Jurisprudência Tributária
Tributário. Obrigação acessória. Apreensão de mercadorias.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.104.228 - TO (2008/0249724-0)
RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON
RECORRENTE: METSO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA E OUTROS
ADVOGADO: ROGERIO BORGES DE CASTRO E OUTRO(S)
RECORRIDO: ESTADO DO TOCANTINS
PROCURADOR: MARIA DAS GRAÇAS DE C BASTOS E OUTRO(S)
EMENTA
TRIBUTÁRIO - OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA - APREENSÃO DE MERCADORIAS - AUSÊNCIA DE AUTUAÇÃO - ILEGALIDADE - ACÓRDÃO - OMISSÃO - EXISTÊNCIA - NULIDADE NÃO DECRETADA - ART. 249, § 2º, DO CPC - SÚMULA 323/STF..
1.É ilegal a apreensão de mercadoria ainda que desacompanhada de nota fiscal se a Administração tributária não efetiva o ato administrativo de lançamento da penalidade e cobrança do tributo por consistir em sanção política, nos termos da Súmula 323/STF.
2. É condição de validade do ato tributário que importe em intromissão no direito de propriedade do sujeito passivo de obrigação tributária sua materialização formal em auto de infração, instrumento adequado à tipificação da conduta infracional que enseja a abertura de processo para a aplicação das sanções cabíveis, legitimada pelo exercício do contraditório em procedimento em que se assegure ampla defesa.
3. Irrazoabilidade da medida de apreensão pelo Estado de Tocantins, ainda que sob fundamento de antecipação de receita em regime de substituição tributária, na medida em que não figura no pólo ativo da obrigação tributária.
4. A perpetuação de omissão de questão relevante para o deslinde da causa é fundamento suficiente para a declaração de nulidade do acórdão embargado, desde que se possa julgar a lide em proveito da parte a quem ela aproveita, nos termos do art. 249, § 2º, do CPC.
5. Incabível recurso especial fundado em violação à legislação local (Súmula 280/STF) ou à norma constitucional, nos termos dos arts. 102 e 105 da Constituição Federal.
6. Sucumbência fixada em 20% do valor atribuído à causa devidamente corrigido nos termos da Súmula 162 do STJ.
7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília-DF, 1º de dezembro de 2009(Data do Julgamento)
MINISTRA ELIANA CALMON
Relatora
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: - Trata-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins assim ementado:
APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. FISCO ESTADUAL. MERCADORIA EM TRÂNSITO. IRREGULARIDADE CADASTRAL DO CONTRIBUINTE JUNTO À SECRETARIA DA RECEITA. APREENSÃO DA MERCADORIA. LEGALIDADE DA APREENSÃO.
A retenção das mercadorias - maquinário comercializado pelas impetrantes em trânsito pelo Estado - submetidas ao regime da substituição tributária, é perfeitamente admissível se constatada irregularidade na documentação fiscal.
Através dela preserva-se não só a utilidade prática do instituto da substituição tributária por antecipação de receita, qual seja, a própria "antecipação" da receita, como também se coíbe a perpetuação e proliferação das fraudes de sonegação do ICMS nos casos de recolhimento antecipado. (fl. 437)
Opostos embargos de declaração pelo particular (fls. 441/447) e pelo Estado do Tocantins (fls. 466/471). Os embargos do particular foram rejeitados sob fundamento de inexistência de omissão e os da Fazenda Pública estadual acolhidos para suprir contradição, consoante ementa transcrita a seguir:
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO. REEXAME DA CAUSA. NÃO CABIMENTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
- Erro material existente no acórdão deve ser corrigido, de ofício, a qualquer momento.
- Os embargos de declaração constituem recurso que visa corrigir omissões, obscuridade ou efetiva contradição existente no acórdão. São incabíveis quando opostos com o intuito de rever a decisão anterior, reexaminando ponto sobre o qual já houve pronunciamento claro. Recurso não provido. (fl. 474)
Irresignada, alega a recorrente a inadmissibilidade da apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, nos termos da Súmula 323/STF. Sustenta, outrossim, que o equívoco apontado na documentação fiscal refere-se à afirmação de que a recorrente Metso Brasil Indústria e Comércio Ltda estaria irregularmente constituída. Justifica afirmando que o atraso na formalização da pessoa jurídica é de responsabilidade da burocracia paulista, não se lhe podendo ser imputada.
Aponta a nulidade do aresto recorrido por negativa de prestação jurisdicional, afirmando que o Tribunal não se pronunciou sobre a necessidade de lavratura de auto de infração para justificar a apreensão e sobre o pedido de substituição do depositário do bem apreendido. Em face desse proceder, diz restarem malferidos os arts. 128, 165, 458, III e 535, II, do CPC.
Defende a nulidade da apreensão porque: i) nenhum tributo é devido ao Estado do Tocantins, estado de passagem, visto que as mercadorias são originadas do Estado de São Paulo e destinam-se ao Estado do Pará; ii) é ilegal a apreensão da mercadoria sem a lavratura de auto de infração, nos termos do art. 142 do CTN e da Lei 6.830/80; iii) é injurídica a apreensão da mercadoria sem regular procedimento administrativo em que se assegure ampla defesa e respeito ao contraditório.
Arrola acórdãos de vários tribunais locais e desta Corte para evidenciar a divergência jurisprudencial.
Diz ainda terem sido violados os arts. 33 a 35, 43, § 2º e 81 da Lei Estadual 1.288/2001, os arts. 5º, LIV, 94, 98 e 170 da Constituição Federal. (fls. 482/577)
Contrarrazões às fls. 627/634, nas quais se defende a inadmissão do recurso porque inexiste prequestionamento de questão federal e não foi evidenciado o dissídio jurisprudencial. No mérito, defende o acórdão hostilizado por entender inexistente violação à legislação federal.
Recurso especial inadmitido (fls. 644/645). Nos autos do Agravo de Instrumento 1052163/TO determinei a subida da irresignação para melhor exame.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA): - Inicialmente inviável o exame da legislação local e da análise de violação a normas constitucionais que extrapolam a competência jurisdicional desta Corte.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. VENDA A MENOR.
1. Esta Corte não admite o apelo especial interposto com base na alínea b do permissivo constitucional na hipótese em que se alega a invalidade de decreto estadual em face de lei federal.
2. A modificação do acórdão recorrido é inviável, em razão do óbice da Súmula 280 do STF e da impossibilidade de apreciação de dispositivo constitucional na seara de recurso especial.
3. Incide o óbice da Súmula 7/STJ quando a análise do recurso especial demandar o reexame do suporte fático-probatório.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 934.657/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 11/02/2009)
TRIBUTÁRIO - TAXA - EMPRESA PRESTADORA DE SERVIÇO DE TV A CABO - SÚMULAS 280, 282 e 284 DO STF - RECURSO ESPECIAL NÃO-CONHECIDO - QUESTÕES DEBATIDAS DE DIREITO LOCAL E CONSTITUCIONAL.
1. Hipótese em que, na origem, a ora agravante impetrou mandado de segurança para questionar a cobrança de retribuição pecuniária instituída pelo Decreto n. 18.627, de 24.5.2000, do Município do Rio de Janeiro, objetivando remunerar e ordenar a utilização do subsolo, mediante permissão de uso, para passagem de cabos de fibra ótica.
Sustenta a agravante que o referido Decreto seria ilegal e inconstitucional, pois violaria princípios tributários constitucionais, além de invadir a competência da União para regular o assunto.
2. O acórdão recorrido por especial manteve-se estritamente na análise de questões constitucionais alusivas à distribuição de competência legislativa dos entes federativos, especificamente dos Municípios, à luz do art. 30, I, II e VIII, da CF. Matéria estrita de índole constitucional que não pode ser conhecida em sede de recurso especial.
3. Também o Tribunal local arraigou-se em direito local, aplicando-se a Súmula 280/STF.
4. Alegação de violação dos arts. 97 do CTN e 1º da Lei n. 9.462/97. Matéria não prequestionada, sequer implicitamente. Aplicação da Súmula 282/STF.
5. Alegação genérica de violação do art. 97 do CTN. Aplicação da Súmula 284/STF.
6. Registro, en passant, de que o STJ vem decidindo em grau de recurso ordinário em mandado de segurança, no qual a matéria constitucional pode ser analisada, no sentido de que a cobrança de retribuição pecuniária pela utilização do solo urbano para passagem dos cabos e equipamentos de telecomunicações não representa invasão da competência da União para regular os serviços de telecomunicações.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 599.046/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2008, DJe 20/08/2008)
A perpetuação de omissão de questão relevante para o deslinde da causa é fundamento suficiente para a declaração de nulidade do acórdão embargado, desde que não se possa julgar a lide em proveito da parte a quem ela aproveita, nos termos do art. 249, § 2º, do CPC.
Os embargos de declaração são instrumento integrativo da decisão judicial. Visam escoimá-la de vícios que prejudiquem a efetivação do comando judicial, tais quais a obscuridade, a contradição e a omissão.
Diz-se omissa a sentença ou o acórdão que não aprecia a pretensão ou parte dela, ou ainda não analisa a causa sob o prisma de questão relevante. A relevância da questão surge da comprovação nos autos do fato jurídico (AgRg no Ag 960.212/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2008, DJe 28/04/2008) ou da correção da norma aplicável (EREsp 739.036/PE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/08/2006, DJ 20/11/2006 p. 262) . Por se tratar de conceito aberto é construído diuturnamente pela jurisprudência. Nessa hipótese, poder-se-ia denominá-los embargos prequestionadores, ex vi da Súmula 98/STJ.
Na espécie, a alegação da parte é de extrema relevância para o perfeito julgamento da controvérsia, pois o Supremo Tribunal Federal e esta Corte têm sedimentado entendimento de que a Administração não pode utilizar instrumentos de sanção política na cobrança de tributos, assim entendido todo aquele expediente dessarrazoado que implique em coerção para a cobrança de crédito tributário quando se encontra à disposição da Administração tributária meios expeditos para o exercício de sua pretensão.
Entretanto, não há porque declarar a nulidade da prestação jurisdicional porque no mérito a pretensão recursal encontra guarida na jurisprudência desta Corte, como se observa nos seguintes precedentes:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. MERCADORIA DESACOMPANHADA DE NOTA FISCAL. LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. APREENSÃO INDEVIDA. RECURSO PROVIDO.
1. É indevida a apreensão de mercadoria, ainda que transportada sem nota fiscal, quando houver a lavratura do auto de infração e o lançamento do tributo devido. Nesse sentido: RMS 24.838/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 9.6.2008; RMS 22.678/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 13.4.2007; RMS 21.489/SE, 2ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 9.10.2006.
2. Recurso ordinário provido.
(RMS 23.459/SE, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 22/06/2009)
PROCESSO CIVIL - TRIBUTÁRIO - ADUANEIRO - LIBERAÇÃO DE MERCADORIA SUSPEITA DE SUBFATURAMENTO - FRAUDE NÃO COMPROVADA - PENA DE PERDIMENTO - IMPOSSIBILIDADE - MULTA DO ART. 633 DO DECRETO N. 4.543/2002 - SÚMULA 323/STF - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 211/STJ - INOVAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS - IMPOSSIBILIDADE.
1. Só se justifica a retenção das mercadorias em infrações cominadas com a pena de perdimento de bens.
2. O subfaturamento de mercadorias importadas sem comprovação de fraude não enseja pena de perdimento de bens, mas sim a multa do art. 633 do Decreto n. 4543/2002 - Regulamento Aduaneiro.
3. É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Incidência da Súmula 323/STF.
4. A apresentação de novos fundamentos para viabilizar o conhecimento do recurso especial representa inovação, vedada no âmbito do agravo regimental.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1121145/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/09/2009, DJe 25/09/2009)
De fato, é condição de validade do ato tributário que importe em intromissão no direito de propriedade do sujeito passivo de obrigação tributária sua materialização formal em auto de infração, instrumento adequado à tipificação da conduta infracional que enseja a abertura de processo para a aplicação das sanções cabíveis, legitimada pelo exercício do contraditório em procedimento em que se assegure ampla defesa.
Ademais, mostra-se inadequada a medida de apreensão pelo Estado de Tocantins, ainda que sob fundamento de antecipação de receita em regime de substituição tributária, na medida em que não figura no pólo ativo da obrigação tributária.
Dissídio jurisprudencial prejudicado pela incidência da Súmula 83/STJ.
Sucumbência fixada, nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC, em 10% do valor atribuído à causa devidamente corrigido nos termos da Súmula 162 desta Corte.
Com estas considerações, conheço em parte do recurso especial e, nesta parte, dou-lhe provimento.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2008/0249724-0 REsp 1104228 / TO
Números Origem: 0500414300 472705 531902
PAUTA: 01/12/2009 JULGADO: 01/12/2009
Relatora
Exma. Sra. Ministra ELIANA CALMON
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO MARTINS
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE: METSO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA E OUTROS
ADVOGADO: ROGERIO BORGES DE CASTRO E OUTRO(S)
RECORRIDO: ESTADO DO TOCANTINS
PROCURADOR: MARIA DAS GRAÇAS DE C BASTOS E OUTRO(S)
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Infração Administrativa - Apreensão
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 01 de dezembro de 2009
VALÉRIA ALVIM DUSI
Secretária
Documento: 932897
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 14/12/2009
JURID - Tributário. Obrigação acessória. Apreensão de mercadorias. [16/12/09] - Jurisprudência
Nenhum comentário:
Postar um comentário