADE. NÃO HÁ OFENSA À CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AÇÃO NÃO CONHECIDA.

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA (AgRg) N. 527-9
RELATOR : MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL (IPI) CONTRA ENTE DIPLOMÁTICO - EMBAIXADA. COMPETÊNCIA DECLINADA PELO JUIZ FEDERAL. A REGRA DE IMUNIDADE E ESTADO ESTRANGEIRO NÃO É ABSOLUTA. AUSÊNCIA DE NORMA INTERNACIONAL DISCIPLINADORA. A IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO, NESTE CASO, NÃO AFRONTA A SOBERANIA NACIONAL. RESPEITO ÀS CONVENÇÕES DE VIENA DE 1961 E 1963. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
* noticiado no Informativo 125

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 242.550-2
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: RECURSOS DO PÚBLICO. CAPTAÇÃO PARA APLICAÇÃO EM OURO. EXIGÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL. RESOLUÇÕES NºS 1.428 E 1.429, DE 1987, DO BANCO CENTRAL. LEI Nº 4.595/64. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 160, I, DA EC 01/69; E 1º; 5º, II; 160, CAPUT, E PARÁGRAFO ÚNICO; 173, CAPUT, E §§ 4º E 5º; E 192, DA CF/88.
Ausência da alegada negativa à empresa do direito de continuar exercendo o comércio de ouro e de pedras preciosas, ou de reconhecimento, ao Estado ou ao Banco Central do poder de estabelecer restrição à dita atividade, muito menos que pudesse ser tida por exorbitante dos lindes do poder de fiscalização e repressão ao abuso do poder econômico ou de punição de atos contrários à ordem econômica e financeira e economia popular. Consideradas sujeitas à autorização do Banco Central, tão-somente, as operações de captação de recursos para aplicação em ouro ou em certificados de depósito desse metal, a título de investimento, cujo volume, de resto, não fica condicionado ao montante disponível do referido metal, que não é entregue ao adquirente, permanecendo em poder da empresa. Configuração, nesse caso, de atividade de natureza financeira, sujeita a autorização do Banco Central, na forma prevista nos atos regulamentares impugnados. Recurso não conhecido.
* noticiado no Informativo 164

Acórdãos publicados: 407


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
_______________________________________

Habeas Corpus N. 79.812-8 -SP (Medida Liminar)*

Relator: Min. Celso de Mello

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR INQUÉRITO. PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO. DIREITO QUE ASSISTE A QUALQUER INDICIADO OU TESTEMUNHA. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER PÚBLICO IMPOR MEDIDAS RESTRITIVAS A QUEM EXERCE, REGULARMENTE, ESSA PRERROGATIVA. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA.
- O privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito - traduz direito público subjetivo assegurado a qualquer pessoa que deva prestar depoimento perante órgãos do Poder Legislativo, do Poder Executivo ou do Poder Judiciário.
- O exercício do direito de permanecer em silêncio não autoriza os órgãos estatais a dispensarem qualquer tratamento que implique restrição à esfera jurídica daquele que regularmente invocou essa prerrogativa fundamental. Precedentes.
- Ninguém pode ser tratado como culpado, independentemente da natureza do ilícito penal que lhe possa ser atribuído, sem que exista decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da não-culpabilidade consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.

DECISÃO: A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que, não ocorrendo situação de dano atual ou de risco potencial à liberdade de locomoção física do paciente, não se revela admissível a utilização do remédio constitucional do habeas corpus (RTJ 135/593, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RTJ 136/1226, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 142/896, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RTJ 152/140, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ 161/856, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que, com a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do habeas corpus -, este writ passou a amparar, "única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos..." (RT 423/327 - RT 338/99 - RF 213/390 - RF 222/336 - RF 230/280).
Na realidade, a ação de habeas corpus - desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque - não se revela cabível (RTJ 66/396, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN - HC 69.854-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Assentadas tais premissas, passo a apreciar o pedido de medida liminar em função da única perspectiva, que, no caso presente, pode legitimar o conhecimento desta ação de habeas corpus.
O ora paciente, que é investigador de Polícia, em Campinas/SP, foi convocado a depor, "na condição de testemunha" (fls. 21), perante a CPI/Narcotráfico, no próximo dia 1º de dezembro.
Impõe-se, ao ora paciente, a obrigação de comparecer perante a CPI/Narcotráfico, incumbindo-lhe, ainda, o dever de responder às perguntas que lhe forem feitas, ressalvadas aquelas cuja resposta possa acarretar-lhe "grave dano" (CPC, art. 406, I, c/c o CPP, art. 3º, c/c a Lei nº 1.579/52, art. 6º).
Sabe-se que, embora comparecendo, assiste ao ora paciente o direito de se manter em silêncio, sem se expor - em virtude do exercício legítimo dessa faculdade - a qualquer restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às indagações que lhe venham a ser feitas pelos membros da CPI/Narcotráfico, possam acarretar-lhe grave dano (nemo tenetur se detegere).
É que indiciados ou testemunhas dispõem, em nosso ordenamento jurídico, da prerrogativa contra a auto-incriminação, consoante tem proclamado a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 78.814-PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.).
Cabe enfatizar que o privilégio contra a auto-incriminação - que é plenamente invocável perante as Comissões Parlamentares de Inquérito (NELSON DE SOUZA SAMPAIO, "Do Inquérito Parlamentar", p. 47/48 e 58/59, 1964, Fundação Getúlio Vargas; JOSÉ LUIZ MÔNACO DA SILVA, "Comissões Parlamentares de Inquérito", p. 65 e 73, 1999, Ícone Editora; PINTO FERREIRA, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 3, p. 126-127, 1992, Saraiva, v.g.) - traduz direito público subjetivo, de estatura constitucional, assegurado a qualquer pessoa pelo art. 5º, inciso LXIII, da nossa Carta Política. Convém enfatizar, neste ponto, que, "Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incumbe exclusivamente à acusação" (ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, "Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, 1997, RT - grifei).
É por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu esse direito também em favor de quem presta depoimento na condição de testemunha, advertindo, então, que "Não configura o crime de falso testemunho, quando a pessoa, depondo como testemunha, ainda que compromissada, deixa de revelar fatos que possam incriminá-la" (RTJ 163/626, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - grifei).
Com o explícito reconhecimento dessa prerrogativa, constitucionalizou-se, em nosso sistema jurídico, uma das mais expressivas conseqüências derivadas da cláusula do due process of law.
Qualquer pessoa que sofra investigações penais, policiais ou parlamentares, ostentando, ou não, a condição formal de indiciado, possui, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer em silêncio, consoante reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Esse direito, na realidade, é plenamente oponível ao Estado, a qualquer de seus Poderes e aos seus respectivos agentes. Atua, nesse sentido, como poderoso fator de limitação das próprias atividades de investigação e de persecução desenvolvidas pelo Poder Público (Polícia Judiciária, Ministério Público, Juízes, Tribunais e Comissões Parlamentares de Inquérito, p. ex.).
Cabe registrar que a cláusula legitimadora do direito ao silêncio, ao explicitar, agora em sede constitucional, o postulado segundo o qual Nemo tenetur se detegere, nada mais fez senão consagrar, desta vez no âmbito do sistema normativo instaurado pela Carta da República de 1988, diretriz fundamental proclamada, desde 1791, pela Quinta Emenda que compõe o Bill of Rights norte-americano.
Na realidade, ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. Trata-se de prerrogativa, que, no autorizado magistério de ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 111, item n. 7, 1997, RT), "constitui uma decorrência natural do próprio modelo processual paritário, no qual seria inconcebível que uma das partes pudesse compelir o adversário a apresentar provas decisivas em seu próprio prejuízo...".
O direito de o indiciado/acusado (ou testemunha) permanecer em silêncio - consoante proclamou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, em Escobedo v. Illinois (1964) e, de maneira mais incisiva, em Miranda v. Arizona (1966) - insere-se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E esse direito ao silêncio inclui, até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o depoente negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial, judiciária ou legislativa, a prática de qualquer infração penal.
É por essa razão que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC nº 68.742-DF, Rel. p/ o acórdão Min. ILMAR GALVÃO (DJU de 02/04/93), proclamou que o réu, ainda que negando falsamente a prática do delito, não pode, em virtude do princípio constitucional que protege qualquer acusado ou indiciado contra a auto-incriminação, sofrer, em função do legítimo exercício desse direito, restrições que afetem o seu status poenalis.
Esta Suprema Corte, fiel aos postulados constitucionais que expressivamente delimitam o círculo de atuação das instituições estatais, em sede de repressão criminal, enfatizou que qualquer indivíduo submetido a procedimentos investigatórios ou a processos judiciais de natureza penal "tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. Nemo tenetur se detegere. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal" (RTJ 141/512, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Em suma: o direito ao silêncio constitui prerrogativa individual que não pode ser desconsiderada por qualquer dos Poderes da República.
Cabe enfatizar, por necessário - e como natural decorrência dessa insuprimível prerrogativa constitucional - que nenhuma conclusão desfavorável ou qualquer restrição de ordem jurídica à situação individual da pessoa que invoca essa cláusula de tutela pode ser extraída de sua válida e legítima opção pelo silêncio. Daí a grave - e corretíssima - advertência de ROGÉRIO LAURIA TUCCI ("Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro", p. 396, 1993, Saraiva), para quem o direito de permanecer calado "não pode importar desfavorecimento do imputado, até mesmo porque consistiria inominado absurdo entender-se que o exercício de um direito, expresso na Lei das Leis como fundamental do indivíduo, possa acarretar-lhe qualquer desvantagem".
Esse mesmo entendimento é perfilhado por ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO ("Direito à Prova no Processo Penal", p. 113, item n. 7, nota de rodapé n. 67, 1997, RT), que repele, por incompatíveis com o novo sistema constitucional, quaisquer disposições legais que autorizem inferir, do exercício do direito ao silêncio, inaceitáveis conseqüências prejudiciais à defesa e aos interesses do réu ou do indiciado, como a advertência a que alude o art. 186 do CPP.
No sistema jurídico brasileiro, não existe qualquer possibilidade de o Poder Público (uma Comissão Parlamentar de Inquérito, p. ex.), por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer, sem prévia decisão judicial condenatória irrecorrível, a culpa de alguém.
Na realidade, os princípios democráticos que informam o modelo constitucional consagrado na Carta Política de 1988 repelem qualquer comportamento estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção e nem responsabilidade criminal por mera suspeita (RT 690/390 - RT 698/452-454).
É por essa razão que "Não podem repercutir contra o réu situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão irrecorrível do Poder Judiciário, especialmente naquelas hipóteses de inexistência de título penal condenatório definitivamente constituído" (RTJ 139/885, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Cabe ter presente, bem por isso, o próprio magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que, ao dar sentido e conseqüência ao postulado da não-culpabilidade, deixou assentadas, nesse tema, diretrizes que se revestem de um inequívoco significado político-jurídico concernente à preservação do regime constitucional das liberdades públicas, em nosso ordenamento positivo.
Com efeito, esta Suprema Corte já se pronunciou sobre a questão do necessário respeito estatal aos direitos de qualquer pessoa contra quem é instaurado procedimento de caráter investigatório (cuide-se de investigação policial ou trate-se de inquérito parlamentar), firmando entendimento que não permite reconhecer, fora das hipóteses previstas na Constituição, a validade de medidas que possam gerar restrições jurídicas à esfera de autonomia individual do indiciado, ou, excepcionalmente, da própria testemunha.
Nesse sentido, cabe ter presente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, na qual esta Corte deixou assentada diretriz da mais alta significação na exegese do princípio constitucional de que ninguém pode ser considerado culpado antes que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível:

"Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5)."
(RTJ 161/264-266, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

A natureza essencialmente democrática do regime político sob o qual vivemos confere sentido de permanente atualidade à lapidar decisão proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em acórdão da lavra do saudoso Des. VICENTE DE AZEVEDO, proclamou, sob a égide da Constituição de 1946, que, "Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal" (RT 165/596), e nem privado ou afetado em seus direitos, quando estes encontram pleno fundamento no ordenamento positivo.
Não constitui demasia enfatizar, neste ponto, que o princípio constitucional da não-culpabilidade, além de incidir, precipuamente, no domínio da prova (impondo, ao órgão estatal, o ônus de provar a culpa daquele a quem se atribuiu a prática de um crime), também consagra, em nosso sistema jurídico, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado e ao réu, como se estes já houvessem sido condenados definitivamente por sentença do Poder Judiciário.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro, em parte, o pedido de medida liminar, com o específico objetivo de assegurar, ao ora paciente, caso invoque, em seu benefício, em depoimento perante a CPI/Narcotráfico, o privilégio contra a auto-incriminação, o direito de recusar-se a responder a perguntas cujo esclarecimento possa acarretar-lhe grave dano jurídico.
A presente medida liminar - que não exonera o paciente do dever de comparecer perante a CPI/Narcotráfico (eis que regular o ato de sua convocação) - destina-se a impedir que José Corissa Neto, caso se recuse a responder a determinadas perguntas, com fundamento no privilégio contra a auto-incriminação, venha a sofrer, em função do regular exercício dessa liberdade político-jurídica (que lhe garante, em situações específicas, o direito de permanecer calado), qualquer constrangimento em seu status libertatis.
Transmita-se, com urgência, à Presidência da CPI/Narcotráfico, o teor da presente decisão.
2 . Requisitem-se informações ao órgão ora apontado como coator.
Publique-se.
Brasília, 29 de novembro de 1999.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 7.12.99


Mandado de Segurança n. 23.576 - DF (Medida Liminar)*

Relator: MIN. CELSO DE MELLO

EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. ADVOGADO. DIREITO DE VER RESPEITADAS AS PRERROGATIVAS DE ORDEM PROFISSIONAL INSTITUÍDAS PELA LEI Nº 8.906/94. MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA.
A Comissão Parlamentar de Inquérito, como qualquer outro órgão do Estado, não pode, sob pena de grave transgressão à Constituição e às leis da República, impedir, dificultar ou frustrar o exercício, pelo Advogado, das prerrogativas de ordem profissional que lhe foram outorgadas pela Lei nº 8.906/94.
O desrespeito às prerrogativas - que asseguram, ao Advogado, o exercício livre e independente de sua atividade profissional - constitui inaceitável ofensa ao estatuto jurídico da Advocacia, pois representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inadmissível afronta ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado. Medida liminar deferida.

DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança preventivo, com pedido de medida liminar, impetrado com a finalidade de obter ordem judicial que determine, à Presidência da CPI/Narcotráfico, o efetivo respeito às prerrogativas profissionais, que, por força e autoridade da lei (Lei nº 8.906, de 04/7/94), assistem ao ora impetrante, que é Advogado regularmente constituído por pessoa convocada a depor perante esse órgão de investigação parlamentar (Regis Xavier de Souza - fls. 38).
O ora impetrante, ao censurar o comportamento arbitrário em que alegadamente incidiu a CPI/Narcotráfico, quando das inquirições levadas a efeito em Campinas/SP, enfatiza que sofreu indevidas restrições no desempenho de sua atividade profissional como Advogado.
A parte impetrante, para justificar o receio de que os alegados abusos cometidos pela CPI/Narcotráfico possam, uma vez mais, comprometer, injustamente, o legítimo exercício da Advocacia, expõe os fatos ocorridos em Campinas/SP, no dia 19/11/99 (fls. 7/11):
"Fomos violentamente expulsos da sessão, após nos insurgirmos contra o tratamento indigno e ilegal que nos era dispensado, de pedirmos várias vezes que nos fosse concedida a palavra, pela ordem e de reiterarmos, outras tantas vezes, fosse formalmente indeferido o nosso requerimento, devidamente protocolado havia horas junto a mesa de trabalhos. Qual o quê! Sem nenhum fundamento legal e em situação absolutamente legítima, nos foi negada a palavra e, ao revés, nos ordenado que calássemos e sentássemos, imóveis, inúteis, omissos.
A autoridade coatora somente admitiu a presença física do impetrante à sessão, não admitiu que dela legitimamente participasse.
Nos foi imposto, e até ordenado, que permanecêssemos 'sentado e calado' (sic), atrás de nosso constituinte, proibidos de interceder até mesmo nas hipóteses contempladas em lei!
.......................................................
Fomos violentamente constrangidos com ordens de sentar e calar!
Por não nos submetermos aos desmandos do presidente daquela Comissão, agentes da polícia federal nos arrastaram aos trancos e barrancos - como não se deve retirar um bêbado inconveniente de um bar noturno - e nos atiraram para fora das dependências do tribunal do júri de Campinas, onde - ironicamente - acontecia a espetacular sessão.
.......................................................
Os desmandos, que culminaram com a expulsão do impetrante da sessão, foram iniciados pelo jovem deputado Robson Tuma, que, em determinado momento, simplesmente nos proibiu de sequer nos comunicarmos com o advogado que se encontrava ao nosso lado - constituído por outra 'testemunha' que estava sendo massacrada naquela ocasião. O abusado deputado se dirigiu a nós, advogados, mais ou menos da seguinte forma:
'peço aos advogados que não conversem mais entre si.'
.......................................................
Surpreendidos, estarrecidos e incrédulos com aquela absurda 'proibição', completamente inusitada, inusual, flagrantemente abusada e desprovida do mínimo de legalidade, de pronto nos vimos obrigados a nos insurgir, pedindo a palavra, pela ordem, ao presidente da Comissão, deputado Magno Malta - ora Autoridade coatora - o qual nos proibiu de qualquer manifestação, afirmando que advogado não poderia falar. Insistimos então para que indeferisse o nosso requerimento que se achava sobre a mesa. Não fomos ouvidos. Insistimos novamente, sem resultado. Indagamos do motivo da proibição de nos comunicar com o colega que se encontrava ao lado. Fomos então advertidos, sempre em altos brados, pelo presidente da Comissão:
'se quiser conversar com seu colega, chame-o e vá conversar lá fora.'
.......................................................
Lembramos ao presidente da comissão a nossa condição de advogado, detentor do direito de manifestação e intervenção verbal, quando necessário, pela ordem, de pé ou sentado, de acordo com a lei 8.906/94. De nosso direito de permanecer em pé ou sentado e de entrarmos e de sairmos dos locais públicos, como aquele, independentemente de licença, como, aliás, havia exaustivamente ponderado na notificação protocolada.
Sempre insistindo em nos calar, o arbitrário presidente nos 'ordenou':
'o senhor volte para o seu lugar e fique sentado e calado!'
.......................................................
Reafirmando nossos direitos, manifestamos o nosso propósito em permanecer em pé, não podíamos obedecer uma ordem manifestamente ilegal e arbitrária. Foi o suficiente para que o presidente suspendesse a sessão e ordenasse a nossa expulsão:
'A sessão está suspensa, queira a segurança retirar o advogado do recinto.'
Desrespeitados, maltratados, humilhados, ofendidos e postos à força para fora da sessão, nosso constituinte ficou só, abandonado à própria sorte, sem a devida e inalienável assistência jurídica de seu advogado constituído, à mercê daqueles inquisidores, que o massacraram, desrespeitando-o de todas as maneiras indesculpáveis e inadmissíveis, culminando por prendê-lo, ilegal e arbitrariamente, em flagrante, por desacato.
.......................................................
Quando éramos retirados à força da sessão, dada a truculência despropositada dos agentes da Polícia Federal, sob ordens do presidente da Comissão, ora autoridade coatora, o colega que se encontrava ao nosso lado, perplexo, o advogado Dr. Valdiner Alves da Silva - com o qual havíamos, minutos antes, sido proibidos de nos comunicar - foi atropelado e lançado ao chão, sendo ainda ridicularizado pela autoridade coatora.
Mesmo após a inconformada intervenção do digno presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Campinas, Dr. Aderbal da Cunha Bergo - voz solitária na defesa da legalidade naqueles dias - o presidente da Comissão, apesar de reconhecer o excesso, mais um, nos 'autorizou' a retornar à sessão, mas impôs uma condição: deveríamos permanecer sentados e calados, com o que não concordamos, pois não poderíamos simplesmente emprestar nossa inútil presença, apenas para conferir aparente legalidade àquela sessão.
Reconheceu ainda a ora autoridade coatora, inadvertidamente, a condição de 'acusado' de nosso constituinte, nomeando-lhe um 'curador' bem comportado - ante nossa recusa em participar daquela inquisição - o qual, de forma subserviente, sentou-se atrás de nosso constituinte e permaneceu, até às 3,30 horas da madrugada do dia 20.11.99, 'sentado e calado'." (grifei)

Passo a apreciar a postulação de ordem cautelar.
E, ao fazê-lo, destaco, preliminarmente, que compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, em sede originária, mandados de segurança impetrados contra Comissões Parlamentares de Inquérito constituídas no âmbito do Congresso Nacional ou no de qualquer de suas Casas.
Trata-se de entendimento que tem prevalecido na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RDA 196/195 - RDA 196/197 - RDA 199/205 - HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO), cujas decisões enfatizam que as Comissões Parlamentares de Inquérito - por constituírem a longa manus do próprio Congresso Nacional - sujeitam-se, em tema de mandado de segurança ou de habeas corpus, ao controle jurisdicional imediato desta Corte Suprema (RDA 47/286-304), especialmente quando se imputar, ao órgão de investigação parlamentar, a prática abusiva de atos, que, eventualmente afetados pela eiva da inconstitucionalidade, possam gerar injusta lesão ao direito subjetivo de qualquer pessoa ou instituição.
É por essa razão - e com apoio em autorizado magistério doutrinário (JOÃO MANGABEIRA, "Em Torno da Constituição", p. 99, 1934, Companhia Editora Nacional; PEDRO LESSA, "Do Poder Judiciário", p. 65/66, 1915, Livraria Francisco Alves; JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO, "Teoria Geral das Comissões Parlamentares - Comissões Parlamentares de Inquérito, p. 147, 1988, Forense; RAUL MACHADO HORTA, "Limitações Constitucionais dos Poderes de Investigação", in RDP, vol. 5/38; CARLOS MAXIMILIANO, "Comentários à Constituição Brasileira", vol. 2/80, 4ª ed., 1948; ROBERTO ROSAS, "Limitações às Comissões de Inquérito do Legislativo", in RDP, vol. 12/56-60; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 2/72, 1992, Saraiva, v.g.) - que tenho afirmado, a propósito da competência investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito, que estas não dispõem de poderes absolutos, devendo exercê-los com estrita observância dos limites formais e materiais fixados pelo ordenamento positivo e com plena submissão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República.
Na realidade, o sistema constitucional brasileiro - tendo presente a natureza essencialmente democrática do regime de governo - não admite e nem tolera que se formem, no âmbito do aparelho de Estado, núcleos orgânicos investidos de poderes absolutos.
As Comissões Parlamentares de Inquérito, à semelhança do que ocorre com qualquer outro órgão do Estado ou com qualquer dos demais Poderes da República, submetem-se, no exercício de suas prerrogativas institucionais, às limitações impostas pela autoridade suprema da Constituição.
Desse modo, não se revela lícito supor, na hipótese de eventuais desvios jurídico-constitucionais de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República.
Torna-se fundamental proclamar, neste ponto, que a concepção de poder - na estrutura de um Estado fundado em bases democráticas - deve conviver, necessariamente, com a idéia correspondente de limitação e de controle.
Esse paradigma de contenção, cuja observância se impõe aos detentores e exercentes do poder estatal, reflete um dos elementos essenciais que dão substância, no plano da teoria da Constituição e da organização da sociedade política, à noção mesma de Estado Democrático de Direito.
A necessidade ética e a exigência política de conformar, juridicamente, o exercício do poder - qualquer que seja o órgão estatal que o detenha - representam, sob tal aspecto, valores fundamentais e pressupostos de legitimação do Estado Democrático de Direito.
Tenho salientado, por isso mesmo, que as Comissões Parlamentares de Inquérito, no desempenho de seus poderes de investigação, estão sujeitas às mesmas normas e limitações que incidem sobre os magistrados judiciais, quando no exercício de igual prerrogativa. Vale dizer: as Comissões Parlamentares de Inquérito somente podem exercer as atribuições investigatórias que lhes são inerentes, desde que o façam nos mesmos termos e segundo as mesmas exigências que a Constituição e as leis da República impõem aos juízes, especialmente no que concerne ao necessário respeito às prerrogativas que o ordenamento positivo do Estado confere aos Advogados.
Esse entendimento nada mais reflete senão as próprias conseqüências que emanam dos fundamentos e dos princípios que regem, em nosso sistema jurídico, a organização e o exercício do poder.
Cabe reconhecer, por isso mesmo, que a presença do Advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em conseqüência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial.
As prerrogativas legais outorgadas aos Advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito - cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (CF, art. 133) - o exercício, perante qualquer instância de Poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor atuam.
Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições, que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado.
É preciso insistir no fato de que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito, embora amplos, não são ilimitados e nem absolutos.
Por isso mesmo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento definitivo do MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, deixou assentado, por unanimidade, "que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito - precisamente porque não são absolutos - sofrem as restrições impostas pela Constituição da República e encontram limite nos direitos fundamentais do cidadão, que só podem ser afetados nas hipótese e na forma que a Carta Política estabelecer".
Cabe ter presente, ainda, por necessário, que a circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal a advertir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA 196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD).
Nesse contexto, assiste ao Advogado a prerrogativa - que lhe é dada por força e autoridade da lei - de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do munus de que se acha incumbido esse profissional do Direito, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.
Por tal razão, nada pode justificar o desrespeito às prerrogativas que a própria Constituição e as leis da República atribuem ao Advogado, pois o gesto de afronta ao estatuto jurídico da Advocacia representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inaceitável ofensa ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado.
Sendo assim, tendo presentes as razões expostas - e considerando, sobretudo, as graves alegações constantes desta impetração -, defiro o pedido de medida liminar, para, nos estritos termos da Lei nº 8.906, de 04/7/94 (Estatuto da Advocacia), assegurar, ao ora impetrante, que é Advogado regularmente inscrito nos quadros da OAB/Seção de São Paulo, e que atua na defesa dos direitos de seu constituinte, Regis Xavier de Souza, a observância e o respeito, por parte do Senhor Presidente da CPI/Narcotráfico, e dos membros que a compõem, das seguintes prerrogativas estabelecidas no diploma legislativo mencionado:
(a) receber, no exercício de suas atribuições profissionais, "tratamento compatível com a dignidade da Advocacia", além de ter garantidas, para esse efeito, condições adequadas ao desempenho de seu encargo profissional (Lei nº 8.906/94, art. 6º, parágrafo único);
(b) direito de exercer, sem indevidas restrições, com liberdade e independência, a atividade profissional de Advogado perante a CPI/Narcotráfico (Lei nº 8.906/94, art. 7º, I);
(c) direito de manter contacto com o seu cliente, podendo interferir, nas hipóteses contempladas em lei, com o objetivo de dispensar-lhe efetiva assistência técnica que dê sentido e concreção à garantia constitucional que confere, a qualquer um - indiciado, ou não -, o privilégio contra a auto-incriminação (RDA 196/197 - HC 79.244-DF);
(d) direito de "permanecer sentado ou em pé (...), independentemente de licença", durante o período de inquirição de seu constituinte (Lei nº 8.906/94, art. 7º, VII);
(e) direito de "falar, sentado ou em pé" perante a CPI/Narcotráfico (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XII), quando se revelar necessário intervir, verbalmente, para esclarecer equívoco ou dúvida em relação a fatos, documentos ou afirmações que guardem pertinência com o objeto da investigação legislativa, desde que o uso da palavra se faça pela ordem, observadas as normas regimentais que disciplinam os trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito.

Finalmente, devo registrar que o Advogado - por dispor de imunidade profissional reconhecida em lei - goza da prerrogativa que lhe outorga, em razão do ofício, o art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/94.
2. Notifique-se a autoridade ora apontada como coatora, para, em dez (10) dias, prestar as informações a que se refere o art. 1º, a, da Lei nº 4.348/64.
3. Comunique-se, com urgência, à autoridade ora apontada como coatora, o teor da presente decisão.
Publique-se.
Brasília, 29 de novembro de 1999.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJU de 7.12.99


 
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Informativo STF - 174 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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