Anúncios


segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

JURID - Habeas corpus. Crimes contra a propriedade industrial. [14/12/09] - Jurisprudência


Habeas corpus. Crimes contra a propriedade industrial. Fabricação de produto e colocação à venda. Incidência do princípio da consunção (absorção). Possibilidade.


Superior Tribunal de Justiça - STJ.

HABEAS CORPUS Nº 56.097 - MG (2006/0054754-4)

RELATOR: MINISTRO OG FERNANDES

IMPETRANTE: JOSÉ HENRIQUE VASI WERNER E OUTRO

ADVOGADO: MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S)

IMPETRADO: QUINTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE: VINCENZO TESTINI

PACIENTE: CLAUDIO BENTIVOGLIO MAGNER

PACIENTE: SILVÉRIO BOFIGLIOLI

PACIENTE: GIUSEPE HUMBERTO GIORGI

EMENTA

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL. FABRICAÇÃO DE PRODUTO E COLOCAÇÃO À VENDA. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO (ABSORÇÃO). POSSIBILIDADE. PÓS-FATO IMPUNÍVEL. CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIO DAS PENAS. SANÇÃO QUE NÃO EXCEDE A DOIS ANOS. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS. ANULAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.

1. Segundo a doutrina, em caso de conflito aparente de normas, a questão há de ser resolvida com a incidência dos princípios da sucessividade, especialidade, alternatividade, subsidiariedade e consunção (absorção).

2. Haverá a incidência do princípio da consunção (absorção) nas hipóteses em que a) um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime; ou b) nos casos de antefato ou pós-fato impuníveis.

3. Na hipótese, aos pacientes, na condição de diretores de empresa de fabricação e venda de peças automotivas, foram imputadas a prática de crimes contra a propriedade intelectual, por terem fabricado e colocado à venda produto supostamente contrafeito.

4. Ocorre que a segunda conduta (colocação de produto contrafeito à venda) é decorrência da primeira (fabricação de produto contrafeito). Assim, está-se diante de pós-fato impunível.

5. Deve ser ressaltado que, em determinadas hipóteses, cada um dos dispositivos poderá ser aplicado isoladamente. Tal aconteceria, por exemplo, caso uma pessoa fabricasse e outra vendesse um produto contrafeito.

6. No caso presente, porém, não há como fazer incidir as duas normas, pois, como já asseverado, a conduta inicial (fabricação do produto) visava exatamente a final (comercialização).

7. Uma vez afastada a imputação de um dos delitos, a somatória das penas referentes aos subsistentes não ultrapassaria dois anos. Em consequência, a competência para o julgamento passaria a ser do Juizado Especial.

8. Com a necessidade de remessa ao juizado especial, devem ser anulados os atos decisórios proferidos no juízo tido por incompetente. Incluem-se nesses atos o recebimento da denúncia, último marco interruptivo da prescrição.

9. Considerando a pena abstratamente prevista e também o disposto no art. 109, V, do Código Penal, de rigor se reconheça a prescrição da pretensão punitiva.

10. Ordem concedida, para, de um lado, afastando a imputação referente ao crime previsto no art. 184, I, da Lei nº 9.279/96, declarar a competência do Juizado especial para o julgamento do feito; de outro lado, reconhecer a extinção da punibilidade dos pacientes em razão da prescrição da pretensão punitiva.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Dr(a). JOSÉ HENRIQUE VASI WERNER, pelas partes PACIENTES: VINCENZO TESTINI, CLAUDIO BENTIVOGLIO MAGNER, SILVÉRIO BOFIGLIOLI e GIUSEPE HUMBERTO GIORGI

Brasília, 17 de novembro de 2009 (data do julgamento).

MINISTRO OG FERNANDES
Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido de liminar, impetrado em favor de Vicenzo Testini, Cláudio Bentivoglio Magner, Silvério Bofiglioli e Giusepe Humberto Giorgi, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que, por maioria de votos, denegou a ordem lá impetrada.

Contra os pacientes foi oferecida queixa-crime porque teriam eles, na condição de diretores da empresa Iluminação Automotiva Ltda., praticado atos tipificados como crimes contra patente de invenção ou de modelo de utilidade e crime de concorrência desleal.

Alegam os impetrantes haver excesso de imputação aos pacientes, sendo certo que, pelo princípio da consunção, o crime descrito no art. 184, I, da Lei nº 9.279/96 deve ser excluído da queixa-crime ajuizada contra os pacientes, por se tratar de pós-fato impunível em relação ao art. 183, I da mesma lei (fl. 5).

Sustentam, mais, que por se tratar de evidente caso de bis in idem, deve a imputação relativa ao art. 195, III da Lei nº 9.279/96 ser afastada da inicial acusatória formulada pela Querelante, já que, para um mesmo fato (o dito uso indevido de patente de invenção), a Querelante pretende haver dupla infração penal: a violação de patente, em si mesma ilícita, e o alegado desvio de clientela (fl. 5).

Afirmam, também, que uma vez excluídas as imputações dos artigos 184, I, e 195, III, dúvidas não há de que a competência para processar e julgar o crime previsto no artigo 183, I da Lei nº 9.279/96 é dos Juizados Especiais Criminais, já que a pena máxima para esse delito é igual a 1 (um) ano de detenção. (fl. 11).

Asseveram, além, que independentemente de haver ou não o concurso de crimes pretendido pela Querelante, é competente o juizado especial criminal para processar e julgar os crimes imputados aos Pacientes, em razão desse caráter absoluto de sua competência, uma vez que a natureza da infração é ditada em razão da matéria, tendo ainda amparo constitucional. (fl. 15).

Pleiteiam, ao final, sejam excluídos da imputação os crimes previstos nos arts. 184, I, e 195, III, da Lei nº 9.279/96 e, também, seja fixada a competência do Juizado Especial Criminal da Comarca de Contagem para julgar o outro crime constante na peça acusatória.

Em 23.3.06, a liminar foi indeferida pelo então Relator, Ministro Hamilton Carvalhido.

Ouvido, o Ministério Público Federal (Subprocurador-Geral Eugênio José Guilherme de Aragão) opinou pela concessão parcial da ordem. Eis a ementa do parecer:

HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE INDUSTRIAL. FABRICAÇÃO E VENDA DE PRODUTO QUE SEJA OBJETO DE PATENTE DE INVENÇÃO (ART. 183, I E 184, I, DA LEI N.º 9.279/96). CONCORRÊNCIA DESLEAL (ART. 195, III, DA LEI N.º 9.279/96). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. BIS IN IDEM. EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

1. Impossibilidade de se proceder ao exame da ocorrência de conflito aparente de normas, a ser dirimido com base no princípio da consunção, e não de concurso de crimes. Situação que requer, por óbvio, exame de matéria fático-probatória.

2. Todavia, é certo que a competência dos Juizados Especiais Criminais é absoluta, pois definida em razão da matéria, a teor do art. 98, I, da CF.

3. Assim, o juízo especial é o absolutamente competente para dizer sobre a possibilidade de aplicação do princípio da consunção e do bis in idem, aceitando sua competência ou declinando-a, atendendo ao princípio constitucional do juiz natural (art. 5.º, XXXVII e LIII, da CF) e ao da compétence de la compétence.

4. Parecer por que seja parcialmente conhecida a ordem e, nessa parte, seja concedida, apenas para que os autos sejam encaminhados ao Juizado Especial Criminal, a fim de que lá, no juízo competente, se examine a ocorrência, ou não, da consunção.

Atribuído o feito em 4.7.08, vieram-me conclusos os autos.

Informações obtidas a partir de contato telefônico estabelecido com a 4ª Vara Criminal da Comarca de Contagem, dão conta de que o feito se encontra suspenso, aguardando o resultado da ação ajuizada na esfera cível.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): A conduta atribuída aos pacientes foi assim delineada na peça acusatória (fls. 22/24):

Não obstante a exclusividade quanto à exploração da invenção conferida legalmente à querelante, esta tomou conhecimento, com grande surpresa, de que a empresa Iluminação Automotiva Ltda., cuja diretoria é composta pelos querelados (doc. 8), vem fabricando e comercializando um farol de bloco ótico duplo para caminhões que contém um soquete para lâmpada automotiva idêntico ao do objeto da patente supramencionada.

A anexa nota fiscal, emitida por uma concessionária Volkswagen em 27/04/2005 (doc. 9), comprova o ora afirmado: a empresa Iluminação Automotiva Ltda. vem fornecendo às concessionárias Volkswagen faróis de bloco ótico duplo, contendo o sistema de fixação aperfeiçoado para soque de lâmpada tipo H1, em flagrante violação aos direitos da querelante sobre a invenção patenteada.

.....................................................................

Dessa forma, o simples exame do produto comercializado por Iluminação Automotiva Ltda. seria suficiente para constatar a contrafação da patente de invenção PI 9505263-1 da querelante.

.......................................................................

Ora, a fabricação e utilização não autorizadas do objeto da patente PI 9505263-1, por terceiros, constitui crime, nos termos dos artigos 183, I, e 184, I, da Lei nº 9.279/96:

.......................................................................

Ademais, a contrafação da patente PI 9505263-1, geral inevitável desvio da clientela angariada pela querelante após longos anos de incalculáveis investimentos, configurando manifesta prática de concorrência desleal, vedada pelo artigo 195, inciso III, da Lei 9.279/96 e pelo artigo 10 bis da Convenção da União de Paris, da qual o Brasil é signatário...

.....................................................................

Tendo em vista a querelante não ter conhecimento da real participação de cada querelado nos ilícitos praticados pela Iluminação Automotiva, mas atendo-se ao fato de serem os querelados Diretores da referida empresa que fabrica os produtos que violam a patente PI 9505263-1, sendo os mesmos responsáveis pelo regular funcionamento (v. doc. 8), depreende-se ser efetiva a participação de todos na conduta delitiva.

Ao final da queixa-crime, imputa-se aos pacientes a prática dos crimes constantes nos seguintes dispositivos, da lei que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial:

Art. 183. Comete crime contra patente de invenção ou de modelo de utilidade quem:

I - fabrica produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular; ou

........................................................................

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Art. 184. Comete crime contra patente de invenção ou de modelo de utilidade quem:

I - exporta, vende, expõe ou oferece à venda, tem em estoque, oculta ou recebe, para utilização com fins econômicos, produto fabricado com violação de patente de invenção ou de modelo de utilidade, ou obtido por meio ou processo patenteado;

..........................................................................

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa.

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

... III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

..........................................................................

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Como visto no relatório, buscam os impetrantes seja aplicado o princípio da consunção (absorção). Segundo defendem, o crime descrito no art. 184, I, da Lei nº 9.279/96 deve ser excluído da queixa-crime ajuizada contra os pacientes, por se tratar de pós-fato impunível em relação ao art. 183, I da mesma lei (fl. 5).

A questão ventilada na inicial foi apreciada pela Corte mineira, sendo que lá, a ordem denegada em votação não foi unânime.

Recupero, a propósito, o que escreveu o Desembargador Alexandre Victor de Carvalho em seu voto vencido (fls. 62/69):

O tema do concurso aparente de normas penais é difícil porque não é legalmente regulamentado; portanto, é assunto que, doutrinária e jurisprudencialmente, foi construído ao longo dos tempos.

Concurso real de crimes significa duas ou mais ações gerando dois ou mais crimes, ou uma única ação gerando dois ou mais crimes, no caso do concurso formal próprio e do impróprio. Concurso aparente de normas penais significa que uma única ação, ainda que chamada, doutrinariamente, de complexa, aparentemente, se enquadra em dois ou mais tipos penais incriminadores, mas na realidade, só se enquadra em um, por só afetar um bem jurídico protegido penalmente.

A doutrina construiu, basicamente, três princípios para tratar do concurso aparente de normas penais: o princípio da especialidade, o princípio da subsidiariedade e o princípio da consunção.

.................................................................................................................

... o princípio mais complicado e que, segundo o que pude perceber, é aquele que o nobre advogado quer aplicar ao caso em tela, que é o princípio da consunção ou da absorção, também chamado de princípio da consumação, em que a norma consunta é absorvida pela norma consuntiva, porque a norma consunta ou é fase de passagem ou é meio necessário para o cometimento da norma consuntiva, que é a norma fim. Tanto o princípio do ante-fato impunível, quanto do pós-fato impunível são resolvidos pelo princípio da consunção.

É um tema complexo, intricado, extremamente delicado. A doutrina não se entende muito bem em torno do assunto. Apenas para dar exemplo: uma zona clara de consunção se dá entre violação de domicílio e furto praticado sobre objeto que esteja dentro de uma residência habitada. A violação de domicílio é crime consunto e o furto é crime consuntivo, absorve a violação, ante- fato impunível , como diz a doutrina.

Um outro exemplo claro é o furto de veículo e o dano subseqüente com a destruição do carro para a venda das peças. O pós-fato impunível demanda que o crime subseqüente, posterior, seja o proveito do crime anterior, uma mera vantagem sobre o crime anterior, que é o que ocorre com o furto de veículo e o dano com a sua destruição, porque, para o ladrão do veículo automotor levar vantagem em relação ao furto, uma das formas que a experiência ordinária indica é a destruição do carro e a venda das peças. O dano é pós-fato impunível do furto.

A questão apresentada aqui é se há ou não o tal concurso de crimes que a querelante quer imputar aos querelados, concurso envolvendo os crimes dos artigos 183, I; 184, II; e 195, III da Lei 9.279/96.

Antes de entrar no tema, especificamente, vou ingressar no exame que antecede a ele e que trata, inclusive, da questão levantada pelo em. Des. Relator.

Não me parece que esta seja uma questão que não possa ser analisada no âmbito do habeas corpus. Explico por quê. Porque, se se trata de uma questão envolvendo concurso aparente ou não de normas penais, parece-me que, no momento em que o juiz faz o juízo de delibação ao receber a queixa-crime, ele faz esta análise. Porque, se não fosse assim, a queixa-crime poderia ser ajuizada da maneira como o querelante quisesse, da forma como ele pretendesse, para impedir e prejudicar os querelados, ou querelado, em qualquer situação. E não me parece que possa ser assim. O querelante tem o direito de apresentar queixa-crime, mas o juiz tem que fazer o juízo de delibação, limitando a sua ação e dizendo se recebe ou não a queixa-crime nos termos apresentados. E se o juiz recebeu a queixa-crime, fazendo o juízo de delibação nos termos apresentados, o único instrumento que serve aos querelados para discutir a imputação que lhes foi feita é o habeas corpus.

Não há recurso no Código de Processo Penal contra o recebimento da queixa-crime; Habeas corpus, não é um recurso; é ação constitucional, é o instrumento adequado. O recurso em sentido estrito do artigo 581 do CPP só cabe na hipótese de rejeição da queixa ou da denúncia.

Então, me parece que esta é uma questão que pode ser discutida no âmbito do habeas corpus: se houve ou não concurso aparente de normas penais. Mas, aí, faço uma reflexão: só se pode conceder a ordem pedida, para dizer que não há concurso real de crimes, se esta questão for clara, se não estiver no âmbito de uma zona cinzenta, porque, se estiver, não teremos, claramente, o fumus boni juris para a concessão da ordem pedida.

Examinando os três tipos incriminadores que foram mencionados na queixa-crime, o primeiro é o artigo 183 da Lei 9.279/96: "comete crime contra patente de invenção ou de modelo de utilidade, quem; inciso I, fabrica produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade sem autorização do titular." Isso é um crime contra as patentes, um crime contra a propriedade industrial.

A outra imputação é a do artigo 184: "comete crime contra patente de invenção de modelo de utilidade, quem: inciso I - "...vende... produto fabricado com violação de patente de invenção..."

E, no caso do art. 195 a outra imputação é: "comete crime de concorrência desleal quem: inciso III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;"

Usando dos princípios, em especial o da consunção, que, no caso, é o que deve ou pode ser aplicado, parece-me induvidoso que a imputação contida no artigo 184, I, relativa à venda do produto é, iniludivelmente, como disse, pós-fato impunível em relação ao artigo 183, inciso I. Podemos até, além do exemplo do furto do veículo automotor e do dano causado, dar outro exemplo, qual seja o da fabricação de moeda falsa e sua introdução em circulação, um caso clássico de pós-fato impunível em relação à introdução da moeda falsa em circulação. Subsistiria o crime de fabricação de moeda falsa do artigo 289 do Código Penal.

Todavia, parece-me, induvidoso não podermos considerar o artigo 195, inciso III, como, meio de passagem ou fato posterior impunível, em relação ao artigo 183, inciso I. O artigo 195, inciso III seria, na minha opinião, uma outra imputação, que poderia combinar com o artigo 183, inciso I da referida lei.

Não acredito ser um tema civil, como disse o eminente advogado, respeitando a sua posição trazida à baila no campo penal. Acho que essa questão não pode ser discutida em habeas corpus e sim no processo criminal. Mas, acredito que possa haver subsistência ou concorrência do art. 183, I, com o 195, inciso III da Lei 9.279/96.

Assim posta a situação, tem o artigo 183, I, pena máxima de um ano. O artigo 195, inciso III, tem pena máxima também de um ano, segundo o que está contido na legislação citada. Então, com base em minhas colocações, entendo que devemos mudar o juízo de delibação aqui em segunda instância. O artigo 184, inciso I, não pode coexistir com o artigo 183, inciso I, porque seria punição de uma conduta subseqüente; mera vantagem ou proveito da conduta anterior. Dessarte, estou alterando o recebimento da queixa-crime, excluindo dela a imputação dos artigo 184, I, mantendo as imputações do artigos 183, I e 195, III e, como as penas somadas, teoricamente, ainda se houvesse concurso material, geram resultado de, no máximo, dois anos, estou, com base na Lei 10.259/01, entendendo tratar-se de crimes de pequeno potencial ofensivo e, nesses termos, entendo que a competência para processar e julgar é do Juizado Especial Criminal da Comarca de Contagem.

Portanto, concedo parcialmente a ordem, nos termos já mencionados, pedindo vênia aos eminentes Desembargadores Relator e Primeiro Vogal. Portanto, altero, primeiro, o recebimento da queixa-crime para excluir dela o crime do art. 184, I, da Lei 9.279/96, por se tratar de pós-fato impunível em relação ao crime do artigo 183, I, com base no princípio da consunção e, segundo, pelo resultado da somatória das penas máximas cominadas em abstrato aos crimes remanescentes, fixo como competente, para processar e julgar os crimes imputados aos pacientes, o Juizado Especial Criminal da Comarca de Contagem, declarando nulos os atos decisórios praticados pelo Juízo comum, após o recebimento da queixa-crime. A queixa-crime deve ser enviada para o Juiz do Juizado Especial Criminal, onde deverá ter prosseguimento, nos termos da Lei 9.099/95.

Novamente pedindo vênia aos eminentes Desembargadores que me antecederam, é o meu posicionamento sobre o assunto, e é como voto, concedendo parcialmente a ordem, nos termos explanados.

De fato, é bastante instigante a questão do conflito aparente de normas. Debruçando-se sobre o princípio da consunção, Rogério Grecco (in Curso de Direito Penal - Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 31-32) acentua o seguinte:

Podemos falar em princípio da consunção nas seguintes hipóteses:

a) quando um crime é meio necessário ou normal fase de preparação ou de execução de outro crime;

b) nos casos de antefato ou pós-fato impuníveis.

Os fatos, segundo Hungria, 'não se acham em relação de species a genus, mas de minus a plus, de parte a todo, de meio a fim'. Assim, a consumação absorve a tentativa e esta absorve o incriminado ato preparatório; o crime de lesão absorve o correspondente crime de perigo; o homicídio absorve a lesão corporal; o furto em casa habitada absorve a violação de homicídio, etc.

Antefato impunível seria a situação antecedente praticada pelo agente a fim de conseguir levar a efeito o crime por ele pretendido inicialmente e que, sem aquele, não seria possível. Para se praticar um estelionato com cheque que o agente encontrou na rua, é preciso que ele cometa um delito de falso, ou seja, é preciso que o agente o preencha e o assine. O preenchimento e a falsa assinatura aposta ao cheque são considerados antefato impuníveis, necessários para que o agente cometa o delito-fim, isto é, o estelionato. Deixando transparecer a sua posição com relação aos crimes de falso e estelionato, o STJ editou a Súmula nº 17, com a seguinte redação: 'Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido'.

O pós-fato impunível pode ser considerado um exaurimento do crime principal praticado pelo agente e, portanto, por ele não pode ser punido. Na lição de Fragoso:

... os fatos posteriores que significam um aproveitamento e por isso ocorrem regularmente depois do fato anterior são por este consumidos. É o que ocorre nos crimes de intenção, em que aparece especial fim de agir. A venda pelo ladrão de coisa furtada como própria não constitui estelionato. Se o agente falsifica moeda e depois a introduz em circulação pratica apenas o crime de moeda falsa (art. 289, CP). (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal, p. 360).

O entendimento de Fragoso acerca da falsificação de moeda (e posterior introdução em circulação) pode, mutatis mutandis, ser aqui aplicado. Com efeito, os pacientes integram os quadros de empresa que atua no ramo de fabricação (e venda) de peças automotivas.

Os crimes a eles atribuídos dizem respeito exatamente ao fato de, num primeiro momento, ter fabricado um produto que é objeto de patente. A destinação de tal produto era, por decorrência lógica da atividade comercial, ser colocado à venda. Ao que quero crer, a segunda conduta consiste, então, em pós-fato impunível.

Deve ser ressaltado que, em determinadas hipóteses, cada um dos dispositivos poderá ser aplicado isoladamente. Tal aconteceria, por exemplo, caso uma pessoa apenas fabricasse ou apenas vendesse um produto contrafeito.

Na hipótese presente, porém, não há como fazer incidir as duas normas, pois, como já asseverado, a conduta inicial (fabricação do produto) visava exatamente à final (comercialização).

Feito esse delineamento, subsistiriam na queixa-crime as imputações previstas nos arts. 183, I, e 195, III, da Lei nº 9.279/96. Ambos os delitos têm pena máxima de um ano, o que implica dizer: ainda que acolhida a regra do concurso material, a sanção não ultrapassaria dois anos. Em consequência, a competência para o julgamento seria do Juizado Especial de Contagem/MG.

Nesse sentido:

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. INJÚRIA E DIFAMAÇÃO. CONCURSO MATERIAL. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N.º 10.259/01. CONFIGURAÇÃO. SOMATÓRIO DAS PENAS MÁXIMAS COMINADAS INFERIOR AO LIMITE LEGAL.

1. O parágrafo único do art. 2º da Lei n.º 10.259/2001 ampliou a definição de crimes de menor potencial ofensivo, porquanto, além de ausentes as exceções elencadas no art. 61 da Lei n.º 9.099/95, foi alterado o limite da pena máxima abstratamente cominada para 02 (dois) anos, sem distinção entre crimes da competência da Justiça Estadual ou Federal. Precedentes do STJ.

2. Verificando-se que o somatório das penas máximas cominadas em abstrato não ultrapassa o limite de 2 (dois) anos, imposto pelo art. 2º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/01, impõe-se a fixação da competência do 2º Juizado Especial Criminal da Comarca de Porto Velho/RO. Precedentes do STJ.

3. Ordem concedida. (HC 32600/RO, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 17.5.04)

Com a necessidade de remessa ao juizado especial, dever-se-ia anular os atos decisórios proferidos no juízo tido por incompetente. Incluem-se nesses atos o recebimento da denúncia, último marco interruptivo da prescrição.

A propósito, confira-se:

Competência/prescrição. Justiça Federal/Justiça estadual. Incompetência (declaração). Nulidade (atos).

1. A incompetência do juízo anula os atos decisórios (Cód. de Pr. Penal, art. 567).

2. É decisório o ato de recebimento da denúncia. Precedentes do STJ e do STF.

3. Tratando-se de caso da competência da Justiça estadual, a declaração, em casos que tais, de incompetência da Justiça Federal provoca nulidade radical - nulidade ex radice do processo. Precedentes do STJ e do STF.

4. Prescrição da pretensão punitiva - seu pronunciamento. (REsp 719421/RJ, Relator para acórdão Ministro Nilson Naves, DJ de 25.9.06)

Considerando a data dos fatos (27.4.2005), e também o disposto no art. 109, V, do Código Penal, de rigor se reconheça a prescrição da pretensão punitiva.

Pelo exposto, concedo a ordem para, de um lado, afastando a imputação referente ao crime previsto no art. 184, I, da Lei nº 9.279/96, reconhecer a extinção da punibilidade dos pacientes em razão da prescrição da pretensão punitiva, referente aos outros fatos tipicos objeto da queixa-crime.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

SEXTA TURMA

Número Registro: 2006/0054754-4 HC 56097 / MG

MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 10000054272141 16502005 79052200536

EM MESA JULGADO: 17/11/2009

Relator
Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro NILSON NAVES

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS

Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE: JOSÉ HENRIQUE VASI WERNER E OUTRO

ADVOGADO: MARCOS VELASCO FIGUEIREDO E OUTRO(S)

IMPETRADO: QUINTA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PACIENTE: VINCENZO TESTINI

PACIENTE: CLAUDIO BENTIVOGLIO MAGNER

PACIENTE: SILVÉRIO BOFIGLIOLI

PACIENTE: GIUSEPE HUMBERTO GIORGI

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Crimes contra a Propriedade Industrial

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr(a). JOSÉ HENRIQUE VASI WERNER, pelas partes PACIENTES: VINCENZO TESTINI, CLAUDIO BENTIVOGLIO MAGNER, SILVÉRIO BOFIGLIOLI e GIUSEPE HUMBERTO GIORGI

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."

Os Srs. Ministros Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Nilson Naves e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves.

Brasília, 17 de novembro de 2009

ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA
Secretário

Documento: 928693

Inteiro Teor do Acórdão - DJ: 07/12/2009




JURID - Habeas corpus. Crimes contra a propriedade industrial. [14/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário