Presença de corpo estranho em pó para "milk-shake". Efetiva ingestão laudo técnico. Dano moral caracterizado.
Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRESENÇA DE CORPO ESTRANHO EM PÓ PARA "MILK-SHAKE" - EFETIVA INGESTÃO LAUDO TÉCNICO - DANO MORAL CARACTERIZADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS. - A responsabilidade do fabricante é objetiva, conforme art. 12 da Lei 8.078/90, respondendo por indenização se encontrado corpo estranho em produto de sua fabricação.- Comprovado, de forma suficiente, que o produto apresentava conteúdo impróprio para consumo - réptil lacertílio, da ordem dos gecomídeos, vulgarmente conhecido como lagartixa, e tendo os autores menores ingerido parte do produto contaminado (milk-shake), antes de constatada a sua presença, a causar repugnância e nojo, induvidosa a caracterização do dano moral indenizável.- O dano moral decorre da quebra de confiança em produto de marca conhecida, e do sentimento de vulnerabilidade e impotência dos consumidores diante de produto inadequado, destinado ao consumo.- O arbitramento do montante indenizatório, por dano moral, deve ter como parâmetro, dentre outros aspectos, as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, os prejuízos morais sofridos pelo ofendido, sendo a orientação unânime da doutrina e da jurisprudência que o juiz deve, ainda, estar atento e ponderar as circunstâncias de cada caso concreto, segundo os critérios de apreciação eqüitativa, cuidando para que o valor indenizatório não seja tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.02.868628-5/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): BRETZKE ALIMENTOS LTDA - APELADO(A)(S): JORGE DIEGO GOMES OLIVEIRA E OUTRO(A)(S) - RELATOR: EXMO. SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 9ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 03 de novembro de 2009.
DES. TARCISIO MARTINS COSTA - Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. TARCISIO MARTINS COSTA:
VOTO
Cuida-se de recurso de apelação interposto por Bretzke Alimentos LTDA, contra sentença proferida pelo digno Juiz da 32ª vara Cível da Comarca desta Capital, proferida nos autos da ação de indenização por danos morais, manejada por Jorge Diego Gomes Oliveira e Jennifer Tamara Gomes Oliveira, menores impúberes, representados por seu genitor, Jorge Alves de Oliveira, em face de Mercantil Brupe LTDA e Bretzke Alimentos LTDA, que excluiu da lide a primeira requerida e julgou procedente o pedido autoral, em relação à segunda, condenando-a ao pagamento da indenização, no valor de R$ 5.000,00, corrigida e acrescida de juros moratórios, a contar da publicação da decisão, além do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20%, do valor da condenação (f. 245-249).
Consubstanciado seu inconformismo nas razões recursais de f. 252-257, pretende a apelante a reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, que, tendo pugnado pelo depoimento pessoal do pai dos autores, e, não tendo este comparecido, nada obstante intimado, deve ser aplicada a pena de confissão, prevista no §2º, do art. 343, do CPC; que os produtos de sua fabricação passam por rigoroso controle de qualidade, nas várias etapas do processo de industrialização, impedindo irregularidades como a que ocorreu. Afirma que, apesar do consumo pelos autores, não ficou comprovada a existência de nenhum dano, nem mesmo o nexo de causalidade entre o suposto dano e o produto, porquanto levada a menor Jennifer ao Hospital "João XXIII", não se constatou prejuízo algum à sua saúde.
Requer, por fim, caso mantida a r. decisão, que seja reduzida a indenização arbitrada, porquanto fixada em valor excessivo.
Contra-razões em óbvia infirmação, pugnando pelo desprovimento do apelo e prestígio da sentença (f.263-266).
Remetidos os autos à D. procuradoria de Justiça, opinou o ilustre Procurador, Dr. Olavo Freire, em seu bem lançado parecer, pela manutenção na sua inteireza, da r. decisão monocrática (f. 276-280)
Presentes os pressupostos subjetivos e objetivos de sua admissibilidade, conhece-se do recurso.
Preliminares não foram trazidas, nem as vi de ofício a serem enfocadas.
Cuida-se de ação de indenização por danos morais proposta por Jorge Diego Gomes Oliveira e Jennifer Tamara Gomes Oliveira, menores, representados por seu genitor, Jorge Alves de Oliveira, em face de Mercantil Brupe LTDA - Supermercados BH, e Bretzke Alimentos LTDA, alegando que, após a aquisição junto ao primeiro requerido, em agosto de 2007, de um pó para milk-shake instantâneo "Xuky", da marca Bretzke, e terem os menores consumido parte do produto, constatou-se a existência de uma "lagartixa", no interior do pote, junto ao pó petrificado. Tal fato levou o genitor dos infantes, a procurar o Hospital "João XXIII", para avaliação e medicação da menor Jennifer, o que teria lhe acarretado danos a seu patrimônio imaterial. Requer, assim, a condenação dos requeridos ao pagamento da indenização por danos morais, além dos ônus sucumbenciais e publicação do fato, em jornal de grande circulação, para conhecimento de outros consumidores.
O MM. Juiz singular, após excluir da lide o primeiro requerido - Mercantil Brupe LTDA, julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a empresa Bretzke Alimentos LTDA, fabricante do produto, ao pagamento de indenização, no importe de R$ 5.000,00, além dos ônus sucumbenciais, indeferindo, outrossim, a pretendida publicação do fato nos jornais.
Analisando detidamente o caderno processual, tenho que a r. sentença atacada merece confirmação, tendo seu douto prolator conferido correto desate à causa.
É importante assinalar, de princípio, que o ordenamento civil brasileiro adotou, como regra, a teoria subjetiva ou da culpa. Ou seja, na regra geral, a responsabilidade civil se fulcra na culpa em sentido lato - dolo ou culpa strictu sensu - do agente que responde. Assim, a ação culposa e o nexo físico causal, entre a conduta antijurídica do agente e o evento, nem sempre são suficientes à responsabilização civil, com efeitos ressarcitórios.
A lição é de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em Responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 83:
"Na etiologia da responsabilidade civil, como visto, são presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista, porque sem eles não se configura: a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e o nexo de causalidade entre uma e outro. Não basta que o agente haja procedido contra o direito, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um 'erro de conduta'; não basta que a vítima sofra um 'dano', que é o elemento objetivo do dever de indenizar, pois se não houver um prejuízo a conduta antijurídica não gera obrigação ressarcitória".
O ordenamento jurídico conhece, entretanto, como exceção, tal como previsto nos arts. 12 e 14 do CODECON, a responsabilidade objetiva, ou seja, aquela que emerge prescindindo de culpa do agente, bastando o nexo causal entre a sua ação ou omissão e o dano causado.
Os autores alegam, representados por seu genitor, que, após ter este adquirido, em 12/08/2007, um dos produtos fabricados pela ré Bretzke Alimentos LTDA, consistente em um pó instantâneo para milk-shake, da marca XUKY, percebeu-se a presença de um corpo estranho, junto a parte do pó já petrificado, o que lhes causou grande repulsa, mesmo porque os menores já haviam consumido parte do produto, motivo pelo qual aviaram a presente ação indenizatória.
Cediço é que se trata de relação de consumo, devendo a responsabilidade da requerida ser analisada objetivamente, nos termos dos art. 12 e 13, do CDC. Verbis:
"Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção montagem, fórmulas, manipulação, apresentação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação. (...) § 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, defeito inexiste;
III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Como se vê, o fabricante do produto responde, independentemente, da existência de culpa, pelos danos causados aos consumidores em razão de defeitos e/ou vícios existentes.
O fabricante, construtor, produtor ou importador só não será responsabilizado, quando provar que não colocou o produto no mercado; ou, embora o tenha feito, o defeito inexiste, ou haja culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
A responsabilidade do fabricante decorre da violação do dever de fabricação de produtos íntegros para o consumo, do dever de segurança mercantil, do dever de proteção e manutenção da qualidade, surgindo a obrigação de indenizar se houver liame entre o vício existente e o dano sofrido pela vítima em razão dele.
Destarte, para averiguar a responsabilidade da requerida apelante, basta a sua comprovação e do dano sofrido pelas vítimas, existindo o liame causal entre ambos.
É incontroverso que a recorrente é a fabricante do produto consumido pelos menores, autores da ação, representados por seu genitor, que o adquiriu no "Supermercado BH", sendo, também, incontroversa a presença de uma "lagartixa", no pó para milk-shake XUKY, conforme emerge do laudo do Instituto de Criminalística (f. 146-151).
Lado outro, ao consumidor compete provar, tão somente, o dano que sofreu e o nexo causal entre ele e o produto adquirido.
Deve-se reconhecer a presença de dano à integridade psicológica dos recorridos, e de toda a sua família, ao ver que consumiram produto contaminado por um réptil, "lacertílio", da ordem dos "gecomídeos", vulgarmente conhecido como "lagartixa".
A presença de um corpo estranho no produto a ser consumido, ou cujo consumo já tenha se iniciado, conforme claramente demonstraram os ilustrativos fotográficos de f. 148-151, ocasiona sensibilidade razoável, além do sentimento de repugnância, insegurança e vulnerabilidade.
A confiança nos fabricantes e fornecedores é um aspecto fundamental na utilização dos seus produtos, por não dispor os consumidores de conhecimento técnico ou científico que lhes permita avaliar a qualidade dos bens adquiridos.
A partir da ruptura dessa relação de confiança, advém a sensação inquietante de medo e impotência, isto porque o consumidor não tem controle algum sobre a maioria dos produtos que adquire, dependendo daquela confiabilidade transmitida por marcas notórias e respeitadas.
Confira-se, no tema, o trato jurisprudencial:
"INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE CIVIL - DANO MORAL - CONSUMIDOR QUE INGERE REFRIGERANTE COM CORPO ESTRANHO, DE APARÊNCIA ABJETA - REPUGNÂNCIA E TRANSTORNOS PSICOSSOMÁTICOS EXPERIMENTADOS - VERBA DEVIDA - AÇÃO JULGADA EM PARTE, PROCEDENTE.Sofre induvidoso dano moral, susceptível de reparação, o consumidor que ingere refrigerante com corpo estranho, cuja aparência abjeta lhe provoca repugnância e transtorno psicossomáticos" (TJSP - 6ª C. Dir. Privado - Ap. 78.455-4 - Rel. César Peluso - j. 21.12.1999 - JTJ-LEX 230/96).
"TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE EMPRESA DE TRANSPORTE AÉREO. FORNECIMENTO DE ALIMENTAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. MÁ-EXECUÇÃO. DANO MORAL. Danos morais. Passageira que, durante vôo comercial, é surpreendida com a presença de inseto na comida que lhe foi servida pela transportadora. Notório defeito na prestação do serviço prestado por esta, em que se inclui o fornecimento de refeições aos viajantes. Responsabilidade civil não elidida por qualquer das causas de afastamento da mesma. Sentença condenatória. Parcial reforma do julgado, apenas para reduzir o valor da condenação." (TJRS - 10ª Câm. - AC 70002240265 - Rel. Des. Luiz Ary Vessini de Lima, j. 04.10.2004).
No caso, o laudo do Instituto de Criminalística (f. 146-151),ao responder os quesitos formulados pelas partes, comprova indene de dúvidas a existência de uma "lagartixa" no produto, o que o tornou impróprio para consumo.
"QUESITOS FORMULADOS PELO RÉU
(...)
2- Efetivamente existe algum elemento estranho no produto fabricado pela empresa ré?
2- Sim. Foi constatado um réptil Lacertílio da ordem dos Geconídeos (lagartixa), medindo aproximadamente doze centímetros de comprimento.
(...)
7- A lagartixa em contato com o produto (pó), pode causar algum dano à saúde?
7- Sim. Investigações epidemiológicas demonstram que algumas lagartixas podem ser vetores de bactérias, como por exemplo as do gênero Salmonella, causadoras de distúrbio gastrointestinal.
(...)
QUESITOS FORMULADOS PELO AUTOR
- Pode o Sr. Perito informar se o produto (pó) industrializado "Milk-shake" objeto da ação, nas características apresentadas é impróprio ao consumo?
- A presença de qualquer corpo estranho torna o produto impróprio ao consumo. Vide resposta ao quesito 07 formulado pelo réu." (f. 146-147)
E não há se falar, ainda, em pena de confissão aos autores, de que o referido réptil teria adentrado na embalagem do produto, quando de seu consumo pelos autores, pelo fato de não ter sido colhido o depoimento do genitor dos infantes, como tenta fazer crer a recorrente.
É de se ver que a requerida não se desvencilhou do ônus de demonstrar os fatos impeditivos do direito dos autores, nada comprovando até mesmo através de prova pericial, que o produto teria sido, de alguma forma, adulterado pelos requerentes.
Não havendo, pois, provas da culpa exclusiva das vítimas ou de qualquer outra excludente da responsabilidade objetiva, resta evidente que a contaminação do produto, com o corpo estranho, se deu em uma das etapas de sua fabricação, devendo a requerida/apelante ser responsabilizada por haver colocado produto impróprio para o consumo no mercado.
Por tais e bastantes motivos, indene de dúvidas a sua responsabilidade civil, estando caracterizado, por conseguinte, o dever indenizatório pelos danos causados.
Não há como negar a existência dos danos morais e sua presunção é jure et de juris, pois irrefutável a ofensa à dignidade dos consumidores, ainda mais, levando-se em conta se tratar de menores, pessoas em formação e desenvolvimento, expostos à ingestão de um produto contaminado por um réptil repulsivo, além de submetidos à sensação de repugnância e nojo.
Assentada a responsabilidade da recorrente, melhor sorte não a assiste, quanto a almejada redução do valor indenizatório.
Tem-se que o seu arbitramento deve ter por parâmetro, dentre outros aspectos, as condições da vítima e do ofensor, o grau de dolo ou culpa presente na espécie, os prejuízos morais sofridos pela vítima, sendo a orientação unânime da doutrina e da jurisprudência que o juiz deve estar atento e ponderar as circunstâncias de cada caso concreto, segundo os critérios de apreciação eqüitativa.
Segundo tais critérios, tem-se que a indenização não deve ser tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, mas, também, não pode ser tão pequena que se torne inexpressiva.
No caso, considerando os critérios já enfocados, tenho que se afigura adequada às condições factuais que propiciaram o dano e à situação econômica da ofensora e dos ofendidos, a fixação do quantum indenizatório pelo d. Magistrado a quo, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), importância que entendo justa e razoável, apta a atingir os objetivos acima explicitados.
Com essas considerações, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso, mantendo-se incólume a r. sentença de primeiro grau, por seus e por estes fundamentos.
Custas recursais pela apelante.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): JOSÉ ANTÔNIO BRAGA e GENEROSO FILHO.
SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.
Data da Publicação: 09/12/2009
JURID - Presença de corpo estranho em pó para "milk-shake". [17/12/09] - Jurisprudência
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