Habeas corpus. Denunciação caluniosa. Ausência de alegação de ausência de justa causa para a persecução penal. Inexistência de dolo.
Superior Tribunal de Justiça - STJ.
HABEAS CORPUS Nº 135.305 - SP (2009/0082491-3)
RELATOR: MINISTRO FELIX FISCHER
IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: WALDOMIRO BUENO FILHO
PACIENTE: FÁBIO CESNIK
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE DOLO.
I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006).
II - No delito de denunciação caluniosa exige-se que haja por parte do agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa. Em outras palavras, deve o agente atuar contra a própria convicção, intencionalmente e com conhecimento de causa, sabendo que o denunciado é inocente. (Precedentes)
III - Desta forma, resta evidenciado, na hipótese, a atipicidade das condutas, o que torna imperioso o trancamento da ação penal.
Habeas Corpus concedido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
PRESENTE NA TRIBUNA: Dr. ALBERTO ZACHARIAS TORON (P/PACTE)
Brasília (DF), 03 de novembro de 2009. (Data do Julgamento).
MINISTRO FELIX FISCHER
Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de FÁBIO CESNIK e WALDOMIRO BUENO FILHO, em face de acórdão proferido pelo e. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, por maioria, denegou o writ.
Pelo que se depreende dos autos, foi realizado, pelo Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado do Vale da Paraíba (GAERCO-VP), do Ministério Público do Estado de São Paulo, um procedimento investigatório com a finalidade de apuração de atividades de organização criminosa denominada PCC. Neste procedimento, foi obtido, mediante autorização judicial, vários mandados para busca e apreensão de documentos e outros elementos de informação que auxiliassem a investigação. O mencionado mandado se referia a 17 endereços diversos, e foi cumprido no dia 18/08/06, com o auxílio das Promotoras de Justiça Andréia Regina Garibaldi e Vanessa Yoko Hatamoto Médici e cooperação da Polícia Militar. Apreendeu-se, dentre outros elementos, documentos diversos, drogas, munições, e CD´s.
Em razão de que parte do objetos apreendidos não foram apresentados na Delegacia de Jacareí pelas Promotoras, o paciente Fábio Cesnik, sob a orientação do paciente Waldomiro - seu superior hierárquico -, atuando na Função de Delegado da Polícia Civil, instaurou no dia 06/09/06, inquérito policial, para "elucidação dos fatos." No dia 12/09/06, paciente Fábio encaminhou os autos do inquérito à Presidência do TJ/SP, alegando ter constatado a ocorrência do crime do art. 356 do CP.
Os autos foram encaminhas à Procuradoria-Geral de Justiça, e lá se instaurou procedimento administrativo para investigar os fatos, tendo sido expedidas notificações solicitando esclarecimento. As Promotoras de Justiça prestaram o requerido esclarecimento e a representação foi arquivada, sendo que foi encaminhada cópia dos autos à Promotoria de Jacareí/SP, para averiguar eventual ocorrência de ilícito penal praticado pelo Delegado Fábio.
Houve, então, a instauração de inquérito policial, e posteriormente o oferecimento de denúncia contra os pacientes. Na peça acusatória, o Ministério Públicou imputou aos denunciados o crime do art. 339 do CP, considerando que Fábio Cesnik orientado por Waldomiro Bueno Filho, agiu dolosamente na instauração de inquérito policial, sabendo que as vítimas não haviam praticado crime algum, pois os documentos supostamente sonegados já haviam sido apresentados em Juízo no dia 31 de agosto de 2006, antes da instauração do inquérito policial. Consta ainda, na exordial acusatória, que os denunciados em momento algum procuraram entrar em contato com a Promotoria para obter informações acerca do destino da documentação, e que a instauração do inquérito se deu como forma de retaliação pelo motivo de que a Polícia Civil não foi previamente avisada do cumprimento do mandado de busca e apreensão, e de que haviam "notícias veiculadas na imprensa que atribuíam aos integrante do GAERCO-VP críticas à Polícia Civil."
A defesa apresentou habeas corpus perante o Tribunal a quo, pleiteando o trancamento da ação penal por ausência de justa causa. A ordem restou denegada, por maioria. Daí o presente writ em que se alega, em suma, a ausência de justa causa pela flagrante atipicidade da conduta do paciente, pois: a) não teria sido realizada a imputação de nenhum crime às promotoras, mas tão somente a instauração de investigação para "apuração dos fatos"; b) não houve a prática de nenhum ato investigatório, tendo sido o inquérito enviado ao TJ/SP 6 dias após sua instauração; c) ao contrário do que constou no v. acórdão atacado, nem todos os documentos apreendidos foram apresentados em Juízo; d) não havia dolo; e) o crime do art. 356 é próprio, só podendo ser praticado por advogados e procuradores, e não pelo Ministério Público; f) o paciente Waldomiro apenas tinha ciência dos fatos, não tendo praticado nenhum ato em relação às Promotoras de Justiça.
Liminar indeferida à fl.
Informações prestadas às fls. 944/945.
A d. Subprocuradoria-Geral da República se manifestou em parecer assim ementado:
"HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. VIA ELEITA INADEQUADA AO EXAME DE PROVA.
1. Quando a denúncia oferece, como na hipótese, clara narrativa dos acontecimentos, com as principais circunstâncias, classificação do crime, qualificação dos acusados, rol de testemunhas, permitindo, enfim, o conhecimento da imputação assacada, sem criar quaisquer embaraços ao exercício pleno da defesa, não há que se falar em trancamento prematuro da ação penal.
2. Ademais, a via eleita é inadequada para se perquirir sobre a ocorrência ou não de dolo na conduta do agente. Apreciação da prova que deve se reservar à instrução do processo.
3. De resto, o réu se defende dos fatos contados pela vestibular e da não capitulação legal do crime, que pode, inclusive, ser modificada na sentença.
Parecer pelo conhecimento e indeferimento da ordem" (fl. 1025).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Busca-se no presente writ o trancamento da ação penal ante a ausência de justa causa para a persecução penal, com os seguintes fundamentos: a) não teria sido realizada a imputação de nenhum crime às promotoras, mas tão somente a instauração de investigação para "apuração dos fatos"; b) não houve a prática de nenhum ato investigatório, tendo sido o inquérito enviado ao TJ/SP 6 dias após sua instauração; c) ao contrário do que constou no v. acórdão atacado, nem todos os documentos apreendidos foram apresentados em Juízo, de forma que não havia dolo na conduta dos pacientes; d) o crime do art. 356 é próprio, só podendo ser praticado por advogados e procuradores, e não pelo Ministério Público; e) o paciente Waldomiro apenas tinha ciência dos fatos, não tendo praticado nenhum ato em relação às Promotoras de Justiça.
Confiram-se, em primeiro lugar, os seguintes excertos doutrinários:
Marcellus Polastri Lima (in Curso de Processo Penal, vol. 1, 2ª edição, Lumen Juris, 2003, p. 205/208) assim trata do tema:
"A justa causa, tem sido identificada pela doutrina como o próprio interesse de agir, e mesmo com as demais condições para o exercício do direito de ação, consoante já se via do entendimento de José Barcelos de Souza, verbis:
A expressão é útil e cabível, podendo ser usada perfeitamente para exprimir a ausência não apenas daquela condição (falta de interesse de agir), mas de qualquer das condições para o exercício da ação penal. (destaque nosso)
Tal interpretação se dá em virtude de que o art. 648, I, do CPP, que trata do habeas-corpus, prevê que existirá coação ilegal quando não houver justa causa.
De acordo com Frederico Marques:
Sem que o fumus boni juris ampare a imputação, dando-lhe contornos de imputação razoável, pela existência de justa causa, ou pretensão viável, a denúncia ou a queixa não pode ser admitida ou recebida.
O antigo anteprojeto de Código de Processo Penal (Projeto de Lei n° 1.655 de 1983), sob a influência do citado professor, adotava e identificava a justa causa como fundamento razoável e o legítimo interesse, consoante se vê da exposição de motivos, assim ficando redigido o parágrafo único do art. 7°:
A acusação deve ser rejeitada de plano, por ausência de justa causa, se não tiver fundamento razoável nem revelar legítimo interesse.
Verdade que a justa causa em sentido amplo, na forma do previsto no art. 648 do CPP, serve para designar a existência das condições da ação, de forma a identificar a imputação razoável, por outro lado, porém em sentido estrito, parte da doutrina a erige em verdadeira condição autônoma para exercício da ação penal.
E foi o professor Afranio Silva Jardim quem primeiro erigiu a justa causa como condição autônoma para o exercício da ação penal, idenficando-a com a exigência do lastro mínimo de prova que fornece arrimo à acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado status dignitatis do imputado.
Porém tal é refutado por José Barcelos de Souza:
Também não é justa causa uma condição autônoma, uma quarta condição da ação.
Com efeito, denúncia ou queixa que não descrever fato criminoso em tese se mostra inépta, não podendo a aptidão de uma inicial ser erigida em condições da ação.
Do mesmo modo, a questão da justiça do processo em face da prova, matéria que diz respeito ao processo, não pode ser tratada como condição da ação.
Se parece correto afirmar que, ontologicamente, não seria a justa causa uma quarta condição da ação, no processo penal é incabível o exercício da ação penal sem um lastro probatório mínimo, apesar de não haver tal exigência em lei.
E é o próprio José Barcelos de Souza que reconhece:
...é aí que a justa causa se apresenta no seu sentido próprio de requisito particular de admissibilidade - demanda com causa de pedir não destoante da prova - uma peculiaridade do processo penal sem correspondência no processo civil. A decisão de rejeição, fundada na prova, não é sentença de improcedência. A decisão é simplesmente de admissibilidade.
Portanto, mesmo se não considerada a justa causa como quarta condição da ação, no processo penal, para recebimento da inicial é, como as condições da ação, exigida como condição de admissibilidade.
Obviamente que não se fará aqui exame de mérito, na forma do art. 386 do CPP, pois não se trata de se aferir procedência da imputação com juízo de mérito, e sim de se averiguar se há suporte probatório mínimo para a imputação, ou seja se o fato narrado está embasado no mínimo de prova, se encontra correspondência em inquérito ou peça de informação.
Destarte, o juiz não poderá fazer confronto de provas, ou averiguar se estas são boas ou não, mas apenas verificar se a imputação foi lastreada em elementos colhidos, mesmo que isolados ou contraditados, sem juízo de mérito, pois, como é evidente, não pode haver imputação gratuita, sem arrimo algum, ou mesmo que narre fato completamente diverso daquele apurado.
Trata-se, na verdade do mesmo fundamento razoável a que se referia Frederico Marques, que assim já definia a justa causa, aqui identificada com fundamento em elementos razoáveis ou mínimos".
Guilherme de Souza Nucci (in Código de Processo Penal Comentado, Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2003, p. 648), sobre a ausência de justa causa, assevera:
"Desdobra-se a questão em dois aspectos: a) justa causa para a ordem proferida, que resultou em coação contra alguém; b) justa causa para a existência de processo ou investigação contra alguém, sem que haja lastro probatório suficiente. Na primeira situação, a falta de justa causa baseia-se na inexistência de provas ou de requisitos legais par que alguém seja detido ou submetido a constrangimento (ex.: decreta-se a preventiva sem que os motivos do art. 312 do CPP estejam nitidamente demonstrados nos autos). Na segunda hipótese, a ausência de justa causa concentra-se na carência de provas a sustentar a existência e manutenção da investigação policial ou do processo criminal. Se a falta de justa causa envolver apenas uma decisão, contra esta será concedida a ordem de habeas corpus. Caso diga respeito à ação ou investigação em si, concede-se a ordem para o trancamento do processo ou procedimento."
Júlio Fabbrini Mirabete (in Processo Penal, 14ª edição, Atlas, 2003, p. 138/139) destaca:
"Ultimamente tem se incluído como causa de rejeição da denúncia ou da queixa por falta de condição exigida pela lei (falta de interesse de agir) a inexistência de elementos indiciários que amparem a acusação. É realmente necessário que a inicial venha acompanhada de um mínimo de prova que demonstre ser ela viável; é preciso que haja fumus boni iuris para que a ação penal tenha condições de viabilidade pois, do contrário, não há justa causa. Tem-se exigido, assim, que a inicial venha acompanhada de inquérito policial ou prova documental que a supra, ou seja, de um mínimo de prova sobre a materialidade e a autoria, para que opere o recebimento da denúncia ou da queixa, não bastando, por exemplo, o simples oferecimento da versão do queixoso. Evidentemente não se exige prova plena nem um exame aprofundado e valorativo dos elementos contidos no inquérito policial ou peças de informação, sendo suficientes elementos que tornam verossímil a acusação."
Nessa linha, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006), o que não é o caso apresentado nos autos.
Confira-se o inteiro teor da inicial acusatória:
"Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que no dia 06 de setembro de 2006, na Delegacia Seccional de Policia de Jacareí, situada na Rua Dr. Lúcio Malta, n. 548, Centro, nesta cidade e comarca de Jacareí, Dr. Fabio Cesnik, qualificado as fs. 221/224, induzido pelo Dr. Waldomiro Bueno Filho, qualificado as fs. 252/254, agindo em concurso e com unidade de desígnios, deram causa a instauração de investigação policial e administrativa contra as Dras. Andréia Regina Garibaldi e Vanessa Yoko Hatamoto Medici, Promotoras de Justiça, e policiais militares, imputando-lhes crime de que o sabiam inocentes.
Segundo foi apurado, o Grupo de Atuação Especial Regional para a Prevenção e Repressão ao Crime Organizado do Vale do Paraíba (GAERCO-VP), do Ministério Publico do Estado de São Paulo, nos autos do procedimento investigatório PAC SIGAE 59.553.22;06 (processo 374/06, da 4ª Vara Criminal de SJC), instaurado para a investigação de atividades terroristas praticadas pela organização criminosa denominada Primeiro Comando da Capital (PCC), obteve mandado de busca e apreensão expedido pelo MM. Juiz da 4ª Vara Criminal da Comarca de São José dos Campos (fs. 39/41), para que fossem procurados e apreendidos "(a) documentos que auxiliem na identificação de outros integrantes da organização, (b) correspondências, (c) agendas com nomes, telefones e outras anotações que possam auxiliar nas investigações, (d) fotografias de comparsas, (e) documentos bancários, que indiquem a movimentação financeira da organização, (f) armas de fogo, (g) drogas, (h) valores, bens e automóveis adquiridos com a prática dos crimes, (i) bem como quaisquer outros elemento de informação que possam auxiliar as investigações..." (f. 42).
No dia 18 de agosto de 2006, foi dado cumprimento ao referido mandado, que envolvia 17 (dezessete) endereços diferentes, localizados em cinco cidades do Vale do Paraíba. Para o cumprimento do mandado no endereço existente na cidade de Jacareí, o GAERCO-VP contou com o auxílio das Promotoras de Justiça Andréia Regina Garibaldi e Vanessa Yoko Hatamoto Médici, que requisitaram cooperação de policiais militares.
Durante a busca ocorrida nesta cidade foram apreendidos 23 (vinte e três) invólucros de cocaína, 40 (quarenta) de crack, 2 (duas) munições calibre 16, 2 (dois) telefones, um quadro com a inscrição "PCC", diversas cartas endereçadas a pessoas presas, fotos, anotações , CD's, disquetes, comprovantes de endereços, documentos bancários, dentre outros.
Encerrada a diligência, as drogas apreendidas e as munições foram entregues aos policiais militares que participaram da diligência, para que encaminhassem à Delegacia Polícia de Jacareí, juntamente com os presos Tatiane Cristina de Oliveira e Adriano Aparecido de Oliveira, para que fosse lavrado o competente auto de prisão em flagrante. Este foi efetivamente lavrado, dando ensejo ao processo n. 881/06, da 2ª Vara Criminal de Jacareí.
As demais provas apreendidas fora embaladas e lacradas, encaminhando-as ao GAERCO-VP, órgão que requereu a busca, para que fossem juntados aos autos do procedimento investigatório PAC SIGAE n. 59.553.22;06 (processo 374/06, da 4ª Vara Criminal de SJC), servido de prova para a ação penal que se seguiu (fs. 51/125).
Vale ressaltar que da mencionada diligência foi formulado auto de apreensão (f. 43) e relatório circunstanciado (fs. 44/45), nos termos do artigo 245, § 7º, do Código de Processo Penal. Este relatório foi juntado ao processo 374, da 4ª Vara Criminal de São José dos Campos de 25 de agosto de 2006 (f. 50).
Demonstrando a transparência da diligência e ao intuito de cooperar com a profunda apuração dos fatos, no dia 29 de agosto de 2006, o GAERCO-VP encaminhou cópia de todos os documentos apreendidos na referida diligência à Promotoria de Jacareí (fs. 127/136), os quais forma juntados aos autos do processo n. 881/06, da 2ª Vara Criminal de Jacareí em 31 de agosto de 2006 (f. 126).
Ocorre que, inexplicavelmente, no dia 06 de setembro de 2006, o denunciado Fábio Cesnik, que ocupava o cargo de Delegado Seccional de Jacareí, baixou portaria instaurando inquérito policial para apurar a conduta das Promotoras de Justiça e dos Policiais Militares que participaram do cumprimento do mandado de busca e apreensão em Jacareí, em virtude da não apresentação na Delegacia de Polícia de Jacareí dos outros documentos apreendidos na mencionada diligência (f. 09).
Agindo desta forma, o Dr. Fábio Cesnik deu início a investigação policial contra as mencionadas Promotoras de Justiça e os Policiais Militares que participaram da diligência, o que se evidencia pelo teor da portaria que instaurou o inquérito policial:
"Chegando ao meu conhecimento através de cópia do AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO, elaborado pela Delegacia de Investigação sobre Entorpecente de Jacareí, registrado sob n. 76/0/06, onde foram autuados ADRIANO APARECIDO DE OLIVEIRA e TATIANE CRISTINA DE OLIVEIRA, no dia 18 de agosto de 2.006, por volta das 6h30min, na Rua Dois, bloco R13, 1 A, apartamento 32, Bairro Bandeira Branca, nesta cidade e Comarca, Av. Deputado Benedito Matarazzo, 9403, por Policiais Militares, capitaneados pelas Doutroras ANDREIA REGINA GARIBALDI e VANESSA YOKO H. MÉDICI, Promotoras de Justiça, escudados em Ordem Judicial da 4a Vara criminal de São José dos Campos. Ao término das buscas empreendidas na aludida residência, os policiais militares lograram apreender quarenta (40) invólucros de cracks, 23 unidades de coca(na, ambas causadoras de dependência física e psíquica, duas munições calibre 16, dois aparelhos de telefone fixo os quais estavam em pleno funcionamento, que possivelmente eram utilizados para comunicação com presídios. Outrossim, apurou-se ainda que foram apreendidos outros documentos no imóvel, os quais foram recolhidos e permaneceram na posse das Promotoras. DECLARO INSTAURADO INQUÉRITO POLICIAL, para a elucidação dos fatos ... "
A instauração deste inquérito policial, por si só, já configura atitude ilegal, pois se tivesse suspeita do envolvimento de membro do Ministério Público na prática de crime, deveria representar à Procuradoria Geral de Justiça ou ao Tribunal de Justiça, diante do foro privilegiado de que gozam as Promotoras de Justiça.
Contudo, seis dias após a instauração deste inquérito, no dia 12 de setembro de 2006, o denunciado Fábio Cesnik, proferiu decisão encaminhando os autos do inquérito policial à Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, alegando ter verificado a ocorrência, em tese, do crime previsto no artigo 356 do Código Penal (crime de sonegação de papel ou objeto de valor probatório), praticado pelas Doutoras Andréia Regina Garibaldi e Vanessa Yoko Hatamoto Médici, Promotoras de Justiça (fs. 14/15).
Assim, os autos foram encaminhados à Procuradoria Geral de Justiça, onde foi instaurado procedimento administrativo próprio para verificar a ocorrência do delito (f. 17).
Como não podia deixar de ser diferente, este procedimento foi arquivado em face da flagrante inocorrência de qualquer crime por parte das Promotoras de Justiça (fs. 213/218). Ainda, foi determinada pela Procuradoria Geral de Justiça a extração integral de cópias para se apurar a prática do crime ora denunciado (fs. 182/187).
Apurou-se, ainda, que o denunciado Fábio Cesnik assim agiu por orientação do denunciado Waldomiro Bueno Filho, que na época dos fatos ocupava o cargo de Diretor do Departamento da Polícia Judiciária do DEINTER-1 de São José dos Campos e, portanto, era seu superior hierárquico.
Ressalte-se que o inquérito policial para apurar a prática de crime pelas Promotoras de Justiça e Policiais Militares foi instaurado em 06 de setembro de 2006, sendo que os documentos supostamente "sonegados" já se encontravam juntados aos autos do processo 374/06 da 4a Vara Criminal de São Jose dos Campos desde 25 de agosto de 2006 e, cópias destes, encontravam-se juntadas aos autos do processo 881/06 da 2a Vara Criminal de Jacareí desde 31 de agosto de 2006.
Inicialmente deve-se frisar que os originais foram juntados aos autos do processo criminal em curso na 4a Vara de São José dos Campos por ser este o Juízo Natural onde tramitava a investigação presidida pelo GAERCO-VP e onde as pessoas presas nesta cidade. de Jacareí (Tatiane Cristina de Oliveira e Adriano Aparecido de Oliveira) foram denunciados pela prática do crime de associação para o tráfico de entorpecentes (fs. 51/125), no qual a prova documental apreendida era mais útil. Ademais, o mandado de busca e apreensão foi expedido pelo MM. Juiz titular da 4a Vara Criminal de São José dos Campos, sendo ele o juiz natural para a apreciação dos fatos.
Contudo, como já ressaltado, cópias de todos os documentos apreendidos e outras provas colhidas nos autos do procedimento investigatório PAC SIGAE n. 59.553.22/06 (processo 374/06, da 4a Vara Criminal de SJC) foram encaminhadas ao processo 881/06 da 2a Vara Criminal de Jacareí antes da instauração do inquérito policial contra as Promotoras de Justiça e Policiais Militares.
Restou configurado que os denunciados tinham ciência de que os documentos não haviam sido sonegados pelas Promotoras de Justiça ou pelos Policiais Militares uma vez que o Ministério Público tinha total interesse na apuração dos fatos e jamais foi feito qualquer contato com as mencionadas Promotoras de Justiça ou integrantes do GAERCO-VP para se saber o destino dos documentos.
Nenhum ofício foi encaminhado ao Ministério Público pelo Delegado que presidia o inquérito policial que deu origem ao processo 881/06 da 2a Vara de Jacareí (fs. 226/228) ou pelos denunciados para saber o que havia sido feito com os documentos. Da mesma forma, estes também não fizeram qualquer requerimento nos autos dos processos 881/06 da 2a Vara de Jacareí ou 374/06 da 4a Vara Criminal de São José dos Campos para tomarem conhecimento se os referidos, documentos se encontravam nos autos.
Preferiram as D. Autoridades Policiais ora denunciadas instaurarem inquérito policial, com o intuito de denegrir a imagem das Promotoras de Justiça Andréia Regina Garibaldi e Vanessa Yoko Hatamoto Médici e dos Policiais Militares que participaram do cumprimento do mandado de busca e apreensão.
Por fim, apurou-se que os denunciados assim agiram em represália aos fatos de não ter sido comunicada previamente a Polícia Civil sobre o cumprimento dos mandados de busca e por notícias veiculadas na imprensa que atribuíam aos integrantes do GAERCO-VP críticas à Polícia Civil. Da mesma forma, também a vaidade motivou a ação dos denunciados, que não se conformaram com o fato de a mencionada investigação criminal ter sido realizada diretamente pelo Ministério Público.
Diante do Exposto, denuncio a Vossa Excelência:
Fábio Cesnik como incurso no artigo 339, "caput", do Código Penal;
b) Waldomiro Bueno Filho como incurso no artigo 339, "caput", c/c. artigo 62, inciso II, ambos do Código penal" (fls. 48/54).
O e. Tribunal a quo, no voto vencedor, se manifestou a respeito da quaestio da seguinte forma:
É necessário contextualizar o episódio relacionado à documentação apreendida na Comarca de Jacareí. Os Mandados expedidos pelo Juízo de São José dos Campos para apreender drogas, centrais telefônicas e outros objetos do suposto crime organizado pela corporação PCC atenderam requerimentos formulados pelo Ministério Público. Os fatos ocorreram logo após o triste episódio ocorrido em todo Estado de São Paulo quando as forças de Segurança Pública foram objeto de ataques que atingiram também ônibus e até cidadãos comuns.
O Ministério Público não partilhou as informações recebidas com a policia civil de Jacareí, exsurgindo então a Portaria para apurar a conduta das Promotoras de Justiça.
Em suma, os documentos pertenciam ao Delegado de Policia de Jacareí ou ao Juízo de São José dos Campos que havia determinado a diligência ? É certo que as Promotoras de Justiça não sumiram com os documentos.
A denúncia ofertada em desfavor dos pacientes não foi objeto ainda de exame aprofundado que se fará no curso da ação penal. Para o recebimento da denúncia não é necessário prova estreme de dúvida, imprescindível para decreto condenatório.
Evidente que o status dignitatis dos pacientes sofre abalo, todavia quem exerce função pública de alta relevância precisa ter equilíbrio no exercício de seus poderes.
A instauração do Inquérito Policial em desfavor das Promotoras de Justiça afigura-se como medida desarrazoada e imprudente, tanto é que o Órgão Especial deste Colendo Tribunal de Justiça arquivou as investigações.
Remansoso o entendimento "HC Exame de provas que deve ser realizado pelos meios ordinários à disposição do interessado e não pela via eleita "(STF-RHC 91 185-MS. rel. Min. Joaquim Barbosa).
Indiscrepante o sentir do Ministro Menezes Direito: "Não se vislumbra, na espécie, flagrante ilegalidade, abuso de poder ou teratologia que justifique o abrandamento da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, especialmente porque o paciente e impetrante embase o writ em elementos quer demandam, em principio, profundo exame de provas, não permitido nos estreitos limites do habeas corpus. Habeas Corpus não conhecido."(STF-HC 92216-Distrito Federal- julg 25/9/2007).
No caso sob exame é prematura a análise da prova carreada aos autos da ação penal, porquanto provisória a capitulação penal feita no Inquérito Policial e Denúncia. Os pacientes defendem-se dos fatos articulados na denúncia que foi regularmente recebida com fundamentação suficiente para o momento processual" (fls. 34/36).
Pois bem.
Verifico que assiste razão aos impetrantes.
Com efeito, no delito de denunciação caluniosa exige-se que haja por parte do agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa. Em outras palavras, deve o agente atuar contra a própria convicção, intencionalmente e com conhecimento de causa, sabendo que o denunciado é inocente.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
"HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
1. Se de um lado não se mostra razoável, em habeas corpus, a incursão detalhada no material probatório, de outro, a peça de acusação tem que encontrar apoio nos elementos de convicção existentes nos autos, únicos fundamentos a justificar a instauração da persecução penal, conhecidas que são as agruras dela decorrentes.
2. "O delito de denunciação caluniosa exige que a acusação seja objetiva e subjetivamente falsa, vale dizer, que esteja em contradição com a verdade dos fatos e que haja por parte do agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa. O dolo é vontade de provocar investigação policial ou processo judicial." (HC nº 25.593/MT, Relator o Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJU de 3/5/2004) 3. Ordem concedida. Extensão aos co-réus."
(HC 38.731/MG, 6ª Turma, Rel. Ministro Paulo Gallotti, DJ de 03/04/2006)
"HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA PARA A AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade.
2. Para a configuração do delito previsto no art. 339 do Código Penal, é mister que a imputação seja objetiva e subjetivamente falsa, exigindo-se do sujeito ativo a certeza quanto à inocência daquele a quem atribui a prática do ilícito penal.
3. No caso, pela leitura da denúncia e das peças que a embasaram, sem que haja a necessidade de se incursionar na seara fático-probatória, não se vislumbra suficientemente demonstrado o dolo do paciente, consubstanciado no deliberado intento de imputar crime àquele que sabe ser inequivocamente inocente.
4. Com efeito, pelo que se depreende dos autos, há sérios indícios de que o acusado, realmente, acreditava ser vítima de abuso de autoridade por parte da Representante do Ministério Público, que determinou a sua prisão em flagrante pela suposta prática do crime de desacato.
5. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal de que aqui se cuida (Processo nº 200.2007.744.241-2)."
(HC 109658/PB, 6ª Turma, Rel. Ministra Jane Silva (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Rel. p/ Acórdão Ministro Og Fernandes, DJe de 04/05/2009)
"PENAL. HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA PARA A AÇÃO PENAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE DOLO QUANTO AOS DELITOS EVENTUALMENTE PRATICADOS. ATIPICIDADE DAS CONDUTAS.
I - O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus se situa no campo da excepcionalidade (HC 901.320/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 25/05/2007), sendo medida que somente deve ser adotada quando houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito (HC 87.324/SP, Primeira Turma, Relª. Minª. Cármen Lúcia, DJU de 18/05/2007). Ainda, a liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa (HC 91.634/GO, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 05/10/2007), pois o exame de provas é inadmissível no espectro processual do habeas corpus, ação constitucional que pressupõe para seu manejo uma ilegalidade ou abuso de poder tão flagrante que pode ser demonstrada de plano (RHC 88.139/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Carlos Britto, DJU de 17/11/2006).
II - No delito de denunciação caluniosa exige-se que haja por parte do agente a certeza da inocência da pessoa a quem se atribui a prática criminosa. Em outras palavras, deve o agente atuar contra a própria convicção, intencionalmente e com conhecimento de causa, sabendo que o denunciado é inocente. (Precedentes). Em relação à instauração de investigação ou processo judicial é que basta a ocorrência do dolo eventual. Ademais, a denunciação caluniosa exige que a imputação verse sobre fato definido como crime. Vale dizer, configura-se atípica a conduta daquele que imputa a terceiro a prática de fato também atípico (NILO BATISTA, in O Elemento Subjetivo do Crime de Denunciação Caluniosa, Ed. Liber-Juris, Rio de Janeiro, 1975, pg. 55), hipótese ocorrente nos autos.
III - De outro lado, é também atípica a conduta do paciente relativamente ao delito de falsidade ideológica, porquanto, no caso concreto, a atipicidade da conduta restou de pronto detectável, sendo, daí, contextualmente irrelevante.
IV - Desta forma, evidenciada, na hipótese, a atipicidade das condutas, imperioso o trancamento da ação penal relativa aos delitos de denunciação caluniosa e falsidade ideológica.
Ordem concedida."
(HC 89551/CE, 5ª Turma, de minha relatoria, DJe de 14/04/2008)
Na hipótese, pelo que se depreende dos autos, quanto ao cumprimento do mandado de busca e apreensão em questão, juntamente com as prisões efetuadas houve a instauração da auto de prisão em flagrante na Delegacia de Polícia de Investigações Sobre Entorpecentes, sendo que a conduta das Promotoras de Justiça, de restringir a apresentação de alguns documentos perante a autoridade policial, foi, ao menos, incomum. A instauração do inquérito se daria, a princípio, para elucidação dos fatos. A denúncia indica que os documentos já haviam sido apresentados em juízo antes da instauração de inquérito e os pacientes em nenhum momento procuraram entrar em contato com o Parquet para coletar informações acerca do destino da documentação supostamente sonegada. Isso seria, segundo a denúncia, indicativo da ocorrência de dolo. Entretanto, a mencionada descrição realizada na exordial acusatória se refere a ocorrência de dolo eventual, o que não é suficiente como já ressaltado. E o que se percebe dos autos é que não há dados comprovando a ciência da falsidade da imputação por parte dos pacientes.
Nesta linha, inclusive, foi a conclusão do voto vencido, no julgamento realizado pelo e. Tribunal a quo:
"Pois bem. Da leitura da referida peça vestibular evidencia-se a atipicidade dos fatos imputados aos pacientes, de modo que razão assiste aos d. impetrantes, quando postulam o trancamento da ação penal enfocada na impetração.
Segundo revelam os autos, a instauração do inquérito policial, na hipótese, não visava imputar a prática de crime a quem quer que seja. Objetivava apenas a comunicação formal dos fatos às Autoridades competentes para a sua apuração. Tanto que não houve, propriamente, a imputação de um crime, mas simples menção à ocorrência de um fato que, em tese, poderia eventualmente configurar, infração penal, e que, por isso mesmo, deveria ser comunicada às Autoridades competentes para a devida apuração. E foi exatamente isso o que se sucedeu. Sem que nenhum ato investigatório fosse realizado, os autos do inquérito foram prontamente encaminhados a este Tribunal de Justiça, de onde partiram para a d. Procuradoria Geral de Justiça.
Como é cediço, solicitar a apuração de responsabilidades em relação a determinados fatos que, em tese, podem eventualmente configurar infração penal, não implica em imputar a alguém a prática de um crime. Essa a orientação que se extrai da jurisprudência, consoante arestos insertos na RT 473/302, RT 550/272 e na RTJ 89/427, e também da mais autorizada doutrina. Mutatis mutandis, Magalhães Noronha, assevera que "(...) não se confunde denunciação caluniosa com a conduta de quem solicita à polícia que apure e investigue determinado delito, fornecendo-lhe os elementos de que dispõe (...)" (Direito Penal, Saraiva, 1979, vol. IV, p. 367).
Não bastasse, em nenhum momento ficou evidenciado o dolo direto ou específico, elemento subjetivo indispensável à caracterização do crime de denunciação caluniosa. Para a configuração do citado crime é necessária a demonstração clara e precisa do elemento subjetivo, que se revela pela vontade livre e consciente de instaurar procedimento investigatório contra pessoa determinada ou determinável por meio de imputação de crime. Indispensável, outrossim, que o agente sabia da inocência do acusado ou acusados. E o elemento subjetivo que distingue a denunciação caluniosa do exercício regular de um direito, que todo cidadão possui de levar ao conhecimento de autoridade algum delito de que tenha ciência.
Na hipótese, nem mesmo este Desembargador, que tem sido ferrenho defensor da atividade investigatória do Ministério Público, pode deixar de observar que o proceder das ilustres Promotoras de Justiça que capitanearam a busca e apreensão foi, no mínimo, de questionável regularidade. Afinal, quem é que deu a elas o direito de escolher quais documentos apreendidos deveriam ser apresentados, a quem, e em que momento isso se daria? Teriam elas essa discricionariedade? Outra atitude não poderiam ter as Autoridades Policiais, senão materializar os fatos e reportá-los a quem de direito para a devida apuração. Foi isso o que fizeram, embora também com certo grau de impropriedade, já que para tanto não seria necessária a prévia instauração do inquérito policial. Mas as irregularidades e impropriedades cometidas, de um e de outro lado, devem ser sopesadas e compensadas, até para que não se transforme o episódio num embate sem fim entre autoridades públicas que devem conviver harmoniosamente, dentro das respectivas atribuições e competências, para o bem da sociedade e do Estado Democrático de Direito.
Em suma, a instauração do inquérito policial, e sua imediata remessa às Autoridades competentes, na hipótese, configurou mero pedido de apuração de irregularidades, que não se amolda à figura típica do artigo 339 do Código Penal. Diante, pois, da atipicidade dos fatos imputados ao paciente, de rigor o trancamento da ação penal contra eles instaurada." (fls. 44/47).
Portanto, ante a inexistência de demonstração da certeza, por parte dos agentes, da falsidade da imputação, é de se concluir que não há indícios suficientes da ocorrência do crime.
Ante o exposto, concedo a ordem para trancar a ação penal.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA
Número Registro: 2009/0082491-3 HC 135305 / SP
MATÉRIA CRIMINAL
Números Origem: 2920120070053980 4312007 990081716232
EM MESA JULGADO: 03/11/2009
Relator
Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ALCIDES MARTINS
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS
AUTUAÇÃO
IMPETRANTE: ALBERTO ZACHARIAS TORON E OUTROS
IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE: WALDOMIRO BUENO FILHO
ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Contra a Administração da Justiça - Denunciação caluniosa
SUSTENTAÇÃO ORAL
PRESENTE NA TRIBUNA: Dr. ALBERTO ZACHARIAS TORON (P/PACTE)
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 03 de novembro de 2009
LAURO ROCHA REIS
Secretário
Documento: 925645
Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 07/12/2009
JURID - Habeas corpus. Denunciação caluniosa. [18/12/09] - Jurisprudência
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