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sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Informativo STF 139 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 22 a 26 de fevereiro de 1999- Nº139.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

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ÍNDICE DE ASSUNTOS



Defensor Público: Intimação e Defesa Prévia
Imunidade Tributária: Previdência Privada
Juntada de Documentos e Contraditório
Lista Tríplice e Juiz Aposentado
Malversação e Justiça Federal
Ministério Público e Suspensão do Processo
Plano Real: Contrato de Locação Comercial
Receptação e Uso de Documento Falso
Revisão Criminal: Revisor e Relator
Sursis e Circunstâncias Judiciais
Tribunal de Contas: Composição
PLENÁRIO


Lista Tríplice e Juiz Aposentado

Iniciado o julgamento de recurso em mandado de segurança contra acórdão do TSE em que se discute sobre a possibilidade de juiz aposentado, que exerce a advocacia, integrar lista tríplice para compor vaga destinada à classe dos advogados de tribunal regional eleitoral. Instaurou-se a discussão sobre se o § 2º do art. 25 do Código Eleitoral ("A lista não poderá conter nome de magistrado aposentado ou de membro do Ministério Público.") foi ou não suprimido pela Lei 7.191/84, que modificava apenas os incisos do referido artigo, e, no caso de ser reconhecida a sua vigência, se foi ou não o referido dispositivo recepcionado pela CF/88, em face dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Os Ministros Marco Aurélio, relator, Maurício Corrêa, Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches e Moreira Alves votaram no sentido de dar provimento ao recurso sob o entendimento de que - embora considerando que § 2º do art. 25 não tenha sido revogado pela Lei 7.191/84, à exceção do Min. Marco Aurélio, relator, que admite a tese da revogação - o art. 120, § 1º, III, da CF limita-se a estabelecer dois requisitos para o preenchimento da vaga de advogado, quais sejam, notável saber jurídico e idoneidade moral, sendo desarrazoada a imposição de restrição que a CF não quis impor. De outro lado, os Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvão, Carlos Velloso, Octavio Gallotti e Néri da Silveira votaram no sentido de negar provimento ao recurso por considerarem razoável a restrição imposta pelo citado dispositivo do Código Eleitoral. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Celso de Mello, Presidente.
RMS 23.123-PB, rel. Min. Marco Aurélio, 24.2.99.

Imunidade Tributária: Previdência Privada

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário em que se discute se a imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos (CF, art. 150, VI, c) abrange as entidades fechadas de previdência social privada. Trata-se, na espécie, de recurso extraordinário interposto pelo Distrito Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça local que, reconhecendo o direito à imunidade tributária, deferira mandado segurança à Fundação de Seguridade Social dos Sistemas Embrapa e Embrater - CERES, desonerando-a do pagamento do IPTU incidente sobre os imóveis de sua propriedade. Os Ministros Maurício Corrêa, relator, e Carlos Velloso votaram no sentido de que as entidades fechadas de previdência privada não podem ser comparadas às instituições assistenciais, uma vez que estas possuem o caráter de universalidade e generalidade, enquanto aquelas conferem benefícios apenas aos seus filiados mediante o recolhimento de contribuições. De outro lado, os Ministros Marco Aurélio e Ilmar Galvão proferiram voto no sentido de que a imunidade prevista no art. 150, VI, c, da CF alcança as pessoas jurídicas de direito privado que exerçam atividade de previdência sem fins lucrativos, não cabendo perquirir sobre a gratuidade dos serviços prestados, a origem da receita, ou se os benefícios são acessíveis a todas as pessoas indistintamente. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
RE 202.700-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 24.2.99.

Tribunal de Contas: Composição

Indeferida medida cautelar em ação direta requerida pelo Partido da Frente Liberal-PFL, contra o Decreto Legislativo nº 9/98, do Estado de Roraima, que dispõe sobre a indicação às vagas de Conselheiro ao Tribunal de Contas do Estado, criando quatro vagas à partir de 5.10.98. O Tribunal considerou não haver, à primeira vista, a alegada ofensa ao art. 235, III, da CF, que estabelece que, nos dez primeiros anos de criação do Estado, o Tribunal de Contas terá três membros, uma vez que esse dispositivo deve ser interpretado em consonância com o art. 14 do ADCT, ou seja, o Estado foi criado com a promulgação da CF/88, ficando apenas projetada no tempo a sua instalação com a posse do governador eleito em 1990. Precedente citado: ADInMC 1.921-TO (julgado em 2.12.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 134).
ADInMC 1.903-RR, rel. Min. Néri da Silveira, 25.2.99.

Plano Real: Contrato de Locação Comercial

Iniciado o julgamento de recurso extraordinário em que se discute a aplicação da MP 596/94, que instituiu o Plano Real, sobre o contrato de aluguel de imóvel comercial firmado anteriormente à sua edição. O Min. Marco Aurélio, relator, proferiu voto no sentido de conhecer e dar provimento ao recurso e declarar a inconstitucionalidade do art. 21, incisos I, II, III, IV, V e §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, da Lei 9.069/95, resultante da conversão da MP 596/94, por desrespeito ao ato jurídico perfeito (CF, art. 5º, XXXVI). Após, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim. Matéria semelhante encontra-se sob julgamento do Plenário nos RREE 212.609-SP e 215.016-SP, com vista ao Min. Nelson Jobim (v. Informativo 116).
RE 211.304-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 25.2.99.

PRIMEIRA TURMA


Sursis e Circunstâncias Judiciais

Considerando que a gravidade da conduta ilícita do condenado, sem suficiente fundamentação, não basta, por si só, para negar a concessão do sursis, a Turma, reconhecendo serem favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59, do CP - já que pena-base do réu, primário e de bons antecedentes, fora fixada no mínimo legal, em regime inicial aberto -, deferiu habeas corpus para garantir ao paciente a suspensão condicional da pena, pelo prazo de dois anos, com as condições a serem estabelecidas pelo juízo de execução.
HC 78.314-SP, rel. Min. Octavio Gallotti, 23.2.99.

Ministério Público e Suspensão do Processo

Tendo em vista que a suspensão condicional do processo é uma faculdade exclusiva do Ministério Público para fins de política criminal, a Turma negou provimento a recurso de habeas corpus em que se pretendia que, ante a recusa do promotor de justiça em fazer a proposta (Lei 9.099/95, art. 89), o juiz proferisse decisão a esse respeito. A Turma, no entanto, aplicando a orientação adotada pelo STF no julgamento do HC 75.343-MG (Pleno, 12.11.97, acórdão pendente de publicação; v. Informativo 92), deferiu habeas corpus de ofício a fim de que a recusa do promotor de justiça em propor de suspensão condicional do processo seja submetida à Procuradoria-Geral de Justiça estadual.
RHC 77.255-DF, rel. Min. Sydney Sanches, 23.2.99.

Revisão Criminal: Revisor e Relator

Tratando-se de julgamento de revisão criminal, configura nulidade a participação, como relator, de desembargador que presidira o julgamento da apelação criminal do condenado, e a participação, como revisor, de desembargador que fora o relator do acórdão da apelação, por contrariedade ao art. 625, do CPP ("O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo.").
HC 78.396-MG, rel. Min. Ilmar Galvão, 23.2.99.

SEGUNDA TURMA


Juntada de Documentos e Contraditório

Configura cerceamento de defesa a juntada no processo-crime de certidão de antecedentes criminais sem que se dê oportunidade para a defesa se manifestar. Com esse entendimento, a Turma deferiu, em parte, habeas corpus para reduzir a pena ao mínimo legal, já que a mesma fora majorada em seis meses em decorrência dos maus antecedentes. Precedentes citados: RE 87.394-RJ (RTJ 88/1018) e HC 63.775-RJ (RTJ 49/415).
HC 76.985-SP, rel. Min. Nelson Jobim, 23.2.99.

Malversação e Justiça Federal

Compete à justiça federal processar e julgar prefeito municipal pelo crime de malversação de verbas públicas recebidas, sob condição, da União e sujeitas ao controle do Tribunal de Contas da União. Incidência do art. 109, IV, da CF, que prevê a competência da justiça federal para processar e julgar prefeitos municipais por infrações praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União (no caso, trata-se de verbas concedidas a município pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação-FNDE sujeitas a prestação de contas ao Ministério da Educação e a julgamento pelo Tribunal de Contas da União). Com esse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus para anular acórdão do STJ que, ao julgar conflito de competência, assentara a competência da justiça comum estadual. Determinou-se, ainda, a remessa dos autos do processo-crime ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Precedentes citados: HC 68.967-PR (DJU de 16.4.93) e HC 74.788-MS (DJU de 12.9.97).
HC 78.728-RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 23.2.99.

Defensor Público:Intimação e Defesa Prévia
A Turma, por maioria, indeferiu pedido de habeas corpus em que se sustentava a nulidade do processo-crime pela falta da intimação pessoal do defensor público para o oferecimento de defesa prévia, tendo em vista que o mesmo compareceu a todos os atos processuais subseqüentes, sem suscitar a nulidade em qualquer fase. Considerou-se, ainda, que não se demonstrou o prejuízo decorrente da falta de apresentação da defesa prévia. Vencido o Min. Marco Aurélio, por entender necessária a apresentação da defesa prévia. Precedentes citados: HC 70.235-RJ (DJU de 13.8.93) e HC 67.069-SP (DJU de 28.2.92).
HC 78.308-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, 23.2.99.

Receptação e Uso de Documento Falso

Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se discute se, havendo crime de receptação de bem cuja circulação dependa de documento, ocorre, necessariamente, o crime de uso de documento falso (CP, arts. 180 e 304). Trata-se, na espécie, de pedido de habeas corpus contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, fundado na circunstância de ter sido o paciente condenado pelo crime de receptação de veículos, os quais foram integrados à frota do estabelecimento comercial no qual exercia cargo de direção, concluíra que o mesmo tinha ciência da falsidade da documentação entregue aos motoristas da empresa para trafegarem em via pública. Após os votos dos Ministros Marco Aurélio e Nelson Jobim que deferiam o writ para assentar a absolvição do paciente quanto ao crime de uso de documento falso, sob o entendimento de que não há crime por presunção, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Maurício Corrêa.
HC 78.418-RS, rel. Min. Marco Aurélio, 23.2.99.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

24.02.99

25.02.99

8

1a. Turma

23.02.99

--------

19

2a. Turma

23.02.99

--------



C L I P P I N G D O D J

26 de fevereiro de 1999

ADI N. 774-RS
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Processo legislativo da União: observância compulsória pelos Estados de seus princípios básicos, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes: jurisprudência do Supremo Tribunal.
II. Processo legislativo: emenda de origem parlamentar a projeto de iniciativa reservada a outro Poder: inconstitucionalidade, quando da alteração resulte aumento da despesa conseqüente ao projeto inicial: precedentes.
III. Vinculação de vencimentos: inconstitucionalidade (CF, art. 37, XIII): descabimento da ressalva, em ação direta, da validade da equiparação entre Delegados de Polícia e Procuradores do Estado, se revogado pela EC 19/98 o primitivo art. 241 CF, que a legitimava, devendo eventuais efeitos concretos da norma de paridade questionada, no período em que validamente vigorou serem demandados em concreto pelos interessados.
* noticiado no informativo 135

ADI N. 1.425-PE
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
SALÁRIO MÍNIMO - VINCULAÇÃO PROIBIDA - PREVIDÊNCIA - CONTRIBUIÇÃO. A razão de ser da parte final do inciso IV do artigo 7º da Carta Federal - "...vedada a vinculação para qualquer fim;" - é evitar que interesses estranhos aos versados na norma constitucional venham a ter influência na fixação do valor mínimo a ser observado. Inconstitucionalidade de dispositivo de lei local (Lei nº 11.327/96, do Estado de Pernambuco) no que viabilizada gradação de alíquotas, relativas a contribuição social, a partir de faixas remuneratórias previstas em número de salários-mínimos.
* noticiado no informativo 24

MANDADO DE INJUNÇÃO (AgRg) N. 575-DF
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
MANDADO DE INJUNÇÃO - OBJETO - PERDA. Uma vez editada a lei em relação à qual restou apontada omissão, tem-se a perda de objeto do mandado de injunção.
MANDADO DE INJUNÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA - CONTROLE CONCENTRADO. O mandado de injunção não é o meio próprio a lograr-se o controle concentrado de constitucionalidade de certa norma.

HC N. 77.810-SP
RELATOR : MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: HABEAS-CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO E HOMICÍDIO CULPOSO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELO DECURSO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE OU SUPERVENIENTE DA PRETENSÃO PUNITIVA, A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO APENAS PARA A ACUSAÇÃO.
1. A presunção juris tantum de não-culpabilidade, contida no artigo 5º, LVII, da Constituição, é compatível com o preceito do artigo 393, I, do Código de Processo Penal, que permite a prisão do réu no caso de sentença condenatória recorrível. Precedente.
Esta presunção de não culpabilidade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória não revogou o artigo 594 do CPP, que só permite que apele em liberdade o réu primário e de bons antecedentes ou condenado por crime de que se livre solto. Precedente.
2. A interposição de recursos de índole extraordinária - especial e extraordinário -, mesmo quando admitidos, não impedem a execução provisória do julgado porque não têm efeito suspensivo, a teor do que dispõe o artigo 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90. Precedentes.
Nem mesmo a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), positivada no direito brasileiro pelo Decreto nº 678/92, impede a privação antecipada da liberdade individual do réu, ainda que na pendência de decisão condenatória recorrível ou recorrida. Precedentes.
3. Iniciado o período de prova do sursis, com ele se inicia a execução da decisão penal: durante o seu curso não flui o lapso prescricional. Precedente.
O curso do lapso prescricional é interrompido com o início da execução da pena, reiniciando-se neste momento a sua contagem (CP, artigo 117, V e § 2º).
4. Inocorrência de prescrição da pretensão punitiva na modalidade superveniente ou intercorrente (CP, artigo 110, § 1º).
5. Habeas-corpus conhecido, mas indeferido.
* noticiado no informativo 136

RE (AgRg) N. 225.955-RS
RELATOR : MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IMPORTAÇÃO DE ENCARTES E CAPAS PARA LIVROS DIDÁTICOS A SEREM DISTRIBUÍDOS EM FASCÍCULOS SEMANAIS AOS LEITORES DO JORNAL.
1. O livro, como objeto da imunidade tributária, não é apenas o produto acabado, mas o conjunto de serviços que o realiza, desde a redação até a revisão da obra, sem restrição dos valores que o formam e que a Constituição protege. Precedente.
2. Hipótese em que se pretende tributar a importação de encartes e capas para livros didáticos a serem distribuídos em fascículos semanais aos leitores do jornal, os quais, por disposição constitucional, estão excluídos do alcance do poder de tributar da autoridade estatal, em todas as fases de sua elaboração. Impossibilidade.
Agravo regimental não provido.

EMB. DIV. EM EMB. DECL. EM REC. EXT. N. 165.853-SP
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
LOCAÇÃO - COMPRA E VENDA - DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO - ARTIGO 25 DA LEI Nº 6.649/79. Impossível é cogitar de ofensa a direito adquirido ou a ato jurídico perfeito quando a alienação a terceiro haja ocorrido sem que o contrato locatício estivesse registrado. O simples fato de o locador haver notificado o locatário não gera, para este último, o direito a adjudicação quando o imóvel haja sido alienado a terceiro.

RE N. 157.057-PE
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA - DIREITO DO TRABALHO. A competência para dispor sobre direito do trabalho é da União. Não subsiste norma local que, no período crítico das eleições, contrariando preceito de legislação federal, implique a outorga de estabilidade a servidores regidos pela legislação do trabalho.
* noticiado no Informativo 127

RE N. 175.739-SP
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO - JULGAMENTO - MOLDURA FÁTICA. No julgamento do recurso extraordinário consideram-se, sob pena de descaracterizá-lo, as premissas fáticas constantes do acórdão impugnado, sendo defeso substituí-las por compreensão diversa dos elementos probatórios coligidos na fase de instrução da demanda.
RESPONSABILIDADE CIVIL - ESTADO - NATUREZA - ATO DE TABELIONATO NÃO OFICIALIZADO - CARTAS DE 1969 E DE 1988. A responsabilidade civil do Estado é objetiva, dispensando, assim, indagação sobre a culpa ou dolo daquele que, em seu nome, haja atuado. Quer sob a égide da atual Carta, quer da anterior, responde o Estado de forma abrangente, não se podendo potencializar o vocábulo "funcionário" contido no artigo 107 da Carta de 1969. Importante é saber-se da existência, ou não, de um serviço e a prática de ato comissivo ou omissivo a prejudicar o cidadão. Constatada a confecção, ainda que por tabelionato não oficializado, de substabelecimento falso que veio a respaldar escritura de compra e venda fulminada judicialmente, impõe-se a obrigação do Estado de ressarcir o comprador do imóvel.

RE N. 197.196-ES
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
GREVE - PAGAMENTO DOS VENCIMENTOS - ACORDO. Em havendo a Administração Pública formalizado acordo para viabilizar o movimento de paralisação sem prejuízo dos serviços essenciais, dispensada a grande massa dos servidores, mostra-se insubsistente a suspensão do pagamento dos salários.

Acórdãos publicados: 302


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


Petição nº 1.654-MG*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO (PRESIDENTE)

ADIN - MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (CF, ART. 125, § 2º) - POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DESSE ATO POR DECISÃO DO PRESIDENTE DO STF (LEI Nº 8.437/92, ART 4º) - IMPUGNAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - ATO CONCRETO - INVIABILIDADE DA FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - PEDIDO DE CONTRACAUTELA DEFERIDO.
- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhece a legitimidade da instauração, perante qualquer Tribunal de Justiça, do processo de fiscalização normativa abstrata de leis ou atos normativos estaduais ou municipais questionados em face da Carta Estadual, mesmo que esta reproduza, no ponto, princípio de observância compulsória inscrito na própria Constituição da República, admitindo-se, em tal específica hipótese, a possibilidade de controle recursal extraordinário pela Suprema Corte. Precedentes.

- O Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já proclamou que atos estatais de efeitos concretos - precisamente porque despojados de qualquer densidade normativa - não se expõem, em sede de ação direta, ao controle abstrato de constitucionalidade (RTJ 147/545). A exigência de conteúdo normativo traduz pressuposto essencial do controle concentrado, cuja instauração - decorrente da adequada utilização da ação direta - tem por objetivo viabilizar a abstrata fiscalização de constitucionalidade dos atos estatais.

No controle abstrato de normas, em cujo âmbito instauram-se relações processuais objetivas, visa-se a uma só finalidade: a tutela da ordem constitucional, sem vinculações quaisquer a situações jurídicas de caráter individual ou concreto.

Cláusulas contratuais não se tipificam como atos de conteúdo normativo, eis que as regras pactuadas em negócios jurídicos bilaterais apresentam-se desvestidas, em função de sua própria natureza, de abstração, generalidade e impessoalidade.

Não cabe ação direta de inconstitucionalidade para sustentar-se a inaplicabilidade de cláusula contratual a uma determinada situação de fato. A defesa de direito subjetivo revela-se incompatível com a natureza e a função jurídica que a ação direta ostenta em nosso ordenamento positivo. É que a tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade.


A União Federal, invocando a norma inscrita no art. 4º da Lei nº 8.437/92, requer a suspensão da eficácia da medida cautelar, que, em processo de ação direta de inconstitucionalidade, foi concedida por eminente Desembargador do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

A medida cautelar ora questionada, deferida em sede de controle normativo abstrato, incidiu sobre a Cláusula Décima-Sétima do Contrato nº 004/98/STN/COAFI, que, celebrado pela União e pelo Estado de Minas Gerais - com a interveniência do Banco do Estado de Minas Gerais S.A. - BEMGE e do Banco do Brasil S.A. - importou em confissão, promessa de assunção, consolidação e refinanciamento de dívidas.

A decisão em causa, reconhecendo presentes os pressupostos legitimadores do deferimento da medida cautelar e identificando a existência de conteúdo normativo no ato impugnado, suspendeu a execução e a aplicabilidade da cláusula contratual em questão.

A União Federal, sustentando que a cláusula contratual em referência acha-se despojada de qualquer coeficiente de normatividade - circunstância que inviabilizaria a própria instauração do controle concentrado de constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local -, e enfatizando que a decisão que deferiu o provimento cautelar em questão, além de haver emanado de órgão judiciário destituído de legitimidade, encerra, em face de suas próprias conseqüências, risco de grave lesão à economia pública, postula a concessão de medida de contracautela, autorizada pelo art. 4º da Lei nº 8.437/92, com o específico objetivo de inibir a eficácia e a potencialidade danosa do ato decisório ora impugnado (fls. 2/15).

O Governador do Estado de Minas Gerais, ao insurgir-se contra o pleito deduzido neste processo, suscita duas questões preliminares (ausência de competência do Presidente do Supremo Tribunal Federal para apreciar a causa e falta de legitimidade ativa da União Federal para formular o pedido de contracautela), destacando, ainda, a impropriedade da via eleita - eis que o principal fundamento do pedido de suspensão justificaria, se fosse o caso, a utilização do instrumento da reclamação, por alegada usurpação das atribuições desta Suprema Corte -, requerendo, afinal, quanto ao mérito, o indeferimento do pedido, ante a absoluta ausência, na espécie, dos requisitos que poderiam legitimar o acolhimento da postulação (fls. 84/93).

O Ministério Público Federal, em parecer subscrito pelo eminente Procurador-Geral da República, em exercício, Dr. HAROLDO FERRAZ DA NÓBREGA, opinou pelo deferimento do pedido formulado pela União Federal (fls. 355/363).

Passo a examinar as questões preliminares suscitadas pelo Governador do Estado de Minas Gerais.

Cabe registrar, por necessário, não obstante o teor do despacho por mim exarado na Pet nº 1.120-SP - e cujos fundamentos vim a rever em sucessivas decisões posteriores (Pet nº 1.458-CE - Pet nº 1.653-MG e Pet nº 1.657-SP, v.g.) -, que, ante a abrangência da cláusula inscrita no art. 4º da Lei nº 8.437/92, tenho admitido a possibilidade de sua aplicação às medidas cautelares concedidas pelos Tribunais de Justiça, em sede de controle normativo abstrato.

É importante assinalar, neste ponto, para efeito de incidência do preceito legal em questão, que a competência monocrática do Presidente do Supremo Tribunal Federal, tratando-se de provimento cautelar deferido por Tribunal de Justiça, com fundamento na atribuição que lhe foi outorgada pelo art. 125, § 2º, da Carta Política, somente ficará caracterizada, se se reconhecer que também incumbe, à Suprema Corte, o conhecimento do pertinente recurso extraordinário interponível contra a decisão, que, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, vier a ser proferida pela Corte judiciária local.

Isso significa, portanto, nas situações que justificam a providência extraordinária a que se refere o art. 4º da Lei nº 8.437/92, que a competência do Presidente desta Corte representa uma necessária derivação da competência recursal do próprio Supremo Tribunal Federal.

Em conseqüência, desde que configurada essa competência recursal, aí, também, restará caracterizada a atribuição monocrática do Presidente do Tribunal para apreciar o pedido de contracautela formulado pelo Ministério Público ou por pessoa jurídica de direito público interessada.

No caso, torna-se evidente, ao menos em tese, o pleno cabimento de recurso extraordinário, para o Supremo Tribunal Federal, da decisão a ser proferida pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no processo de controle abstrato de constitucionalidade, que, perante essa Corte, foi instaurado pelo Chefe do Poder Executivo local e em cujo âmbito foi concedida a medida cautelar ora questionada.

O exame das peças que compõem o processo em referência deixa transparecer, de maneira muito nítida, que as normas de parâmetro - invocadas pelo Governador do Estado de Minas Gerais, na ação direta que ora promove perante o Tribunal de Justiça -, embora formalmente incorporadas ao texto da Constituição estadual, acham-se impregnadas de um máximo coeficiente de federalidade, eis que refletem, no plano do ordenamento constitucional local, claúsulas de reprodução obrigatória ou de observância compulsória, que, fundadas na Carta da República, impõem-se, aos Estados-membros, como padrões normativos de caráter subordinante e vinculante.

O Governador do Estado de Minas Gerais, ao propor a ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, sustenta que a cláusula contratual por ele impugnada encerra uma pluralidade de transgressões à Carta estadual, pois "viola a Constituição do Estado de Minas Gerais, em uma multiplicidade de disposições, a saber, arts. 1º, 2º, 6º, 10, 40, 46, 74, 201, 239, 240 e, especialmente, os arts. 161 e 163" (fls. 23).

A análise do conteúdo desses preceitos constitucionais estaduais, cuja vulneração teria sido causada pela cláusula contratual ora questionada em sede de fiscalização normativa abstrata, permite constatar que as regras locais invocadas como parâmetro de controle correspondem a normas inscritas na Constituição da República e que se revestem de eficácia condicionante da própria atividade jurídico-normativa dos Estados-membros, tais como o princípio da Federação e os consectários que dele derivam (autonomia institucional dos Estados-membros e respectiva competência político-administrativa - CF, arts. 18, 25, caput e § 1º), postulado da separação de Poderes (CF, art. 2º), princípios e objetivos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, parágrafo único e art. 3º), sistema de fiscalização externa e de controle interno do Poder Público em matéria contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial (CF, art. 70 e respectivo parágrafo único), diretrizes em tema de prestação de serviços públicos, inclusive no que concerne ao regime de delegação das atividades estatais (CF, art. 175 e respectivo parágrafo único), princípio da não-afetação dos impostos (CF, art. 167, IV) e respectivas exceções (CF, art. 167, § 4º), regime de execução dos débitos judiciais da Fazenda Pública (CF, art. 100) e obrigatoriedade de o Estado-membro aplicar, anualmente, determinado índice percentual (25%) da receita resultante de impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino (CF, art. 212).

Vê-se, portanto, que as normas de parâmetro, alegadamente violadas pela cláusula contratual que foi impugnada, perante o Tribunal de Justiça local, em sede de fiscalização concentrada de constitucionalidade, embora incorporadas ao texto da Constituição do Estado de Minas Gerais, nada mais refletem senão princípios, cláusulas e preceitos revestidos, todos eles, de um inquestionável coeficiente de federalidade, porque essencialmente radicados na própria Constituição da República que os impõe, por força de sua autoridade normativa, à compulsória observância de todos os Estados-membros.

A circunstância de os preceitos constitucionais estaduais, invocados como cláusulas de parâmetro para efeito de fiscalização normativa abstrata, acharem-se impregnados do referido coeficiente de federalidade não exclui a possibilidade jurídico-processual de o Tribunal de Justiça exercer, em plenitude, o poder de controle concentrado de constitucionalidade que lhe foi expressamente atribuído pelo art. 125, § 2º, da Constituição da República.

Cabe relembrar, a esse propósito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que tem reconhecido a legitimidade da instauração, perante qualquer Tribunal de Justiça, do processo de fiscalização normativa abstrata de leis ou atos normativos estaduais ou municipais questionados em face da Carta Estadual, mesmo que esta reproduza, no ponto, princípio de observância compulsória inscrito na própria Constituição da República, admitindo-se, em tal específica hipótese, a possibilidade de controle recursal extraordinário por esta Suprema Corte (RTJ 152/371-373).

Esta Corte, ao apreciar tal específica questão - após acentuar a admissibilidade de ação direta perante Tribunal de Justiça, em cujo âmbito se impugne diploma local, sob a alegação de ofensa a normas constitucionais estaduais "que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados" -, deixou assentado, na matéria, o pleno cabimento de recurso extraordinário, se a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça à regra inscrita na Carta estadual, "que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados", contrariar o sentido e o alcance da Constituição da República (RTJ 147/404, Relator p/acórdão Ministro MOREIRA ALVES).

É importante enfatizar que esse entendimento jurisprudencial tem sido reiteradamente observado em diversos julgamentos proferidos por ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal e, também, pelo Plenário desta Corte:

"Controle abstrato de constitucionalidade: ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, perante o Tribunal de Justiça, fundada em violação de preceitos da Constituição do Estado, ainda que se cuide de reprodução compulsória de normas da Constituição da República: admissibilidade afirmada na Rcl. 383, 10.6.92: aplicação do precedente, com ressalva do relator."
(RTJ 155/974, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei)

"COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CARTA DO ESTADO, NO QUE REPETE PRECEITO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O § 2º do artigo 125 da Constituição Federal não contempla exceção: define a competência para a ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir lançada na inicial; sendo esta o conflito da norma atacada com a Carta do Estado, impõe-se concluir pela competência do Tribunal de Justiça, pouco importando que ocorra repetição de preceito da Carta da República de adoção obrigatória..."
(RE 177.865-SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

"COMPETÊNCIA - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - BALIZAS - NORMA LOCAL - CARTA DO ESTADO. A competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade em que impugnada norma local contestada em face de Carta Estadual é do Tribunal de Justiça respectivo, ainda que o preceito atacado revele-se como pura repetição de dispositivos da Constituição Federal de observância obrigatória pelos Estados..."
(Rcl 588-RJ, Rel. Min. MARCO AURÉLIO - grifei)

Não há dúvida, portanto, tratando-se de norma local questionada em face da Constituição do Estado-membro, que é do Tribunal de Justiça a competência, para, em sede originária, processar e julgar a concernente ação direta de inconstitucionalidade, ainda que o parâmetro de controle - que somente pode residir na Carta estadual (RTJ 134/1066, Rel. Min. CELSO DE MELLO) - reproduza, ele próprio, normas de observância compulsória impostas pela Lei Fundamental da República.

Essa orientação firmada pelo magistério jurisprudencial da Suprema Corte, ao ensejar, na situação referida, a possibilidade jurídico-processual de interposição de recurso extraordinário contra decisões emanadas de Tribunais de Justiça, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, legitima, não só o exercício, pela Corte judiciária local, da atribuição que lhe foi conferida pela Constituição Federal (art. 125, § 2º), mas autoriza a prática, pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, da competência monocrática a que alude a Lei nº 8.437/92 (art. 4º).

Por tais razões, rejeito a preliminar de incompetência do Presidente do Supremo Tribunal Federal, suscitada pelo Governador do Estado de Minas Gerais.

Há, ainda, outra preliminar que cumpre ser analisada.

Sustenta-se que faleceria legitimidade ativa à União Federal, para, no caso ora em exame, formular o pedido de contracautela.

Entendo que a União Federal dispõe de qualidade para agir na presente sede processual. É que o processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade, instaurado perante o E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, tem por objeto cláusula constante de contrato celebrado entre a própria União Federal e o Estado de Minas Gerais, circunstância esta que, ao menos em tese, imporia a necessidade formal de chamamento dessa pessoa estatal, para, no pólo passivo, integrar a relação processual, daí derivando a sua plena legitimidade para requerer a presente medida de contracautela, afetada que foi, a União Federal, pela decisão, que paralisou, em parte, em sede de ação direta, a eficácia do negócio jurídico de cuja elaboração veio ela a participar de maneira decisiva.

Não custa enfatizar, neste ponto, que devem necessariamente compor o processo de controle concentrado de constitucionalidade todos os órgãos e entes públicos, que, de modo direto, intervieram e co-participaram na elaboração do ato estatal questionado.

Isso significa, portanto - independentemente da discussão em torno do conteúdo normativo de uma simples cláusula contratual -, que a instauração do processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade referente a tal cláusula exigiria, como pressuposto de válida constituição da relação processual, o ingresso, na causa, da própria União Federal, pois foi ela um dos co-partícipes de que emanou o ato que o Governador do Estado de Minas Gerais, agora, está impugnando em sede de ação direta.

Por tais razões, também rejeito a preliminar de ilegitimidade ativa da União Federal.

Superadas as questões preliminares, passo a apreciar o pedido de contracautela formulado pela União Federal.

Cabe assinalar, desde logo, que, em princípio, não se deve proceder, nesta sede processual, à análise do fundo da controvérsia jurídica suscitada na causa principal, especialmente porque a medida de contracautela, para ser apreciada (e eventualmente deferida), supõe o exame e a constatação da alegada ocorrência de ofensa aos valores sociais tutelados pela norma inscrita no art. 4º da Lei nº 8.437/92.

Não posso, contudo, no exame deste pedido de contracautela, deixar de ter presente a relevantíssima circunstância de que a decisão ora questionada admitiu, ainda que em juízo de estrita delibação, a possibilidade de impugnação de mera cláusula contratual, em sede de controle normativo abstrato, descaracterizando, por completo, a utilização do instrumento da ação direta, que, em nosso regime constitucional, só pode ter por objeto leis ou atos estatais providos de conteúdo normativo, consoante adverte a própria jurisprudência firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal:
"CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SITUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS.
- O controle normativo de constitucionalidade
qualifica-se como típico processo de caráter objetivo, vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julgamento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurídicas concretas e individuais constitui matéria juridicamente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade.
A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3o)."
(ADI nº 1.434-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)


É por essa razão que o Supremo Tribunal Federal, por mais de uma vez, já proclamou que atos estatais de efeitos concretos - precisamente porque despojados de qualquer densidade normativa - não se expõem, em sede de ação direta, ao controle abstrato de constitucionalidade (RTJ 147/545, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

A exigência de conteúdo normativo, na realidade, traduz pressuposto essencial do controle concentrado, cuja instauração - decorrente da adequada utilização da ação direta - tem por objetivo viabilizar a abstrata fiscalização de constitucionalidade dos atos estatais.

Como se sabe, no controle abstrato de normas, em cujo âmbito instauram-se relações processuais objetivas, visa-se a uma só finalidade: a tutela da ordem constitucional, sem vinculações quaisquer a situações jurídicas de caráter individual ou concreto.

Cláusulas contratuais - inclusive aquela que resultou impugnada na ação direta ora promovida perante o E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - não se tipificam como atos de conteúdo normativo, eis que as regras pactuadas em negócios jurídicos bilaterais apresentam-se desvestidas, em função de sua própria natureza, de abstração, generalidade e impessoalidade.

Embora absolutamente dispensável, não custa enfatizar que os contratos - mesmo aqueles celebrados pelo Poder Público - disciplinam situações pessoais, veiculando, por isso mesmo, regras de caráter meramente individual, destinadas a reger os direitos e as obrigações, que, fundados no ajuste consensual, devem constituir objeto de regular execução, unicamente, por parte dos sujeitos contratantes (pacta sunt servanda), ressalvada, dentre outras hipóteses, a situação configuradora de onerosidade excessiva, que justifica, mediante proposta unilateral de um dos contratantes, a possibilidade de revisão contratual, quando ocorrentes fatos supervenientes, extraordinários e imprevisíves que tornem insuportável, para uma das partes, a execução do negócio jurídico bilateral.

Torna-se relevante observar, neste ponto, que, ao contrário da lei e dos demais atos normativos emanados do Poder Público - cujas notas características acentuam-lhes os atributos da impessoalidade e da generalidade abstrata -, o contrato, que se subsume à noção genérica de ato jurídico, sempre "cria situação pessoal" (ORLANDO GOMES, "Introdução ao Direito Civil", p. 67, item n. 29, 5ª ed., 1977, Forense).

Na realidade, os contratos traduzem modelos jurídicos negociais que dão significação concreta à autonomia da vontade das partes intervenientes (MIGUEL REALE, "Fontes e Modelos do Direto", p. 73/75, 1994, Saraiva). Esses pactos negociais, contudo, não realizam a função integral inerente à norma estatal, pois nem mesmo força e autoridade possuem para impor regras de conduta, de observância geral e compulsória, a terceiros a eles estranhos.

Daí a precisa observação de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO ("Curso de Direito Civil - Parte Geral", p. 6/7, 35ª ed., 1997, Saraiva), que - após fixar a distinção essencial entre atos normativos, de um lado (que dão fundamento, em caráter geral, impessoal e abstrato, a situações jurídicas objetivas, que são exercitáveis contra todos) e contratos, de outro (dos quais se originam, em caráter individual e concreto, situações jurídicas subjetivas, que só se revelam oponíveis às próprias pessoas que participam do vínculo negocial) -, assevera: "O exemplo mais característico de situação jurídica subjetiva é a resultante de um contrato, que outorga a uma das partes o direito de exigir e a outra o dever de prestar" (grifei).

Cabe ressaltar, bem por isso, neste ponto, a procedente advertência constante do parecer do eminente Procurador-Geral da República, em exercício (fls. 362):

"E a ausência de caráter normativo da cláusula décima sétima reside na circunstância de estarem ausentes alguns dos requisitos de normatividade, a saber, a abstração, a generalidade e a impessoalidade. De fato, a dicção da cláusula décima sétima do contrato, que de resto possui eficácia vinculativa relativamente apenas às partes que celebraram a avença, despindo-se, outrossim, de impessoalidade, já que determinados e conhecidos os entes participantes do contrato, torna-a de efeito imediato e concreto, subtraindo-lhe a hipoteticidade que caracteriza os atos abstratos."

Em suma: as cláusulas contratuais, como aquela que veio a ser impugnada em sede de ação direta pelo Governador do Estado de Minas Gerais, encerram típicas regras de caráter individual e concreto, destinadas, em função da manifestação de vontade subjacente ao pacto consensual, a fixar "obrigações e direitos apenas para os contraentes..." (MARIA HELENA DINIZ, "Curso de Direito Civil Brasileiro", vol. 3/24, 11ª ed., 1996, Saraiva).

Vê-se, portanto, que a cláusula contratual cuja eficácia foi suspensa pela decisão ora questionada não se qualifica e nem se subsume à noção de ato normativo, posto que veiculadora de regras destituídas do necessário coeficiente de impessoalidade e de generalidade abstrata.

É preciso não perder de perspectiva a circunstância de que a cláusula contratual em referência - precisamente por disciplinar situação concreta existente entre as partes contratantes - revela-se objeto juridicamente inidôneo para efeito de instauração do processo de controle concentrado de constitucionalidade, expondo-se, em conseqüência, às restrições ditadas pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 108/505 - RTJ 119/65 - ADI nº 1.789-DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.).

O fato irrecusável, na espécie ora em exame, é que não cabe ação direta de inconstitucionalidade - e, muito menos, não tem pertinência o deferimento de medida cautelar -, para sustentar-se, como pretende o Governador do Estado de Minas Gerais, a inaplicabilidade de cláusula contratual "a uma determinada situação de fato, o que, evidentemente, não é matéria de ação direta" (RTJ 140/42, trecho do voto do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE na ADI nº 647-DF), pois - não custa enfatizar - a defesa de direito subjetivo revela-se "incompatível com a natureza da ação direta..." (RTJ 140/42, fragmento do voto do Ministro CÉLIO BORJA na ADI nº 647-DF).

Daí a correta observação feita pela douta Procuradoria-Geral da República, que, ao também destacar esse ponto por mim ora ressaltado, assinalou, com precisão, que o instrumento de fiscalização abstrata de constitucionalidade, no caso, foi utilizado de maneira incompatível com a natureza que qualifica esse tipo de processo objetivo, destinado a provocar o exame, em tese, da validade constitucional de ato estatal revestido de conteúdo normativo (fls. 362):

"De efeito, como bem ressaltado na petição da lavra do Eminente Advogado-Geral da União, a causa de pedir da ação revela interesse do Estado de Minas Gerais de não ver cumprida cláusula contratual firmada com o fim de cumprimento de compromissos de confissão, assunção, consolidação e refinanciamento de dívidas, sob a alegação de a disposição ser inválida, o que está a denotar aspecto subjetivo a cunhar a relação jurídica travada por via contratual."

Todas as razões ora expostas convencem-me da plausibilidade jurídica do pedido formulado pela União Federal, seja porque (a) não cabe ação direta de inconstitucionalidade contra mera cláusula contratual, eis que esta - por encerrar típica disposição de caráter individual e concreto, destituída de eficácia subordinante relativamente a terceiros - não se reveste de conteúdo normativo, seja porque (b) o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, que se destina a viabilizar o exame em abstrato da validade jurídica de leis ou atos normativos, revela-se absolutamente incompatível, quer com a pretendida defesa de direitos subjetivos do Estado, quer com a discussão em torno da alegada inaplicabilidade de certa cláusula contratual a uma determinada situação de fato.

Resta verificar, agora, tendo presente o que dispõe o art. 4º da Lei nº 8.437/92, se também concorre, na espécie, a situação configuradora do periculum in mora.

Entendo, sob tal aspecto, que a decisão ora impugnada - que implicou a suspensão de eficácia da Cláusula Décima-Sétima do Contrato de Confissão, Promessa de Assunção e Refinanciamento de Dívidas - revela inquestionável potencialidade lesiva ao interesse público, pois, ao inviabilizar "o retorno dos recursos aos cofres federais, em prejuízo direto ao contribuinte e à própria economia do País" (fls. 63), pode gerar conseqüências da mais alta gravidade para a economia pública, tais como (fls. 63):
(a) "o aumento da dívida pública federal, uma vez que, ao não receber as prestações conforme programado no contrato, o Tesouro Nacional deverá buscar recursos no mercado financeiro para cobrir a frustração de receita; à guisa de informação, no leilão de hoje (19/01/99), a taxa média de juros incorrida foi de 39,75%aa;"
(b)"a fragilização da política fiscal em magnitude proporcional à importância do Estado de Minas Gerais no contexto nacional e sua participação no total da dívida estadual refinanciada;"

(c)"deterioração adicional das expectativas dos agentes econômicos com relação às perspectivas do País, conforme ficou evidente ao longo das últimas semanas com a declaração unilateral de moratória pelo Governo do Estado de Minas Gerais."

Assim sendo, e tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de contracautela, para, até final julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 144.264-9 (Comarca de Belo Horizonte), ora em curso perante o E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, suspender a eficácia e a execução da decisão proferida, em 19/1/99, pelo eminente Desembargador Aluízio Alberto da Cruz Quintão (fls. 64/71).

Comunique-se, com urgência.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 09 de fevereiro de 1999.

Ministro CELSO DE MELLO
Presidente

* decisão publicada no DJU de 18.2.99.


 
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Informativo STF - 139 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

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