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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

JURID - Apelação. Crime contra a ordem tributária. Estelionato. [11/12/09] - Jurisprudência


Apelação. Crime contra a ordem tributária. Estelionato. Receptação. Falsidade ideológica.
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Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.

APELAÇÃO CRIME

QUARTA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70029437530

COMARCA DE PORTO ALEGRE

PAULO MIGUEL GROTH, APELANTE

MINISTERIO PUBLICO, APELADO

APELAÇÃO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ESTELIONATO. RECEPTAÇÃO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICAÇÃO. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. MAJORANTE AFASTADA. INDENIZAÇÃO À VÍTIMA. AFASTAMENTO.

a) Verificado que as falsidades, fraudes e artifícios descritos na denúncia, foram todos praticados visando a supressão/redução de tributo, deve ser aplicado o princípio da consunção, permanecendo somente a condenação pelo crime contra a ordem tributária, ficando absorvidos os delitos de falsidade, uso de documento falso, receptação e estelionato.

b) Para análise da majorante do grave dano à coletividade, não se deve considerar apenas o valor final do montante de tributo suprimido/reduzido, que consta no auto de lançamento, pois ocorre a incidência de pesadas penalidades, que resultam em valor muito superior àquele efetivamente suprimido/reduzido pelo autor do delito.

c) A indenização prevista no art. 387, inciso IV, do CPP é regra de conteúdo material, logo, não pode retroagir para prejudicar o réu, atingindo fato delituoso ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 11.719. Ainda, necessária discussão sobre o montante devido, durante o trâmite do processo cível, assegurando o cumprimento dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Recurso da defesa parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação da defesa, para reduzir a pena prisional imposta, para quatro anos e dois meses de reclusão, arredada a indenização, e, por maioria, afastar o grave dano à coletividade, vencido nesta parte o Des. Constantino Lisbôa de Azevedo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE) E DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO.

Porto Alegre, 20 de agosto de 2009.

DES. GASPAR MARQUES BATISTA,
Relator.

RELATÓRIO

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR)

PAULO MIGUEL GROTH foi denunciado como incurso nas sanções dos artigos 180, §1º e 6º, do Código Penal, artigo 1º, incisos II e III (cinquenta e duas vezes), combinado com o artigo 12, inciso I da Lei n.º 8.137/90 e artigo 171, "caput", e §3º, do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

Da receptação qualificada: No período de fevereiro a junho de 2008, na Rua Ernesto Alves e na Rua Moura Azevedo, em Porto Alegre, o denunciado teria recebido cheques em branco, de pessoa não identificada, utilizando-os, mesmo sabendo serem produto de furto, roubo e cancelamento por instituições financeiras. Após recebê-los, utilizou-os com assinaturas falsas, perante instituições bancárias, objetivando fraudar o Estado do Rio Grande do Sul, ao realizar pagamentos de débitos de ICMS, com tais cártulas.

Dos crimes fiscais - Guias inexatas: No período de fevereiro a junho de 2008, na Rua Ernesto Alves e na Rua Moura Azevedo, em Porto Alegre, o denunciado teria suprimido e reduzido tributo estadual de ICMS, fraudando a fiscalização tributária, ao falsificar guias de arrecadação do tributo de ICMS, relativas à operação tributável, e inserir elementos inexatos nos indigitados documentos.

Dos estelionatos - Cheques com assinaturas falsas: No período de fevereiro a junho de 2008, na Rua Ernesto Alves e na Rua Moura Azevedo, em Porto Alegre, o denunciado teria obtido vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo e mantendo em erro o Estado do Rio Grande do Sul, mediante artifício, ardil e meio fraudulento. Para tanto, o denunciado obtinha uma guia de arrecadação verdadeira, junto à Receita Estadual, e inseria numa guia falsa, todos os elementos da verdadeira, exceto o nome do contribuinte, que era substituído pelo nome do emitente do cheque, objetivando aproveitar-se de tais cheques "frios", para pagar débitos de ICMS. O banco, a princípio, aceitava o pagamento, pois o nome do contribuinte que estava na guia e também no cheque, eram idênticos. Enquanto a Receita Estadual não fosse comunicada pelo banco, da frustração do pagamento do cheque, o contribuinte-devedor permanecia com a vantagem ilícita, consistente na situação fiscal de estar com o tributo quitado. Esse período, ainda que limitado, era o suficiente para passar com as mercadorias nos postos fiscais, extrair certidões negativas de débito, ter a emissão de documentos fiscais autorizada, concessão de regime especial de pagamento e outras.

A denúncia foi recebida no dia 07 de julho de 2008.

O Ministério Público ofereceu aditamento à denúncia para incluir fatos tipificados nos artigos 299 e 304, ambos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos delituosos:

Falsidades Ideológicas - Empresas em nome de laranjas: No período de 27 de junho de 2006 a 16 de agosto de 2007, na Rua Ernesto Alves, em Porto Alegre, o denunciado teria inserido e feito inserir, em documentos públicos e particulares, declarações falsas e diversas das que deviam ser escritas, com o fim de prejudicar direitos, criar obrigações e alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes. Para tanto, o réu teria constituído sete empresas, em nome de interpostas pessoas ("laranjas"), quando na realidade, era o titular e administrador das referidas empresas.

Falsidade ideológica - Guia falsa: Entre os dias 16 e 30 de junho de 2008, na Rua Ernesto Alves, em Porto Alegre, o denunciado teria inserido em documento público, guia de arrecadação de tributo, declaração falsa de autenticação bancária, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, qual seja, o pagamento de tributo de ICMS.

Falsidade ideológica - Termos de fiança: Nos dias 24 de agosto de 2006, 30 de outubro de 2007 e 18 de março de 2008, o denunciado, na Secretaria da Fazenda do Estado do RS, em Porto Alegre, teria inserido declaração falsa com o fim de prejudicar direito e alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, ao declarar falsamente o reconhecimento de firmas, em termos de fiança, objetivando obter um regime especial de recolhimento do tributo. Após, fez uso dos papéis falsificados, protocolando os mesmos na Secretaria da Fazenda do Estado do RS.

O recebimento do aditamento ocorreu em 15 de julho de 2008.

O réu foi devidamente citado e interrogado, apresentando defesa prévia por meio de defensor constituído.

Na instrução do feito, foram ouvidas sete testemunhas.

Substituídos debates orais por memoriais, o Ministério Público requereu a condenação do acusado nos termos da denúncia, entendendo restarem comprovadas autoria e materialidade delitivas.

A defesa arguiu, preliminarmente, a nulidade do processo, em razão da investigação direta pelo Ministério Público, e em razão do não encerramento do procedimento fiscal administrativo. No mérito, requereu o afastamento do delito de receptação, por estar o réu desvinculado faticamente de tal acusação, bem como o afastamento do § 6º do artigo 180, alternativamente, a absolvição dos delitos de estelionato, falsidade e uso de documento falso, por constituírem delitos-meio para a finalidade específica de supressão do ICMS e ainda o afastamento da majorante do artigo 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/90.

Sobreveio sentença, na qual foi julgada parcialmente procedente a denúncia, para condenar o réu, pela prática dos delitos previstos no artigo 180, §1º, do Código Penal; artigo 1º, incisos II e III (52 vezes), combinado com o artigo 12, inciso I, da Lei n.º 8.137/90; e artigos 171, "caput" e §3º, 299 e 304, todos combinados com o artigo 71, do Código Penal, à pena de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e multa.

A defesa suscitou, preliminarmente, a nulidade do feito. No mérito, pugnou pelo afastamento do delito de receptação, pelo reenquadramento típico das condutas do acusado, limitado à sonegação fiscal, com aplicação do princípio da consunção. Ainda, postulou o afastamento da causa de aumento de pena do artigo 12, inciso I, da Lei 8.137/90, pois não configurado grave dano à coletividade pelo tributo sonegado, e também o afastamento de indenização à Fazenda Estadual, baseada no art. 387, IV, do CPP, porque imposta com violação ao princípio do contraditório, pois nunca foi objeto de contestação.

O Ministério Público apresentou contrarrazões.

O Dr. Procurador de Justiça manifestou-se pelo improvimento do apelo defensivo.

É o relatório.

VOTOS

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR)

1. Preliminarmente

A defesa alega nulidade do procedimento inquisitorial, porque a investigação foi realizada diretamente pelo Ministério Público, o que implica em ofensa à separação de atribuições estabelecida na Constituição, pré-questionando os art. 144, §§ 1º e 4º, da CF, onde estão contidas previsões sobre a competência das polícias federal e estadual. Porém, da análise dos autos, não se percebe que essa modalidade investigativa tenha constituído uma "exorbitância" da esfera de atuação do órgão ministerial, uma vez que é desnecessária a instauração de inquérito policial, de acordo com o art. 12 do CPP, podendo o Ministério Público valer-se de outros elementos de prova, para embasar a denúncia, a exemplo da investigação desenvolvida, no presente caso. Nesse sentido, é a posição do Supremo Tribunal Federal, manifestada no julgamento do habeas corpus nº 91.661, Relatora Min.ª Ellen Gracie, em 10/03/2009, cujo trecho da ementa cumpre transcrever: "4. Esta Corte tem orientação pacífica no sentido da incompatibilidade do habeas corpus quando houver necessidade de apurado reexame de fatos e provas (HC nº 89.877/ES, rel. Min. Eros Grau, DJ 15.12.2006), não podendo o remédio constitucional do habeas corpus servir como espécie de recurso que devolva completamente toda a matéria decidida pelas instâncias ordinárias ao Supremo Tribunal Federal. 5. É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. 6. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. 7. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional ou dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim - promoção da ação penal pública - foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que "peças de informação" embasem a denúncia. 8. Cabe ressaltar que, no presente caso, os delitos descritos na denúncia teriam sido praticados por policiais, o que, também, justifica a colheita dos depoimentos das vítimas pelo Ministério Público."

Também alega o apelante que não houve encerramento da discussão na via administrativa, e que sequer foi notificado para apresentar resposta à autuação fiscal. No entanto, encontram-se no processo vários autos de lançamento, constando como sujeitos passivos as empresas gerenciadas pelo réu, mas não há nenhum outro documento, indicando que tenha havido discussão ou que ainda esteja em andamento algum procedimento administrativo, a respeito daquelas autuações. Caberia ao apelante comprovar o não encerramento da via administrativa, mas compulsando os vários volumes do processo, nada foi encontrado a respeito.

Por outro lado, diante dos vários autos de lançamento juntados, pode-se concluir que o valor do débito fiscal já está sacramentado perante o Fisco, não pairando mais dúvida quanto à existência de valores correspondentes ao tributo de ICMS, suprimidos/reduzidos, na contabilidade das empresas administradas pelo réu.

2. No mérito

Da leitura da complexa investigação realizada pelo Ministério Público e pela seção de inteligência fiscal da Secretaria da Fazenda, a partir de denúncia anônima, possível concluir, em síntese, que o réu utilizou-se de cheques furtados/roubados, para realizar o pagamento de tributo de ICMS, alterando, depois, a guia paga, colocando como contribuintes as empresas que administrava de fato, mas que estavam em nomes de "laranjas." Conforme explicado no longo depoimento do fiscal do Tesouro do Estado, Mário Luís Wunderlich dos Santos, fls. 2587/2595 e também do agente fiscal Mário Strucker, fls. 2608/2610-v, os pagamentos acabavam não entrando para o sistema da Receita, pois eram entregues cheques em ocorrência de furto/roubo, para quitar os débitos. Porém, o tempo entre o pagamento da guia e a descoberta de que o cheque era "frio", era o suficiente para o trânsito da mercadoria (arroz), nos postos de fiscalização, já que era apresentada uma guia paga e autenticada, a princípio. Posteriormente, os fiscais começaram a observar que, embora a guia estivesse quitada, no sistema da Receita não havia registro do pagamento, ou seja, a guia é que estava adulterada, registrando uma operação que na realidade não havia ocorrido.

Há farta prova documental e testemunhal esclarecendo bem os contornos das fraudes, além de interceptações telefônicas, tudo confirmando a estreita relação entre o apelante Paulo e os "laranjas", principalmente Moisés Nascente, Leonel de Almeida Espíndola, Luciano Souza dos Santos, Sheila Victorino Borges, a mãe dela, Zenaide Terezinha Victorino, que concordaram em "emprestar" seus nomes e dados de identificação ao réu Paulo, para que abrisse novas empresas e seguisse trabalhando, a cada vez que as fraudes no pagamento de ICMS eram descobertas.

Moisés Nascente foi ouvido em juízo (fls. 2641/2650), confirmando que "emprestou" seu nome para o réu abrir uma firma, com a promessa de que teria um bom salário e que se manteria com a aposentadoria que estava próxima. Comentou sobre outros "laranjas", explicando que Sheila era sua vizinha, Zenaide era mãe dela e que o réu teria aberto empresas nos nomes das mesmas, sem que soubessem, o que aconteceu também no caso de "Iara", que se presume tratar-se de Iara Lúcia Souza da Silva, titular de uma das empresas constituídas pelo réu.

Leonel Espíndola, outro "laranja", também prestou depoimento, fls. 2651/2658, confirmando que concordou com a proposta do réu, de abrir uma empresa em seu nome, e em troca, recebia "uns trocos de vez em quando". Contou que apenas assinava papéis, mas nem sabia que tinha conta bancária em seu nome, nem o nome das empresas de que era titular. Ainda, esclareceu que indicou outro indivíduo, o "laranja" Luciano, ao réu, para que pudesse abrir mais uma empresa.

Sustenta a defesa, que as guias de ICMS não foram pagas diretamente pelo réu, havendo "nebulosidades" acerca das adulterações efetuadas. No entanto, difícil acreditar na versão do réu, de que desconhecia que as guias estavam sendo pagas com cheques, acreditando que era em dinheiro. O réu afirmou que quem realizava tais pagamentos seria um conhecido, chamado Pedro Bruch, mas quando prestou depoimento em juízo, Pedro referiu que apenas locou um imóvel para o apelante, sem ter contato algum com guias de ICMS. Além disso, na instrução também foi registrado o depoimento de Carlos Gilmar Roht (fls. 2577/2579), confirmando que o réu Paulo pagou duas guias de ICMS de sua empresa, vindo depois a descobrir que os cheques utilizados eram roubados. Reclamou ao apelante, que então lhe entregou cheques dele e da esposa, para quitar a dívida. Esse fato é mais uma prova de que o réu era o idealizador das fraudes que estavam sendo cometidas.

Assim, embora a defesa assinale que não ficou comprovado que o réu teve contato físico com os cheques, evidente que sabia do pagamento irregular, pois foi o maior beneficiado com esse procedimento, pois o uso das cártulas furtadas foi fundamental para iludir o Fisco. Era o réu quem administrava as empresas e controlava as operações realizadas. Logo, não haveria motivo para que outro realizasse os pagamentos, sem o seu conhecimento, pois as empresas beneficiadas, ou eram administradas pelo réu ou tinham algum tipo de relação comercial, cuja contraprestação, o réu cumpria pagando o ICMS devido pela empresa com a qual tinha negociado, ao invés de realizar pagamento em dinheiro. Ou seja, evidente que foi o mentor das fraudes, independente de realizar, ele mesmo, todos os atos executórios, componentes do esquema engendrado.

Outra alegação da defesa que não prospera, é que não teria resultado comprovado ter sido o réu quem assinou os cheques e quem falsificou as cartas-fiança, utilizadas para conseguir maior prazo para pagamento dos tributos. Tais questões são de menor importância, quando considerado que foi o réu o responsável por colocar em prática o esquema fraudulento. Logo, a falsificação dos cheques era apenas uma parte da execução da fraude fiscal, que o réu, se não preencheu as cártulas, mandou alguém fazê-lo, sob suas ordens. Além disso, carimbos de tabelionato, que estavam nas cartas-fiança, foram apreendidos no escritório do réu, conforme documento de fls. 2257, ilustrando que, na verdade, tais documentos foram confeccionados, ou pelo réu, ou a mando dele. De qualquer forma, o que sobressai, é que o mentor do esquema foi o apelante, haja vista o conteúdo das interceptações telefônicas, bem como os documentos apreendidos no seu escritório, além dos depoimentos colhidos durante a instrução.

Aduz a defesa que há empresas contabilizadas na planilha elaborada pela Secretaria da Fazenda, fls. 1490/vol. 5 - que traz todos os valores de tributo suprimidos - que não são aquelas geridas pelo réu (IL Souza da Silva, Mastersul Distribuidora de Carnes, Frigorífico Metade Sul Ltda., Luiz F. de Assis & Cia Ltda) e que, portanto, o valor total do débito seria inferior àquele apontado pelo Fisco. No entanto, essa questão em nada modifica a acusação contra o réu, pois o que está sendo discutido é a prática das fraudes, não os valores em si, cujo debate ocorre na esfera administrativa e depois, na ação de execução fiscal.

O apelante foi condenado pela prática dos delitos de receptação, fraude fiscal, estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso, na forma continuada. Porém, com razão a defesa, quando argumenta no sentido da aplicação do princípio da consunção, prevalecendo somente a prática do crime de fraude fiscal. Não se trata de delitos autônomos, pois todo o procedimento ilícito realizado visava à supressão do pagamento de ICMS, que era o objetivo primordial do esquema montado pelo réu.

Assim, devem ser afastadas as condenações, pelos delitos de receptação qualificada, estelionato, falsidade ideológica e uso de documento falso, restando apenas a sanção correspondente à fraude fiscal, art. 1º, incisos II e III, da Lei nº 8.137/890, ou seja, 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, devendo ser mantido o aumento pelo crime continuado, de 2/3 (dois terços), resultando numa pena definitiva de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão. Mantidas a pena de multa e o regime fechado, para cumprimento de pena, pois o réu é reincidente.

Deve ser afastada a majorante do grave dano à coletividade. No caso, os crimes foram praticados por empresas de pequeno porte, logo difícil aceitar que, com o inadimplemento de tributo de ICMS, consigam causar grave dano à coletividade. Ademais, é sabido que significativa parte dos valores finais apontados pela Fazenda, nos autos de lançamento, corresponde à cobrança de pesadas penalidades, espelhando, na verdade, a voracidade do Fisco que, muitas vezes, aplica multas superiores ao valor do próprio débito em questão. Por conseguinte, considerando que o montante final apurado, certamente não corresponde ao que se deixou de recolher aos cofres públicos, deve ser afastada a majorante do art. 12, da Lei nº 8.137/90.

Ainda, assiste razão à defesa, quanto ao afastamento da indenização pelos prejuízos causados aos lesados, aplicando o art. 387, inciso IV, do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08. Com efeito, para fixação da indenização, mister a discussão, durante o processo, do montante a ser fixado, para que os princípios da ampla defesa e do contraditório não sejam violados. Nesse sentido, explica Guilherme Nucci (Código de Processo Penal Comentado, 2008, p. 691), que "é fundamental haver, durante a instrução criminal, um pedido formal para que se apure o montante civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido, por seu advogado (assistente de acusação), ou do Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa. "Além disso, trata-se de norma processual de conteúdo material, não podendo retroagir para prejudicar o réu, pois os fatos são anteriores a agosto de 2008, data em que entrou em vigor o dispositivo. Logo, por esse viés, a aplicação dessa regra também é inviável. Assim, deve ser afastada a indenização destinada ao lesado, pelos prejuízos porventura sofridos, fixada na sentença com base no art. 387, inciso IV, do CPP.

Por tais fundamentos, voto pelo parcial provimento do recurso.

DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO (REVISOR)

Na verdade, a agravante contemplada no inciso I do art. 12 da Lei n° 8.137/90 apresenta-se cabalmente caracterizada, visto que o apelante causou um prejuízo aos cofres públicos, de fevereiro a junho de 2008, de R$ 776.168,55 (setecentos e setenta e seis mil, cento e sessenta e oito reais e cinquenta e cinco centavos), o que ocasionou um grave dano à coletividade, que se viu privada de recursos que viriam em seu benefício.

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE)

Com a vênia do Des. Constantino, vou acompanhar o Des. Gaspar. Também afasto, pois já havíamos estabelecido isso. No restante, também estou acompanhando integralmente.

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO - PRESIDENTE - APELAÇÃO CRIME Nº 70029437530, COMARCA DE PORTO ALEGRE: À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA, PARA REDUZIR A PENA PRISIONAL IMPOSTA, PARA QUATRO ANOS E DOIS MESES DE RECLUSÃO, ARREDADA A INDENIZAÇÃO, E, POR MAIORIA, AFASTAR O GRAVE DANO À COLETIVIDADE, VENCIDO NESTA PARTE O DES. CONSTANTINO, NOS TERMOS DOS VOTOS PROFERIDOS EM SESSÃO.

JULGADOR(A) DE 1º GRAU: CARLOS FRANCISCO GROSS

PUBLICAÇÃO: DIÁRIO DE JUSTIÇA DO DIA 25/11/2009




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