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terça-feira, 20 de julho de 2010

JURID - Apelação criminal. Lesão corporal leve. Violência doméstica. [20/07/10] - Jurisprudência


Apelação criminal. Lesão corporal leve. Violência doméstica. Inaplicabilidade dos institutos da lei dos juizados especiais.

Tribunal de Justiça de Santa Catarina - TJSC

Apelação Criminal n. 2008.071139-6, de São José do Cedro

Relator: Des. Rui Fortes

APELAÇÃO CRIMINAL - LESÃO CORPORAL LEVE - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA - INAPLICABILIDADE DOS INSTITUTOS DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS - VEDAÇÃO PREVISTA NO ART. 41 DA LEI N. 11.340/06 - CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELOS TRIBUNAIS - PRELIMINAR REJEITADA - AUTORIA DELITIVA - COMPROVAÇÃO MEDIANTE A CONFISSÃO DO REÚ, EM CONSONÂNCIA COM A PALAVRA DA VÍTIMA E TESTEMUNHAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.071139-6, da comarca de São José do Cedro (Vara Única), em que é apelante Gilmar Zini, e apelada A Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, rejeitar a preliminar e, no mérito, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia contra Gilmar Zini, dando-o como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, do Código Penal, em razão dos fatos assim descritos na inicial, in verbis:

Consta do incluso termo circunstanciado que, no dia 5 de março de 2008, por volta das 18h30min, no âmbito da unidade doméstica - residência situada na Rua Antenor Bizotto, casa nº 90, bairro Santa Terezinha, em São José do Cedro/SC, o indiciado Gilmar Zini, aparentemente embriagado e após breve discussão com sua irmã Vanusa Zini, agarrou-a pelo pescoço na tentativa de sufocá-la e a derrubou no chão, causando-lhe as lesões descritas no Auto de Exame de Corpo Delito de fl. 13.

Recebida a denúncia (fl. 22), o acusado foi interrogado (fls. 27 e 28) e apresentou defesa prévia, com rol de testemunhas (fl. 30).

Na audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas 2 (duas) testemunhas de defesa, 1 (uma) testemunha de acusação e a vítima (fls. 36 a 39). Também foi juntado aos autos parecer psicológico do acusado.

Apresentadas as alegações finais pelo Parquet (fls. 41 a 44) e pela defesa (fls. 46 a 53), sobreveio a r. sentença (fls. 54 a 57) que julgou procedente a denúncia, constando em sua parte dispositiva, in verbis:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na denúncia para condenar o réu Gilmar Zini, por violar os preceitos do art. 129, § 9.º, do CP, ao cumprimento de 4 (quatro) meses de detenção, em regime inicial aberto, sendo a pena substituída conforme acima deliberado. Condeno o réu ao pagamento das despesas processuais. Publique-se. Registre-se. Intime-se (o réu pessoalmente). Transitada em julgado a sentença: a) Lance-se o nome do réu condenado no Rol dos Culpados; b) Comunique-se à douta Corregedoria Geral da Justiça, para registro da condenação nos cadastros de antecedentes; c) Comunique-se ao Juízo Eleitoral para suspensão dos direitos políticos enquanto durarem os efeitos da condenação aqui aplicada, conforme o art. 15, inciso III, da Constituição Federal de 1988; d) Recolha o réu, no prazo de 10 (dez) dias, as custas processuais, sob pena de execução; e) Intime-se o réu para que, no prazo de 5 (cinco) dias, compareça perante o Serviço Social desta Unidade Jurisdicional com o fito de iniciar o cumprimento da pena restritiva de direitos, ficando ciente de que o seu não comparecimento ou não cumprimento da pena, poderá acarretar na conversão da sanção em privativa de liberdade.

Inconformado, o réu interpôs recurso de apelação, arguindo, preliminarmente, a inconstitucionalidade do art. 41 da Lei n. 11.340/2006, que proíbe a aplicação da Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. No mérito, sustentou não serem conclusivas as provas relacionadas à autoria do delito, e, por derradeiro, rogou pela sua absolvição.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 78 a 82), os autos ascenderam a esta instância recursal, manifestando-se a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Jobél Braga de Araújo, pelo desprovimento do apelo (fls. 87 a 93).

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Gilmar Zini contra a sentença que o condenou à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) meses de detenção, em regime aberto, como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, do Código Penal, cuja pena foi substituída por restritiva de direito (prestação de serviços comunitários).

Inicialmente, a preliminar de inconstitucionalidade arguida pelo recorrente não merece acolhimento.

Com efeito, a regra contida no art. 41 da Lei n. 11.340/06, dipõe expressamente que "Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995."

Depreende-se, portanto, que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, foram excluídos pelo legislador daqueles previstos como de menor potencial ofensivo, pouco importando o montante da pena prevista in abstrato ou imposta na sentença, pois visa a tratar com maior rigor a matéria, sem, contudo, ofender os princípios da isonomia e da igualdade.

Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci:

[...] Embora severa, a disposição do art. 41, em comento, é constitucional. Em primeiro plano, porque o art. 98, I, da Constituição Federal, delegou à lei a conceituação de infração de menor potencial ofensivo e as hipóteses em que se admite a transação. Em segundo lugar, pelo fato de se valer do princípio da isonomia e não da igualdade literal, ou seja, deve-se tratar desigualmente os desiguais. Em terceiro prisma, esse é o resultado, em nosso ponto de vista, da má utilização pelo Judiciário, ao longo do tempo, de benefício criado pelo legislador. Em outros termos, tantas foram as transações feitas, fixando, como obrigação para os maridos ou companheiros agressores de mulheres no lar, a doação de cestas básicas (pena inexistente na legislação brasileira), que a edição da Lei 11.340/2006 tentou, por todas as formas, coibir tal abuso de brandura, vedando a "pena de cesta básica", além de outros benefícios (art. 17 desta Lei), bem como impondo a inaplicabilidade da Lei 9.099/95. Tudo isso poderia ter sido evitado se cada magistrado, verificada a gravidade do caso de agressão à mulher, em situação de violência doméstica e familiar, não permitisse a banalização da transação, homologando acordos de incentivo à maior dose de violência, fundado no princípio de que, para bater na esposa ou companheira, basta pagar. (Leis penais e processuais penais comentadas, 2ª ed., rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 1061).

O Superior Tribunal de Justiça também entende pela inaplicabiliade da Lei n. 9.099/95 aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. LEI MARIA DA PENHA. LEI Nº 9.099/95. INAPLICABILIDADE.

A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ordem denegada (HC 84831/RJ, rel. Min. Felix Fischer. j. 27/3/08).

Sem destoar, seguem os julgados deste Sodalício:

RECLAMAÇÃO INTENTADA CONTRA DESPACHO QUE, APESAR DA MANIFESTAÇÃO DO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM SENTIDO DIVERSO, DESIGNOU AUDIÊNCIA PARA PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO - PRERROGATIVA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - FATOR QUE IMPORTOU NA INVERSÃO DA ORDEM PROCESSUAL - ART. 41 DA LEI N. 11.340/06 QUE VEDA A APLICAÇÃO DAS BENESSES DA LEI N. 9.099/95 - RECLAMAÇÃO PROCEDENTE (Reclamação n. 2008.054688-5, de Lages, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho. j. 4/11/08).

Na mesma direção:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. "LEI MARIA DA PENHA" (N. 11.340/2006). IRRESIGNAÇÃO CONTRA DESPACHO QUE AVOCOU OS AUTOS, ENTENDENDO CABÍVEL A APLICAÇÃO DO ART. 89 DA LEI N. 9.099/95. VEDAÇÃO EXPRESSA NO ART. 41 DAQUELE DIPLOMA LEGAL. PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL AFIRMANDO A SUA CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA ANÁLISE E OFERECIMENTO DA PROPOSTA. DECISÃO CASSADA, DETERMINANDO-SE O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. (Reclamação n. 2008.031141-9, de Lages, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 23/9/08).

Outro:

RECLAMAÇÃO. LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO DO MAGISTRADO QUE ENTENDEU APLICÁVEL AO CASO O PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E DESIGNOU A AUDIÊNCIA DE QUE TRATA O ART. 72, DA LEI 9.099/95. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 41, DA LEI MARIA DA PENHA. CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. PROCESSO QUE DEVE SEGUIR O CURSO NORMAL. DEFERIMENTO. "A Lei nº 11.340/06 é clara quanto a não-aplicabilidade dos institutos da Lei dos Juizados Especiais aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher. Ordem denegada" (HC 84831/RJ, rel. Min. Felix Fischer. j. 27.3.08, disponível acesso 26 ago. 2008). (Reclamação n. 2008.044591-6, de Dionísio Cerqueira, rel. Des. Sérgio Paladino, j. 26/8/08).

Também:

RECLAMAÇÃO. ART. 243 DO RITJSC. LEI MARIA DA PENHA. SUPOSTAS INFRAÇÕES PRATICADAS COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. LESÕES CORPORAIS (ART. 129, § 9º, DO CP). MAGISTRADO QUE DESIGNA EX OFFICIO AUDIÊNCIA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI N. 9.099/95). IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE NO ART. 41 DA LEI N. 11.340/06. CONSTITUCIONALIDADE. ACOLHIMENTO. É constitucional o art. 41 da Lei Maria da Penha que veda a aplicação das disposições da Lei n. 9.099/95 nos crimes praticados com violência doméstica e/ou familiar contra a mulher" (Reclamação n. 2008.013945-3, de Lages, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 16/4/08).

Ainda:

RECLAMAÇÃO. AMEAÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. PEDIDO FORMULADO PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA A DECISÃO DO MAGISTRADO QUE DESIGNOU, DE OFÍCIO, AUDIÊNCIA PARA O OFERECIMENTO DO BENEFÍCIO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. VEDAÇÃO LEGAL EXPRESSA NO ART. 41 DA LEI MARIA DA PENHA. CONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA O OFERECIMENTO PROPOSTA. CASSAÇÃO DO DESPACHO E PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO. RECURSO PROVIDO (Reclamação n. 2008.007726-3, de Lages, rel. Des. Torres Marques, j. 7/3/08).

Rejeita-se, pois, a preliminar de inconstitucionalidade.

No mérito, também sem razão o recorrente, que se insurgiu tão-somente quanto à autoria do delito.

Ora, o próprio recorrente admitiu a agressão perpretada contra sua irmã (vítima) em razão de discórdia quanto à definição do horário de almoço servido na casa de seus pais. A autoria está demonstrada, pois, pela confissão em Juízo, disse (fls. 27 e 28):

Que é verdadeira a acusação que lhe é feita; [...] que o interrogando diz que houve empurrões e que a vítima caiu no chão [...].

Não bastasse a confissão, a prova testemunhal também reúne elementos para identificá-lo como o autor da agressão noticiada nos presentes autos.

No Boletim de Ocorrência, a vítima Vanusa Zini relatou (fl. 3):

[...] que discutiram e Gilmar tentou agredir a comunicante; que a comunicante tentou segurar o mesmo, mas Gilmar conseguiu soltar as mãos e pegou no pescoço da comunicante; que a comunicante andou para trás, e perdeu o equilíbrio e caiu de costas; que Gilmar continuava apertando o pescoço da comunicante; que a mãe da comunicante puxou Gilmar e retirou o mesmo; que a comunicante pegou um ferro que achou no chão para se defender; que correu até a residência do vizinho "Stocco", e dali telefonou para a polícia; [...].

Em Juízo, a vítima ratificou suas declarações anteriores (fl. 39):

[...] que confirma a versão dada na denúncia; que não tento [sic] agredir o acusado; que além da declarante, estava na residência apenas sua mãe; que segundo relata, era comum ser agredida pelo acusado quando este estava embriagado; que o acusado estava embriagado no dia dos fatos; que não mantém mais relacionamento com o agente; [...].

A testemunha Severina Sabedot, que é mãe do acusado e da vítima, declarou (fl. 38):

Que confirma as agressões sofridas pela filha; que segundo afirma, o acusado estaria bastante embriagado no dia dos fatos, e após a vítima recusar-se a sair de casa foi agarrada pelo pescoço e atirada ao chão; [...].

Ainda, mister registrar que, como cena comum em delitos dessa natureza, o estado etílico do acusado não serve como excludente de responsabilidade, nem mesmo é capaz de influenciar na dosimetria da pena. Isso porque, no caso em apreço, notadamente pelas conclusões exaradas pelo laudo psicológico de fl. 40, o álcool foi catalisador da ação do agente. Ademais, somente a embriaguez involuntária tem o condão de afetar a responsabilidade penal, conforme prevê o art. 28 do CP.

No mais, é inquestionável a materialidade do delito, a relação de convívio doméstico tumultuado que existia entre o réu e a vítima, sobretudo pela relação de parentesco existente, e o vício que o apelante nutria pela bebida alcoólica, a principal causa de violência doméstica.

Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso.

DECISÃO

Nos termos do voto do Relator, decidiu a Primeira Câmara Criminal, por votação unânime, rejeitar a preliminar e, no mérito, negar provimento ao recurso.

Participaram do julgamento, realizado no dia 4 de maio de 2010, os Exmos. Srs. Des. Marli Mosimann Vargas e Newton Varella Júnior.

Funcionou como Representante da douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Anselmo Agostinho da Silva

Florianópolis, 12 de maio de 2010.

Rui Fortes
PRESIDENTE E Relator




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