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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

JURID - Sentença. Nova definição jurídica do fato. [17/12/09] - Jurisprudência


Sentença. Nova definição jurídica do fato. Hipótese de mutatio libelli.
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Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 591.077-2, DE JOAQUIM TÁVORA, VARA CRIMINAL.

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

APELADO: ANDERSON APARECIDO DOS SANTOS

RELATOR: DESEMBARGADOR LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO

SENTENÇA - NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA DO FATO - HIPÓTESE DE MUTATIO LIBELLI - INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ARTIGO 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU - NULIDADE DA SENTENÇA DECRETADA DE OFÍCIO.

1. Face ao instituto da mutatio libelli, o fato não descrito, explícita ou implicitamente, na denúncia só poderá ser apreciado pela sentença após cumprida as providências exigidas pelo art. 384 do Código de Processo Penal.

2. Mesmo que os fatos hajam sido convenientemente esclarecidos no decorrer da instrução, nula é a sentença que se fundamenta em situação diversa da imputada na denúncia sem prévia observância do disposto no art. 384 do Código de Processo Penal.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal nº 591.077-2, de Joaquim Távora, Vara Criminal, em que é apelante Ministério Público do Estado do Paraná e apelado Anderson Aparecido dos Santos.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná, em face da r. sentença de fls. 99/109, que julgando parcialmente procedente a denúncia, condenou o acusado Anderson Aparecido dos Santos como incurso nas sanções penais do art. 180, caput do Código Penal, à pena de 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime semiaberto, em razão da reincidência e, cumulativamente, ao pagamento de 12 (doze) dias-multa.

Em suas razões recursais, afirma, em síntese, existirem provas suficientes para embasar a condenação do apelo nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso I, do Código Penal.

Contra-arrazoado o recurso, foram os autos remetidos a esta Corte de Justiça.

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso.

É O R E L A T Ó R I O.

2. Preliminarmente, curial frisar que o magistrado de primeiro grau, por ocasião da prolação da sentença, com fulcro no artigo 383 do Código de Processo Penal, alterou a classificação do delito inicialmente atribuída ao apelado na denúncia (furto qualificado) para o crime de receptação, sem, contudo, oportunizar à defesa prazo para que se pronunciasse a respeito, nos estritos termos do caput do artigo 384 do Código de Processo Penal, pois que na hipótese não cuida-se de emendatio libelli, na medida em que os fatos não estão descritos na peça acusatória, mas sim de mutatio libelli.

3. Com efeito, o instituto da mutatio libelli, insculpido no caput do art. 384 da lei de ritos, corresponde a providência a ser tomada pelo magistrado, no intuito de adequar o fato descrito na acusação para inclusão de parcela do evento naturalístico ocorrido e não descrito em todos os seus detalhes na inicial acusatória.

Referida medida deve ocorrer sempre que houver a mera possibilidade de complementação fática do inicialmente narrado na peça acusatória, em virtude das provas colhidas nos autos, a fim de permitir uma adequada capitulação do fato e, de conseqüência, dando plena ciência ao acusado do fato lhe imputado, em cumprimento ao princípio da ampla defesa, bem como, dando plena aplicabilidade ao postulado da correlação.

Acerca do tema, lapidar a doutrina de Fernando Capez:

A providência prevista no citado dispositivo processual é obrigatória mesmo que deva ser aplicada ao acusado pena menos grave. Logo, caso verifique o magistrado que os fatos criminosos comprovados são diversos daqueles descritos na inicial, não pode ele absolver de imediato o réu, mas agir na forma do art. 384. Caso o condene sem adoção da providência prescrita, em regra é nula a decisão, pois o acusado tem o direito de saber qual é a nova acusação para que possa defender-se. (in Curso de Processo Penal, 12ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2005, p. 399).

Fernando da Costa Tourinho Filho no mesmo sentido preleciona:

Evidente que, nessa hipótese, se, com a nova capitulação, a pena agravar-se, ou diminuir, ou, ainda, permanecer inalterada, não pode o Juiz proferir sentença condenatória sem que se tomem certas providências. Nem teria sentido pudesse fazê-lo, pois tal medida implicaria uma violentação ao direito de defesa. Se deve haver correlação entre sentença e fato contestado e se este é o descrito na peça acusatória, pois a contestação versou sobre ele, seria profundamente estranho que, no curso da demanda, surgisse prova a respeito de uma elementar sobre a qual não houve contestação (nem podia haver, pois a denúncia ou queixa a omitiu) e o Juiz pudesse condenar o réu por esse fato, já agora profundamente alterado. Estaria ele saindo daquele perímetro traçado pela imputação contida no pedido acusatório. O julgamento, à evidência, seria ultra petitum. (in Processo Penal, v. 4, 23ª ed., São Paulo, Editora Saraiva, 2001, p. 251).

Também Ada Pellegrini Grinover assim expõe:

Se a pena for igual ou menor, aplica-se o art. 384, caput, segundo o qual o juiz baixará os autos a fim de que a defesa, no prazo de oito dias, fale e, se quiser, produza prova, podendo ser ouvidas até três testemunhas. Nesse caso, a lei não exige aditamento pelo promotor, mas nada impede que seja realizado. Questão delicada consiste em saber como deve o juiz se manifestar quando baixa os autos. É certo que não deverá antecipar o seu julgamento, mas, por outro lado, tem o réu o direito de saber por que há a possibilidade de condenação diversa daquela postulada pela acusação. A manifestação judicial muito genérica, vazia, prejudica a defesa, podendo dar causa a nulidade. Deve o magistrado, de maneira singela, sem aprofundamento, sem avaliação prévia, mencionar quais são as circunstâncias que, em face da prova, podem alterar a definição jurídica do fato. Adotada a providência do art. 384, o réu pode ser condenado tanto pela imputação inicial, que subsiste, como pelo fato diverso referido na manifestação judicial. (in As Nulidades no Processo Penal, 8ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.269/270).

A mera possibilidade de nova definição jurídica do fato gera dever ao juiz de aplicar o artigo 384 do Código de Processo Penal, sob pena de incidir em nulidade, até mesmo para não tolher, em eventual recurso, a amplitude de conhecimento sobre a matéria pelo Tribunal, vez que é cediço que o instituto da mutatio libelli não pode ser aplicado pelo Tribunal.

Todavia, a aplicação da mutatio libelli não implica, necessariamente, em nova e irreversível capitulação do crime ou em vinculação do acusador ou do juiz, mas apenas em complementação dos elementos fáticos contidos na acusação.

Aliás, sobre este ponto a jurisprudência tem assentado:

Ao proferir o mencionado despacho, reconhecendo a possibilidade de nova definição jurídica do fato, o juiz nada julga, apenas amplia o quadro acusatório, podendo proferir decreto condenatório, tanto pela infração prevista na denúncia como por aquela eventualmente apontada nesse despacho, ou, até mesmo, por ambas. (TJSP - Rev. - rel. Denser de Sá - RJTJSP 57/389).

As medidas previstas no art. 384 e seu parágrafo único, do CPP são determinadas me face de mera possibilidade de nova definição jurídica do fato, sem implicar em nova e irreversível capitulação do crime ou em vinculação do acusador ou do juiz. Assim, nula não é a sentença que, desprezando aditamento formulado à denúncia, acolhe a capitulação originariamente contida na peça vestibular. (TACRIM-SP - Rev. - rel. Dínio Garcial - JUTACRIM-SP 26/67).

O juiz, ao lavrar a sentença, não está obrigado a orientar-se por despacho que entrevia possibilidade de nova classificação jurídica dos fatos. (TACRIM-SP - AP - rel. Djalma Lofrano - JUTACRIM-SP 68/470).

SENTENÇA - NOVA DEFINIÇÃO DO FATO - MINISTÉRIO PÚBLICO QUE APELA DA DECISÃO QUE O RECONHECE, PRETENDENDO O RESTABELECIMENTO DA CLASSIFICAÇÃO PRIMITIVA. NÃO CONHECIMENTO.

- A providência facultada no art. 384 do CPP é despacho irrecorrível com que apenas se reprime um desvio da sentença ante a possibilidade de novo enquadramento jurídico dos fatos. Trata-se de decisão sem força definitiva, por isso, que uma vez cumpridas as formalidades apontadas em mencionado dispositivo instrumental, não fica o juiz adstrito à nova definição jurídica aventada, de tal modo que lhe será lícita, reexaminando a prova, a aplicação da pena segundo a classificação primitiva. (TACRIM-SP - AP - rel. Correa de Moraes - RJD 7/162).

4. No caso dos autos, induvidoso que o magistrado, por ocasião da prolação da sentença, procurou adequar o fato descrito na acusação, para inclusão de parcela do evento naturalístico aparentemente ocorrido e não descrito em todos os seus detalhes na inicial acusatória.

No entanto, antes de proferir a sentença, incumbia ao magistrado de primeiro grau, a fim de não incidir em nulidade, baixar o processo para que a defesa do réu se pronunciasse acerca da complementação dos fatos exordialmente narrados, no prazo de 8 (oito) dias, nos estritos termos do caput do mencionado artigo 384, mormente porque tal atitude, como anteriormente afirmado, não implicaria em nenhuma forma de vinculação de sua futura decisão e permitiria um amplo conhecimento da matéria pelo Tribunal em caso de recurso, ressaltando que à época da edição do decisum, em 18 de setembro de 2006, não se encontrava em vigência a nova redação dada pela Lei nº 11.719/2008.

Não tendo assim procedido, não resta outra alternativa salvo decretar a nulidade da sentença proferida às fls. 138/146, por motivo de error in procedendo.

Sobre esta hipótese de nulidade, tem os tribunais assentado:

Mesmo que os fatos hajam sido convenientemente esclarecidos no decorrer da instrução, nula é a sentença que se fundamenta em situação diversa da imputada na denúncia sem prévia observância do disposto no art. 384 do CPP. (TACRIM-SP - AP - rel. Cid Vieira - RT 555/377).

É defeso ao magistrado apresentar em sua sentença uma mutatio libelli, sem aplicar o disposto no art. 384 do CPP. (TACRIM-SP - AP - rel. Geraldo Gomes - JUTACRIM-SP 65/297).

Absolutamente nula a sentença, por violar o direito de defesa, se der aos fatos definição jurídica não contida na denúncia ou queixa, sequer implicitamente, sem antes facultar ao acusado oportunidade de se defender nos termos do art. 384 do CPP. (TJSP - 3ª C. - Rec. - rel. Gonçalves Nogueira - j. 04/06/1996 - RT 732/621).

O aditamento da denúncia, sem observância do disposto no art. 384, parágrafo único, do CPP, ficando o réu privado de arrolar testemunhas, se quiser, acarreta a nulidade do processo, por cerceamento de defesa. (TJSP - AP - rel. Onei Raphael - RT 440/380).

Sendo possível nova qualificação do delito, reconhecida em tese pelo juiz, na medida em que passou a discutir acerca do elemento subjetivo da nova tipificação, mesmo sem ouvir previamente a defesa, a conclusão não poderia ser pela desclassificação da imputação atribuída ao réu. A análise do mérito só poderia se verificar após a observância da providência recomendada no artigo 384, caput, do Código de Processo Penal, sob pena de nulidade do julgado.

Por tais razões, decreto, de ofício, a nulidade da sentença, impondo-se a observância da regra do artigo 384 da lei de ritos, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, resutando prejudicado o exame do mérito recursal.

EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em decretar de ofício a nulidade da sentença, prejudicando o exame do mérito recursal, consoante enunciado.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Eduardo Fagundes e Marcus Vinícius de Lacerda Costa.

Curitiba, 10 de dezembro de 2009.

DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator

Publicado em 18/12/09




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