Anúncios


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Informativo STF 135 - Supremo Tribunal Federal

Informativo STF

Brasília, 7 a 11 de dezembro de 1998- Nº135.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.

Download deste Informativo


ÍNDICE DE ASSUNTOS



Ação Penal Originária e Conciliação
Aldeamento Indígena Antigo e Usucapião
Aposentadoria Proporcional
Aposentadoria Proporcional do Parquet
Crime contra a Segurança Nacional
Crime de Lesões Corporais e Justiça Militar
Emenda Parlamentar e Vício de Iniciativa
Emendatio Libelli
Estabilidade Financeira
Governador: Afastamento de Suas Funções
Habeas Corpus: Conhecimento
Imunidade Parlamentar: Inaplicabilidade
Independência das Instâncias
Penhora de Bens Públicos
Serventuários da Justiça: Regime Jurídico
Sindicato: Representatividade Constitucional
Sub-Teto Remuneratório e Vantagens
Sursis Processual e Crime Continuado
PLENÁRIO


Aldeamento Indígena Antigo e Usucapião

Os incisos I e XI do art. 20 da CF ("São bens da União: I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos ... XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios") não alcançam as terras que foram ocupadas por indígenas no passado remoto. Com esse entendimento, o Tribunal decidiu que a União Federal não é parte legítima para figurar em ação de usucapião de imóvel urbano que estaria compreendido no perímetro de antigo aldeamento indígena (de São Miguel e Guarulhos).
RE 219.983-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 9.12.98.

Crime contra a Segurança Nacional

Iniciado o julgamento de recurso ordinário criminal interposto em favor de paciente condenado como incurso no art. 12 da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83, art. 12: "Importar ou introduzir, no território nacional, por qualquer forma, sem autorização da autoridade federal competente, armamento ou material militar privativo das forças armadas."). Após o voto do Min. Ilmar Galvão, relator, reconhecendo a competência recursal do STF por se tratar de crime político (CF, arts. 102, II, b e 109, IV), o julgamento foi adiado pelo pedido de vista do Min. Maurício Corrêa, revisor.
RCR 1.468-RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, 9.12.98.

Serventuários da Justiça: Regime Jurídico

Iniciado o julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta contra os arts. 32, 33 e 34 do ADCT da Constituição do Estado do Espírito Santo. O Min. Maurício Corrêa, relator, proferiu voto no sentido da prejudicialidade do pedido com relação aos arts. 33 e 34, em face de seu acolhimento na ADIn 417-ES (DJU de 8.5.98). Quanto ao art. 32 ("É assegurado aos atuais escreventes juramentados lotados nos serviços privatizados por força do art. 236 da CF, o direito de optar, no prazo de até 120 dias, pelo regime jurídico dos servidores públicos civis do Poder Judiciário..."), votou no sentido de julgar procedente a ação, declarando sua inconstitucionalidade, por ofensa aos artigos 236, § 3º e 37, II, da CF que exigem concurso público para ingresso na atividade notarial e de registro, bem como para a investidura em cargo ou emprego público. Após, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Min. Nelson Jobim.
ADIn 423-ES, rel. Min. Maurício Corrêa, 9.12.98.

Estabilidade Financeira

Concluído o julgamento de recursos extraordinários interpostos pelo Estado de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça local que, fundado no princípio da intangibilidade do direito adquirido e no da isonomia, determinou a observância, no reajuste da parcela remuneratória incorporada por servidor em razão do anterior exercício de cargo em comissão (estabilidade financeira), dos mesmos critérios aplicáveis ao reajuste dos vencimentos dos atuais ocupantes daqueles cargos (v. Informativos 104 e 105). O Tribunal, por maioria, conheceu do recurso e lhe deu provimento sob o entendimento de que não há direito adquirido a regime jurídico. Vencido o Min. Marco Aurélio. Precedente citado: RE 226.473-SC (julgado em 13.5.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 110).
RE 222.480-SC e RE 223.425-SC, rel. Min. Moreira Alves, 9.12.98.

Sub-Teto Remuneratório e Vantagens

Não se computam as vantagens de caráter pessoal para o cálculo do teto de remuneração previsto no art. 37, XI, da CF. Com esse entendimento, o Tribunal, por maioria, julgando recurso extraordinário interposto de decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em mandado de segurança impetrado por procuradores municipais, declarou a constitucionalidade do art. 42 da Lei 10.430/88, do Município de São Paulo, no ponto em que estabeleceu teto remuneratório para o funcionalismo público inferior ao previsto na CF, mas excluiu do teto dos impetrantes as parcelas referentes às gratificações de gabinete e de função - configuradas como vantagem pessoal - e incluiu a verba de honorários advocatícios, pelo seu caráter genérico. Vencidos os Min. Marco Aurélio e Carlos Velloso. Precedentes citados: ADInMC 1.344-AL (DJU de 19.4.96), ADInMC 1.833-PE (julgado em 27.5.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 112), RE 226.473-SC (julgado em 13.5.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 110) e RMS 21.840-DF (RTJ 156/518).
RE 220.397-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 9.12.98.

Aposentadoria Proporcional

Declarada a inconstitucionalidade do art. 14 do ADCT da Constituição do Estado do Espírito Santo, promulgada em 5.10.89, que facultava ao funcionário público o direito de requerer, após 20 anos de serviço, aposentadoria com proventos proporcionais. O Tribunal considerou que o referido preceito ofende o art. 40, III, c, da CF, ao instituir modalidade de aposentadoria não prevista neste dispositivo. Precedentes citados: ADIn 101-MG (DJU de 7.5.93), ADIn 178-RS (DJU de 26.4.96) e ADIn 755-SP (DJU de 6.12.96).
ADIn 369-ES, rel. Min. Moreira Alves, 9.12.98.

Sindicato: Representatividade Constitucional

Iniciado o julgamento de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio - CNTC contra o art. 2º da MP nº 1.698-50/98 (Art. 2º: "A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir discutidos, escolhidos pelas partes de comum acordo: I - Comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria, dentre os empregados da empresa;"). Após o voto do Min. Ilmar Galvão no sentido de deferir o pedido de medida cautelar para suspender, no caput do referido art. 2º, a eficácia da expressão acima sublinhada, bem como todo o seu inciso I, por aparente incompatibilidade com o art. 8º, VI, da CF ("É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: ...VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho"), e do voto do Min. Nelson Jobim indeferindo a cautelar, ao entendimento que os dispositivos atacados não excluem a participação dos sindicatos, o julgamento foi suspenso em virtude de pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
ADInMC 1.892-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 10.12.98.

Emenda Parlamentar e Vício de Iniciativa

É formalmente inconstitucional norma resultante de emenda parlamentar que estende a outras categorias de servidores públicos vantagem remuneratória que o projeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo concedia, de forma restrita, a determinado segmento do funcionalismo (CF, arts. 61, § 1º, II, a e c, e 63, I). Com esse entendimento e considerando ser de observância obrigatória dos Estados-membros o modelo previsto na CF para o processo legislativo, o Tribunal julgou procedente ação direta requerida pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 3º, do artigo 5º e do Anexo II da Lei estadual nº 9.696/92 que, inseridos por emenda parlamentar em projeto de iniciativa do Governador do Estado, estendiam vantagens pecuniárias aos policiais civis e militares e aos integrantes do quadro dos Técnicos-Científicos do Estado, inclusive das Autarquias, e dos Técnicos em Planejamento. Considerou-se, ainda, a manifesta inconstitucionalidade material do § único do art. 3º, que vincula os vencimentos dos policiais civis e militares dos escalões inferiores aos vencimentos do Procuradores do Estado, por ofensa ao art. 37, XIII, da CF, que veda a vinculação de vencimentos de cargos diversos. Precedentes citados: ADInMC 766-RS (RTJ 157/460), ADInMC 873-RS (RTJ 148/701), ADInMC 665-DF (141/413); ADInMC 816-SC (RTJ 149/417) e ADIn 822-RS (DJU de 25.4.96).
ADIn 774-RS, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 10.12.98.

Penhora de Bens Públicos

Iniciado o julgamento de recursos extraordinários interpostos pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT contra acórdãos do TST, em que se pretende ver reconhecida a impenhorabilidade dos bens, rendas e serviços da referida empresa (v. Informativo 129). O Min. Ilmar Galvão votou no sentido de confirmar os acórdãos recorridos - que negaram à referida empresa a execução de seus débitos trabalhistas pelo regime de precatórios sob o fundamento de que se trata de empresa pública que explora atividade econômica, sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas -, e de declarar, em face da CF/67, a inconstitucionalidade da expressão que assegura à ECT a "impenhorabilidade dos seus bens, rendas e serviços" (Decreto-lei nº 509/69, art. 12). O Min. Maurício Corrêa, por outro lado, votou no sentido de reformar os acórdãos recorridos, por entender constitucional a referida expressão constante do art. 12. Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Nelson Jobim.
RREE 229.696-PE, 230.051-SP, 230.072-RS, rel. Min. Ilmar Galvão e 220.906-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 10.12.98.

Governador: Afastamento de Suas Funções

Concluído o julgamento de medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Partido da Mobilização Nacional-PMN contra os §§ 1º, I e II, e 2º do art. 66 da Constituição do Estado do Maranhão, que tratam do afastamento do Governador nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade (v. Informativo 133). Por ofensa ao art. 22, I, da CF, que prevê a competência privativa da União para legislar sobre direito processual, o Tribunal, por maioria, deferiu a medida cautelar para suspender tão-somente a eficácia do inciso II do § 1º do art. 66 ("§ 1º - O Governador ficará suspenso de suas funções: ...II - nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pela Assembléia Legislativa."), porquanto a Constituição estadual não poderia dispor sobre crime de responsabilidade, que é matéria prevista em lei federal. Vencidos, nesta parte, os Ministros Carlos Velloso, relator, e Sepúlveda Pertence, que indeferiam integralmente o pedido de medida cautelar.
ADInMC 1.890-MA, rel. Min. Carlos Velloso, 10.12.98.

Aposentadoria Proporcional do Parquet

O Tribunal, por maioria, julgou procedente ação direta proposta pelo Procurador-Geral da República e declarou a inconstitucionalidade do § 3º do art. 231 da Lei Orgânica do MP (LC 75/93), que facultava aos membros do Ministério Público da União, do sexo feminino, o direito à aposentadoria com proventos proporcionais, aos 25 anos de serviço. Considerou-se que o sistema especial de aposentadoria da magistratura (CF, art. 93, VI), que se estende ao Ministério Público por força do art. 129, § 4º, da CF, não contempla a aposentadoria proporcional, como ocorre para os servidores públicos em geral (CF, art. 40, III, c). Vencido o Min. Marco Aurélio que julgava improcedente a ação, declarando a constitucionalidade do referido dispositivo da LC 75/93.
ADIn 994-DF, rel. Min. Néri da Silveira, 10.12.98.

PRIMEIRA TURMA


Emendatio Libelli

No julgamento da apelação criminal interposta pela defesa, admite-se que seja dada nova definição jurídica ao fato delituoso, desde que não seja agravada a pena do réu (CPP, art. 617 e 383). Precedentes citados: HC 61.191-SP (RTJ 108/1052); HC 63.040-SP(RTJ 115/185).
HC 78.373-PR, rel. Min. Octavio Gallotti, 11.12.98.

Imunidade Parlamentar: Inaplicabilidade

O deputado afastado de suas funções para exercer cargo no Poder Executivo não tem imunidade parlamentar. Com esse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que se pretendia o trancamento da ação penal instaurada contra deputado estadual que, à época dos fatos narrados na denúncia, encontrava-se investido no cargo de secretário de estado. Precedente citado: Inquérito 104-RS (RTJ 99/477).
HC 78.093-AM, rel. Min. Octavio Gallotti, 11.12.98.

Ação Penal Originária e Conciliação

O art. 520 do CPP ("Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem, fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados, não se lavrando termo.") não se aplica às hipóteses de ação penal privada originária por crime contra a honra, uma vez que não há tal previsão na Lei 8.038/90, que institui as normas procedimentais para o seu julgamento. Precedente citado: Inquérito 1.247-DF (julgado em15.4.98, acórdão pendente de publicação, v. Informativo 106).
HC 77.962-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11.12.98.

Sursis Processual e Crime Continuado

Iniciado o julgamento de habeas corpus em que se discute a aplicação da suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89) nas hipóteses de crime continuado. O Min. Moreira Alves, relator, proferiu voto no sentido de que, tratando-se de crime continuado, se a soma da pena mínima do crime mais grave com o aumento mínimo de 1/6 for superior a um ano, não se aplica o art. 89 da Lei 9.099/5 ("Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que ..."). Após, o julgamento foi adiado em virtude do pedido de vista do Min. Sepúlveda Pertence.
HC 77.242-SP, rel. Min. Moreira Alves, 11.12.98.

SEGUNDA TURMA


Habeas Corpus: Conhecimento

A pena de afastamento de militar do exercício de seu posto não enseja o cabimento de habeas corpus, instrumento voltado unicamente à salvaguarda do direito de ir e vir.
HC 78.233-DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 7.12.98.

Independência das Instâncias

A decisão que rejeita a instauração de processo administrativo disciplinar não impede a apuração dos mesmos fatos em processo criminal uma vez que as instâncias penal e administrativa são independentes. Com esse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em se que pretendia o trancamento da ação penal instaurada contra juiz de direito sob a alegação de que o órgão especial do Tribunal de Justiça local, ao determinar o arquivamento dos autos da representação administrativa contra o paciente, reconhecera expressamente que o mesmo não cometera o delito que lhe foi imputado.
HC 77.770-SC, rel. Min. Néri da Silveira, 7.12.98.

Crime de Lesões Corporais e Justiça Militar

Aplica-se à Justiça Militar o art. 88 da Lei 9.099/95, que condiciona à representação do ofendido a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões corporais culposas (CPM, art. 209 e 210), e o art. 89 da mesma Lei, que prevê o instituto da suspensão condicional do processo. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu habeas corpus e cassou acórdão do Tribunal de Justiça Militar do Estado do Rio Grande do Sul, determinando seja aplicado em favor do paciente, o disposto na Lei 9.099/95, artigos 88 e 89.
HC 78.213-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 7.12.98.

Sessões

Ordinárias

Extraordinárias

Julgamentos

Pleno

09.12.98

10.12.98

21

1a. Turma

--------

11.12.98

463

2a. Turma

--------

7.12.98 e 11.12.98

533



C L I P P I N G D O D J

11 de dezembro de 1998

ADIN. 766-RS
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: Processo legislativo estadual: observância compulsória das regras de reserva de iniciativa da Constituição Federal: separação dos Poderes.
As normas de reserva da iniciativa legislativa compõem as linhas básicas do modelo positivo da separação dos poderes da Constituição Federal e, como tal, integram princípio de observância compulsória pelos Estados-membros: precedentes.
É inconstitucional lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre o regime jurídico e a remuneração de servidores do Poder Executivo.
*noticiado no informativo 131

RE (AgRg) N. 230.516-PE
RELATOR : MIN. CARLOS VELLOSO
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. COISA JULGADA. CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL.
I. - O recurso de revista, na execução de sentença, somente pode ser admitido no caso de ofensa direta à Constituição (Lei 7.701/88, art. 12, § 4º), o que, de resto, ocorre relativamente ao recurso extraordinário, somente cabível na hipótese de ofensa direta à Constituição.
II. - Decisão contrária ao interesse da parte não configura negativa de prestação jurisdicional. C.F., art. 5º, XXXV.
III. - Coisa julgada: a ofensa ocorre no caso de ocorrer erro conspícuo quanto ao conteúdo e à autoridade, em tese, da coisa julgada. Se o reconhecimento da ofensa ao art. 5º, XXXV, C.F., depender do exame in concreto, dos limites da coisa julgada, não se tem questão constitucional que autorizaria a admissão do recurso extraordinário: Ag 143.712, Pertence, RTJ 159/682.
IV. - O tema - penhora de bem vinculado à cédula de crédito industrial - não integra o contencioso constitucional autorizador do RE, mesmo porque para se chegar à questão constitucional invocada, primeiro teríamos que examinar a questão sob o ponto de vista das normas infraconstitucionais pertinentes.
V. - R.E. inadmitido. Agravo não provido.
* noticiado no Informativo 130

RE N. 123.337-DF
REDATOR ACÓRDÃO : MIN. MAURÍCIO CORRÊA
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARTIGO 8º DO ADCT-CF/88. ANISTIA. MILITARES. PROMOÇÕES NA INATIVIDADE.
A teor do disposto no artigo 8º do ADCT-CF/88 somente aos militares punidos com base em ato institucional ou complementar são asseguradas as promoções na inatividade, e não àqueles afastados com base em dispositivo da legislação comum.
Recurso extraordinário conhecido e provido.
*noticiado no informativo 121

RE N. 170.173-SP
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ART. 125, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Na Rcl 383-SP, o Plenário do Supremo Tribunal Federal admitiu a possibilidade da propositura da ação direta de inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça local, tendo por objeto lei municipal confrontada com a Constituição Estadual, mesmo no caso de reprodução, por essa, de normas constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados, com possibilidade de recurso extraordinário, se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal obrigatória, contraria o sentido e o alcance dessa.
Recursos extraordinários conhecidos e providos.

RE N. 176.626-SP
RELATOR : MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE
EMENTA: I. Recurso extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356).
A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98).
II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria.
Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário.
III. Programa de computador ("software"): tratamento tributário: distinção necessária.
Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de "licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador" - matéria exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo - como a do chamado "software de prateleira" (off the shelf) - os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio.
* noticiado no Informativo 131

RE N. 213.482-SP
RELATOR : MIN. ILMAR GALVÃO
EMENTA: AUTONOMIA MUNICIPAL. DISCIPLINA LEGAL DE ASSUNTO DE INTERESSE LOCAL. LEI MUNICIPAL DE CAMPINAS, QUE PROÍBE A INSTALAÇÃO DE NOVA FARMÁCIA A MENOS DE 500 METROS DE ESTABELECIMENTO DA MESMA NATUREZA.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 199.517, por votação majoritária, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 6.545, de 02.06.91, do Município de Campinas, que impede a instalação de estabelecimentos do mesmo ramo numa mesma área.
Orientação aplicável ao caso dos autos por força do art. 101 do RI/STF.
Recurso extraordinário conhecido e provido.

Acórdãos publicados: 327


T R A N S C R I Ç Õ E S

Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


ADIn 1.480-DF*

Relator: Min. CELSO DE MELLO (Presidente)

E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO.
PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS.
- É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro.
O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto.
O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes.
SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
- No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política.
O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional.
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO.
- O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência.
PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO.
- Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes.
No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes.
TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR.
- O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público.
Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno.
LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
- A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10).
* acórdão ainda não publicado

Voltamos a divulgar trechos do relatório e voto do Min. Sepúlveda Pertence no RE 176.626-SP (acórdão publicado no DJU de 11.12.98), tendo em vista a existência de erro na transcrição veiculada no Informativo 133.

ICMS e Programas de Software
(RE 176.626-SP, DJU de 11.12.98)

Min. Sepúlveda Pertence (relator)

Relatório: RE, a, contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que julgou procedente ação declaratória ajuizada pela recorrida, visando ao reconhecimento da não-incidência do ICMS sobre operações de "licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador". Lê- se no aresto recorrido (f. 293/296):
[...]
No RE, deixa claro o recorrente que não pretende cobrar o imposto sobre a venda de programas feitos sob encomenda "para atender às necessidades específicas de um cliente", quando o que se tem é serviço típico, sujeito, em princípio, à competência tributária dos Municípios. É diferente, no entanto - diz o Estado - "a hipótese do chamado 'software de prateleira' que, como o nome sugere, encontra-se à venda em indistintos pontos, servindo a uma gama tão grande de usuários que pode também ser chamado de 'software produto', já que é produzido em série, atendendo a um número infinito e indefinido de usuários". Aí, arremata, o que existe é circulação de mercadoria, não prestação de serviço.
Argumentou o Estado (f. 314/315):
"No caso dos programas de computador, há que se fazer certas distinções, a fim de atender às peculiaridades da questão. Com efeito, não se nega que o 'software' seja fruto de uma produção intelectual do programador e que, por isso, optou o legislador pátrio por protegê-lo como se protege o direito autoral.
Todavia, o fato de ser o programa de computador protegido pela lei dos direitos autorais não implica no fato de não se poder caracterizá-lo como mercadoria.
Quem adquire um livro, por exemplo, não obstante possa ter o domínio sobre o objeto corpóreo que o mesmo representa, não adquire propriedade sobre a obra intelectual nele contida. Da mesma forma o programa de computador: quem adquire o disquete contendo o programa, passa a ter o domínio sobre o disquete e não sobre a obra intelectual que ele contém.
Da mesma forma, um programa de computador pode ser reproduzido em escala industrial e vendido no mercado como acontece, por exemplo com os processadores de texto compatíveis com a linha de computadores IBM PC/XT, tais como o "Carta Certa" e o "Wordstar". Qualquer pessoa pode entrar em uma loja de suprimentos de artigos para informática e adquirir um programa sem que lhe seja prestado qualquer tipo de serviço pelo autor do programa.
Há que se destacar que o legislador, quanto tornou os programas de computador passíveis de proteção pela lei de direitos autorais, quis evitar a reprodução e comercialização desautorizados, isto é, a venda de programas "piratas".
Assim sendo, os programas de computador, uma vez reproduzidos em escala industrial e colocados à venda em lojas, que formam estoques, tornam-se mercadorias circuláveis. As operações de circulação, por sua vez, são fato gerador do ICMS."
Nesse arrazoado apóia o Estado a alegação de contrariedade ao art. 155, I, b, CF, "que outorgou aos Estados competência para instituição de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias". Sustenta, por outro lado, que ao situar na competência dos Municípios a tributação da atividade em causa, o acórdão ofendeu o art. 156, IV, CF, pois a comercialização de programas de computador não está definida na lei complementar a que alude o citado dispositivo.
O Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao REsp, reafirmando a tese de que o software, por não ser mercadoria, está excluído do campo de incidência do ICMS. Lê-se no voto condutor dessa decisão, da lavra do em. Min. Garcia Vieira (f. 421/424):
[...]
O il. Subprocurador-Geral Flávio Giron opina pelo não conhecimento do RE, por falta de prequestionamento, pois, suscitada a matéria constitucional em embargos de declaração, mas negando-se o tribunal a quo a pronunciar-se a respeito, impunha-se a interposição do recurso por negativa de prestação jurisdicional, como assentado pela Segunda Turma no AGRAG 136.378, da lavra do em. Min. Marco Aurélio.
[...]
É o relatório.
Voto: Rejeito a preliminar de falta de prequestionamento suscitada no parecer do Ministério Público. Como acentuei no julgamento do RE 210.638 (DJ 19.6.98), verbis:
"...a rejeição dos embargos não impede que, no julgamento do recurso extraordinário, se considere prequestionada a matéria neles veiculada, como resulta, a contrario sensu, da Súmula 356, desde que sobre essa matéria tivesse de pronunciar-se o órgão julgador.
A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual "não foram opostos embargos declaratórios". Mas, se opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte. Não desconheço opiniões em contrário no Tribunal (cf. e.g., RE 208639, Inf. STF nº 78). Estou, porém, data venia, em que reclamar ainda aqui a interposição de recurso extraordinário para, reconhecida a nulidade do acórdão que se negou a completar a decisão, compelir a tanto o Tribunal a quo para só depois admitir o recurso de mérito é formalismo incompatível com a instrumentalidade, a economia e, de conseqüência, a efetividade do processo, cuja inadequação sobe de ponto em tempos de congestionamento da Justiça como o que vivemos."
No caso, procurou o Estado, oportunamente, mediante embargos declaratórios, ver discutido sob ângulo constitucional o problema da conceituação do software como mercadoria, satisfeita, com a interposição deles, a exigência do prequestionamento (Súmula 356).
[...]
A dificuldade que de fato encontrei na admissibilidade do recurso advinha do trânsito em julgado da decisão do STJ: com efeito, se se entendesse que a matéria aqui debatida tem solução bastante no plano da legislação ordinária, a motivação infraconstitucional daquele aresto haveria de ser tida como suficiente à manutenção do julgado e o STF já não poderia enfrentar o problema constitucional veiculado no recurso extraordinário.
Não me parece, no entanto, que a lei ordinária possa oferecer solução satisfatória, e muito menos definitiva, à questão posta nos autos.
A controvérsia, a meu ver, é insolúvel sem a precisão do conceito de "mercadoria", contido no art. 155, II, CF, e essencial à demarcação do âmbito constitucional de incidência possível do ICMS, incluído por aquele dispositivo na competência do Estado.
Passo ao exame do mérito do recurso.
Estou, de logo, em que o conceito de mercadoria efetivamente não inclui os bens incorpóreos, como os direitos em geral: mercadoria é bem corpóreo objeto de atos de comércio ou destinado a sê-lo.
Ora, no caso, o que se pretende é a declaração de inexistência de relação jurídica de natureza tributária entre a autora e o Estado, relativamente às operações de "licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador": trata-se, pois, de operações que têm como objeto um direito de uso, bem incorpóreo insuscetível de ser incluído no conceito de mercadoria e, conseqüentemente, de sofrer a incidência do ICMS.
Essas, com efeito, a caracterização e a conseqüente modalidade de proteção jurídica do software consagrados no direito comparado.
"O que individualiza o software em relação aos outros instrumentos a serviço da informação" - assinala Rui Saavedra, em preciosa monografia acadêmica apresentada à Universidade de Coimbra ("A Proteção Jurídica do Software e a Internet, Don Quixote, Lisboa, 1998, p. 106/107) - "é a sua natureza imaterial na medida em que ele mesmo é constituído por informação - a qual não tem substância tangível, e é, em si, um bem imaterial. O software apresenta-se, pois, como um produto, simultaneamente, utilitário e imaterial. Sendo o software um dos chamados 'bens informacionais' ou 'produtos de informação', ele não pode ser objecto duma protecção eficaz contra os actos dos não proprietários. Tal protecção só poderá relevar do Direito Intelectual, ou seja, através da organização de um 'direito de exclusivo' a favor daqueles que elaboram o software".
É esse "direito de exclusivo" - que não é mercadoria, nem se aliena com o licenciamento de seu uso -, que se deve declarar fora do raio de incidência do ICMS, como exatamente concluíra, nos lindes do pedido, a decisão recorrida.
Dessa exclusão, entretanto, não resulta que de logo se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do mesmo tributo a circulação de cópias ou exemplares de programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo, isto é, do chamado "software de prateleira".
Procede, com efeito, a distinção conceitual em que insiste o Estado.
Classifica Rui Saavedra (ob. cit., p. 29) os programas de computador, segundo o grau de standardização, em três categorias: os programas standard, os programas por encomenda e os programas adaptados ao cliente.
"Os programas standard", observa o autor, "constituem, em regra, pacotes (packages) de programas bem definidos, estáveis, concebidos para serem dirigidos a uma pluralidade de utilizadores - e não a um utilizador em particular -, com vista a uma mesma aplicação ou função. São, portanto, concebidos para tratamento das necessidades de uma mesma categoria de utilizadores (por exemplo, a contabilidade dos escritórios de advogados). Mas possibilitam uma configuração adequada para que cada utilizador, em concreto, encontre solução para a sua realidade específica - serão o "esqueleto" a que falta o "revestimento muscular". São como que "vestuário de pronto-a-vestir". Este software "produto acabado", é aquilo que os franceses denominam progiciel, neologismo criado partindo dos termos "produit" e "logiciel". Alguns destes programas - dependendo da sua compatibilidade - podem ser utilizados em diferentes equipamentos. São programas fabricados em massa e, como são vocacionados a um vasto público, são até comercializados nos hipermercados - daí que também se fale aqui de software "off the shelf". O seu desenvolvimento comercial chegou a proporções tais que movimenta cifras de vários milhões. Alguns desses programas proporcionaram fortunas aos seus criadores".
Já os programas "por encomenda" ou "à medida do cliente" são desenvolvidos a partir do zero para atender às necessidades específicas de um determinado usuário. Escreve a propósito Rui Saavedra (loc. cit., p. 29/30):
"Em todo o mundo, os serviços informáticos das empresas desenvolvem programas para atender às necessidades internas. Mas, paralelamente, há empresas produtoras de software (as chamadas software houses) que fazem programas para os seus clientes conforme o pedido e as solicitações destes, e que visam satisfazer as respectivas necessidades específicas. Trata-se de "programas aplicacionais", que geralmente não se mantêm estáveis e acabados como os "programas standard"; pelo contrário, são continuamente adaptados, corrigidos e melhorados para responder aos requisitos internos e externos das empresas."
Por fim, "os programas adaptados ao cliente (customized) constituem uma forma híbrida entre os programas standard e os programas à medida do cliente. Baseiam-se em programas standard que são modificados para se adequarem às necessidades de um cliente particular (customization). Essa adaptação pode ser realizada tanto pelo fornecedor do programa como pelo próprio utilizador".
Seja qual for o tipo de programa, contudo, é certo, não se confundirão a aquisição do exemplar e o licenciamento ou cessão do direito de uso, também presente até quando se cuide do software "enlatado" ou "de prateleira".
"Nas relações com os seus clientes" - ensina Rui Saavedra (ob. cit., p. 79) - "a empresa produtora de software surge como proprietária do software que ela cria e comercializa, quer se trate de software standard, comercializado em massa, quer de software concebido especificamente em função das necessidades de um utilizador em particular. Com efeito, mesmo neste último caso, a propriedade do software permanece, habitualmente, na titularidade da empresa que o realizou; mas nada impede que as partes estipulem o contrário, no caso de o cliente querer proteger o seu investimento solicitando que lhe seja cedida a propriedade do software, se ele tiver financiado totalmente os custos de desenvolvimento".
"Diferentemente sucede" - assinala o autor - "nas relações com o utilizador de um software standard, porque este vocaciona-se a ser comercializado junto de uma clientela potencialmente vasta: a propriedade do software em si, normalmente, nunca é cedida ao cliente, apenas um direito de uso não exclusivo. Isso não obsta a que se considere que o cliente adquire as "manifestações físicas" do software, com todas as prerrogativas ligadas a esta propriedade, se a licença de uso lhas tiver concedido a título definitivo e por um preço".
Os contratos de licenciamento e cessão são ajustes concernentes aos direitos de autor, firmados pelo titular desses direitos - que não é necessariamente, o vendedor do exemplar do programa - e o usuário do software.
No caso do software-produto, esses ajustes assumem, geralmente, a forma de contratos de adesão, aos quais o usuário se vincula tacitamente ao utilizar o programa em seu computador. As cláusulas desses contratos - voltadas à garantia dos direitos do autor, e não à disciplina das condições do negócio realizado com o exemplar - limitam a liberdade do adquirente da cópia quanto ao uso do programa, estabelecendo, por exemplo, a proibição de uso simultâneo do software em mais de um computador, a proibição de aluguel, de reprodução, de decomposição, de separação dos seus componentes e assim por diante.
[...]
Já Correa, Espeche, Zalzuendo e Batto ("Derecho Informático", Depalma, p. 184/185), depois de observarem que "el software, particularmente en su forma estándar, se ha convertido en un objeto de comercio, una mercaderia comercializada en distintas formas, según su función y su grado de estandarización", esclarecem:
"La naturaleza jurídica de los acuerdos contractuales puede variar considerablemente, según el tipo de software transferido, y conforme al alcance de las obligaciones del proveedor:
1) La venta, o más propiamente dicho, la cesión de derechos com respecto al software implica la trasferencia de los derechos de propiedad que corresponden al proveedor; esta modalidad resulta infrecuente para los paquetes de software, pero es normal en los contratos para el desarollo de software a medida, conforme al cual el cliente se convierte en el propietario de los programas desarollados;
2) El contrato de licencia es el acuerdo contractual más común, particularmente para los paquetes de software. Esta modalidad se basa en la existencia de un derecho de propiedad que es retenido por el proveedor, mientras autoriza su uso."
O licenciamento, como disse, não se confunde com as operações realizadas com o exemplar do programa. Nesse sentido, observa o já citado Rui Saavedra que, verbis (ob. cit., p. 79/80)
"... quando o software standard é licenciado - a licença é uma permissão para fazer algo que de outro modo seria ilícito -, há na verdade dois contratos: por um lado, um contrato para que sejam fornecidas as manifestações físicas do software; e por outro, um contrato para atribuição de uma licença de uso do software. O contrato pelo qual o cliente é investido na posse do software será um contrato de compra e venda ou de doação se a propriedade sobre os meios físicos for transmitida ao licenciado; se não houver essa transmissão, tratar-se-á de um contrato de locação ou, porventura, de comodato. Mas o contrato de licença subsiste paralelamente, e é importante porque - como veremos - os produtores de software, após a entrega do exemplar do software, continuam preocupados em proteger os direitos de propriedade intelectual sobre o software por eles criado, e em impor restrições ao uso do software entregue."
De fato. O comerciante que adquire exemplares para revenda, mantendo-os em estoque ou expondo-os em sua loja, não assume a condição de licenciado ou cessionário dos direitos de uso que, em conseqüência, não pode transferir ao comprador: sua posição, aí, é a mesma do vendedor de livros ou de discos, que não negocia com os direitos do autor, mas com o corpus mechanicum de obra intelectual que nele se materializa. Tampouco, a fortiori, a assume o consumidor final, se adquire um exemplar do programa para dar de presente a outra pessoa. E é sobre essa operação que cabe plausivelmente cogitar da incidência do imposto questionado.
A distinção é, no entanto, questão estranha ao objeto desta ação declaratória, reduzido ao licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador, bem incorpóreo sobre o qual, não se cuidando de mercadoria, efetivamente não pode incidir o ICMS; por isso, não conheço do recurso: é o meu voto.

 
Praça dos Três Poderes - Brasília - DF - CEP 70175-900 Telefone: 61.3217.3000

Informativo STF - 135 - Supremo Tribunal Federal

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário