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segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Informativo STF 158 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 16 a 20 de agosto de 1999- Nº158.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



Compensação de Créditos de ICMS
Competência da Justiça do Trabalho
CPI e Poderes de Investigação - 1
CPI e Poderes de Investigação - 2
Livre Iniciativa e Educação
Não-Atualização de Valores: Ato Discricionário
Prequestionamento e Nulidade
Processo Legislativo e Matéria Interna Corporis
União Federal: Legitimidade Passiva
PLENÁRIO


Processo Legislativo e Matéria Interna Corporis

O Tribunal, por maioria, não conheceu de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra a Lei 7.483/99, do Estado da Bahia, que autoriza o Poder Executivo a promover a desestatização da Empresa Baiana de Águas e Saneamento S/A - EMBASA e dá outras providências. Considerou-se que o fundamento do autor da ação, qual seja, inconstitucionalidade formal da lei atacada por ofensa ao processo legislativo - em que se sustentava não ter sido observada norma do regimento interno da Assembléia Legislativa estadual, segundo a qual, seria obrigatório o encaminhamento do projeto de lei à Comissão de Saúde - é assunto interna corporis, não sujeito à apreciação pelo Poder Judiciário. Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, que conhecia da ação e concedia a medida liminar para suspender, até decisão final, a eficácia da Lei impugnada por aparente ofensa ao devido processo legislativo.
ADIn 2.038-BA, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Nelson Jobim, 18.8.99.

Livre Iniciativa e Educação

Indeferida medida liminar requerida em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino - CONFENEN contra a Medida Provisória nº 1.890-64/99 em sua totalidade - que dispõe sobre o valor total anual das mensalidades escolares e dá outras providências - e, especificamente, contra seus artigos 7º e 11, que proíbem a suspensão de provas escolares e a retenção de documentos por motivo de inadimplemento e estabelecem obrigações para as instituições de ensino superior. À primeira vista, o Tribunal, por maioria, entendeu não haver plausibilidade jurídica na tese de inconstitucionalidade sustentada pela autora da ação - em que se alegava ofensa aos artigos 1º, IV; 62; 173, § 4º; 174 e 209, todos da CF -, vencido o Min. Marco Aurélio, que deferia a liminar, por entender não ser possível a reedição de medida provisória e por estarem ausentes os requisitos de relevância e urgência para sua edição (CF, art. 62). Precedente citado: ADIn (QO) 319-DF (RTJ 149/666).
ADInMC 1.992-DF, rel. Min. Sydney Sanches, 18.8.99.

CPI e Poderes de Investigação - 1

As Comissões Parlamentares de Inquérito - CPI têm poderes de investigação vinculados à produção de elementos probatórios para apurar fatos certos e, portanto, não podem decretar medidas assecuratórias para garantir a eficácia de eventual sentença condenatória (CPP, art. 125), uma vez que o poder geral de cautela de sentenças judiciais só pode ser exercido por juízes. Com esse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança para tornar sem efeito ato do Presidente da chamada CPI dos Bancos que decretara a indisponibilidade dos bens dos impetrantes. Precedente citado: MS 23.452-DF (DJU de 8.6.99; Leia o inteiro teor da decisão na seção de Transcrições do Informativo 151).
MS 23.446-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 18.8.99.

CPI e Poderes de Investigação - 2

O Tribunal, por unanimidade, deferiu mandado de segurança impetrado contra ato da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado Federal, que determinou a expedição de mandado de busca e apreensão de documentos relativos às atividades profissionais, contábeis ou comerciais dos impetrantes. O Tribunal entendeu que a CPI, ao exercer a competência investigatória prevista no art. 58, § 3º da CF, está sujeita às mesmas limitações constitucionais que incidem sobre as autoridades judiciárias, devendo, dessa forma, fundamentar as suas decisões (CF, art. 93, IX). Salientou-se, também, que o mandado de busca e apreensão deveria ser específico quanto à diligência a ser efetuada e não poderia, de forma alguma, delegar à autoridade policial o poder de selecionar os documentos a serem apreendidos. De outra parte, os Ministros Ilmar Galvão e Octavio Gallotti entenderam que a amplitude genérica do mandado de busca e apreensão e a delegação à autoridade policial do poder de selecionar os documentos a serem apreendidos seriam suficientes para a concessão da segurança. Em maior extensão, os Ministros Marco Aurélio, relator, Celso de Mello e Carlos Velloso também concederam a ordem por entenderem que, além dos fundamentos acima expostos, a CPI não poderia deliberar sobre o instituto da busca e apreensão domiciliar, por se tratar de ato cuja prática a CF atribui com exclusividade aos membros do Poder Judiciário.
MS 23.454-DF, rel. Min. Marco Aurélio, 19.8.99.

União Federal: Legitimidade Passiva

A União Federal não possui legitimidade para integrar o pólo passivo de ação movida para declarar a nulidade de cláusulas de contratos de que não tenha participado, nem, em virtude deles, tenha se tornado titular das ações. Com esse entendimento, o Tribunal, por unanimidade, confirmou despacho do Min. Moreira Alves, relator, que excluiu a União Federal do pólo passivo de ação cível originária movida pelo Estado do Piauí contra o BNDES e a Eletrobrás.
ACO (AgRg) 538-PI, rel. Min. Moreira Alves, 19.8.99.

PRIMEIRA TURMA


Prequestionamento e Nulidade

Ainda que a nulidade a ser suscitada no recurso extraordinário tenha surgido no julgamento da apelação, faz-se necessária a oposição de embargos declaratórios para satisfazer o requisito do prequestionamento. Com esse entendimento, a Turma, por maioria, não conheceu de recurso extraordinário em que se pretendia a nulidade de acórdão que acolhera embargos declaratórios com efeitos modificativos sem a devida intimação do recorrente para apresentar contra-razões. Vencido o Min. Sepúlveda Pertence, relator, que conhecia do recurso por admitir que a falta de intimação da parte contrária, por se tratar de um erro de procedimento, configura nulidade que poderia ser ventilada de logo no recurso extraordinário e, em conseqüência, dava-lhe provimento para anular o acórdão dos embargos de declaração a fim de que outro fosse proferido após a intimação da parte embargada. Precedente citado: AG (AgRg) 159.230-RS (DJU de 19.8.94).
RE 252.352-CE, rel. orig. Min. Sepúlveda Pertence, red. p/ acórdão Min. Ilmar Galvão, 17.8.99.

Competência da Justiça do Trabalho

Compete à Justiça do Trabalho o julgamento de ação de indenização movida pelo empregado contra seu ex-empregador em virtude de fato decorrente da relação de trabalho, nada importando que o pedido seja feito com base em normas de Direito Civil [CF, art. 114: "Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, (...), e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho..."]. Precedentes citados: CJ 6.959-DF (RTJ 134/96); RE 238.737-SP (DJU de 5.2.99).
RE 249.740-AM, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 17.8.99.

Não-Atualização de Valores: Ato Discricionário

A falta de atualização monetária dos valores-teto referentes aos auxílios creche e pré-escolar, previstos na Portaria 658/95-MARE, consubstancia ato discricionário da Administração Pública, cujo exame de conveniência e oportunidade não cabe ao Poder Judiciário. Com esse entendimento, a Turma manteve acórdão do STJ que negara mandado de segurança em que se alegava a existência de ato omissivo do Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado - MARE.
RMS 23.438-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 17.8.99.

SEGUNDA TURMA


Compensação de Créditos de ICMS

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário em que se discute se empresa contribuinte de ICMS pode abater, do valor do imposto devido pela venda de produto acabado (óleo lubrificante), os créditos decorrentes das operações de filial, situada em localidade diversa, quando da aquisição de insumos. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que, mantendo a sentença proferida pelo juízo de primeiro grau, cancelou os créditos de ICMS obtidos na compra de insumos, por entender que as operações realizadas entre os estabelecimentos da recorrente estavam isentas do recolhimento do imposto, incidindo a regra do art. 155, § 2º, II, b, da CF ("II- a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;"). Alega a recorrente que não se trata de isenção, mas, sim, de substituição tributária, uma vez que o imposto deverá ser recolhido quando da saída do produto acabado. O Ministro Nelson Jobim, relator, proferiu voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso, por entender que o acórdão recorrido, ao vedar a compensação dos créditos obtidos pela recorrente, violou o princípio constitucional da não-cumulatividade (CF, art. 155, § 2º, I). Após, o julgamento foi adiado, em razão de pedido de vista do Min. Maurício Corrêa.
RE 199.147-RJ, rel. Min. Nelson Jobim, 17.8.98.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

18.08.99

19.08.99

30

1a. Turma

17.08.99

--------

121

2a. Turma

17.08.99

--------

244



C L I P P I N G D O D J

20 de agosto de 1999

EXT N. 711-Itália
RELATOR : MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: Pleno exercício de defesa, por meio de advogado constituído.
Desnecessidade de reprodução, nos autos, do texto do tratado de extradição, devidamente publicado no "Diário Oficial".
Não é motivo de restrição, ao deferimento do pedido, a possibilidade da condenação do paciente à pena de prisão perpétua.
Extradição, em parte, concedida (crime de homicídio), excluindo-se a persecução pela posse e porte de arma de fogo, que não eram previstos como crime pela lei brasileira, à época do fato.
* noticiado no Informativo 100

HC N. 78.946-RJ
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: HABEAS CORPUS. EXPULSÃO DO ESTRANGEIRO FUNDADA NA NOCIVIDADE DA SUA PERMANÊNCIA NO PAÍS. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. FILHOS BRASILEIROS. LEI Nº 6.815/80, ART. 75, § 1º.
Ato cuja revogação se circunscreve ao juízo de conveniência do Presidente da República.
Havendo o paciente demonstrado que tem filhos brasileiros, cujo reconhecimento da paternidade, todavia, foi superveniente ao fato que motivou a expulsão, não há impedimento legal à efetivação desta.
Precedentes da Corte.
Habeas Corpus indeferido.

AG (AgRg) N. 232.555-PE
RELATOR : MIN. OCTAVIO GALLOTTI
EMENTA: Licenciamento disciplinar de policial militar. Independentemente de haver alcançado estabilidade, aplica-se-lhe a garantia da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição).

AG (EDcl) N. 235.411-MG
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Prazo: contagem em dobro para recorrer (CPC, art. 191): não se aplica o benefício quando somente um dos litisconsortes é sucumbente.

RE N. 178.836-SP
RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. DIREITO DE CONSTRUIR. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA.
I. - O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade: C.F., art. 5º, XXII e XXIII. Inocorrência de direito adquirido: no caso, quando foi requerido o alvará de construção, já existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local.
II. - Inocorrência de ofensa aos §§ 1º e 2º do art. 182, C.F.
III. - Inocorrência de ofensa ao princípio isonômico, mesmo porque o seu exame, no caso, demandaria a comprovação de questões, o que não ocorreu. Ademais, o fato de ter sido construído no local um prédio em desacordo com a lei municipal não confere ao recorrente o direito de, também ele, infringir a citada lei.
IV. - R.E. não conhecido.
* noticiado no Informativo 148

Acórdãos publicados: 317


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

RE 249.970-RS*

Relator: Min. Celso de Mello

EMENTA: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL. INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.
- A prisão civil do devedor fiduciante, nas condições em que prevista pelo DL nº 911/69, reveste-se de plena legitimidade constitucional e não transgride o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem enfatizado que a equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não ofende a Constituição da República. Precedentes.

DECISÃO: O acórdão ora impugnado diverge, frontalmente, da orientação jurisprudencial firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que, ao julgar o HC 72.131-RJ, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES, decidiu que se reveste de plena legitimidade constitucional o diploma legislativo (DL nº 911/69) que autoriza a prisão civil do devedor fiduciante, se este, sem justa causa, deixa de entregar, ao credor, o bem alienado fiduciariamente em garantia ou, então, a importância equivalente em dinheiro.

Cabe assinalar, por necessário, que esse entendimento jurisprudencial tem sido reafirmado por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal (RTJ 163/312, Rel. Min. MOREIRA ALVES - RTJ 164/213, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - HC 74.798-MG, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - HC 74.875-SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES - RE 206.086-SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - RE 230.624-PR, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA), cujas decisões enfatizam que a prisão civil do devedor fiduciante não transgride a Constituição da República e nem ofende o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

É preciso não perder de perspectiva que a vedação da prisão civil por dívida, no sistema jurídico brasileiro, possui extração constitucional. A Lei Fundamental, ao estabelecer as bases do regime que define a liberdade individual, consagra, em tema de prisão civil por dívida, uma tradição republicana, que, iniciada pela Constituição de 1934 (art. 113, n. 30), tem sido observada, com a só exceção da Carta de 1937, pelos sucessivos documentos constitucionais brasileiros (CF/46, art. 141, § 32; CF/67, art. 150, § 17; CF/69, art. 153, § 17). A Constituição de 1988, perfilhando essa mesma orientação, dispõe, em seu art. 5º, LXVII, que "Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

Esse preceito da Carta Federal brasileira qualifica-se como típica norma revestida de eficácia contida ou restringível, eis que, em função de seu próprio conteúdo material, contempla a possibilidade de o legislador comum limitar o alcance da vedação constitucional pertinente à prisão civil, autorizando-o a excepcionar a cláusula proibitória em duas únicas hipóteses: (a) inadimplemento de obrigação alimentar e (b) infidelidade depositária.

Note-se, portanto, considerada a especial qualificação desse preceito constitucional, definido como norma de eficácia contida - consoante proclama o magistério da doutrina (JOSÉ AFONSO DA SILVA, "Aplicabilidade das Normas Constitucionais", p. 97, 1968, RT; MARIA HELENA DINIZ, "Norma Constitucional e seus Efeitos", p. 101, 1989, Saraiva, v.g.) - que a possibilidade jurídica de o Congresso Nacional instituir a prisão civil nos casos de infidelidade depositária encontra fundamento na própria Constituição, cuja autoridade normativa não pode e nem deve expor-se a mecanismos de limitação fixados em sede de tratados internacionais, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos).

Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar no processo de tutela das liberdades públicas fundamentais.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao dispor sobre o estatuto jurídico da liberdade pessoal, prescreve, em seu art. 7º, n. 7, que "Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar".

É inquestionável, dentro do sistema jurídico brasileiro, que a normatividade emergente dos tratados internacionais permite situar tais atos de direito internacional público, no que concerne à hierarquia das fontes, no mesmo plano e grau de eficácia em que se posicionam as leis internas de caráter meramente ordinário, como reconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 58/70 - RTJ 83/809 - ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) e acentua o magistério da doutrina (JOSÉ ALFREDO BORGES, in Revista de Direito Tributário, vol. 27/28, p. 170-173; FRANCISCO CAMPOS, in RDA 47/452; ANTÔNIO ROBERTO SAMPAIO DÓRIA, "Da Lei Tributária no Tempo", p. 41, 1968; GERALDO ATALIBA, "Apontamentos de Ciência das Finanças, Direito Financeiro e Tributário", p. 110, 1969, RT; IRINEU STRENGER, "Curso de Direito Internacional Privado", p. 108/112, 1978, Forense; JOSÉ FRANCISCO REZEK, "Direito dos Tratados", p. 470;475, itens 393-395, 1984, Forense, v.g.).

Inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedência ou primazia hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das cláusulas inscritas no texto da Constituição da República, eis que a ordem normativa externa não se superpõe, em hipótese alguma, ao que prescreve a Lei Fundamental da República.

Impende salientar, por isso mesmo, que a cláusula inscrita no art. 7º, nº 7, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - que omite qualquer referência normativa à possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel - não vincula o legislador constituinte, que sempre poderá dispor em sentido contrário no próprio texto da Constituição.

Sempre reconhecendo a necessária submissão hierárquico- -normativa dos tratados internacionais à ordem jurídica subordinante consubstanciada na Lei Fundamental da República (ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), impõe-se acentuar, neste ponto, que não há como emprestar à cláusula inscrita no art. 5º, § 2º, da Carta Política um sentido exegético que condicione, ou que iniba, ou, até mesmo, que virtualmente impossibilite o Congresso Nacional de exercer, em plenitude, as típicas funções institucionais que lhe foram deferidas pelo documento constitucional, especialmente quando este outorga ao Poder Legislativo expressa autorização para disciplinar e instituir a prisão civil relativamente ao depositário infiel.

A ordem constitucional vigente no Brasil não pode sofrer interpretação que conduza ao reconhecimento de que o Estado brasileiro, mediante convenção internacional, ter-se-ia interditado a possibilidade de exercer, no plano interno, a competência institucional que lhe foi outorgada expressamente pela própria Constituição da República.

Os tratados internacionais não podem transgredir a normatividade emergente da Constituição, pois, além de não disporem de autoridade para restringir a eficácia jurídica das cláusulas constitucionais, não possuem força para conter ou para delimitar a esfera de abrangência normativa dos preceitos inscritos no texto da Lei Fundamental.

Não me parece, por isso mesmo - especialmente se considerada a advertência feita pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 164/214, item n. 4) - que o Estado brasileiro deva ter inibida a prerrogativa institucional de legislar sobre prisão civil, sob o fundamento de que o Pacto de São José teria pré-excluído, em sede convencional, a possibilidade de disciplinação desse mesmo tema pelo Congresso Nacional. É que, no caso em exame, não se pode perder de perspectiva a relevantíssima circunstância de que existe expressa autorização constitucional, inscrita no texto da Constituição brasileira, permitindo ao legislador comum a instituição da prisão civil precisamente na hipótese de infidelidade depositária.

Diversa seria a situação, se a Constituição do Brasil - à semelhança do que hoje estabelece a Constituição argentina de 1853, no texto emendado pela Reforma Constitucional de 1994 (art. 75, n. 22) - houvesse outorgado hierarquia constitucional aos tratados celebrados em matéria de direitos humanos.

Tal, porém, como já enfatizado, não ocorre no sistema de direito positivo vigente no Brasil.

A indiscutível supremacia da ordem constitucional brasileira sobre os tratados internacionais (ADI 1.480-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), portanto, além de traduzir um imperativo que decorre de nossa própria Constituição (art. 102, III, b), reflete o sistema, que, com algumas poucas exceções, tem prevalecido no plano do direito comparado, que considera inválida a convenção internacional que se oponha, ou que restrinja o conteúdo eficacial, ou, ainda, que importe em alteração da Lei Fundamental (Constituição da Nicarágua de 1987, art. 182; Constituição da Colômbia de 1991, art. 241, n. 10; Constituição da República da Bulgária de 1991, art. 149, § 1º, n. 4, v.g.).

Como as exceções derrogatórias ao postulado fundamental que veda a prisão civil por dívida possuem inquestionável matriz constitucional (MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, "Comentários à Constituição Brasileira de 1988", vol. 1/74, 1990, Saraiva; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol. 2/305-306, 1989, Saraiva), torna-se evidente que a legitimidade jurídica da prisão civil do depositário infiel tem, na própria Constituição - e não em outros instrumentos normativos de inferior qualificação hierárquica - o fundamento de sua autoridade e o suporte direto de sua validade e eficácia.

Desse modo, não há como fazer abstração da Constituição, para, com evidente desprestígio da normatividade que dela emana, conferir, sem razão jurídica, precedência a uma convenção internacional.

É por essa razão que a Colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal - em momento no qual já se incorporara ao direito positivo interno do Brasil a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto nº 678/92) - assim se pronunciou:

"O Decreto-lei nº 911/69 foi recepcionado pela ordem constitucional vigente. A equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não afronta a Carta da República. Legítima, assim, a prisão civil do devedor fiduciante que descumpre, sem justificação, ordem judicial para entregar a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. Precedente do STF."
(HC 71.286-0-MG, Rel. Min. FRANCISCO REZEK - grifei)

É preciso ter presente, ainda - tal como enfatizado pelo eminente Ministro MOREIRA ALVES, em obra monográfica que versa o tema da alienação fiduciária em garantia - que a prisão civil do depositário infiel legitima-se, tanto na hipótese do depósito convencional, quanto no caso do depósito legal, cabendo destacar, ainda, a ênfase com que esse ilustre magistrado e professor rejeita a objeção daqueles que não identificam, no negócio jurídico em questão, situação tipificadora de depósito ("Da Alienação Fiduciária em Garantia", p. 199/200, 1973, Saraiva), verbis:

"Apesar desse preceito expresso de lei ordinária - o art. 4º do Decreto-lei nº 911 -, poder-se-á, ainda, pretender a inconstitucionalidade da norma, com base na circunstância de que, no caso, não ocorreria, em verdade, depósito, mas situação bastante diversa que a lei ordinária equipara a depósito, o que não poderia fazê-lo em face do texto constitucional (art. 153, § 17), que reza: 'Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso de depositário infiel ou do responsável pelo inadimplemento de obrigação alimentar, na forma da lei'. Se o legislador, através de equiparação a depositário de quem não tivesse as características deste, pudesse elastecer os casos de prisão civil, a norma constitucional seria violada pelo arbítrio da lei ordinária.
A nosso ver, não há, na espécie, qualquer vislumbre de inconstitucionalidade. Não fora assim e também não deveria caber ação de depósito contra hospedeiro ou estalajadeiro, com fundamento na equiparação feita no art. 1.284 do Código Civil, onde se lê: 'A esses depósitos é equiparado o das bagagens dos viajantes, hóspedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casas de pensão, onde eles estiverem. Parágrafo único. Os hospedeiros ou estalajadeiros por elas responderão como depositários, bem como pelos furtos e roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas nas suas casas'. Nem se pretenda que, em se tratando de alienação fiduciária em garantia, não haveria essa equiparação, porque é da índole da posse direta do alienante o uso e gozo da coisa. Isso em nada desnatura o depósito legal, pois, até no convencional, podem as partes estipular - como permite o art. 1.275 do Código Civil - que o depositário se servirá da coisa depositada.
Outrossim, acentua Pontes de Miranda, ao comentar o art. 150, § 17, da Constituição Federal de 1967 (cujo texto foi reproduzido, ipsis verbis, no art. 153, § 17 da Emenda Constitucional nº 1): 'O texto emprega a expressão 'depósito infiel', mas em sentido genérico. Portanto, não ofende a Constituição de 1967, art. 150, § 17, a regra jurídica sobre prisão civil por se recusar o depositário, extrajudicial ou judicial, a devolver o que recebeu, ou aquilo que lhe foi, por sucessão às suas mãos; como também não a infringe a regra jurídica, que a crie ou mantenha, para aqueles casos em que o possuidor ou tenedor da coisa alheia responde como o depositário. Na técnica legislativa, responde como depositário que recusa entrega do bem alheio."

Não custa enfatizar, finalmente, que a prisão civil, embora medida privativa da liberdade de locomoção física do depositário infiel, não tem conotação penal (HC 71.038-MG, Rel. Min. CELSO DE MELLO), pois a sua única finalidade consiste em compelir o devedor a satisfazer obrigação que somente a ele compete executar. Trata-se, na realidade, como assevera PONTES DE MIRANDA, "de efeito de pretensão civil e não criminal". Por isso mesmo, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a prisão civil, nela destacou o "caráter constritivo" .que lhe identifica - como elemento primordial que é - a sua própria configuração jurídica (RHC 66.627-SP, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).

Embora de utilização excepcional, o instituto da prisão civil qualifica-se - sempre despojado de qualquer conteúdo penal - como "meio coercitivo para obter-se a restituição do depósito" (CLÓVIS BEVILAQUA, "Código Civil", vol. V, comentários ao art. 1287), constituindo, para esse efeito, instrumento "de coerção processual destinado a compelir o devedor a cumprir a obrigação não satisfeita" (JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, "A Ação de Depósito e o Pedido de Prisão", in "Revista de Processo", vol. 36/12).

Em suma: a prisão civil do devedor fiduciante, nas condições em que prevista pelo DL nº 911/69, reveste-se de plena legitimidade constitucional e não transgride o sistema de proteção instituído pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por isso mesmo, tem enfatizado que a equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não ofende a Constituição da República.

Sendo assim, tendo em consideração os precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal, conheço e dou provimento ao presente recurso extraordinário (CPC, art. 557, § 1º - A, com a redação dada pela Lei nº 9.756/98), para, desconstituindo o acórdão recorrido, restabelecer, em sua integralidade, a sentença proferida pelo magistrado de primeira instância (Processo nº 9.848/95 - 1ª Vara Cível da comarca de Uruguaiana/RS) que decretou a prisão civil da parte ora recorrida, invertidos os ônus da sucumbência.

Publique-se.

Brasília, 04 de agosto de 1999.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* Decisão ainda não publicada

Petição nº 1.543-SP*

Relator: Min. Carlos Velloso (Presidente)

DESPACHO: - Vistos. O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, com fundamento no art. 4º da Lei 8.437/92, requer a suspensão da execução da liminar deferida por força de provimento do agravo regimental interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 45.352.0/5 da Lei municipal 11.773/95.

Sustenta o requerente, em síntese, o seguinte:

a) o art. 4º da Lei 8.437/92 "é propositadamente amplo para admitir a suspensão de liminar, que ¾ concedida em qualquer procedimento ¾ possa acarretar lesão ao interesse público" (fl. 5), sendo certo que a expressão "ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes" abrange, também, a ação direta de inconstitucionalidade, sendo o rol contido no art. 4º, § 1º, da referida lei meramente exemplificativo;

b) o interesse jurídico do Município de São Paulo é patente e manifesto, dado que a lei inquinada de inconstitucional é de suma importância para a política habitacional do município, mormente porque visa à resolução do problema social oriundo da favelização;

c) a competência do Supremo Tribunal Federal decorre dos termos contidos na própria inicial da ação direta de inconstitucionalidade, propensos, inclusive, à admissão futura de recurso extraordinário, sendo certo que a fundamentação deduzida na referida peça e no agravo regimental em tela "traz dispositivos tirados da Constituição Estadual, que em alguns casos repete preceito da Constituição Federal" (fl. 6);

d) a manutenção da liminar em apreço acarretará grave e inevitável lesão à política habitacional para a população de baixa renda, com reflexos imediatos à ordem, à saúde e à economia públicas;

e) o Federalismo brasileiro, à luz da nova ordem constitucional, sobreleva que o município juridicamente interessado na lei não pode ser excluído da participação no respectivo processo legislativo, ainda que a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal seja aforada perante o Tribunal de Justiça Estadual;

f) a ocorrência do fumus boni iuris, pelos motivos a seguir:

f.1) carência da ação, dado que os dispositivos em que se apóia o Ministério Público do Estado de São Paulo, autor da ADIn em tela, "não se aplicam, em absoluto, ao Município" (fl. 11);

f.2) constitucionalidade da Lei municipal 11.773/95, uma vez que se trata de lei urbanística de mesmo nível hierárquico que as atualmente vigentes, tendo criado apenas mecanismo de participação da iniciativa privada na edificação, em legítimo exercício da competência municipal legiferante sobre a matéria.

g) a existência do periculum in mora consubstanciado na grave lesão à política habitacional do município e, por conseguinte, à ordem, saúde e economia públicas, dado que qualquer óbice ao seguimento da lei em tela "implicará em impacto social com lamentáveis conseqüências para a população que reside em habitações sub-normais, as favelas" (fl. 26).

O eminente Procurador-Geral da República, Professor Geraldo Brindeiro, opina pelo não conhecimento da presente petição (fls. 420/422).

Em 15.01.99, no exercício da presidência do Supremo Tribunal Federal, não conheci do presente pedido, determinando seu arquivamento, sobre o fundamento de que "a citada Lei 8.437/92 não confere, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, competência para suspender liminar concedida pelos Tribunais de Justiça em ação direta de inconstitucionalidade proposta com base no art. 125, § 2º, da Constituição Federal" (fls. 423-v).

Contra referida decisão, o Município de São Paulo interpôs agravo regimental (fls. 427/436), com pedido de reconsideração, fundado no art. 317 do R.I./S.T.F., sustentando, em síntese, "a plena adequação da presente medida" e sua legitimidade.

O eminente Ministro Celso de Mello, então Presidente desta Corte, deferiu o pedido de reconsideração mencionado e determinou, "em conseqüência, o trânsito, no Supremo Tribunal Federal, da presente causa, restando prejudicada a tramitação do recurso de agravo interposto" (fls. 443/444), bem como a oitiva dos eminentes Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo e Procurador-Geral da República, nos termos do art. 4º, § 2º, da Lei 8.437/92.

O Dr. Luiz Antonio Guimarães Marrey, eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, requereu, em preliminar, o não conhecimento do presente pedido e, no mérito, o indeferimento da petição (fls. 461/470).

Por sua vez, o Prof. Geraldo Brindeiro, eminente Procurador-Geral da República, opinou, em preliminar, pelo não conhecimento do pedido aqui deduzido (fls. 447/451) e, instado a se manifestar sobre o mérito (fl. 472), opinou pelo indeferimento da presente petição.

À fl. 504 determinei que o requerente informasse o andamento da ADIn em questão, o que foi cumprido às fls. 506/534, consignando a oposição de embargos de declaração contra o acórdão em tela, os quais, preliminarmente, foram conhecidos para inserir o Município de São Paulo no pólo passivo da ação e, no mérito, rejeitados.

Autos conclusos em 12.7.99.

Decido.

Destaco do parecer do eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro:

"(...)
2. A teor da decisão de Vossa Excelência, foi acolhido o pedido de reconsideração formulado pelo Município de São Paulo, determinando-se, em conseqüência, o prosseguimento da petição epigrafada perante esse colendo Supremo Tribunal Federal, ao fundamento de que a competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, na hipótese de pedido formulado com base no art. 4º da Lei nº 8.437/92, somente ficará caracterizada, se se reconhecer que também incumbe, à Suprema Corte, o conhecimento do pertinente recurso extraordinário interponível contra a decisão final que vier a ser proferida pela Corte Judiciária local, haja vista ser aquela competência uma necessária derivação da competência recursal daquele Tribunal.

3. Anotou, ainda, Vossa Excelência que "torna-se evidente, ao menos em tese, o pleno cabimento de recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, contra o julgamento final a ser realizado, no caso ora em exame, pelo E. Tribunal de Justiça paulista (fls. 41/42)", já que "os temas que emergem do processo em curso no Tribunal local qualificam-se como matéria de direito constitucional federal, circunstância esta que viabiliza, sem qualquer dúvida, a utilização da via recursal extraordinária, consoante tem enfatizado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 147/404 - RTJ 152/371-373 - RTJ 155/974, v.g.)".

4. Entretanto, a causa principal não comporta, data venia, o cabimento de recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, não subsistindo, por conseguinte, a competência monocrática do Presidente daquele Tribunal como derivação da respectiva competência recursal extraordinária.

5. É que, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal citada por Vossa Excelência na r. decisão, o cabimento do recurso extraordinário contra acórdão prolatado em sede de ação direta de inconstitucionalidade aforada originariamente em Tribunal de Justiça local depende, necessariamente, da adoção, como parâmetro de controle abstrato, de norma constitucional estadual de reprodução obrigatória ou observância compulsória do texto da Carta Federal, além, por óbvio, da circunstância de a interpretação da Corte Estadual contrariar o sentido e o alcance da Constituição da República. Tal entendimento restou assentado de forma esclarecedora no r. despacho que Vossa Excelência prolatou quando do julgamento da Petição nº 1.654-MG, cujo excerto pedimos vênia para fazer transcrever, ante sua irrepreensível propriedade técnica, verbis:

'Cabe relembrar, a esse propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que tem reconhecido a legitimidade da instauração, perante qualquer Tribunal de Justiça, do processo de fiscalização normativa abstrata de leis ou atos normativos estaduais ou municipais questionados em face da Carta Estadual, mesmo que esta reproduza, no ponto, princípio de observância compulsória inscrito na própria Constituição da República, admitindo-se, em tal específica hipótese, a possibilidade de controle recursal extraordinário por esta Suprema Corte (RTJ 152/371-373)'.

6. Veja-se por todos, na doutrina, o magistério do il. Professor GILMAR FERREIRA MENDES (in Controle Abstrato de Normas no âmbito do Estado-membro e Recurso Extraordinário - DCAP - Direito Administrativo nº 4, Abril/98, pág. 21):

'Mais séria e complexa revela-se a indagação sobre o cabimento de recurso extraordinário na hipótese de o Tribunal de Justiça, em ação direta de inconstitucionalidade, adotar interpretação de norma estadual de reprodução obrigatória, que, por qualquer razão, se revele incompatível com a Constituição Federal.

Ora, se existem princípios de reprodução obrigatória pelo Estado-membro, não só a sua positivação no âmbito do ordenamento jurídico estadual, como também a sua aplicação por parte da administração ou do Judiciário estadual pode-se revelar inadequada, desajustada ou incompatível com a ordem constitucional federal.

Nesse caso, não há como deixar de reconhecer a possibilidade de que se submeta a controvérsia constitucional estadual ao Supremo Tribunal Federal, mediante recurso extraordinário.'

7. As normas constitucionais estaduais adotadas como parâmetro na ação direta de inconstitucionalidade, onde foi deferida a liminar cuja eficácia busca o Município de São Paulo suspender, são os arts. 5º, parágrafo 1º e 181, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, assim redigidos:

'Art. 5º.............
Parágrafo 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

Art. 181 - Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, 'índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.'

8. Conforme se pode vislumbrar, os dispositivos em enfoque não consubstanciam normas de reprodução obrigatória ou de observância compulsória do texto da Constituição Federal, mas, ao revés, inserem-se na competência constitucional residual do Estado, sem embargo de eventual vício de invalidade, em face da Constituição Federal, que possa vir a contaminar o art. 181, caput.

9. Com efeito, o parágrafo 1º do art. 5º veda a qualquer dos Poderes delegar atribuições, ao contrário da Constituição Federal que admite a delegação de atribuições, como no caso das lei delegadas, por exemplo. A seu turno, o caput do art. 181 também não é de observância compulsória pelo Estado de São Paulo, quanto mais porque revela, por certo, validade jurídico-constitucional duvidosa, na medida em que materializa hipótese de tratamento pelo legislador constituinte decorrente de assunto que a Constituição Federal reservou privativamente ao Município, a teor do disposto no art. 30, VIII, da Constituição Federal. Vale dizer, da norma sobressai vício de inconstitucionalidade formal, sucedendo a impossibilidade de se vir a caracterizá-la como norma de reprodução obrigatória da Carta da República. Raciocínio contrário importaria em admitir a ocorrência de norma da Constituição Federal inconstitucional, o que já mereceu a devida repugnância, tanto da doutrina quanto da jurisprudência desta Corte Suprema.

10. Demonstrada a inviabilidade do recurso extraordinário contra a decisão que vier a tomar o Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, eis que as normas constitucionais adotadas como parâmetro de controle não reproduzem obrigatoriamente as normas da Constituição Federal, forçosa a conclusão de que não se há como reconhecer competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, como derivação da competência da corte para o processo e julgamento do recurso extraordinário (art. 102, III, CF), para conhecer de pedido formulado pelo Município de São Paulo, com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/92.

11. Por outro lado não se pode deixar de emprestar relevância ao argumento, já tecido no parecer ministerial antes exarado nestes autos, de que a hipótese de suspensão da execução de liminar se circunscreve ao âmbito das ações movidas contra o Poder Público em que haja interesses subjetivos concretos subjacentes, parecendo-nos correto o entendimento, que aliás mereceu a adesão do Eminente Ministro CARLOS VELLOSO (fls. 423/424), de que a ação direta de inconstitucionalidade, por revelar a natureza jurídica de processo objetivo, sem partes, onde não se discute relação jurídica concreta, não comporta qualquer espécie de execução, donde não se pode concluir pela possibilidade jurídica de suspensão de eficácia de liminar deferida em processo de fiscalização abstrata de leis ou atos normativos.

(...)". (Fls. 447/451)

O eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo opina da mesma forma pelo não cabimento do pedido de suspensão. Destaco do seu parecer, no mérito:

"(...)
18. Ora, a Lei Municipal nº 11.773, em evidente conflito com essas noções, delegou ao Poder Executivo a competência para alterar índices urbanísticos e características de uso e ocupação de solo. Ou seja, permitiu mudanças nas normas de zoneamento da cidade de São Paulo mediante ato administrativo (um simples alvará), quando tais normas só podem ser fixadas e alteradas por lei, como expressamente previsto no artigo 181 da Constituição Paulista.

19. Daí ser a referida lei inconstitucional. E o confronto é evidente pois, se a Constituição reservou à lei o tratamento dessa matéria, não pode norma infraconstitucional, contrariando aquela disposição, atribuir ao Poder Executivo competências que ele não tem. Como adverte ARNOLD WALD, o "Poder Executivo não tem poderes, nem pode vir a tê-los, para modificar os ditames legais orientadores da disposição urbanística da urbes" (em "Lei de Zoneamento Urbano - Competência Exclusiva do Legislativo Municipal - Delegação de Poderes ao Executivo", Revista Trimestral de Direito Público 8/46).

20. Por conta disso, a lei em exame ofende, também, o § 1º do artigo 5º da Constituição do Estado, que veda, expressamente, a delegação de atribuições de um Poder a outro. Trata-se de regra de proteção ao princípio da separação entre os Poderes, que estaria ameaçado caso fosse possível a delegação. A idéia perderia todo seu sentido. De fato, se a Constituição, ao dividir o Poder ¾ atribuindo funções a seus órgãos ¾, visa precipuamente proteger a esfera jurídico-subjetiva dos indivíduos, então estes estariam sendo fraudados caso fosse possível, por ato infraconstitucional, a delegação dessas funções. E se a divisão de poder significa "responsabilidade pelo exercício do poder" (cf. J. J. GOMES CANOTILHO, em "Direito Constitucional", ed. Almedina, 6ª ed., 1995, p. 365), a delegação expressaria intolerável negligência com as funções constitucionalmente deferidas aos órgãos do Estado.

21. Sobre isso ensinou GERALDO ATALIBA que "o Texto Supremo deu ao Congresso Nacional o poder-dever de legislar. É sua obrigação fazê-lo. Não pode exonerar-se nem direta, nem indiretamente de tal função. É-lhe, peremptoriamente, vedado delegá-la, salvo explícita autorização constitucional. As delegações só podem existir, em nosso sistema, com estrita observância do preceito pertinente da Constituição" (em "Delegação Normativa", RDP 98/50). E não é outra a lição de MICHEL TEMER: "Nenhuma norma infraconstitucional pode subtrair competência que foram entregues pelo constituinte" (em "Elementos de Direito Constitucional", RT, 7ª ed., 1990, p. 117).

22. Assim, não pode o Poder Legislativo Municipal delegar sua função de legislar sobre matéria urbanística, pois esta função foi-lhe conferida pela Constituição. Revela-se aí, portanto, a inconstitucionalidade da Lei nº 11.773/95, do Município de São Paulo: se o artigo 181 da CE atribuiu à lei municipal o trato de matéria urbanística, inclusive normas de zoneamento, não podia essa atribuição ser delegada, como o foi, ao Executivo. Afrontou-se, claramente, o § 1º do artigo 5º da Constituição Paulista.

23. Diante do exposto, requeiro não seja conhecido o presente pedido de suspensão de medida liminar, e, no mérito, seja indeferido." (fls. 468/470)

Têm razão os eminentes Procurador-Geral da República e Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, quando sustentam o não cabimento do pedido de suspensão da liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na ação direta de inconstitucionalidade aforada com base no art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

Com efeito.

O pedido de suspensão foi feito com base no art. 4º da Lei 8.437, de 1992, que dispõe que "compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas."

Acontece que a citada Lei 8.437/92 cuida de ações que se desenvolvem num processo subjetivo. Confira-se, a propósito, o disposto nos artigos 1º, 2º e 3º. Ora, a ação direta de inconstitucionalidade desenvolve-se num processo objetivo e tem por finalidade a defesa da ordem jurídico-constitucional. Na ação direta de inconstitucionalidade não há falar em direitos subjetivos.

Quando a Lei 8.437/92 quis cuidar de liminar concedida em ação objetiva ¾ ação popular e, em certos casos, ações civis públicas ¾ ela foi expressa: art. 1º, § 2º; art. 2º, art. 4º, § 1º. O § 1º do art. 4º manda aplicar o disposto no caput do art. 4º à sentença proferida no processo de ação popular e na ação civil pública.

Em suma, a disposição inscrita no art. 4º da Lei 8.437/92 não tem aplicação no processo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade.

Há mais.

O recurso extraordinário somente é cabível, fala-se em tese, contra decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade do art. 125, § 2º, da C.F., quando a mesma contrariar dispositivo da Constituição Estadual que reproduz, obrigatoriamente, dispositivo da Constituição Federal.

No caso, ao que parece, não ocorre a hipótese.

E se ocorresse, nem assim seria cabível o pedido de suspensão da liminar, dado que inexiste norma legal que o autorize. Reporto-me ao que acima foi exposto.

Do exposto, reitero a decisão que proferi às fls. 423/424, pelo que não conheço do pedido e determino o seu arquivamento.

Publique-se.

Brasília, 09 de agosto de 1999.

Ministro CARLOS VELLOSO
Presidente

* Decisão publicada no DJU de 17.8.99.

 
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Informativo STF - 158 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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