Anúncios


quinta-feira, 8 de julho de 2010

JURID - Responsabilidade civil do estado. Morte por afogamento. [08/07/10] - Jurisprudência


Responsabilidade civil do estado. Morte por afogamento. Menor que cumpria medida socioeducativa de semiliberdade.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDF

Órgão

2ª Turma Cível

Processo N.

Apelação Cível - Remessa Ex Officio 20080110117768APC

Apelante(s)

DISTRITO FEDERAL

Apelado(s)

DEUSELINA COSTA DOS SANTOS

Relatora

Desembargadora CARMELITA BRASIL

Revisor

Desembargador WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR

Acórdão Nº 429.283

EMENTA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE POR AFOGAMENTO. MENOR QUE CUMPRIA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DANO MORAL. CRITÉRIO PARA FIXAÇÃO DO "QUANTUM".

A posição predominante no Superior Tribunal de Justiça é de que a responsabilidade do Estado por atos omissivos é subjetiva, devendo-se apurar, segundo preceitua a teoria francesa do faute du service (falta do serviço), a culpa da Administração pelo evento danoso.

Na hipótese, a responsabilidade do Estado restou devidamente caracterizada, pois a Administração, ao promover evento de recreação em local de alto risco (margem do lago), não garantiu a infraestrutura adequada à segurança dos menores que estavam sob a sua custódia, omissão que se erige como causa adequada do falecimento da vítima por afogamento.

É devida aos pais, quando de baixa renda, pensão mensal pela morte de filho, ainda que esse não exercesse atividade laboral na época do ilícito.

Para a fixação do quantum devido a título de danos morais, a jurisprudência pátria tem consagrado a dupla função: compensatória e penalizante, devendo a referida verba ser arbitrada com moderação.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, CARMELITA BRASIL - Relatora, WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR - Revisor, J.J. COSTA CARVALHO - Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL, em proferir a seguinte decisão: NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 16 de junho de 2010

Desembargadora CARMELITA BRASIL
Relatora

RELATÓRIO

O Relatório é, em parte, o da ilustrada sentença de fls. 191/196, que ora transcrevo, in verbis:

"DEUSELINA COSTA DOS SANTOS, qualificada na inicial de fls., ajuíza ação de indenização contra o DISTRITO FEDERAL, face morte de seu filho menor de idade, Pedro Henrique Costa de Lima, enquanto cumpria medida sócio-educativa na Unidade de Semiliberdade do Gama Leste, um centro de ressocialização de menores infratores.

Narra que a causa determinante da morte foi "insuficiência respiratória aguda securitária a asfixia mecânica", face afogamento durante a atividade de recreação promovida pela respectiva unidade na Prainha do Lago Sul.Pugna pela responsabilidade objetiva do Estado e requer a sua condenação em danos morais e materiais correspondentes a pensão mensal e reembolso de despesas com exumação e confecção de placa para identificação do jazigo.Junta documentos de fls. 18/127.

Citado, o réu apresenta defesa e alega, em suma, que a responsabilidade por conduta omissiva do Estado é subjetiva e que houve culpa exclusiva da vítima, a importar sua não responsabilização.Quanto ao pedido de danos morais, entende ser esse abusivo e que não é possível a sua cumulação com danos materiais. Indevida pensão mensal a genitora do menor, porque esse nunca exerceu qualquer ofício. Requer a improcedência dos pedidos.Junta documentos fls.145/7.

Réplica fls. 152/6.

Instadas à produção de provas, a parte autora disse não ter outras a produzir, e o réu pugnou pela oitiva de testemunhas.Na audiência de instrução de julgamento designada foi colhido o depoimento de uma testemunha e foi aberta oportunidade para as partes se manifestarem em razões finais."

Acrescento que o pedido foi julgado procedente para condenar o Distrito Federal a ressarcir a despesa com a exumação e a confecção da placa jazigo, no valor de R$ 821,80 (oitocentos e vinte e um reais e oitenta centavos) e ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, e de uma pensão mensal, de 1 (um) salário mínimo, até o período em que a vítima completasse 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3, após essa idade, até o limite de 65 (sessenta e cinco) anos da vítima.

Ante a sucumbência, o Distrito Federal foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Irresignado, o Distrito Federal interpôs recurso de apelação (fls. 203/209), alegando, em síntese, que ao contrário do que restou consignado na r. sentença, a responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses de omissão, é subjetiva, sendo fundamental, consoante preconiza a teoria do faute du service, a demonstração da culpa da Administração pela falha do serviço prestado.

Assevera, ainda, que não configura culpa do Estado o fato de os responsáveis pela vigilância dos menores não terem conhecimentos técnicos de salvamento de vidas, nem formação em educação física, bem como pelo fato de não ter o Corpo de Bombeiros sido alertado sobre o passeio, pois constituem exigências impertinentes e desarrazoáveis, que não evidenciam o desleixo dos agentes públicos que tinham a obrigação de preservar a incolumidade física dos menores.

Aduz que, ante a inexistência de descumprimento de um dever jurídico específico de agir, não restou configurada, na hipótese, a omissão relevante, apta a ensejar a responsabilização civil do ente público, destacando que o evento danoso decorreu por culpa exclusiva da vítima, que desobedecendo a ordens dos educadores, adentrou no Lago Paranoá e nadou em direção às pilastras da Ponte Costa e Silva, vindo a falecer por afogamento.

Insurge-se, ainda, quanto à pensão mensal fixada na sentença no valor de 1 (um) salário mínimo, ao argumento de que a vítima cumpria medida socioeducativa e nunca trabalhou, bem como em relação ao quantum arbitrado a título de danos morais, ao fundamento de que o valor fixado foge ao critérios da razoabilidade.

Pugna, assim, pelo conhecimento e provimento do recurso a fim de que seja julgado improcedente o pedido formulado na petição inicial. Subsidiariamente, pleiteia a redução do quantum arbitrado na sentença.

Contrarrazões às fls. 224/234, pugnando pelo desprovimento do recurso.

Preparo dispensado, eis que o recorrente é o Distrito Federal.

É o relatório.

VOTOS

A Senhora Desembargadora CARMELITA BRASIL - Relatora

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e da remessa oficial.

Trata-se de recurso de apelação e remessa oficial da r. sentença que, nos autos de ação de conhecimento, ajuizada sob o rito ordinário, por Deuselina Costa dos Santos em desfavor do Distrito Federal, julgou procedente o pedido para condenar o réu a ressarcir a despesa com a exumação e a confecção da placa jazigo, no valor de R$ 821,00 (oitocentos e vinte e um reais e oitenta centavos) e ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de danos morais, e de uma pensão mensal, de 1 (um) salário mínimo, até o período em que a vítima completasse 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3, após essa idade, até o limite de 65 (sessenta e cinco) anos da vítima.

Verifica-se dos elementos que instruem os autos que, no dia 16 de julho de 2007, Pedro Henrique Costa de Lima, de dezessete anos de idade, que cumpria media socioeducativa na Unidade de Semiliberdade do Gama Leste, faleceu, por afogamento, durante a atividade recreativa promovida pela referida unidade na Prainha do Lago Sul (confira-se ocorrência à fl. 82/84 e cópia do atestado de óbito à fl. 79).

A mãe do menor, alegando a responsabilidade civil do Estado, ajuizou a presente ação indenizatória objetivando a composição dos danos materiais e morais decorrentes do evento. A tese defensiva, ao seu turno, consiste na culpa exclusiva da vítima, eis que o menor, desobedecendo às ordens dos educadores, teria se distanciado da margem do lago, nadando para um local mais profundo, causando, de forma imprudente, a sua própria morte.

Sobre o evento, há apenas o depoimento da educadora Eronilde Marques da Silva, testemunha ocular dos fatos, colhido às fls. 188/189, verbis:

"que a depoente estava presente no local dos fatos na hora do acontecimento; que levaram quinze menores para um passeio recreativo na prainha do Lago Sul; que cinco deles se lançaram no lago com o intuito de alcançar uma manilha que se encontrava no meio do lago; que três deles retornaram e dois prosseguiram, sendo que Pedro não conseguiu até chegar até a manilha; que os educadores que acompanhavam os menores os advertiram de que era proibido se lançarem no lago; que no dia havia dois educadores, a depoente e o motorista responsáveis pelos menores; que o passeio incluía a atividade de nadar no lago, entretanto, nas suas proximidades; que nenhum dos responsáveis que acompanhavam os menores tinham conhecimentos técnicos de salvamento de vidas; que ao lado da prainha tem um posto de Corpo de Bombeiro, o qual foi acionado e compareceu ao local imediatamente"

Nesse contexto, diante das circunstâncias fáticas em que ocorreram o evento danoso, impõe-se aferir se restou caracterizada a responsabilidade civil do Estado no caso concreto.

Com efeito, a hipótese dos autos refere-se à responsabilidade civil do Estado por omissão, configurando-se quando o ente público, tendo o dever jurídico de agir, permanece inerte, propiciando a ocorrência do dano.

Na doutrina, ainda não se pacificou o entendimento sobre qual seria o tipo da responsabilidade estatal pelos atos omissivos. Parte da doutrina defende a responsabilidade subjetiva do Estado, com fundamento na teoria da falta do serviço (faute du service), ao passo que a outra corrente orienta-se no sentido da responsabilidade objetiva, com base na teoria do risco administrativo.

Celso Antônio Bandeira de Mello é um dos expoentes da corrente da responsabilidade subjetiva do Estado. Segundo o administrativista, a responsabilidade objetiva insculpida no art. 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, aplica-se apenas nos casos de ato comissivo, isto é, quando o Estado é o agente causador direito do dano. Nas omissões, todavia, seria inconcebível responsabilizar o Estado objetivamente, pois o dano não decorre de uma ação direta do Estado, mas sim de um fator externo, que por ausência ou deficiência do serviço público, acaba gerando o fato danoso. Assim, em se tratando de atos omissivos, a conduta do Estado não é causa do dano, embora seja condição para sua ocorrência.(1) - Chamada de notas

Hely Lopes Meirelles, de forma contrária, defende que a teoria do risco administrativo, que implica na responsabilidade objetiva do Estado, também engloba os atos estatais omissivos, de forma que, se o dano decorrer da ausência de um serviço que deveria ter sido prestado, caberá à Administração indenizar o particular pelos prejuízos sofridos, independentemente da demonstração de dolo ou culpa do agente, já que a lesão ocorreu dentro dos riscos assumidos pelo Poder Público na consecução de seus fins.(2) - Chamada de notas

Há, ainda, os autores que diferenciam a omissão específica da omissão genérica. Para essa corrente, apenas a omissão específica ensejaria a responsabilidade civil do Estado, ante a configuração do dever individualizado de agir, consoante destaca Sérgio Cavalieri Filho, in litteris:

"É preciso, ainda, distinguir omissão genérica do Estado (item 77) e omissão específica. Observa o talentoso jurista Guilherme Couto de Castro , em excelente monografia com que brindou o nosso mundo jurídico, 'não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir. Mas, afinal de contas, qual a distinção entre omissão genérica e omissão específica? Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embriagado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não impedimento do resultado. Nesse segundo caso, haverá responsabilidade objetiva do Estado."(3) - Chamada de notas

A jurisprudência também não é pacífica sobre a matéria, cumprindo destacar, apenas, que a posição predominante no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a responsabilidade do Estado seria subjetiva, cabendo ao particular comprovar a culpa administrativa no caso concreto, consoante se verifica dos seguintes precedentes, in litteris:

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO-CONFIGURADA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO - ELEMENTO SUBJETIVO RECONHECIDO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA - SÚMULA 7/STJ - JUROS DE MORA - ÍNDICE - ART; 1.062 DO CC/1916 E ART. 406 DO CC/2002 - PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL - INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - REVISÃO - IMPOSSIBILIDADE - SÚMULA 7/STJ - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

(...)

2. A jurisprudência dominante tanto do STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade subjetiva.

(...)

8. Recurso especial parcialmente provido."

(REsp 1069996/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2009, DJe 01/07/2009)

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO - INCÊNDIO -.CULPA DE TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO PROCESSO.

(...)

4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ 31.05.2004)

(...)

12. Recurso Especial provido."

(REsp 888.420/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 27/05/2009)

Na hipótese ora em julgamento, consoante já destacado, apura-se a responsabilidade do Estado pela morte de menor, por afogamento, em evento recreativo promovido pela Unidade de Semiliberdade do Gama Leste realizado na Prainha do Lago Sul.

Cumpre estabelecer, inicialmente, que na espécie, os menores estavam sob a guarda do Poder Público, assumindo este o compromisso preservar a intangibilidade física dos mesmos. Assim, havendo falha na prestação do serviço, que resulta em danos ao menor infrator, configura-se a responsabilidade da Administração.

A meu ver, analisando os elementos dos autos, tenho que restou caracterizado o dever de indenizar, ainda que se adote a teoria da responsabilidade subjetiva, ante a demonstração da culpa da Administração pelo evento danoso.

Do depoimento prestado pela educadora Elionilde Marques da Silva, destaco:

"que a depoente estava presente no local dos fatos na hora do acontecimento; que levaram quinze menores para um passeio recreativo na prainha do Lago Sul; que cinco deles se lançaram no lago com o intuito de alcançar uma manilha que se encontrava no meio do lago; que três deles retornaram e dois prosseguiram, sendo que Pedro não conseguiu até chegar até a manilha; que os educadores que acompanhavam os menores os advertiram de que era proibido se lançarem no lago; que no dia havia dois educadores, a depoente e o motorista responsáveis pelos menores; que o passeio incluía a atividade de nadar no lago, entretanto, nas suas proximidades; que nenhum dos responsáveis que acompanhavam os menores tinham conhecimentos técnicos de salvamento de vidas; que ao lado da prainha tem um posto de Corpo de Bombeiro, o qual foi acionado e compareceu ao local imediatamente; (...) que os educadores não têm formação em educação física; (...) que não houve ofício prévio ao grupo de Corpo de Bombeiros acerca do passeio; que mesmos sabendo que não haveria o Corpo de Bombeiro, a depoente como coordenadora, assumiu a responsabilidade pelo passeio."

Com efeito, embora a intenção dos educadores da Unidade de Semiliberdade do Gama Leste em promover a ressocialização dos internos seja louvável, o evento recreativo não foi realizado com as cautelas necessárias, tendo sido levados 15 (quinze) jovens para nadar no Lago Paranoá, sem o acompanhamento de profissional habilitado para salvamento de vidas.

Ora, se o passeio promovido pela unidade de semiliberdade consistia justamente em nadar no Lago Paranoá - ainda que na suas proximidades - o risco de um afogamento era previsível, exigindo uma conduta mais cautelosa do Poder Público, com a adoção de medidas que pudessem evitar o infortúnio ocorrido nos autos.

Observa-se que os quinze menores que estavam no local era vigiados por apenas 2 (duas) pessoas, os quais admitem que não possuem habilidade técnica para salvamento de vidas. Outrossim, o fato de a vítima ter 17 (dezessete) anos de idade e que a mesma tenha desobedecido às ordens dos monitores para não se afastar das margens do lago não pode ser elencada como excludente do nexo causal da responsabilidade do Estado, pois o passeio foi promovido pela própria Administração que, diante da situação de risco por ela criada, omitiu-se ao não adotar as providências necessárias para evitar um possível afogamento.

Transcrevo, ainda, no que pertine, os fundamentos da r. sentença recorrida, que bem analisou o tema, in litteris:

"Ora 'in casu', a conduta do Estado se retrata num verdadeiro desleixo com relação àqueles que tinha obrigação de preservar a incolumidade física, uma vez que estavam sob sua guarda, internos em centro de semiliberdade.

Vislumbra-se pelas provas colhidas, em que pese não ter havido má-fé da coordenadora e educadores que acompanhavam os menores nos passeios externos, não há como afastar o total despreparo e excesso de confiança por parte dos mesmos.

Levar 15 menores para a recreação num lago, para que eles nadassem, sem qualquer infraestrutura (porque nenhum dos acompanhantes tinha conhecimentos específicos em salvamento em vidas) e deixar ao acaso os acontecimentos que desse passeio pudessem ocorrer, demonstra que ignoraram levianamente a possibilidade um afogamento, fato cuja probabilidade de ocorrer em recreação dessa natureza é previsível por qualquer um.

Impera, assim, reconhecer na espécie, a responsabilidade objetiva do Estado, afastando a necessidade da prova de sua culpa, porque presentes o fato administrativo, o dano e a relação de causalidade entre eles." (fl. 193).

Assim, tenho que a relevância causal da omissão restou devidamente demonstrada na hipótese. Sobre o nexo causal omissivo, Sérgio Cavalieri Filho, destaca:

"A omissão, todavia, como pura atitude negativa, a rigor não pode, física ou materialmente, o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada nada provém. Mas tem-se entendido que a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.

(...)

Em suma, só pode ser responsabilizado por omissão quem tiver o dever jurídico de agir, vale dizer, estiver numa situação jurídica que obrigue a impedir a ocorrência do resultado. Se assim não fosse, toda e qualquer omissão seria relevante e, consequentemente, todos teriam contas a prestar à Justiça."

In casu, a omissão relevante se configura justamente porque a Administração possuía o dever jurídico de garantir a incolumidade física da vítima, sendo certo que a sua conduta em não providenciar as medidas cabíveis para situação de risco criada constituiu a causa adequada do evento danoso.

A culpa administrativa também restou devidamente comprovada, pois era previsível, diante das circunstâncias sob as quais ocorreram a recreação, que um afogamento ocorresse, tendo o Poder Público agido com negligência ao não garantir a infraestrutura necessária à segurança dos menores.

Vale destacar que a teoria francesa da falta do serviço - faute du service -, que embasa a responsabilidade subjetiva do Estado, aplicável à hipótese, não exige a comprovação da culpa do agente público, bastando que se demonstre a culpa da Administração (culpa anônima) pela má prestação do serviço, in verbis:

"A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio da transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da Administração É o estabelecimento do binômio falta do serviço/culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si mesmo, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro."(4) - Chamada de notas

Assim, ante a presença dos elementos caracterizadores da responsabilidade subjetiva do Estado - conduta, nexo causal, dano e culpa - patente o dever de indenizar.

Insurge-se, ainda, o Distrito Federal, quanto à pensão mensal fixada na sentença no valor de 1 (um) salário mínimo, até o período em que a vítima completasse 25 (vinte e cinco) anos, reduzindo para 1/3, após essa idade, até o limite de 65 (sessenta e cinco) anos, bem como em relação ao quantum arbitrado a título de danos morais, qual seja, R$ 100.000,00 (cem mil reais).

No que concerne à fixação de pensão mensal, a título de danos materiais, entendo que a r. sentença não merece reforma, vez que se encontra em harmonia com entendimento pacificado na jurisprudência pátria, no sentido de que é devida aos pais, quando de baixa renda, pensão pela morte do filho, ainda que o mesmo não exercesse atividade laboral à época do ato ilícito. Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. MORTE DE MENOR. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. CULPA CONCORRENTE. INADMISSIBILIDADE. PENSIONAMENTO DOS PAIS. POSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. PRECEDENTES. DANOS MORAIS. VALOR RAZOÁVEL.

(...)

IV - A morte de menor em acidente, mesmo que à data do óbito ainda não exercesse atividade laboral remunerada, autoriza os pais, quando de baixa renda, a pedir ao responsável pelo sinistro a indenização por danos materiais, aqueles resultantes do auxílio que futuramente o filho poderia prestar-lhes.

(...)

Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no Ag 688.871/GO, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 26/11/2009)

"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATROPELAMENTO. INCAPACIDADE PERMANENTE. MENOR. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INDENIZAÇÃO. PENSÃO.

(...)

2. É devida a indenização por dano material aos pais de família de baixa renda, em decorrência de incapacidade permanente de filho menor proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de atividade laborativa pela vítima.

(...)

4. Recursos especiais providos." (REsp 819.202/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 22/09/2008)

Da mesma forma, não merece reparo o valor arbitrado na sentença a título de compensação por danos morais. Lecionando sobre como se determina o quantum devido à vítima em caso de dano estético, espécie de dano moral, razão pela qual também de induvidosa pertinência na hipótese dos autos, enfatiza Teresa Ancona Lopez de Magalhães:

"Realmente em matéria de dano estético, como dano moral, não se pode falar em reparação natural, nem em indenização propriamente dita ("restitutio in integrum") visto que indenizar significa tornar indene, isto é, eliminar o prejuízo e suas conseqüências. Paro Orlando Gomes, no caso de dano extrapatrimonial trata-se de compensação e não de ressarcimento.

Na verdade, portanto, não há equivalente da dor em dinheiro. Não há o que de chama de "pecunia doloris' ou "pretium doloris", e sim, a compensação ou benefício de ordem material, que permita ao lesado obter prazeres e distrações que, de algum modo, atenuem sua dor. Ou nas palavras de Cunha Gonçalves: " não é o preço da dor embora essa expressão seja usada como inexata antonomásia do dano moral- é o instrumento de alguns confortos e algumas distrações, de lenitivos ao desgosto, de um possível prazer que amorteça a dor... Não é remédio que produza a cura do mal, mas sim um calmante. Não se trata de suprimir o passado, mas sim de melhorar o futuro. O dinheiro tudo isso pode" (in O Dano Estético, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, p. 75).

O STJ tem consagrado a doutrina da dupla função na indenização do dano moral: compensatória e penalizante. Dentre os inúmeros julgados que abordam o tema, destaco o Resp 318379-MG, Relatora Ministra Nancy Andrighi, que asseverou em seu voto, in verbis:

"(...) a indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem ser excessiva a ponto de desbordar de sua ratio essendi compensatória, e, assim, causar enriquecimento indevido à parte.

É preciso que o prejuízo da vítima seja aquilatado numa visão solidária da dor sofrida, para que a indenização se aproxime o máximo possível do justo." (5) - Chamada de notas

Na hipótese em exame, o dano sofrido pela autora, consubstanciado na perda do filho, de apenas 17 (dezessete) anos de idade, é gravíssimo. Dessa forma, entendo justo o valor arbitrado na r. sentença recorrida.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso E À REMESSA OFICIAL, mantendo a r. sentença recorrida pelos próprios e jurídicos fundamentos.

É como voto.

O Senhor Desembargador WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR - Revisor
Com o Relator

O Senhor Desembargador J.J. COSTA CARVALHO - Vogal
Com o Relator.

DECISÃO

NEGAR PROVIMENTO. UNÂNIME.

--------------------------------------------------------------------------------

Notas:


1 - MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 967. [Voltar]


2 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p.654. [Voltar]


3 - CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2009, p. 240. [Voltar]


4 - MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 649 [Voltar]


5 - Voto do Resp nº 318379-MG, Terceira Turma, DJ de 04/02/2002. [Voltar]




JURID - Responsabilidade civil do estado. Morte por afogamento. [08/07/10] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário