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terça-feira, 21 de outubro de 2008

Informativo STF 173 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 29 de novembro a 3 de dezembro de 1999- Nº173.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



ADC e Salário-Educação - 1
ADC e Salário-Educação - 2
Condição para Diferimento de ICMS
Homologação de Sentença Arbitral
PLENÁRIO


ADC e Salário-Educação - 1

O Tribunal, por maioria, julgou procedente ação declaratória de constitucionalidade promovida pelo Procurador-Geral da República para, com força vinculante, eficácia erga omnes e efeito ex tunc, declarar a constitucionalidade do art. 15, § 1º, I e II e § 3º da Lei 9.424/96, que dispõe sobre a contribuição social do salário-educação previsto no § 5º do art. 212 da CF (EC 14/96). Afastou-se a necessidade de lei complementar para sua instituição, dado que o salário-educação possui natureza tributária de contribuição, não se aplicando os arts. 146, III, a e 154, I, da CF, que se referem aos impostos. Salientou-se, ainda, que a contribuição do salário-educação está expressamente prevista no art. 212 da CF, o que afasta a aplicação do art. 195, § 4º da CF - que faculta, na forma do art. 154, I, da CF, a instituição de outras fontes destinadas à seguridade social (CF, art. 212. § 5º: "O ensino fundamental público terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação recolhida, pelas empresas, na forma da lei"). Considerou-se, também, não estar caracterizado o vício de inconstitucionalidade formal por ofensa ao parágrafo único do art. 65 da CF - determina que o projeto de lei emendado voltará à Casa iniciadora -, porquanto as alterações introduzidas pelo Senado Federal não importaram alteração do sentido da proposição legislativa e, somente nesta hipótese, o projeto de lei deveria ser devolvido à Câmara dos Deputados. Vencido o Min. Marco Aurélio que declarava a inconstitucionalidade formal do caput do art. 15, por inobservância da regra do art. 65 da CF, tendo em vista que o Senado Federal, ao substituir a expressão "folha de salários" por "total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título", alargou a base de incidência da contribuição, promovendo alteração substancial na proposição legislativa. Vencido, também, o Min. Sepúlveda Pertence, que acompanhava o voto do Min. Marco Aurélio para, em menor extensão, declarar a inconstitucionalidade formal, no caput do art. 15, da expressão "a qualquer título". [Lei 9.424/96, art. 15: "O Salário-Educação, previsto no art. 212, § 5º, da Constituição Federal é devido pelas empresas, na forma em que vier a ser disposto em regulamento, é calculado com base na alíquota de 2,5 % (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212/91"].
ADC 3-DF, rel. Min. Nelson Jobim, 2.12.99.

ADC e Salário-Educação - 2

Quanto à constitucionalidade material, o Tribunal, por unanimidade, entendeu que o art. 15 da Lei 9.424/96 contém os elementos essenciais da hipótese de incidência do salário-educação e que a expressão "na forma em que vier a ser disposto em regulamento" é meramente expletiva, haja vista a competência privativa do Presidente da República para expedir regulamentos para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV, in fine). Considerou-se, ainda, que o salário-educação não incide na vedação de identidade de base de cálculo (CF, art. 154, I e art. 195, § 4º) porque tem previsão constitucional expressa (CF, art. 212, § 5º).
ADC 3-DF, rel. Min. Nelson Jobim, 2.12.99.

Condição para Diferimento de ICMS

O Tribunal, por maioria, indeferiu medida liminar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional da Agricultura - CNA contra os artigos 9º, 10, 11 e 22 da Lei 1.963/99, do Estado do Mato Grosso do Sul, que criou o fundo de desenvolvimento do sistema rodoviário estadual - FUNDERSUL e condicionou o diferimento do ICMS de produtos agropecuários a que os produtores rurais remetentes das mercadorias contribuam para a construção, manutenção, recuperação e melhoramento das rodovias estaduais. À primeira vista, o Tribunal afastou as teses de inconstitucionalidade sustentadas pela autora da ação - por ofensa à exigência de lei específica e de convênio interestadual para revogação e criação de incentivos, aos princípios da não-cumulatividade, da igualdade, da anterioridade, não-vinculação da receita de impostos e da vedação de bitributação, e por extrapolar a competência estadual para instituir impostos - uma vez que a mencionada "contribuição" para a manutenção das rodovias, pela ausência de compulsoriedade, não tem natureza jurídica de tributo, tratando-se de uma faculdade para o contribuinte que quiser obter o benefício do diferimento. Considerou-se, ainda, que o Estado-membro, no exercício de sua competência legislativa, pode disciplinar o instituto do diferimento. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Moreira Alves, que deferiam a suspensão cautelar das normas impugnadas por fundamentos diversos, quais sejam, respectivamente, por aparente violação da competência estadual para instituir impostos (CF, art. 155) e por ofensa ao critério da razoabilidade.
ADInMC 2.056-MS, rel. Min. Néri da Silveira, 2.12.99.

Homologação de Sentença Arbitral

Concluído o julgamento de pedido de homologação de sentença arbitral, oriunda da Inglaterra, que condenou empresa brasileira por descumprimento de contrato de compra e venda mercantil firmado com empresa estrangeira sediada na República da Irlanda (v. Informativo 150). O Tribunal deferiu o pedido de homologação, por entender estarem presentes os requisitos dos artigos 38 e 39 da Lei de Arbitragem, salientando ser possível a homologação, pelo STF, de laudo arbitral estrangeiro, independentemente de prévia chancela do Poder Judiciário do país de origem, nos termos da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96, art. 31: "A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo"; e art. 35: "Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente à homologação do Supremo Tribunal Federal."). Afastou-se a discussão a respeito da constitucionalidade de dispositivos da Lei de Arbitragem, que está sob apreciação do Plenário nos autos da SE 5.206-Espanha (v. Informativo 71) - os quais dispõem que, existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a outra parte recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso (artigos 6º, parágrafo único, 7º, 41 e 42) -, tendo em vista que, na espécie, houve o comparecimento espontâneo das partes perante o juízo arbitral.
SEC 5.847-Reino Unido, rel. Min. Maurício Corrêa, 1º.12.99.

PRIMEIRA TURMA


À vista do feriado de 30.11.99, não houve sessão ordinária.

SEGUNDA TURMA


À vista do feriado de 30.11.99, não houve sessão ordinária.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

01.12.99

02.12.99

4

1a. Turma

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2a. Turma

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C L I P P I N G D O D J

3 de dezembro de 1999

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA N. 267-2 - questão de ordem
RELATOR : MIN. NÉRI DA SILVEIRA
EMENTA: - Competência. Ação ordinária de indenização contra a União Federal e a FUNAI. 2. Parque Nacional do Xingu. 3. Desapropriação indireta. 4. Denunciação da lide ao Estado-membro que vendeu o imóvel. Código de Processo Civil, art. 70. Hipótese em que os autores adquiriram o imóvel do Estado-membro. 5. A denunciação da lide não se faz per saltum. O STF, em casos semelhantes, não tem admitido a denunciação da lide ao Estado-membro e, conseqüentemente, afirma sua incompetência para processar e julgar, originariamente, a ação proposta. Precedentes. 6. Na desapropriação indireta, ocorre, tão-só, súplica de indenização pela perda do imóvel, cuja reivindicação se faz inviável. Não há, aí, espaço à invocação da regra do art. 70, I, do CPC. 7. Na presente hipótese, a FUNAI ajuizou, à sua vez, ação declaratória incidental de nulidade dos títulos dos autores. Essa ação não é cabível, pela impossibilidade, no caso, do simultaneus processus. 8. Inviável, destarte, a denunciação à lide do Estado de Mato Grosso e incabível a ação declaratória incidental, exclui-se o Estado de Mato Grosso da relação processual, afirmando-se, em conseqüência, a incompetência do STF para processar e julgar, originariamente, a ação, determinando a remessa dos autos ao Juízo Federal no Estado de Mato Grosso.
* noticiado no Informativo 145

AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA N. 573-1 - questão de ordem
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO PROPOSTA PELO MUNICÍPIO DE DELMIRO GOUVEIA, ESTADO DE ALAGOAS, CONTRA A COMPANHIA HIDROELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO - CHESF, O MUNICÍPIO DE PAULO AFONSO E O ESTADO DA BAHIA. Incompetência do STF para seu processamento e julgamento, tendo em vista não se achar configurada hipótese de conflito federativo, sendo insuscetível de levar a entendimento contrário simples requerimento, obviamente descabido, de citação do Estado de Alagoas para vir integrar a relação processsual no pólo ativo. Não-conhecimento da ação.
* noticiado no Informativo 166

ADIn N. 1.081-6 - medida liminar
RELATOR : MIN. NELSON JOBIM
EMENTA: - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LIMINAR. MEDIDA PROVISÓRIA 524. MENSALIDADE ESCOLAR. ATO JURÍDICO PERFEITO. Medida Provisória 524, de 7 de junho de 1994, que estabelece regras para a conversão das mensalidades escolares nos estabelecimentos particulares de ensino em Unidade Real de Valor (URV). Fixação de critério de conversão de mensalidade com efeito retrooperante. Aspecto de bom direito presente na tese da afronta ao ato jurídico perfeito (artigo 5º-XXXVI da CF). Demonstrado, por igual, o periculum in mora. Medida liminar deferida.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO N. 191.067-4
RELATOR : MIN. MOREIRA ALVES
EMENTA: - ICMS. Entidade de assistência social. Alegação de imunidade. - Esta corte, quer com relação à Emenda Constitucional n. 1/69 quer com referência à Constituição de 1988 (assim, nos RREE 115.096, 134.573 e 164.162), tem entendido que a entidade de assistência social não é imune à incidência do ICM ou do ICMS na venda de bens fabricados por ela, porque esse tributo, por repercutir economicamente no consumidor e não no contribuinte de direito, não atinge o patrimônio, nem desfalca as rendas, nem reduz a eficácia dos serviços dessas entidades. Recurso extraordinário não conhecido.
* noticiado no Informativo 168

Acórdãos publicados: 403


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
_______________________________________

Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 5-DF*
(v. Informativo 171)

Trechos do voto Min. Nelson Jobim, relator

Voto: 1. A CONTROVÉRSIA.
1.1. As decisões.
As decisões demonstram a controvérsia.
Algumas dão notícias de outras decisões pela inconstitucionalidade dos arts, 1º, 3º e 5º da L. 9.534/97.
Elas concluem pelo conflito das normas legais com o inciso LXXVI do art. 5º e com o art. 236, caput, da CF.
Leio, por todas:
"... deve ser observado que inciso LXXVI ... assegura a gratuidade dos atos necessários para o cumprimento dos deveres políticos. Essa gratuidade não compreende os atos de registro civil, cuja finalidade é certificar as ocorrências da vida, do nascimento à morte. Tanto é assim que o inciso LXXVI estendeu o benefício somente àqueles reconhecidamente pobres.
.............................
... a Lei 9.534/97 veio a isentar do pagamento de emolumentos todas as pessoas, independente de sua condição econômica, quando a Constituição Federal assegura esse direito aos reconhecidamente pobres ..." (fls. 11)

1.2. Os votos vencidos na ADIN 1800.
O Tribunal examinou a matéria na ADIN 1.800, em que fui relator.
O Tribunal negou a liminar.
Foram vencidos MAURÍCIO CORRÊA e MARCO AURÉLIO.
Sintetizo os fundamentos de ambos.

2. DADOS ESTATÍSTICOS.
Antes de examinar a demanda, entendo importante que o Tribunal conheça a situação no país, quanto a esses registros.
Leio em nota técnica do MINISTÉRIO DA SAÚDE:
"Estudos realizados pelo IBGE indicam que anualmente no Brasil 1/3 das crianças que nascem (cerca de 1 milhão de bebês) não são registrados civilmente. Os dados revelam ainda que o Nordeste concentra 56% do total de crianças não registradas e que o Maranhão possui o maior índice de subregistro de nascimento (84%). Em relação aos óbitos, a estimativa de mortes em menores de 1 ano em 1996 foi de aproximadamente 129.000, destes 58 mil foram enterrados sem certidão de óbitos, o qual dá um subregistro para o país de 43,7%.
............................" (fls. 96).
Estimativas indicam sub-registro de nascimento na ordem de 1.090.478 (Nordeste, 616.701; Norte, 245.645; Centro-Oeste, 65.955; Sudeste, 120.722; e Sul 41.455).
Os estudos indicam os custos e o sistemático descumprimento da gratuidade como causas, além de outras, da falta de registro.
Essa situação tem favorecido, inclusive, "... o surgimento dos cemitérios clandestinos encontrados principalmente no interior do Norte e Nordeste. ...".
É disso que vamos tratar.
Passo a analisar a demanda.
Utilizo-me, com adaptações, do voto que proferi na ADIN 1.800.

3. O REGISTRO DE NASCIMENTO E O ASSENTO DE ÓBITO. A CIDADANIA.
Impõe-se análise do registro de nascimento e do assento de óbito para identificarmos sua posição no sistema brasileiro.
Observo que um dos dispositivos discutidos alterou a L. 9.265, de 12 de fevereiro de 1996, que regulamenta o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição.
A questão é:
O registro de nascimento, o assento de óbito e suas primeiras certidões, são atos que se relacionam com a cidadania?
Sobre o tema há trabalho importantíssimo do Professor ROBERTO DAMATTA, extraordinário antropólogo brasileiro.
Refiro-me ao ensaio "A Mão Visível do Estado: Notas sobre o significado cultural dos documentos na Sociedade Brasileira".
DAMATTA sustenta que, "no Brasil, ..., a palavra 'documento' circunscreve um conjunto de experiências sociais fundamentais, demarcadas por uma das mais importantes exigências da cidadania moderna: o fato de cada cidadão ser obrigado por lei a ter vários registros escritos dos seus direitos e deveres, das suas capacidades profissionais, de sua credibilidade financeira e de sua capacidade política e jurídica junto ao Estado" (pág. 417).
Afirma que a identificação formal, "... concretizada na carteira de motorista ou na carteira de identidade, é um símbolo que materializa o que somos no sistema, estabelecendo os nossos direitos e deveres, os nossos limites e o nosso poder." (pág. 420).
O Brasil tem uma série de documentos que, para efeito do trânsito social do indivíduo, são relevantes:

(1) a carteira de identidade.
A Carteira de identidade é o documento central.
Diz DAMATTA que ela "prova quem é cidadão de modo legalístico e abstrato" (pág. 424).
Continua:
"[É] o documento mais importante, mais valorizado e mais inclusivo, é a 'carteira de identidade' emitida pela polícia que estabelece o seu portador junto ao 'mundo da rua', dando-lhe uma máscara cívica, estampada concretamente no retrato ... tirado de frente e com 'cara séria' que, com a estampa da impressão digital, são os focos desta cédula. Com ela se estabelece ... [um] elo genérico com o Estado e uma primeira prova de que a pessoa tornou-se também um cidadão, ou seja, um legítimo habitante do universo da rua, esse domínio marcado pela impessoalidade, pela formalidade e pelo 'movimento'. A carteira de identidade, por não provar, atestar ou habilitar coisa alguma, a não ser a existência do seu portador tal como ele ou ela é visto pelo Estado Brasileiro, é o documento - vale repetir - mais abstrato e universal existente na sociedade brasileira.
No Brasil, a posse da carteira de identidade é uma espécie de 'rito de passagem cívico' ..." (pág. 426).
Observe-se que, "... certas carteiras de identidade, como certas pessoas, mudam a atitude das autoridades. Carteiras de policial, de militar, de senador, deputado, vereador, livram o cidadão da 'batida' e da busca policial, promovendo inversões do comportamento do investigador que [passa, no mais das vezes,] da arrogância à subserviência. [É] a famosa 'carteirada'. ..." (pág. 427).
(2) a carteira de trabalho.
A seguir, em importância, vem a carteira do trabalho.
Esta "... comprova um elo de trabalho e garante certos direitos".
A Consolidação das Leis do Trabalho dispõe ser "a carteira de trabalho ... obrigatória para o exercício de qualquer emprego ... e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada" (art. 13).
A Carteira do Trabalho, criada pelo Estado Novo, passou a conferir, no dizer de WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS, uma "cidadania regulada" (apud DAMATTA).
LUIZ ANTONIO MACHADO DA SILVA, citado por DAMATTA, investigou como essa carteira é vista pelo indivíduo comum.
Diz:
"O símbolo de status mais valorizado é a carteira funcional ou profissional. Ela indica que o portador tem uma certa estabilidade ... A frase 'fulano é funcionário da' tem uma conotação ao mesmo tempo elogiosa e reconhecedora da superioridade do outro. Isto se explica, não só por causa da maior facilidade em obter crédito ... , como também pela proteção que o documento representa frente a polícia. ..."
É bom lembrar que o Estado Novo "... ampliou drasticamente suas zonas de controle, situando a mendicância e a vadiagem ..." como contravenções penais.
A falta de prova de ter trabalho, família e residência leva à prisão (KANT DE LIMA, citado por DAMATTA).
O Brasil tem, ainda, outros documentos relevantes

(3) o título de eleitor.
Após, vem o título de eleitor, "que demonstra que a pessoa vota" e se encontra no exercício do direito-dever político do voto.
(4) o cartão de contribuinte.
Temos "... o cartão de contribuinte do imposto de renda ou CPF ou CIC (que atesta que a pessoa tem renda e paga ou declara imposto de renda).

(5) a carteira de reservista.
Temos a carteira de reservista, "... que certifica a quitação com o serviço militar - um documento exigido para obter emprego ou tirar outros documentos, ...)".

(6) a carteira de motorista.
Lembro a "carteira de motorista", "... que indica ser a pessoa habilitada a dirigir veículos".

(7) as carteiras profissionais.
Há as carteiras profissionais.
Na área das profissões ligadas ao direito, lembro a carteira profissional de advogado.
A própria carteira de Ministro do Supremo Tribunal Federal.
É ostensiva - é ela vermelha.
É formal - tem a forma de uma bolsa retangular.
É "séria" - é preenchida à mão e em nanquim.
Ela adverte, na sua 6ª página(!), reproduzindo a legislação, que "o Ministro ... aposentado, conserva o título e as honras inerentes ao cargo".

(8) os despachantes e a desburocratização.
Face a essa abundância de documentos, "... criou-se, em torno dos órgãos expedidores de carteiras, certificados, [etc.] ... um verdadeiro mercado de trabalho paralelo, ... os ... 'despachantes'" (pág. 423).
A legislação brasileira começa mover-se para enfrentar essa pletora de documentos.
A L. 9.454, de 07 de abril de 1997, "institui o número único de registro de Identidade Civil", decorrente de projeto do Senador PEDRO SIMON, pelo Rio Grande do Sul.
A nova lei ataca a congestão numérica - cada documento tem um número próprio.
Já é um avanço na desburocratização do Estado.

3.1. A cidadania outorgada.
Por tudo isso, "os documentos revelam que, no Brasil, o Estado se manifesta concretamente por meio de dispositivos e exigências documentais e cartoriais ..." , afirma DAMATTA (pág. 428).
E conclui:
"... o Estado não desempenha apenas a função da administração coletiva, mas é também uma instância conferidora de cidadania e de dignidade social. ...".
É a modalidade brasileira de cidadania:
"... uma cidadania outorgada, legitimada, controlada e conferida pelo Estado, que se expressa materialmente por meio de uma série de documentos ..." (idem, pág. 429).

3.2. A importância dos documentos.
Há comportamentos sociais que são veementes quanto a importância dos documentos.
Basta passar os olhos nos classificados dos jornais brasileiros:
"Neles, pode-se ler o desespêro de pessoas que sabem que, sem seus documentos, perdem a segurança para movimentar-se. ... Do mesmo modo e pela mesma lógica, é comum nos assaltos ... negociar-se ..." para levar o dinheiro e deixar os documentos (pág. 425/426).

3.3. A certidão de nascimento.
Mas, o relevante é que, por detrás e como pré-requisito para esse conjunto de documentos, como "mãe de todos", está o registro e a certidão de nascimento, sem o qual não se obtém os demais.
O registro do nascimento dá ingresso e localização jurídica, na sociedade organizada.
A pessoa passa a ser reconhecida com membro de uma família legal.
Passa a ter "sobrenome".
É "alguém".
Aliás, para povos latinos, como o nosso, lembro as observações de THEODOR MOMMSEN.
MOMMSEN analisa, no clássico "A história de Roma", em Roma e na Grécia, o sistema dos nomes próprios e sua relação com a família.
Indica que "... mientras que en Grecia el nombre adjetivo de familia desapareció muy pronto, en Roma ... se convertió en principal, al que se subordinaba el nombre del individuo, el prenombre. ...".
Qual o "sobrenome" de Pitágoras, de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, de Péricles ... ?
Não temos indicações.
Na Grécia, o nome de família não tinha relevância e o tempo o fez desaparecer.
Restou, em alguns caso, a localidade de origem (Tales, de Mileto ...).
Já para os romanos, a situação é outra.
Prevaleceu o nome da família.
No mais das vezes eram chamados e eram e ficaram conhecidos pelo nome da família: CÍCERO, não Marcus Tulio; SÊNECA, não Lucius Anneus; CESAR, não Julius; LUCRECIO, não Titus ... Caro.
Isso passou para os povos latinos.
No Brasil, o registro de nascimento certifica que o indivíduo integra um grupo familiar e social.
"A personalidade civil ... começa com o nascimento com vida".
É o Código Civil (art. 4º).
O nascimento será registrado no Registro Civil de Pessoas Naturais.
Está na Lei dos Registros Públicos (n. 6.015/73, art. 29,I, e 50).
Se o nascimento não for dado a registro no prazo de 15 dias, a lei impõe multa (art. 46, LRP, 1/10 do salário mínimo).
Já o assento de óbito consiste na transformação da morte biológica em morte social e legal.
Deixa a pessoa de integrar o grupo.
É defunto, que vem de "defunctus", o que deixa de ter funções, que já cumpriu.
"A existência da pessoa natural termina com a morte ...".
Está no Código Civil (art. 10).
Os óbitos serão registrados no Registro Civil de Pessoas Naturais (art. 29, III da Lei dos Registros Públicos).
"Nenhum sepultamento será feito sem certidão ...", preceitua o art. 77 da LRP.
São atos e documentos que certificam o início e o fim da cidadania.
É deles que esta demanda trata.
É sobre a gratuidade desses atos do Estado que vamos discutir.

4. AS PREMISSAS.
Fixo algumas premissas.
A CF dispõe serem gratuitos "..., na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania" ((art. 5º, LXXVII).
Sobre as serventias e seus titulares, o STF já se definiu:
(P1) ADIN 1.298 (CELSO, 30.11.95; DJU 30.05.97): [ ... ]
(P2) ADIN 1.378 (CELSO): [ ... ]

Com essas premissas, o Tribunal concluiu:
(C) RE 178.236 (GALLOTTI, paradigma do Pleno, 07.03.96; RE 189.736, MOREIRA ALVES, 1ª Turma, 26.03.96): [ ... ]

5. AS DECISÕES.
Postas as premissas, examino os fundamentos por um juízo de inconstitucionalidade, expressados nas decisões mencionadas, como em memoriais e, também, na ADIN 1.800 e nos votos vencidos.
Leio, na CF:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público."
§2.º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Na inicial da ADIN 1.800, sustenta-se que a "gratuidade" instituída na lei importa:
(1) "... na aniquilação injustificada do direito do serventuário à percepção dos emolumentos previstos no art. 236, § 2º, da Constituição Federal. ..." (Fls. 26);
(2) na criação de "... hipótese perversa de requisição de serviço ..." (fls. 20);
(3) em expropriação de renda, e
(4) violação do devido processo legal.

Nas decisões, memoriais e votos vencidos na ADIN 1.800 sustenta-se que a lei não poderia ampliar o benefício outorgado pela Constituição de gratuidade somente aos reconhecidamente pobres (CF, art. 5º, LXXVI).
Sustentou-se que o tema deveria ser tratado exclusivamente com base no inciso LXXVI e não pelo inciso LXXVII do art. 5º da CF.

5.1. As questões.
Analiso esses fundamentos.
5.1.1. O direito à percepção de emolumentos e o caráter não proibitivo do art. 5º, LXXVI.
Identifico dois enunciados no caput do art. 236 e no seu §2º, quanto a esses serviços:
(E.1) "são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público"; e
(E.2) são remunerados por emolumentos.
Como decorrência desses enunciados, emerge a seguinte pergunta:
Há direito subjetivo constitucional à percepção de emolumentos por todos os atos praticados?
Ou, dito de outra forma:
Há obrigação constitucional à instituição de emolumentos para todos e quaisquer um dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro?
Pretendem que a resposta seja positiva.
Admitem, como única exceção à regra, o disposto no art. 5º, LXXVI.
Não admitem que o legislador ordinário possa ir além.
Dizem que "... compete ao legislador, ..., apenas dar contornos mais precisos à locução 'reconhecidamente pobres' ... [do art. 5º, LXXVI]" (inicial da ADIN 1.800, fls. 20).
MAURÍCIO e MARCO AURÉLIO, nos votos da ADIN 1.800, expressaram essa posição: a gratuidade deverá se circunscrever aos "reconhecidamente pobres".
Admitida essa posição, a interpretação literal do art. 5º, LXXVI, b, nos levaria a que o registro de óbito, mesmo aos reconhecidamente pobres, não poderia ser gratuito.
Só a sua certidão, porque a Constituição diz ser gratuita a certidão e não o registro!
O argumento não menciona, por exemplo, à celebração do casamento civil, que é também gratuita (art. 226, §1º, CF).
E, mais.
Esse argumento lê uma expressão que o texto constitucional não possui.
Referi-me ao inexistente adjetivo "só".
A Constituição não dispõe que "só" serão gratuitos esses atos para os reconhecidamente pobres.
A Constituição garantiu aos reconhecidamente pobres a gratuidade.
Não se pode concluir da garantia para uns a proibição para outros.
O silogismo não se sustenta.
Da premissa "a constituição garante a gratuidade para os reconhecidamente pobres" não se segue que a gratuidade não pode ser estendida para outros.
A regra constitucional somente assegura a gratuidade a alguns.
Não proíbe a gratuidade para outros.

5.2. Dos emolumentos
Mas, volto à questão.
Para enfrentar às questões, é necessário discorrer sobre os emolumentos.
Vejamos.
A L. 8.935, de 18 de novembro de 1994, dispõe que "os notários e oficiais de registro ... têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia ..." (art. 28).
Pergunto:
A que título se paga emolumentos aos oficiais de notas e registros?
São os emolumentos uma remuneração de natureza privada, como os honorários de advogados?
O Tribunal, em 1979/1981, na Representação 997, examinou a questão (RTJ 100/976-987).
Lá, MOREIRA ALVES faz resenha do tema e conclui:
"... as custas devidas [aos serventuários] o são pela contraprestação do serviço público que o Estado, por intermédio deles, presta aos particulares que necessitam dos serviços públicos essenciais prestados pelo foro judicial e extrajudicial. Essas custas são receita pública que fazem as vezes de remuneração aos funcionários públicos que são os serventuários não-oficializados. ... Não se trata ... de contribuição exigida, pelo Estado, de um particular, em favor de outro particular, por ocasião da prestação de um serviço público essencial por parte do Estado e realizado por funcionário público. ..." (pág. 986).

A doutrina tem passagem incisa.
Leio PONTES DE MIRANDA: [ ... ]

Nada diverso se ouviu, nesse Tribunal, em diferentes momentos.
Para 1973, leio ELOY DA ROCHA:
"... A serventia não é empresa, quer pelo objeto da atividade, quer pela relação jurídica existente entre o titular da serventia e o Estado. Pode ser empresa o ofício que exercita atividade pública desse tipo? ... a organização é regulada por lei; o serviço fica sujeito ao controle e à disciplina judicial. ...". Assim votou o velho professor da Faculdade de Direito de Porto Alegre (Repres. 891, RTJ 68/311).

Em 1996, disse GALLOTTI:
"... Não é de clientela - a relação entre o serventuário e o particular ... mas informada pelo caráter de autoridade, revestida pelo Estado de fé pública. Nem é de livre escolha a suposta freguesia, mas sempre cativa nos cartórios de registro e, freqüentemente, no de notas ..." (RE n.º 178.236).

Portanto, sintetizo:
(a) o particular não é cliente;
(b) o serventuário não é empresário.

O que são, então, esses pagamentos nominados de custas ou emolumentos?
O Tribunal respondeu em 1973, na Representação 891 (DJACI FALCÃO).
Leio, na Ementa:
"As custas, conceituadas como espécie de taxa ... constituem, sempre, ... especial retribuição devida ao Estado, em razão da prestação de serviço público ..." (RTJ 68/283).

Aliás, MOREIRA ALVES, então Procurador da República e autor da Representação 891, já sustentava a natureza tributária das custas e emolumentos.
A resposta do Tribunal, em 1995, foi a mesma de 1973 (ADIN 1.378, CELSO, cita precedentes).
Leio extrato da ementa de CELSO:
"... os emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se ... ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios ... (a) da reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d) da anterioridade ...."

5.3. Reformulação da pergunta.
Os emolumentos são, portanto, taxas.
Perguntei acima:
Há obrigação constitucional à instituição de emolumentos para todos e quaisquer um dos atos praticados pelos serviços notariais e de registro ?
Reformulo a pergunta:
Há obrigação constitucional do Estado na instituição de taxas pela prestação de serviços públicos?
A resposta é negativa.

6. CONCLUSÃO
6.1. Possibilidade da prestação de serviços públicos gratuitos.
É assente que "... nada impede que o Estado preste um serviço público ou pratique um ato de polícia a título gratuito. ...".
Está no poder do Estado, por meio da lei, instituir, ou não, taxas para remunerar os serviços que presta.
Lê-se, na Constituição, sobre o tema, que "a lei federal estabelecerá normas gerais para a fixação de emolumentos ..." (art. 236, §2º).
E é só.
Essa regra não autoriza a conclusão pela existência de uma obrigação constitucional à fixação de emolumentos - que são taxas - por todos e quaisquer atos de serventias.

6.2. A competência da União.
Por outro lado, lei da União pode dispor sobre a gratuidade de serviços dos Estados.
Sendo competência da União dispor sobre a matéria, pode ela definir as hipóteses de remuneração, sem prejuízo de uma competência supletiva dos Estados.
No caso, é competência privativa da União legislar sobre registros públicos (art. 22, XXV).
Essa competência já vinha das Constituições anteriores (1934, art. 5º,XIX a; 1937, art. 15, XX; 1946, art. 5º, XV, e; 1967, art. 8º, XVII, e; EC 1969, art. 8º, XVII, e).
No exercício dessa competência, dispôs a União sobre os registros públicos na L. 6.015, de 31.12.1973.
Sobre emolumentos, a lei dispôs que os oficiais de registro "... terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios ..." (art. 14).
A Lei estabeleceu, para exemplificar, uma hipótese de redução dos emolumentos fixados pelos Estados: redução de 50% dos "emolumentos devidos com a primeira aquisição imobiliária ... financiada pelo Sistema Financeiro da Habitação ..." (art. 290).
A Lei federal chegou a fixar tetos:
(a) nas aquisições em que fosse parte cooperativa habitacional, os emolumentos não poderiam "... exceder o limite de ... 40% do maior valor de referência" (art. 290, §1º);
(b) "nos demais programas de interesse social, executados pelas COHABs ....", o valor não poderia ultraprassar de 10%, 15% e 20% do valor de referência, vinculada à área do imóvel (art. 290, §2º).

Quanto a gratuidade de registro, as Constituições de 1946, e 1967/1969, não tinha nenhuma regra.
Inobstante isso, a lei institui a gratuidade mitigada.
Leio a redação original do art. 30:
Art. 30. Das pessoas comprovadamente pobres, à vista de atestado da autoridade competente, não será cobrado emolumento pelo registro civil e respectiva certidão.

Em 1989, a L. 7.844/89 modificou a regra.
Introduziu, na L. 6.015/73, a norma do art. 5º, LXXVI, da CF.
E, após, veio a lei ora discutida, que alterou o art. 30 e universalizou a gratuidade.
Antes disso, a L. 8.935/94, regulamentou o art. 236 da CF.
Lá legislou amplamente sobre o tema.
Definiu os direitos e deveres dos notários e oficiais de registro (art. 28 a 30).
Dispôs ser direito dos notários e oficiais de registro a percepção integral dos emolumentos fixados pelos atos praticados (art. 28).
Definiu como infração disciplinar "... a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos ..." (art. 31, III).
O art. 45, na redação original, reproduziu a regra constitucional da gratuidade (art. 5º, LXXVI).
A União, na linha das disposições da L. 8.935/94 e pela L. 9.534/97, altera a redação do art. 45 e redefine o âmbito da gratuidade, universalizando-a.
Nada diverso se passou com o direito processual.
Lei da União, desde 1950, dispõe sobre a assistência judiciária na justiça penal, civil, militar ou do trabalho (L. 1.060./50, art. 1º e 2º).
No entanto, aos Estados, na área da justiça comum, corresponde a prestação dos serviços.
Lei da União dispôs, em 1950, sobre a gratuidade de serviços dos Estados.
Observo, como mera curiosidade, que a ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL - ANOREG, autora da ADIN 1.800 e do Mandado de Segurança Coletivo no RGN, referido nos autos (fls. 13), já fez afirmações diversas.
Na ADIN 1.366, onde impugnou itens de Provimento da Corregedoria de Justiça do T.J. do Paraná, sustentou a incompatibilidade daqueles atos estaduais com o art. 22, XXV da Constituição e afirmou:
"... sendo da competência exclusiva da União legislar sobre registros públicos, somente lei federal poderá estabelecer outras gratuidades, para atos não contemplados na Constituição ..." (CELSO, despacho que não conheceu da ação, de 09.08.96, DJU, 27.08., p. 29882).

De resto, no caso, "são gratuitos ..., na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania" (CF, art. 5º, LXXVII).
Como demonstrei, o registro de nascimento é condição inafastável do reconhecimento da cidadania.
É a base para o exercício da cidadania e de todos os atos a ela inerentes.
A L. 9.534/97 universalizou a gratuidade, pois, como é assente, reconheceu que o registro de nascimento e o assento de óbito estão no início e no término da cidadania.

6.3. Direito à percepção integral dos emolumentos fixados.
Digo mais.
Têm os notários e registradores o direito de perceber os emolumentos que forem instituídos para a prática dos atos da serventia.
Fixados emolumentos, são eles percebidos pelos titulares das serventias.
De forma integral, diz a lei (L. 8.935/94, art. 28).
Aliás, temos precedente.
O Tribunal, em liminares, suspendeu a eficácia de dispositivo de lei que destinava parte dos emolumentos para terceiros (Direção do Fórum, Caixa de Assistência dos Advogados e Associação dos Magistrados, etc. - ADIN 1.378).
Lê-se, da ementa de CELSO (ADIN 1.378-ES):
"... Qualificando-se as custas ... e os emolumentos ... como taxas ..., nada pode justificar seja o produto de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente ... ou, então, à satisfação das necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades meramente privadas. ..."

Não têm eles direito constitucional à instituição de emolumentos para todos e quaisquer atos.
Têm eles, isto sim, o direito de perceber, de forma integral, os emolumentos que forem fixados por lei e no valor por ela estabelecido.
Nessa linha, o Tribunal acompanhou MARCO AURÉLIO ao negar liminar quanto à lei do Estado de Minas Gerais que outorgou "isenção do pagamento de emolumentos relativos a registro de atos ... às entidades beneficentes de assistência social ..." (ADIN 1624).
Disse MARCO AURÉLIO:
"... o fato de a Carta não dispor expressamente sobre a isenção, consideradas as entidades beneficentes de assistência social em regular funcionamento, declaradas de utilidade pública, ... não consubstancia óbice a que o Estado, no âmbito da conveniência e oportunidade política legislativa, faça-o ..." .

Por outro lado, o Tribunal examinou, com MOREIRA ALVES, pedido de inconstitucionalidade de provimento do T.J. de São Paulo que autorizava ao seu Presidente "... quando consultar o interesse público e verificada a existência de Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais com renda insuficiente, ..." firmar "... convênio com os Municípios, com a finalidade de manutenção desses serviços" (ADIN 1.450).
Afirmou MOREIRA ALVES que, "tratando-se de serviço público essencial ..." eram "... relevantes as ponderações ... das informações, no sentido de demonstrar ... que não há violação do artigo 236 da Constituição, visto como não pretende excluir o exercício dessa atividade em caráter privado, ...".
Por fim, é descabido falar-se em violação às regras constitucionais que tratam da requisição (art. 5º, XXV e 22, III), da expropriação de renda (arts. 145 e sgs.) e do devido processo legal (art. 5º, LIV).
Esses fundamentos se embasam, ideologicamente, na concepção da "propriedade privada dos cartórios".
Informa PONTES DE MIRANDA que, sobre o assunto, "... há, na longa história do direito luso-brasileiro, três períodos:
I - O período em que o titular de ofício ... era proprietário, mas aos poucos se foram esvaziando de conteúdo o conceito de proprietário e o chamado direito consuetudinário de sucessão dos cartórios, que continuou, a despeito da proibição ...;
II - O período em que se aboliu toda a ligação aos direitos de propriedade, iniciado com a Lei de 11 de outubro de 1827;
III - O período do direito constitucional à vitaliciedade (Constituição de 1946, art. 187). ...".

O argumento está com o primeiro período.
É a "concepção de propriedade dos cartórios" que determina a referência:
(a) à requisição do Art. 5º, XXV;
(b) à expropriação de renda;
(c) ao devido processo legal do art. 5º, LIV.

Não se trata de propriedade.
A atividade é objeto de delegação, que consiste na "... transferência para outrem do exercício de funções próprias" (Flamínio Franchini, in La Delegazione Amministrativa, Milão, 1950, p. 12).
Observo, ao Tribunal, que o tema já foi analisado em diversas ações ajuizada pela ANOREG.
Ela rebelou-se contra isenções concedidas por leis estaduais e por atos de Tribunais Estaduais.
São elas: [ ... ]
Deixo de tecer comentários sobre a informação que emerge dessas ações.
Basta atentar para os dispositivos impugnados, para compreender-se natureza do conflito e seu substrato.

6.4. A solução do SF e CD.
Falou-se em transferir-se ao Poder Público os emolumentos exigidos dos cidadãos ou aos demais serviços.
Quando da tramitação do projeto de lei, o texto que chegou à Presidência da República para sanção, dispunha que "as despesas com a gratuidade ... [seriam] ... custeadas pelos demais serviços notariais e de serviços ...".
Previa uma espécie de "fundo", administrado por um colegiado composto de notários e registradores.
O Presidente da República apôs veto.
Parece evidente, que a fórmula, então proposta, importaria em não eliminar a gratuidade.
Outros passariam a pagar os emolumentos.
Os recursos desse "fundo" teriam origem em emolumentos devidos por outros atos que não de nascimentos e óbitos - registro de imóveis, protestos, etc.
Pura e simplesmente, parte dos emolumentos pagos para outros registradores e notários, decorrentes de atos distintos, estariam sendo destinados aos serviços ora em discussão.
A solução vetada esbarrava, inclusive, no precedente da ADIN 1.378 (CELSO), já referida:
"... nada pode justificar seja o produto da ... arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente (pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo vinculado - restaria descaracterizada) ..." (Ementa CELSO).

6.5. Finalização.
Finalizo.
Elenco as premissas:
(1) os atos relativos ao nascimento e ao óbito estão na base da cidadania e do seu exercício;
(2) está no elenco dos direitos e garantias constitucionais que "são gratuitos ..., na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania" (art. 5º, LXXVII);
(3) os titulares das serventias de notas e registros "... são típicos servidores públicos ..." (ADIN 1.298, CELSO);
(4) "... a atividade notarial e registral ... [sujeita-se] ... a um regime de direito público ..." (ADIN 1.378, CELSO);
(5) "... Não é de clientela a relação entre o serventuário e o particular ..." (RE n.º 178.236, GALLOTTI);
(6) os emolumentos são devidos como "... contraprestação do serviço público que o Estado, por intermédio ...[dos serventuários] ... presta aos particulares que necessitam dos serviços públicos essenciais ..." (REPRESENTAÇÃO 997, MOREIRA);
(7) "... os emolumentos ... possuem natureza tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos ..." (ADIN 1.378, CELSO);
(8) não há impedimento que o Estado preste serviço público a título gratuito, ou, como diz MARCO AURÉLIO, relativo a entidades beneficentes: "... o fato de a Carta não dispor expressamente sobre a isenção ... não consubstancia óbice a que o Estado, no âmbito da conveniência ou oportunidade política, faça-o ..." (ADIN. 1.624);
(9) são serviços "...exercidos ... por delegação do poder público" (art. 236, CF).
e, finalmente,
(10) a União tem competência para legislar sobre a matéria (CF, art. 22, XXV e 236, §2º).

Não há direito constitucional à percepção de emolumentos por todos os atos que delegado do poder público pratica.
Não há, por conseqüência, obrigação constitucional do Estado de instituir emolumentos para todos esses serviços.
Há, isto sim, o direito do serventuário em perceber, de forma integral, a totalidade dos emolumentos relativos aos serviços para os quais tenham sido fixados emolumentos.
Concluo, como já fiz, em linha inversa, na ADIN 1.800, pela plausível constitucionalidade dos arts. 1º, 3º e 5º da L. 9.534/97.
Não desconheço os problemas que a gratuidade causa e causará à prestação dos serviços, da competência dos Estados Federados.
Os problemas deverão ser enfrentados e solucionados no local competente, que é outro.
De resto, para efeitos de ação direta, o Tribunal já reconheceu, na ADIN 1.800, a plausibilidade dos arts. 1º, 3º e 5º, da L. 9.534/97.
Lá foi negada a liminar.
Aqui estamos perante a situação da dupla-mão, que a ajusta ao já decidido.
Pede-se liminar para se assegurar a aplicação da gratuidade.
Conheço da ação.

Defiro a liminar, com eficácia "ex nunc" e força vinculante (L. 9.868, 10.11.1999, art. 21) para, até o julgamento definitivo da presente ação:

a) sustar a prolação de qualquer decisão em processos que digam respeito à legitimidade constitucional, eficácia e aplicação dos dispositivos abaixo mencionados e

b) suspender os efeitos de todas a decisões não transitadas em julgado e de todos os atos normativos que negaram legitimidade constitucional, eficácia e aplicação, parcial ou integral, ao disposto no art. 30, da L. 6.015/73, no art. 1º, inciso I, da L. 9.265/96 e no art. 45, da L. 8.935/94, com a redação dada pelos arts. 1º, 3º e 5º da L. 9.534, de 10.12.1997.

* acórdão pendente de publicação


 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 173 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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