Anúncios


quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

JURID - Penal. Inquérito. Prefeito municipal. [03/12/09] - Jurisprudência


Penal. Inquérito. Prefeito municipal. Artigo 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º da Lei nº 8.176/90.
Obras jurídicas digitalizadas, por um preço menor que as obras impressas. Acesse e conheça as vantagens de ter uma Biblioteca Digital!


Tribunal Regional Federal - TRF 4ª Região.

PROCED. INVESTIGATÓRIO DO MP (PEÇAS DE INFORMAÇÃO) Nº 2009.04.00.020854-4/RS

RELATOR: Des. Federal NÉFI CORDEIRO

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INVESTIGADO: MUNICIPIO DE CERRO GRANDE DO SUL/RS

: ELTON WOLFLE SCHWALM

ADVOGADO: Cicero Wilde de Oliveira

EMENTA

PENAL. INQUÉRITO. PREFEITO MUNICIPAL. ARTIGO 55 DA LEI N.º 9.605/98 e ART. 2º DA LEI Nº 8.176/90 . EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. DESNECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO. ATIPICIDADE. ARQUIVAMENTO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

1. O Prefeito Municipal que, sem autorização, concessão ou licença, extrai substância mineral, desde que utilize o material extraído em obra pública, não comete os delitos descritos no art. 55 da Lei n.º 9.605/98 e no art. 2º da Lei nº 8.176/91.

2. Afastado o delito ambiental em razão da atipicidade da conduta do Prefeito, torna-se descabida a persecução penal exclusivamente da pessoa jurídica de direito público.

3. Rejeitada a denúncia e determinado o arquivamento do inquérito policial, com base no que prevê o art. 43, I, do CPP.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais Paulo Afonso Brum Vaz e Victor Luiz dos Santos Laus, rejeitar a denúncia, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2009.

Des. Federal NÉFI CORDEIRO
Relator

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor do MUNICÍPIO DE CERRO GRANDE DO SUL/RS e ELTON WOLFLE SCHWALM, seu atual Prefeito Municipal, em razão do cometimento, em tese, do delito previsto no caput do artigo 55 da Lei nº 9.605/98. Ainda, quanto ao denunciado Elton Wolfle Schwalm, em concurso formal com o delito anterior, foi-lhe imputado a prática do fato típico previsto no caput do art. 2º da Lei nº 8.176/91. Constou da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal:

I - Exposição dos fatos criminosos e suas circunstâncias:

1. O MUNICÍPIO DE CERRO GRANDE DO SUL - pessoa jurídica de direito público interno e ELTON WOLFLE SCHWALM (atual Prefeito Municipal), sendo o primeiro em nome próprio (por decisão de seu representante legal - o segundo denunciado - e no suposto interesse da municipalidade) e sob o comando necessário do segundo, no mês de dezembro de 2006, (até dia 22, quando efetuada fiscalização), No Loteamento Tavares, ao efetuar o rebaixamento da Rua Alfredo Leopoldo König, ao lado de área verde) área de preservação permanente, executaram extração de recursos minerais (saibro) sem a necessária autorização, permissão, concessão ou licença dos órgãos competentes - especificamente da FEPAM, e principalmente, do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

2. Nas mesmas condições de tempo e de lugar explicitadas no item acima, ELTON WOLFLE SCHWALM, atual Prefeito Municipal de Cerro Grande do Sul/RS, agindo sob tal condição personalíssima, explorou matéria-prima pertencente à União (recurso mineral - saibro), na modalidade de usurpação, sem autorização legal do departamento Nacional de produção Mineral.

3. Ocorre que Policiais Militares do 3º Pelotão Ambiental da Brigada Militar, no dia 22 de dezembro de 2006, compareceram na localidade acima descrita, oportunidade em que comprovaram que o Município de Cerro Grande do Sul/RS explorava área sem licença ou autorização do departamento Nacional de Produção Mineral, mencionando "que a Prefeitura Municipal daquele município extraía saibro em área de preservação permanente no loteamento Tavares" - fls. 07/10.

4. Nesse compasso, após oficiado por este órgão ministerial, o DNPM comprovou a inexistência de qualquer tipo de autorização ao Município para extração de recursos minerais naquele local (fl. 85). Da mesma forma, não havia licença específica da FEPAM (fl. 91).

5. Frise-se ainda que, seja qual for o argumento para a extração mineral, esta se sujeita ao que dispõe o Decreto-lei nº 3.358, de 2 de fevereiro de 2000, que em seu artigo 2º, impõe como condição para a extração de substâncias minerais, até mesmo por órgão da administração direta e autárquica, a necessidade de registro no DNPM.

II - Elementos de convicção.

6. Comprovam a ocorrência dos fatos acima:

Relatório de Ocorrência Ambiental do 3º Pelotão Ambiental da Brigada Militar (fls. 07/09);

Notícia Ambiental de nº 00729 (fl. 10);

Resposta da municipalidade, assinada pelo denunciado Elton Wolfle Scwalm, confirmando a extração dos minérios no local ("a necessidade de realizar o rebaixamento da rua Alfredo Leopoldo König, por parte do Loteamento, coincidia com a necessidade da prefeitura em obter saibro. Assim ambas as necessidade eram satisfeitas") - fls. 11/12;

Levantamento\Fotográfico de fls. 18/19;

Parecer da Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul, atestando que "é possível que a Prefeitura tenha, efetivamente, realizado apenas um rebaixamento em uma das ruas do loteamento. O problema é que, se o material tivesse sido aproveitado na própria obra, a atividade poderia ser considerada "terraplenagem", mas com a saída do material para atender a pavimentação de estradas em outros locais do município, a prefeitura na verdade realizou "mineração" ou "extração mineral". Atividade de mineração está em desacordo com a licença de fls. 10 e 11 do IC." - fls. 25/27;

Informação do DNPM - fl. 85 e

Informação da FEPAM - fl. 91.

III - Da classificação do crime.

7. Assim agindo, os denunciados MUNICÍPIO DE CERRO GRANDE DO SUL e ELTON WOLFLE SCHWALM praticaram o delito insculpido no "caput" do artigo 55 da Lei nº 9.605/98, sujeitando-os:

(a) quanto a pessoa jurídica, as sanções previstas nos incisos I a III (a ser definida em caso de condenação) do artigo 21 da citada lei e,

(b) quanto a pessoa física, sujeição às sanções do artigo 55 do mesmo diploma legal.

À fl. 112, foi determinada a intimação do Município de Cerro Grande do Sul, para que comprovasse a composição do dano ambiental ou a sua impossibilidade, nos termos do disposto no art. 27 da Lei 9.605/98.

Dos documentos referentes ao projeto de recuperação da área degradada anexado aos autos (fls. 122/145), manifestou-se o órgão ministerial (fls. 148v).

Pelo despacho da fl. 150, foi acolhida a manifestação do MPF, determinando-se a expedição de carta de ordem para realização de audiência para judicial ajuste entre o MPF local e o Município de Cerro Grande do Sul, nos termos do acordo de composição do dano ambiental e assim admitir como possível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95).

Notificado para a apresentação de resposta, o denunciado Elton Wolfle Schwalm, manifestou-se alegando que embora a área em questão trate de uma área particular, eventual escavação, necessária para o rebaixamento da rua, não deve constituir qualquer crime. Diz que o saibro retirado do local, para a realização de uma obra necessária não tinha como ser reutilizado no mesmo local, sendo, pois, utilizado em melhorias nas ruas da própria cidade, as quais não possuem qualquer tipo de pavimentação. Pede a suspensão do feito, até comprovação efetiva da recuperação da área, nos termos do art. 28, II da Lei 9.605/98 (fl. 158).

Da defesa preliminar, foi dado vista ao MPF que emitiu parecer pelo recebimento da denúncia, alegando que a peça processual apresentada pelo réu Elton trata os fatos única e exclusivamente como incidentes no art. 55 da Lei nº 9.605/98, sem fazer referência quanto ao delito da Lei nº 8.176/91 (fl. 162v).

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

Des. Federal NÉFI CORDEIRO
Relator

VOTO

De início, vale referir que, em consulta ao site do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio Grande do Sul, constata-se que o denunciado Elton Wolfle Schwalm foi reeleito Prefeito do Município de Cerro Grande do Sul/RS no pleito de 2008.

Na hipótese dos autos, o Município de Cerro Grande do Sul/RS e seu Prefeito, foram denunciados porque no mês de dezembro de 2006, no Loteamento Tavares, ao efetuarem o rebaixamento da Rua Alfredo Leopoldo König, ao lado de área verde (área de preservação permanente), estariam extraindo recursos minerais (saibro) sem a necessária autorização, permissão, concessão ou licença dos órgãos competentes.

Cumpre esclarecer, inicialmente, que a jurisprudência orienta-se no sentido de que a extração de recursos minerais, sem autorização, possibilita a punição do agente, em concurso formal, pelos crimes previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/98 e no art. 2º da Lei nº 8.176/91. Nesse sentido: STJ, HC 36624-SP, rel. Min. Félix Fischer, 04/10/2004.

Na espécie, foi elaborado parecer pela Divisão de Assessoramento Técnico do Ministério Público Estadual, cujo geólogo André Weissheimer de Borba, elucida que de fato houve a extração irregular de saibro na área:

Pela análise das fotografias constantes das fls. 15 e 16 do IC, pode-se verificar que houve aterro, com material arenoso/granular (saibro), de área de vegetação nativa, o que provavelmente faça parte das obras regulares do loteamento Tavares, licenciado junto à FEPAM. É possível que a prefeitura tenha, efetivamente, realizado apenas um rebaixamento em uma das ruas do loteamento. O problema é que, se o material tivesse sido aproveitado na própria obra, a atividade poderia ser considerada "terraplenagem", mas com a saída do material para atender a pavimentação de estradas em outros locais do município, a prefeitura na verdade realizou "mineração" ou "extração mineral". Atividade de mineração está em desacordo com a licença das fls. 10 e 11 do IC.

(fl. 26)

O Prefeito Municipal de Cerro Grande do Sul, em justificativa a notificação lavrada pela Polícia Ambiental, em 22 de dezembro de 2006, informou que:

Cumpre-nos, ainda, salientar que em geral as Prefeituras utilizam-se de saibro para pavimentação de suas ruas e estradas.

No caso em tela, a necessidade de realizar o rebaixamento da rua Alfredo Leopoldo König, por parte do Loteamento, coincidia com a necessidade da Prefeitura em obter saibro. Assim ambas as necessidade eram satisfeitas.

(....)

Por derradeiro, deve ser esclarecido que a Prefeitura Municipal já está com solicitação feita junto à FEPAM de uma área de terras de propriedade particular, na localidade de Arroio da Toca, para extração de saibro, conforme faz prova documentação inclusa.(fls. 12) (grifei)

Posteriormente, o Prefeito, em ofício expedido para instruir o inquérito Civil nº 001/2007, esclareceu que:

....a Licença Prévia nº 563/2006-DL concedida pela FEPAM ao Município refere-se tão somente a uma lavra de saibro à céu aberto em terras de Edegar Baum, na localidade de Arroio da Toca.

Assim, não há qualquer relação entre essa e o rebaixamento da Rua Alfredo Leopoldo König, efetuada pelo Município, no Loteamento Tavares, como esclarecido em oportunidades anteriores.

Saliente-se que havia por parte do loteamento a necessidade de rebaixamento da citada rua e, aliado a isso, a necessidade do Município em utilizar esse material para em ensaibrar suas estradas. (grifei)

(fl. 34)

À mingua de maiores informações nos autos, o que se denota do feito é que o Prefeito utilizou o saibro com o intuito de melhorar a qualidade das estradas municipais não pavimentadas, o que torna não reprovável a conduta, porque inexigível ação de modo diverso.

Vem esta Corte entendendo que tendo sido o produto da extração empregado em obras públicas, a conduta é atípica, não se amoldando ao crime do art. 55, caput, da Lei ambiental e art. 2º da Lei nº 8.176/91.

Nesse sentido:

"NOTÍCIA CRIME. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE E ORDEM ECONÔMICA. LEIS N.º 9.605/98 E 8.176/91. PREFEITO MUNICIPAL. EXTRAÇÃO DE CASCALHO SEM AUTORIZAÇÃO. UTILIZAÇÃO PARA OBRAS EM ESTRADAS MUNICIPAIS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que a conduta de extração de cascalho pela municipalidade, para emprego em obras públicas por ela executadas, é atípica.

Descriminalização da conduta operada pela Lei nº 9.827, de 27 de outubro de 1999, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 227/67. Denúncia rejeitada" (NC 2005.04.01.046402-3/RS, 4ª Seção, Relatora Desembargadora Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, DJU de 01/11/2006, p. 477).

INQUÉRITO. PREFEITO MUNICIPAL. EXTRAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS SEM COMPETENTE AUTORIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. ARTIGO 2º LEI Nº 8.176/91. OBRA PÚBLICA. ATIPICIDADE.

1. Com base no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.827/99, a jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento pela atipicidade da conduta de prefeitos que atuam na pesquisa, lavra ou extração mineral de uso imediato em construção civil (seixo) visando a execução direta de obras públicas.

2. Havendo elementos nos autos a indicar que a atuação da Prefeitura Municipal no local do flagrante visava a realização de obra de interesse público, verifica-se a atipicidade da conduta (precedentes).

(IPL Nº 2007.04.000168355 - Juiz Federal Luiz Carlos Canalli, D.E 06/03/08)

Diante dessas considerações, não subsiste tipicidade na conduta relatada nestes autos, já que a extração de saibro, quando realizada pelo Município e destinada o uso em obra pública por ele executada diretamente, não necessita de concessão, autorização, permissão ou licença, a teor do disposto no parágrafo único do art. 2º do Decreto-lei nº 227/67, com a redação que lhe foi dada pela Lei 9.827/99.

Por fim, já decidiu esta Corte que, afastado o delito ambiental em razão da atipicidade da conduta do Prefeito, torna-se descabida a persecução penal exclusivamente da pessoa jurídica de direito público.

Sendo assim, acolhida a presente decisão e após o seu trânsito em julgado, solicite-se a devolução da carta de ordem expedida onde estão sendo tratados os termos de acordo de composição do dano ambiental e possível transação penal entre o órgão ministerial local e o Município de Cerro Grande do Sul/RS.

Ante o exposto, voto por rejeitar a denúncia.

É O VOTO.

Des. Federal NÉFI CORDEIRO
Relator

VOTO DIVERGENTE

Concessa maxima venia, divirjo, em parte, do eminente Relator, pois, quanto ao crime previsto no artigo 55 da Lei n.º 9.605/98, entendo deva ser a denúncia recebida.

Com efeito, sobre o tema versado na presente ação penal, é dominante a jurisprudência desta Corte, assim como do egrégio Superior Tribunal de Justiça, acerca da atipicidade da conduta descrita na peça incoativa, no que tange ao seu aspecto patrimonial (ou seja, a usurpação de bem pertencente à União), ante a inovação legislativa ocorrida no Código de Mineração.

A propósito, cumpre observar que a Lei nº 9.827/99 retificou a redação do artigo 2º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 227/67, expressamente dispondo que:

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos órgãos da administração direta e autárquica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, sendo-lhes permitida a extração de substâncias minerais de emprego imediato na construção civil, definidas em Portaria do Ministério de Minas e Energia, para uso exclusivo em obras públicas por eles executadas diretamente, respeitados os direitos minerários em vigor nas áreas onde devam ser executadas as obras e vedada a comercialização.

Houve, portanto, parcial descriminalização do fato relativo ao crime patrimonial perpetrado em detrimento da União. Realmente, a suposta conduta hábil a caracterizar o crime de usurpação de bem mineral da União, não se perfectibiliza quando a autoria é imputada a agente político que destina o produto da extração em obras públicas.

Portanto, reitero, no que tange à usurpação, frente ao disposto no artigo 2º do Código de Minas, é atípica a conduta, sob o ponto de vista patrimonial, quando o resultado da exploração for imediatamente aproveitado na execução de obras públicas.

Em outras palavras, nesse específico caso, frente à regra despenalizadora, desimporta aferir a existência de autorização, licença, concessão ou permissão emitida pelo Departamento Nacional de Produção Mineral. Esse o motivo que revela o acerto da solução preconizada pelo eminente Relator no que tange com o crime da Lei nº 8.176/91.

Entretanto, em absoluto, tal realidade não implica salvo-conduto para a prática de quaisquer crimes ambientais. A respeito, em atenta observação ao estatuído pelo artigo 55 da Lei nº 9.605/98, nota-se que a licença ali referida não tem vínculo intrínseco com aquelas em tese necessárias para exculpar a conduta do artigo 2º da Lei nº 8.176/91 (em regra emitida pelo DNPM).

De fato, não se confunde a ausência de autorização para exploração de minérios, definida na Lei nº 7.805/89, expedida pelo DNPM, com a ausência de licenciamento ambiental, que é concedido pelo IBAMA, e que visa a avaliar os impactos causados pelo empreendimento, estabelecendo as condições para que a atividade cause o menor impacto possível ao meio-ambiente e garantindo que as medidas preventivas e de controle adotadas sejam compatíveis com o desenvolvimento sustentável. Logo, mister concluir que, na espécie, embora no presente caso não haja necessidade de autorização perante o DNPM, já que o aludido Decreto-Lei, ao estipular uma exceção, deixa de proteger o bem jurídico "minério da União", não se pode estender a aplicação desta norma também à Lei nº 9.605/98, o que excluiria a proteção do bem jurídico "meio-ambiente".

Ora, se o exercício de atividade utilizadora de recurso ambiental depende de prévia licença, resta evidente seja ela emitida por algum dos órgãos integrantes do SISNAMA (Lei nº 6.938/81, art. 6º), dentre os quais não se inclui o DNPM. Acerca da quaestio, faço referência, ainda, às percucientes considerações do ilustre Procurador Regional da República Jorge Luiz Gasparini da Silva tecidas na Notícia Crime nº 2007.04.00.01.16813-6:

Leio um tópico aqui do Superior Tribunal de Justiça, um Habeas Corpus 30852, Relator Min. Gilson Dipp, que diz: "O artigo 2º da Lei nº 8.176/91, que descreve o crime de usurpação, como modalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo." (...) Obviamente, leia-se título autorizativo teria de ser do Departamento Nacional de Produção Mineral, que é o órgão correlato da União encarregado da questão desse patrimônio da União e fiscalização, inclusive outorga de lavra, pesquisa. Continuando no inciso I do venerando acórdão: "Já o art. 55 da Lei nº 9.605/98 descreve delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida." Obviamente que a licença que tem que ser lida, existem inúmeras, é a do órgão ambiental, e não do Departamento Nacional de Produção Mineral.

A inovação que houve no parágrafo único do artigo 2º do Código de Mineração - Decreto Lei nº 227/67 - apenas dispensa o Poder Público da questão de outorga e autorização de parte do Departamento Nacional de Produção Mineral, e não, no nosso entender, respeitando com a devida vênia outros posicionamentos, em relação a órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente. A Lei de Política Nacional nº 6.938/81, que dispõe sobre a política nacional do meio ambiente, diz quais são os órgãos que fazem parte desse sistema, e obviamente o Departamento Nacional de Produção Mineral não está dentro desse rol. Encontram-se o IBAMA, os órgãos estatais do Poder Público dos Estados, o correlato e a fiscalização.

Também, para sustentar nosso posicionamento, li sobre a questão do emprego do vocábulo "licenciamento" na Lei nº 9.605/98 que capitula os crimes ambientais. Ela já começa no art. 15, nas agravantes: "... são circunstâncias que agravam a pena (...) ou autorização ambiental.". Depois ela prossegue por onze vezes utilizando o vocábulo "licença", quando não o vocábulo "autorização", e agregando adjetivação, como no caso do art. 30, que prevê crimes contra a fauna - e aí já não é mineração -, que diz: "...exportar para o exterior (...) da autoridade ambiental competente". No parágrafo único do artigo 33 já fala "sem licença" de novo. No 66, da poluição e outros crimes ambientais, fala: "...construir, reformar, ampliar (...) sem licença dos órgãos ambientais competentes". Não fala aqui em DNPM, e a modificação legislativa que houve foi no Código de Mineração, correlata às autorizações daquele rol em que o DNPM é autoridade que outorga, ou não, a questão da exploração mineral.

Em resumo, as objetividades tuteladas pelas normas incriminadoras são, evidentemente, distintas. Uma visa à preservação do patrimônio da União - Lei nº 8.176/91 - e a outra à higidez do meio ambiente - Lei nº 9.605/98. Aliás, vale destacar ser esse o fator que justifica tenha a jurisprudência compreendido estar-se diante de concurso formal (próprio) de crimes, quando o fato analisado tem aptidão para malferir a hipótese abstrata das duas normas mencionadas. Relevada essa sistemática, não percebo existir princípio, norma ou preceito legal, com aptidão para afastar a responsabilidade criminal do agente público ou político que utiliza substância mineral pertencente à União, e com isso pratica, igualmente, uma ou mais infrações ambientais.

Outrossim, ainda que afastada a pretensão punitiva do imputado em relação ao crime de usurpação de patrimônio da União, permanece o presente processo-crime afeto à jurisdição federal. Senão vejamos.

Os crimes ambientais, como é cediço, não foram especificamente atribuídos à Justiça Federal, exceto aqueles praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, que fazem parte de sua competência genérica prevista na Constituição. Assim, considerando-se que a Carta Magna outorgou à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a proteção ao meio ambiente (art. 23, VI e VII) e que inexiste norma constitucional ou infraconstitucional dispondo sobre a competência para o julgamento dos crimes ambientais, tem-se, a priori, que o processamento e julgamento destes delitos compete à Justiça Estadual.

A propósito, Vladimir Passos de Freitas e Gilberto Passos de Freitas (Crimes Contra a Natureza. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 57) vaticinam que, em realidade, nada há que justifique a competência federal, exceto se o delito foi praticado em detrimento de bem da União, ou seja, a uma unidade de conservação federal. Aí incide a regra geral do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal. Por exemplo, se o infrator corta árvores clandestinamente no Parque Nacional de Itatiaia, incorrendo no delito previsto no art. 38 da Lei 9.605, de 1998, a competência será da Justiça Federal. Porém, se ele pratica a mesma ação contra árvores pertencentes a particulares (Código Civil, arts. 43 e 528), ao Estado ou a um Município, razão não há para a competência ser da Justiça Federal: a uma, porque as árvores não pertencem à União Federal; a outra, porque a fiscalização não é mais privativa do órgão federal, mas comum aos órgãos ambientais estaduais ou municipais (CF, art. 23, incs. VI e VII) (...).

No caso vertente, consistindo a conduta descrita na peça incoativa na extração de minérios, sendo estes de propriedade da União (CRFB, art. 20, IX), forçoso é o reconhecimento da competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento desta ação penal, porquanto praticado o suposto fato em detrimento de bem pertencente à União (CRFB, art. 109, IV). Nesta exata linha de conta, inclusive, Maurício Zanoide de Moraes vaticina que na hipótese de lavra ou extração mineral ilegais definidas no art. 55 da Lei Penal Ambiental a competência é exclusiva da União, uma vez que no art. 20, inc. IX, da CF está definido que os recursos minerais, inclusive do subsolo, são bens da União. (FRANCO, Alberto Silva. et ali. Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2001. p. 753).

Ante o exposto, voto por rejeitar a peça incoativa no que diz respeito ao crime do artigo 2º da Lei nº 8.176/91, recebendo-a, contudo, no que pertine ao delito insculpido no artigo 55 da Lei nº 9.605/98, determinando, ato contínuo, a remessa dos autos à Procuradoria Regional da República, a fim de que seja apurada a possibilidade de oferecimento do benefício previsto no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95 ao denunciado, nos termos da fundamentação supra.

Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/11/2009

PROCED. INVESTIGATÓRIO DO MP (PEÇAS DE INFORMAÇÃO) Nº 2009.04.00.020854-4/RS

ORIGEM: RS 10400400000709

RELATOR: Des. Federal NÉFI CORDEIRO

PRESIDENTE: ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO

PROCURADOR: Dr. Paulo Mazzotti Girelli

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INVESTIGADO: MUNICIPIO DE CERRO GRANDE DO SUL/RS

: ELTON WOLFLE SCHWALM

ADVOGADO: Cicero Wilde de Oliveira

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/11/2009, na seqüência 11, disponibilizada no DE de 05/11/2009, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 4ª SEÇÃO, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A SEÇÃO, POR MAIORIA, DECIDIU REJEITAR A DENÚNCIA, VENCIDOS OS DESEMBARGADORES FEDERAIS PAULO AFONSO BRUM VAZ E VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS.

RELATOR ACÓRDÃO: Des. Federal NÉFI CORDEIRO

VOTANTE(S): Des. Federal NÉFI CORDEIRO

: Des. Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

: Juiz Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

: Des. Federal TADAAQUI HIROSE

: Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

Fádia Gonzalez Zanini
Diretora de Secretaria

D.E. Publicado em 30/11/2009




JURID - Penal. Inquérito. Prefeito municipal. [03/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário