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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

JURID - Cláusula é considerada abusiva. [11/12/09] - Jurisprudência


É ilegal e abusiva cláusula que reajusta mensalidade do plano de saúde.


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE 1º GRAU EM MINAS GERAIS

AUTOS: 2006.38.00.715751-2

Ré: CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DE MINAS GERAIS

SENTENÇA Tipo A (Resolução 535/06 do CJF).

A autora pede tutela judicial que declare serem abusivos os reajustes praticados pela ré nas mensalidades de seu plano de saúde, em razão, exclusivamente, de alteração de faixa etária do segurado, e, por conseguinte, que se condene a ré na restituição do respectivo indébito.

Preliminar

Falta de interesse processual suscitada pela ré (contestação, fls. 149), sob alegação de que os reajustes em questão estariam em conformidade com o pactuado, confunde-se com o mérito, e, como tal, será analisada.

Prescrição

Não há que se falar em prescrição
, pois não transcorridos, desde o 1º evento impugnado pela autora - reajuste cobrado (princípio da actio nata) em junho de 2003, relativo à mensalidade de maio de 2003 -, até o ajuizamento da ação (art. 219 do CPC c/c Súmula 106 do STJ), sequer os 3 anos previstos no art. 206, § 3º, IV e V, do CC - norma aplicável segundo a ré (fls. 151). Muito menos o prazo do art. 27 da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor.

Mérito

Impende assinalar, inicialmente, a aplicabilidade, no caso, de disposições do Código de Defesa do Consumidor - CDC, haja vista a natureza da relação estabelecida entre as partes e, mais especificamente, do contrato firmado entre elas - plano de saúde -, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais - TRF's.

Confiram-se, por exemplo, os seguintes precedentes:

"ADMINISTRATIVO, DIREITO DO CONSUMIDOR, CIVIL (RESPONSABILIDADE CIVIL) E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DE ADVOGADOS. ÓRGÃO VINCULADO À OAB. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PLANOS DE SAÚDE. INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO. (...) O pedido de condenação solidária à reparação dos danos sofridos em decorrência do inadimplemento da obrigação encontra fundamento no art. 7º do Código de Defesa do Consumidor - aplicável aos planos de saúde nos termos do art. 35-G da Lei n. 9.656/98 -, bem como no art. 942 do Código Civil. (...)" (TRF da 1ª Região, AC 2004.38.00.012690-0/MG, Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira, 5ª Turma, e-DJF1 06/06/08);

"PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - CAARJ. CUSTEIO E FORNECIMENTO DE STENT FARMACOLÓGICO. CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA COBERTURA DE PRÓTESES. (...). INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA DE CONTRATO DE ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 47, DA LEI 8.078/90. (...) A priori, deve-se deixar assentado que o contrato de assistência médico-hospitalar encerra, à primeira vista, verdadeira relação de consumo, o que, por si só, tem o condão de submetê-lo ao regime jurídico instituído pelo Código de Defesa do Consumidor - Lei nº 8.078/90. (...)" (TRF da 2ª Região, AG 2005.02.01.012812-2/RJ, Relatora Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima, 5ª Turma, unânime, DJU 23/02/06).

Na espécie presente, a autora firmou com a ré, em 1996, contrato de prestação de serviços de assistência médica e hospitalar (fls. 20/26).

Em 2003, com aproveitamento de carências (fls. 30), houve a transferência (fls. 170/171) da autora para um "novo" plano, tendo sido celebrado pelas partes um "novo" contrato particular de prestação de serviços médicos, hospitalares, de diagnóstico e terapia (fls. 33) e o contrato de resgate de fls. 50.

Do "novo" contrato, celebrado em 2003, consta a seguinte cláusula:

"14.1 - As mensalidades são estabelecidas de acordo com a faixa etária de cada associado inscrito. Ocorrendo alteração na idade de qualquer dos associados que importe em deslocamento para a faixa etária superior, as mensalidades serão aumentadas automaticamente, no mês seguinte ao do aniversário do associado" (fls. 44).

A proposta de admissão - transferência relativa ao "novo" contrato firmado em 2003 contém previsão semelhante, inclusive da variação percentual (100,96%) referente à mudança da faixa etária de 59 para 60 anos (fls. 170).

Pois bem!

Segundo a Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, na redação da Medida Provisória 2.177-44/01:

"Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o disposto no art. 35-E.

Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores com mais de 60 de idade, que participarem dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, há mais de 10 anos".

No caso, o marido da autora, seu dependente no plano de saúde em questão, Sr. Antônio Ferreira Borges Neto, completou 60 anos de idade em maio de 2003 (fls. 171). Aplicado, então, à época, o reajuste de 100,96% na mensalidade relativa a esse associado, consoante previsto no "novo" contrato celebrado em 2003. É o que se infere dos documentos de fls. 53v, 55v e 57.

Da mesma forma, quando a autora completou 60 anos de idade, em janeiro de 2006 (fls. 171), a respectiva mensalidade também sofreu o supracitado reajuste de 100,96%, consoante se infere dos documentos de fls. 59v e 60v.

Numa análise superficial da questão, poder-se-ia entender que os reajustes ora questionados pela autora não encontrariam óbice legal, haja vista o disposto no supracitado art. 15 da Lei 9.656/98 e o fato de a autora ter firmado um "novo" contrato, em 2003, com expressa previsão de tais reajustes.

Impende reiterar, contudo, que o "novo" contrato celebrado entre as partes em 2003, dadas as circunstâncias de sua celebração, inclusive com aproveitamento de carências (fls. 178/179), consubstanciou, em verdade, mera transferência da autora para outro plano que, em tese, ser-lhe-ia - ou deveria ser! -, mais vantajoso. Documento carreado aos autos pela própria ré evidencia que a proposta de admissão da autora no "novo" plano nada mais seria do que sua transferência (fls. 170/171), re-ratificado, assim, o contrato celebrado em 1996.

E esse contrato, re-ratificado em 2003, celebrado entre as partes em 1996 - o "contrato inicial", nos termos do art. 15 da Lei 9.656/98 -, não previa as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas, consoante exigência expressa daquele dispositivo legal. Confira-se, a respeito, o documento de fls. 27.

Os reajustes questionados pela autora não encontram, portanto, em verdade, amparo no art. 15 da Lei 9.656/98.

Por sua vez, o percentual previsto e praticado pela ré nos reajustes em questão, perpetrados nas mensalidades devidas e pagas pela autora com base, exclusivamente, na mudança de faixa etária, no importe de 100,96%, afigura-se flagrantemente abusivo, por força do disposto no art. 6º, V, art. 39, IV e V, e art. 51, IV, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Não bastasse, a Lei 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, vigente a partir janeiro de 2004, ao tratar do direito dos idosos à saúde, estabeleceu expressamente que:

"Art. 15, § 3º - É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade".

O colendo Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a questão, pontificando, inclusive, serem ilegais e abusivos reajustes (da ordem de 100%) idênticos aos ora questionados pela autora:

"Direito civil e processual civil. Estatuto do Idoso. Planos de Saúde. Reajuste de mensalidades em razão de mudança de faixa etária. Vedação.

- O plano de assistência à saúde é contrato de trato sucessivo, por prazo indeterminado, a envolver transferência onerosa de riscos, que possam afetar futuramente a saúde do consumidor e seus dependentes, mediante a prestação de serviços de assistência médico-ambulatorial e hospitalar, diretamente ou por meio de rede credenciada, ou ainda pelo simples reembolso das despesas.

- Como característica principal, sobressai o fato de envolver execução periódica ou continuada, por se tratar de contrato de fazer de longa duração, que se prolonga no tempo; os direitos e obrigações dele decorrentes são exercidos por tempo indeterminado e sucessivamente.

- Ao firmar contrato de plano de saúde, o consumidor tem como objetivo primordial a garantia de que, no futuro, quando ele e sua família necessitarem, obterá a cobertura nos termos em contratada.

- O interesse social que subjaz do Estatuto do Idoso, exige sua incidência aos contratos de trato sucessivo, assim considerados os planos de saúde, ainda que firmados anteriormente à vigência do Estatuto Protetivo.

- Deve ser declarada a abusividade e conseqüente nulidade de cláusula contratual que prevê reajuste de mensalidade de plano de saúde calcada exclusivamente na mudança de faixa etária - de 60 e 70 anos respectivamente, no percentual de 100% e 200%, ambas inseridas no âmbito de proteção do Estatuto do Idoso.

- Veda-se a discriminação do idoso em razão da idade, nos termos do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, o que impede especificamente o reajuste das mensalidades dos planos de saúde que se derem por mudança de faixa etária; tal vedação não envolve, portanto, os demais reajustes permitidos em lei, os quais ficam garantidos às empresas prestadoras de planos de saúde, sempre ressalvada a abusividade. (...)" (REsp 989.380/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, unânime, DJe 20/11/08).

Em erudito voto, a Relatora Ministra Nancy Andrighi assentou, inclusive, que não importa se o usuário do plano atingiu a idade antes ou depois do Estatuto do Idoso; estará ele amparado, sempre, contra a abusividade de reajuste de mensalidade com base exclusivamente em mudança de faixa etária:

"Na hipótese em julgamento, a inserção e continuidade dos usuários do plano de saúde na condição de juridicamente idosos é utilizada pela recorrida como único fato motivador de majoração do valor da mensalidade, por mudança de faixa etária, baseada em contrato avençado antes do Estatuto do Idoso e da Lei dos Planos de Saúde.

O surgimento de norma cogente (impositiva e de ordem pública), posterior à celebração do contrato de trato sucessivo, como acontece com o Estatuto do Idoso, impõe-lhe aplicação imediata, devendo incidir sobre todas as relações que, em execução contratual, realizarem-se a partir da sua vigência, abarcando os planos de saúde, ainda que firmados anteriormente à vigência do Estatuto do Idoso.

Quando do julgamento do REsp 809.329/RJ, DJ de 11/4/2008, que envolveu semelhante questão, explicitei, em meu voto, que o art. 15 da Lei nº 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos.

Sob tal encadeamento lógico, o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades dos planos de saúde com base exclusivamente na mudança de faixa etária, por força das salvaguardas conferidas por dispositivos legais infraconstitucionais que já concediam tutela de semelhante jaez, agora confirmadas pelo Estatuto Protetivo" (voto no REsp 989.380/RN).

Acrescento, ainda, que deve ser considerada a diretriz insculpida no art. 230 da Constituição da República, incumbindo ao Estado, inclusive ao Judiciário, desdobrá-la em instrumentos específicos de concretização.

A prevalecerem os reajustes impugnados pela autora, tal como reconheceu o Min. Ari Pargendler em voto-vista proferido no REsp 809.329/RJ, estar-se-ia desestimulando o "segurado de manter o contrato precisamente quando sua idade autoriza a presunção de que precisará dele". Estar-se-ia, portanto, privilegiando a incidência de determinada norma (art. 15 da Lei 9.656/98) em detrimento de outra (Lei 10.741/03), que mais se coaduna com a orientação inserta no art. 230 da Constituição da República.

De notar, por fim, que, certamente em função da flagrante abusividade dos reajustes combatidos pela autora, bem como de seu reconhecimento na seara judicial, sobretudo pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, há planos de saúde que já deixaram de praticá-los, consoante documento apresentado pela autora às fls. 236/237. Certamente, sem qualquer prejuízo ao equilíbrio contratual propalado, em contestação, pela ré (fls. 161).

Em síntese: os reajustes praticados pela ré nas mensalidades pagas pela autora, em razão exclusivamente de mudança de faixa etária por parte da autora e de seu marido, associado ao plano, tidos como ilegais e abusivos, devem, por tal razão, ser desconsiderados.

O contrato firmado pela autora com a ré deve e deverá sofrer apenas os reajustes contratualmente previstos para todos os segurados do plano de saúde em questão, independentemente de mudança de sua faixa etária.

Os valores pagos pela autora por força de tais reajustes, desde junho de 2003, porque indevidos, deverão ser devolvidos, sem, no entanto, a dobra prevista no par. único do art. 42 do CDC, por se tratar de engano justificável, pretensamente amparado por contrato de adesão celebrado entre as partes.

Não se olvide, por derradeiro, que, segundo informação da própria ré, a autora "vem adimplindo o contrato, estando em dia com as obrigações pactuadas" (fls. 239); informação esta corroborada por documentos apresentados pela autora, referentes às mensalidades cobradas/pagas nos meses de julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2009 (fls. 287/291).

Dispositivo

Pelo exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos, para:

a) declarar a ilegalidade e abusividade da cláusula 14ª (fls. 44) do contrato celebrado entre as partes, bem como da cláusula 4.1 da respectiva proposta de admissão (fls. 170), que estipulam reajustes exclusivamente em razão de mudança de faixa etária, afastando, por conseguinte, os reajustes de 100,96% incidentes sobre mensalidades referentes ao plano de saúde da autora, devendo incidir, no caso, apenas os reajustes aplicáveis em geral a todos os consumidores do mesmo plano, independente da faixa etária;

b) condenar a ré a restituir à autora os valores cobrados/pagos relativos aos supracitados reajustes de 100,96%, desde junho de 2003, no total de R$42.655,91, atualizado até dezembro de 2009, devidamente corrigido até o efetivo pagamento. Correção monetária desde a cobrança/pagamento de cada parcela indevida pela Tabela da Justiça Federal até a citação. Da citação em diante, incidência, apenas, da taxa SELIC (art. 406 do CC), até o início da vigência da Lei 11.960/09. Após a vigência da Lei 11.960/09, correção monetária e juros moratórios nos termos do art. 5º da Lei 11.96/09 (índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança), que conferiu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, introduzido pelo art. 4º da MP 2.180-35/01. Tudo conforme cálculos da Contadoria, fls. 297, integrantes desta decisão.

"Não há vulneração ao princípio do contraditório pela ausência de vista sobre os cálculos quando estes, considerados da lavra do juízo, integram a sentença como resultado do convencimento, podendo eventual irresignação da parte em relação ao valor da condenação ser argüida em recurso, cabível nos termos do art. 41 da Lei 9.099/95" (Enunciado 34 das Turmas Recursais de Minas Gerais).

Dada a natureza da questão - direito à saúde -, bem como a ausência de previsão legal de recurso com efeito suspensivo, DETERMINO O IMEDIATO CUMPRIMENTO DESTA SENTENÇA, devendo a ré passar a emitir os boletos de cobrança em nome da autora com observância desta decisão, desconsiderando os reajustes praticados na mensalidade devida pela autora relativos à mudança de faixa etária da autora e de seu marido.

Para tanto, o Presidente da ré, ou seu eventual substituto, deverá ser intimado, por mandado, para pronto cumprimento desta decisão.

Sem custas e honorários, por força de lei, dada, ainda, a natureza de autarquia da parte ré, desde já reconhecida, inclusive para fins recursais. Após o trânsito em julgado, expeça-se requisitório para pagamento. Em seguida, ao arquivo.

P. R. I.

Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2009.

Eduardo Henrique Lauar Filho
Juiz da 31ª Vara Federal



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