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sexta-feira, 2 de julho de 2010

JURID - Lesão corporal de natureza grave. [01/07/10] - Jurisprudência


Lesão corporal de natureza grave em conseqüência de um disparo de arma de fogo.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina- TJSC

Ap. Cív. nº 2008.054159-3

Publicado dia 16.06.2010

Apelação Cível n. 2008.054159-3, de Campo Erê

Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira

LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE EM CONSEQÜÊNCIA DE UM DISPARO DE ARMA DE FOGO. SENTENÇA CRIMINAL IRRECORRÍVEL FAZ COISA JULGADA NO CÍVEL. PERDA DE UM RIM E PERFURAÇÃO DO ESTÔMAGO E INTESTINO. DANO MORAL E SUA AVALIAÇÃO. DIMINUIÇÃO DA CAPACIDADE LABORATIVA NÃO DEMONSTRADA. POSSIBILIDADE DE ACUMULAÇÃO DO DANO ESTÉTICO COM O DANO MORAL. JUROS DE MORA A CONTAR DO ATO ILÍCITO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

Segundo a aplicação da teoria da eficácia preclusiva panprocessual, a condenação penal irrecorrível faz coisa julgada no cível para efeito de reparação do dano, não se podendo mais discutir a respeito do "an debeatur", mas somente sobre o "quantum debeatur" (artigo 935 do Código Civil).

A perda de um rim e remanescendo o outro em estado de funcionamento normal não é suficiente para caracterizar diminuição na capacidade do ofendido para o trabalho como mecânico industrial ou de veículos, comércio, executar viagens de longa ou média distância, bem como não há comprometimento de outras funções fisiológicas, o que, em conseqüência, não enseja o direito da pensão prevista no artigo 950 do "Codex" Civil.

Na "avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só a extensão da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação econômica das partes, vez que não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado." (KARL LARENZ, em sua obra DERECHO DE OBLIGACIONE, t. II, p.642).

"O dano estético (dano físico) é um dano moral objetivo que ofende um dos direitos de personalidade, o direito à integridade física. Por sua vez, o dano moral é o dano à imagem social, à nova dificuldade na vida de relação, o complexo de inferioridade na convivência humana. O sofrimento é duplo e por isso pede indenização dupla." (Colhe-se da dissertação do Juiz GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA JÚNIOR, em sua monografia, A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO: ASPECTOS JURÍDICOS DESTACADOS PARA A SUA DEFESA, apresentada por ocasião da conclusão do curso de direito em 2004, na UNIVALI).

O dano estético, como o dano moral, possuem vários níveis, leve, grave e gravíssimo, o que o julgador deve levar em consideração para avaliação da indenização.

Na obrigação com origem em em ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde a data deste(artigo 398 do Diploma Substantivo e Súmula 54 do S.T.J.).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.054159-3, da comarca de Campo Erê (Vara Única), em que são apelantes e apelados PASQUAL DE ALMEIDA LARA e DELCIR DAMO.

ACORDAM, a Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação unânime, conhecer do recurso de apelação do autor e dar parcial provimento a este e negar provimento ao recurso adesivo do suplicado. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

PASQUAL DE ALMEIDA LARA ingressou com a presente ação contra DELCIR DAMO, alegando, em síntese:

Que no dia 16 de outubro de 2004, no final da tarde, em frente a Confeitaria Melita, no centro da cidade de Campo Erê, foi atingido com um disparo de arma de fogo pelo suplicado, ocasionando-lhe lesões corporais de natureza grave.

Que após os trâmites legais, o juízo -a quo- julgou parcialmente procedente o pedido e condenou o demandado somente em danos materiais no valor de R$ 7.579,43(sete mil, quinhentos e setenta e nove reais, quarenta e três centavos) e danos morais na importância de R$ 12.000,00(doze mil reais).

Que em conseqüência de tais lesões graves(perfurou o estômago, intestino e esfacelou um rim), o referido valor de danos morais é insuficiente, devendo também ser incluído o dano estético, bem como seja fixado a pensão alimentícia vitalícia, por redução da capacidade laborativa, em um salário mínimo, mensalmente.

Que também foi condenado injustamente nas despesas de sucumbência.

Diante disso, requereu a reforma da sentença para majorar os danos morais e seja fixada pensão alimentícia.

Em contra-razões, o suplicado, ora apelado, argumenta em resumo:

Que o autor, ora apelante, contribuiu para a ocorrência dos fatos, o que não se justifica o aumento dos danos morais.

Que não ocorreram danos estéticos.

Que não é possível a cumulação de danos estéticos com danos morais.

Que não ocorreu a redução da capacidade laborativa do apelante.

Que as despesas de sucumbência foram fixadas corretamente.

Assim, requereu a manutenção da sentença.

O referido apelado interpôs recurso adesivo, alegando em síntese:

Que agiu em legítima defesa própria, o que não merecia ser condenado em tais indenizações.

Que as despesas materiais foram pagas pelo Sistema Único de Saúde-SUS.

Que o valor dos danos morais foram exorbitantes.

Que os juros moratórios são devidos desde a data da sentença.

Desta forma, requereu a reforma total da sentença, ou a fixação dos danos morais em valor razoável.

Por outro lado, o suplicante, em contra-razões, ratificou as suas manifestações aduzidas em epígrafe.

O presente recurso seguiu todos os trâmites.

VOTO

1.Trata-se de apelação cível em que o autor pretende ver aumentado o valor dos danos morais e fixado os danos estéticos, bem como fixada pensão alimentícia em 01(um) salário mínimo, mensalmente. Por outro lado, o suplicado objetiva a reforma total da sentença por entender de que agiu em legítima defesa, ou que seja diminuído o valor dos danos morais por considerar excessivo o valor fixado.

2.As discussões relacionadas à culpa pela ocorrência dos fatos restam prejudicadas diante da aplicação da teoria da eficácia preclusiva panprocessual dos efeitos da sentença penal condenatória, equacionada no art. 935 do Código Civil, verbis: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

Segundo esta teoria, a jurisdição criminal influencia na civil quando a sentença proferida naquela tenha caráter condenatório, hipótese em que faz coisa julgada no cível, impedindo nova discussão acerca da matéria decidida (ACV n. 99.000215-2 - Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).

No caso presente, o suplicado foi condenado como incurso nas sanções previstas nos artigos 129, §1º, incisos I, II e III do Código Penal e 14 da Lei nº 10.826/2003(160/167), o que foi mantido por este Egrégio Tribunal de Justiça, com trânsito em julgado(fls.227).

Assim, a sentença penal condenatória prolatada no juízo criminal, já transitada em julgado, fez coisa julgada no cível, de sorte que não é mais possível questionar ou discutir sobre a culpa do suplicado pela ocorrência do sinistro, porquanto decidida a controvérsia, na esfera penal.

Tocante aos efeitos da condenação criminal, o inciso I do art. 91 do "Codex" Repressivo, prescreve que torna "certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime", restando apenas deliberar sobre o pleito indenizatório(artigos 186 e 927 do Código Civil).

3.Referente à pensão alimentícia(artigo 950 do Diploma Civil), a solução está nas respostas(fls.210/212) dos quesitos apresentados pelo suplicante e identificados pelos números 6(seis), 8(oito), 9(nove) e 10(dez) e dos quesitos do suplicado e numerados pelos números 5(cinco), 6(seis) e 7(sete), o que significa dizer que não houve diminuição da capacidade laborativa daquele para o trabalho, ou seja, não está impedido de executar as suas lides normais como mecânico industrial ou de veículos, comércio, executar viagens de longa ou média distância, bem como não houve comprometimento de outras funções fisiológicas e o rim direito funciona bem.

4.Concernente aos danos morais, o demandante teve os seus sentimentos abalados, provocando-lhes tristezas, desgostos, depressões e perdas de alegrias.

No que diz respeito à prova do dano moral, colhe-se da obra de CARLOS ALBERTO BITTAR:

"Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilidade do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ipso facto, a necessidade da reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas conseqüências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova de prejuízo em concreto." (REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS, Editora Revista dos Tribunais, 1ª Edição, 1993, pág. 202).

Satisfaz-se, pois, a ordem jurídica com simples causação, não cabendo perquirir-se da intenção do agente, nem mesmo existir prova concreta sobre o dano moral, cujas conseqüências são identificáveis por qualquer pessoa de senso comum.

O dano moral é indenizável e está estatuído no artigo 5°, incisos V e X da Constituição Federal.

O dano moral não confunde-se com o material, como bem observa o mestre YUSSEF SAID CAHALI, " no dano patrimonial busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente , ao passo que o dano moral a reparação se faz através de uma compensação ou reparação satisfativa". (DANO E INDENIZAÇÃO, Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1980, p.26).

Da mesma forma, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

"Não se procura pagar a dor ou compensar o abalo moral, cuida-se apenas de impor um castigo ao ofensor e esse castigo ele só terá se for também compelido a desembolsar certa soma, o que não deixa de representar consolo para a vítima do ofendido, que se capacita assim de que impune não ficou o ato ofensivo do criminoso." (DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - 2ª PARTE, Editora Saraiva, 1986, p.407).

Quanto ao valor da reparação do dano moral, ensina KARL LARENZ

"que na avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só a extensão da ofensa, mas também o grau de culpa e a situação econômica das partes, vez que não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao 1SANTOS, Antonio Jeová dos. Dano moral indenizável. São Paulo: Lejus, 1999. p. 369. prejudicado." (DERECHO DE OBLIGACIONES, t. II, p. 642).

Assim sendo, referente ao valor da indenização do dano moral, levando-se em conta os critérios ora delineados pela doutrina e jurisprudência, o que também adoto:

O suplicante era do comércio, pertencente à classe baixa.

O suplicado era agroindustrial, onde os documentos de fls.64/98 demonstram a sua situação financeira, o que o considero pertencente à classe média.

Quanto à conduta do suplicado, foi em grau elevado, pois retornou em casa e depois voltou ao local dos fatos com a arma e fez o disparo.

As conseqüências para o autor foram em grau elevado, pois teve lesões graves(perfurou o estômago, intestino e esfacelou um rim).

Diante disso, o dano moral merece ser elevado para o valor de R$ 50.000,00( cinquenta mil reais).

5.Sobre a possibilidade de acumulação do dano moral com o dano estético, colhe-se da dissertação do Juiz GILBERTO GOMES DE OLIVEIRA JÚNIOR, em sua monografia, A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO: ASPECTOS JURÍDICOS DESTACADOS PARA A SUA DEFESA, apresentada por ocasião da conclusão do curso de direito em 2004, na UNIVALI:

"1.3.3.6 Dano estético

Santos1 conceitua dano estético como segue: Constitui dano estético a alteração no corpo que o torna mais feio. É a desfiguração, deformação ou mutilação que o corpo sofre em conseqüência de um evento causador do dano, desfiguração exemplificada nas cicatrizes, qualquer deformação anatômica, com a perda da capacidade de deambular normalmente, a amputação de um braço, a perda do couro cabeludo, etc.

Existem duas correntes doutrinárias que tratam da acumulação do dano moral com o dano estético:

a primeira que defende a possibilidade de acumulação do dano moral e estético; a segunda afirma: a acumulação do dano estético como dano moral consiste em uma dupla punição, uma vez que aquele faz parte deste.

A jurisprudência pátria tem admitido a cumulação do dano estético com o dano moral, o que, à primeira vista, parecerá um bis in idem. Porém, essas indenizações concorrentes são dadas a um título diferente, ou seja, uma pelo dano estético, como grave deformação física, outra pelas tristezas e sofrimentos interiores que acompanharão a vítima para sempre.

A corrente doutrinária que defende a acumulação do dano moral com o estético defende que esta não é só possível, mas principalmente justa, por serem dois tipos diferentes de danos à pessoa. O dano estético (dano físico) é um dano moral objetivo que ofende um dos direitos de personalidade, o direito à integridade física. Por sua vez, o dano moral é o dano à imagem social, à nova dificuldade na vida de relação, o complexo de inferioridade na convivência humana. O sofrimento é duplo e por isso pede indenização dupla.

Os doutrinadores que não admitem a acumulação defendem que não se pode admitir que alguém seja indenizado três vezes pelo mesmo e idêntico fato (dano moral, dano estético e dano material). Se a lesão estética repercute no espírito, isto se encontra dentro do dano moral, não se podendo concluir que o dano estético é um caso à parte e fazendo com que se indenize a pessoa por três vezes, pelo mesmo fato."

Desta forma, a referida acumulação não caracteriza um "bis in idem", pois o dano estético diz respeito a deformação física, enquanto o dano moral a tristeza e sofrimentos interiores.

O autor, em conseqüência do disparo da arma, ficou com a cicatriz constante das fotos de fls. 30 e 31, bem como, conforme descrevem os quesitos números 2(dois) e 3(três), em resposta às perguntas do suplicado: "2-Restou para o autor alguma cicatriz em conseqüência de lesão sofrida ou mesmo de cirurgia-

Em caso afirmativo esta cicatriz pode ser considerada como modificadora de sua estética física- Causaria repugnância, mal-estar ou mesmo desfiguração notável- Sim, há cicatriz. Porém não há alteração na função de órgão ou desfiguração/mutilação estética. 3-Essa cicatriz(ou cicatrizes) em que parte do corpo é localizada- É visível facilmente, ou fica coberta pela roupa- Impediria o autor, por exemplo de conseguir emprego, só pelo fato de portar a cicatriz-

Localiza-se em abdômen, com traço não desfigurativo, localizado entre o apêndice xifóide e prolongando-se à poucos centímetros abaixo da cicatriz umbilical, ficando totalmente coberta por roupa e que não deverá causar constrangimento laboral."

Não vejo como simples cicatriz que a roupa cobre e tudo bem, pois conforme as referidas fotos revelam, a cicatriz no abdômem causou dano estético, pois alterou a parte estética do corpo do suplicante, quando ficou mais feio, tanto que para evitar constrangimento, não pode andar sem camisa.

O dano estético, como o dano moral, possuem vários níveis, leve, grave e gravíssimo, o que o julgador deve levar em consideração.

No caso "sub judice" entendo que ocorreu na forma leve, pois tal cicatriz prejudica sua parte física, mas em alguns momentos, quando está sem camisa, em momentos de lazer, etc., o que deve ser levado em consideração.

Repito, o dano estético não ocorre somente em desfiguração, deformação ou mutilação de natureza grave ou gravíssima, pode ocorrer também de forma leve, o que é o caso em lide.

Assim, adotando os mesmos critérios do dano moral, exceto quanto às conseqüências que são referentes ao dano estético, fixo o valor em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

6.O demandado alega que as despesas hospitalares foram pagas pelo SUS-Sistema Único de Saúde, o que não juntou prova à respeito.

7.Os juros de mora, tratando-se de ato ilícito, o que é o caso o em tela, de acordo com a norma insculpida no artigo 398 do Diploma Civil e Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça.

DECISÃO

Ante o exposto, por votação unânime, dar parcial provimento ao recurso de apelação do autor e negar provimento ao recurso adesivo do suplicado. Mantenho o valor da sucumbência fixada pelo Juízo "a quo, só que agora levando-se em consideração os referidos valores de condenação do demandado em epígrafe.

O julgamento, realizado no dia 29 de abril de 2010, foi presidido pelo Exmo. Desembargador Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Desembargador Jorge Luiz de Borba. Funcionou como representante do Ministério

Publico o Exmo. Dr. Basílio Elias De Caro.

Chapecó, 11 de maio de 2010.

Gilberto Gomes de Oliveira
RELATOR
Gabinete Des. Gilberto Gomes de Oliveira




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