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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

JURID - Crime contra a liberdade sexual. Atentado violento ao pudor. [17/12/09] - Jurisprudência


Crime contra a liberdade sexual. Atentado violento ao pudor.


Tribunal de Justiça do Paraná - TJPR.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 591.856-3, DA COMARCA DE CASCAVEL, 2ª VARA CRIMINAL

APELANTE: FREDERICO PEREIRA DOS SANTOS

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ

RELATOR: DESEMBARGADOR LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO

CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR - ARTIGO 214 C/C 224, 'A', AMBOS DO CÓDIGO PENAL - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - PALAVRA DA VÍTIMA EM CONSONÂNCIA COM AS DEMAIS PROVAS COLHIDAS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL - RECURSO DESPROVIDO.

1. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, quando em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime.

2. O crime de atentado violento ao pudor (art. 214, do CP), em virtude de sua própria abrangência, não é um delito que necessariamente deixa vestígios, o que torna, muitas vezes, o exame de corpo de delito impróprio para a demonstração do ocorrido, havendo necessidade do uso de outras provas, como a testemunhal, para a demonstração da materialidade.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº 591.856-3, da Comarca de Cascavel, 2ª Vara Criminal, em que é apelante FREDERICO PEREIRA DOS SANTOS e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ.

1. Trata-se de recurso de apelação interposto por FREDERICO PEREIRA DOS SANTOS em face da sentença de fls. 154/162 que, julgando procedente a denúncia, condenou-o como incurso nas sanções do artigo 214 c/c artigo 224, "a", ambos do Código Penal, à pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Em suas razões recursais afirma inexistirem provas suficientes para amparar o édito condenatório, pugnando, daí, pela sua absolvição.

Contra-arrazoado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal.

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça, com vista dos autos, pronunciou-se pelo desprovimento do recurso.

É O R E L A T Ó R I O.

2. O réu, ora apelante, foi denunciado pela prática do seguinte fato delituoso, verbis:

No dia 25 de julho de 2005, na Rua Universitário, s/nº, Bairro Faculdade (Chácara Sérgio Siquela), nesta cidade e comarca de Cascavel, a criança F.A.C.L., de 06 anos de idade (01/01/1999 - doc. fl. 12), compareceu na residência do denunciado FREDERICO PEREIRA DOS SANTOS, seu vizinho, pedindo para colher laranjas. O denunciado, que é casado, acompanhou a vítima até a laranjeira, e lá, dolosamente, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, com o fim de satisfação da concupiscência, mediante violência presumida (menor de 14 anos de idade) e grave ameaça, sem que pudesse oferecer qualquer resistência, constrangeu-a a praticar, com ele, ato libidinoso diverso da conjunção carnal, ou seja, determinou que a vítima deitasse sobre a sacola destinada a colocar as frutas, e tirasse a calcinha, tendo esta obedecido, erguendo sua saia e abaixando a calcinha até os tornozelos. Então, o denunciado, com as calças arriadas e com o pênis ereto, deitou-se sobre a vítima e passou a esfregar seu órgão genital na vagina desta. E, nestas condições, o denunciado foi surpreendido pelo genitor da vítima. A polícia foi acionada e autuou o denunciado em flagrante delito (fls. 02 a 05).

Em datas não especificadas nos autos, por diversas vezes, o denunciado, dolosamente, havia praticado o mesmo crime acima descrito, contra a mencionada vítima.

Para conseguir o consentimento da vítima F.A.C.L., garantir sua impunidade e a continuidade da prática de outros crimes de atentado violento ao pudor contra a mesma, o denunciado sempre ameaçava-a, dizendo que não era para ela contar o ocorrido à ninguém, sendo que seus pais iriam surrá-la e ele mataria seu genitor (fls. 03/04)

Sentenciando, o magistrado julgou procedente a peça acusatória, condenando o réu FREDERICO PEREIRA DOS SANTOS como incurso nas sanções do artigo 214 c/c o artigo 224, alínea "a", ambos do Código Penal, à pena de 8 (oito) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicialmente fechado.

Lançadas tais considerações, passo ao exame do recurso interposto.

3. A almejada absolvição do denunciado pelo delito de atentado violento ao pudor não encontra amparo nos elementos probatórios colhidos na instrução criminal.

A materialidade e autoria do delito remanesceram demonstradas, inobstante a negativa do apelante (fls. 09 e 55), ressaltando-se, por oportuno, que o crime de atentado violento ao pudor (art. 214, do CP), em virtude de sua própria abrangência, não é um delito que necessariamente deixa vestígios, o que torna, muitas vezes, o exame de corpo de delito impróprio para a demonstração do ocorrido, havendo necessidade do uso de outras provas, como a testemunhal, para a demonstração da materialidade.

Portanto, a prova técnica não é a única que comprova a existência do delito, sobretudo no crime de atentado violento ao pudor que, por dispensar a conjunção carnal, pode ser consumado de diferentes formas, várias delas que não deixam vestígios, como no caso em questão.

Confira-se, inúmeros precedentes do col. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E APLICAÇÃO DA LEI PENAL. RÉU FORAGIDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS DA MATERIALIDADE DO DELITO. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL.

1. Omissis.

2. A simples ausência de laudo de exame de corpo de delito na vítima, não tem o condão, de per si, estabelecer que não existem provas da materialidade do crime e, consequentemente, reconhecer a inexistência de justa causa para a ação penal. A prova técnica não é a única que comprova a existência do delito, sobretudo no crime de atentado violento ao pudor que, por dispensar a conjunção carnal, pode ser consumando de diferentes formas, várias delas que não deixam vestígios. Na espécie, os indícios da autoria e materialidade para justificar a ação penal, consubstanciam-se tanto na palavra da vítima como na prova testemunhal, fartamente obtida no inquérito policial.

3. Recurso desprovido.

(RHC nº 16927/CE - 5ª Turma - rel. Min. Laurita Vaz - DJ 14/03/2005).

HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PALAVRA DA VÍTIMA. PROVA TESTEMUNHAL HARMÔNICA. EXAMES PERICIAIS NEGATIVOS. CONDENAÇÃO. AFASTAMENTO. EXAME DE PROVAS INVIÁVEL NA VIA ELEITA.

1 - Não obstante os laudos periciais atestarem a inexistência de atos libidinosos, de conjunção carnal e de lesões corporais, a palavra da vítima, de crucial importância nesses delitos, corroborada por prova testemunhal harmônica, autoriza a condenação que, para ser elidida, demanda inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com a via angusta do writ.

2 - Habeas corpus denegado.

(HC nº 8564/DF - 6ª Turma - rel. Min. Fernando Gonçalves - DJ 28/06/1999).

Na espécie, a materialidade consubstancia-se tanto na palavra da vítima como na prova testemunhal, fartamente obtida no decorrer da instrução criminal, conforme se verá.

A ofendida, Fernanda Aparecida Camargo Lopes, que à época dos fatos contava com apenas 06 (seis) anos de idade, perante a autoridade policial, relatou:

... que foi até a casa do conduzido para buscar laranjas e ali chegando o conduzido pegou no paiol o saco e depois foram até o pé de laranja e uma vez ali o conduzido mandou a declarante abaixar a calcinha e em seguida mandou a declarante deitar-se no saco de plástico, após o imputado tirou a calça também e deitou-se em cima da declarante e passou a esfregar o pênis na vagina da declarante; Que enquanto estavam ali o pai da declarante apareceu e gritou com o velho, sendo que este deixou o local correndo e foi embora para sua casa; Que o velho já tinha feito isso com a declarante "um monte de vez". Que toda vez que o velho fazia aquilo com a declarante mandava que a mesma nada contasse a seus pais, pois se os mesmos viessem a saber iriam bater na declarante... (fls. 09)

Em juízo, ratificando as declarações prestadas na fase inquisitorial, com segurança, disse:

... que ao chegar no pé de laranja o réu colocou o saco de laranja debaixo do pé, baixou suas calças, deitou a vítima sobre o saco, baixou a calcinha da vítima e ergueu a sua saia e passou a esfregar o pênis na sua vagina; que logo seu pai apareceu e gritou com ele tendo o réu erguido a sua calça; que a declarante ergueu a sua calcinha que estava no tornozelo e caminhou em direção ao seu pai chorando; que isto já havia ocorrido outras vezes, mas não contou para seus pais porque teve medo... (fls. 74).

Induvidoso que os crimes contra os costumes são dos que se procura cometer entre quatro paredes às ocultas, horas mortas, sem vigília de ninguém. Bem por isso as vítimas são suas grandes testemunhas. Descrer delas, só quando se arregimentam elementos seguros de que tem imaginação doentia ou agem por vingança irracional (RT 455/332).

Neste sentido:

Nos crimes sexuais, a palavra da vítima, quando em harmonia com os demais elementos de certeza dos autos, reveste-se de valor probante e autoriza a conclusão quanto à autoria e às circunstâncias do crime. Precedente (STF - HC nº 79.850-1, rel. Min. Maurício Corrêa).

E, corroborando as declarações da vítima, as informações de seu genitor:

... que ao se aproximar do pé de laranja não acreditou no que estava vendo e se alguém lhe contasse isso sobre o réu teria dado um tapa nesta pessoa; que viu o réu com as calças abaixadas, deitado sobre a vítima a qual estava com a calcinha abaixada e a saia erguida; que o réu passava as 'barbaridade' dele na vítima; que deu um grito dizendo: 'Homem pare já com isso', 'o que você está fazendo?'; que nisto o acusado pôs a calça e a vítima veio correndo em direção ao declarante, colocando a calcinha, muito assustada... (fls. 70).

Também, os depoimentos dos policiais militares que efetuaram a prisão em flagrante do acusado:

... o depoente conversou com a vítima a qual estava chorando e muito nervosa e lhe contou que o réu havia esfregado seu órgão genital na vagina dela; que a mãe da vítima estava muito nervosa e chorando; que o pai da vítima estava bastante nervoso e não estava embriagado; que a vítima informou que este fato já havia ocorrido outras vezes ...

... que a vítima relatava os fatos livremente sem que fosse incentivada para tanto ... (Itamar Luiz Colombo, às fls. 67)

... que quando chegaram ao local a viatura de apoio já estava lá; que o réu estava em sua casa, sem que ninguém o segurasse; que conversou com a vítima e a mesma narrou que teria ido buscar laranjas na casa do réu e o mesmo colocou o saco de laranjas no chão e pediu para que a mesma deitasse sobre o mesmo e baixasse a calcinha até o tornozelo; que o réu ergueu a saia da vítima, baixou suas calças e estava esfregando seu órgão genital na vagina da vítima; que ninguém orientou a vítima a dar tais informações na presença dos policiais; que a vítima disse ainda que o fato já havia ocorrido 'um montão de vezes'...

... que o pai da vítima narrou que possuía muita confiança no réu, mas que no dia dos fatos viu o mesmo com as calças abaixadas, deitado sobre a menina a qual estava com a calcinha arriada e com a saia erguida; que o pai da vítima não estava alcoolizado, tanto que ficou bastante nervoso e embora portasse um facão, porque estava no sítio, não tomou nenhuma atitude contra o acusado e se conteve; que o réu não estava embriagado; que o pai da menina estava bastante nervoso e a menina estava com a cara de que havia chorado; que a mãe da menina estava bastante nervosa mas não participou muito da conversa; que o réu também estava bastante nervoso e ao ouvir a narrativa dos fatos passou a se alterar e negar ...(Osmar Grossklaus de Souza, às fls. 68/69)

Assim, dessume-se que a palavra da vítima, por harmônica e verossímil, merece credibilidade, por ter narrado ela com firmeza como ocorreram os fatos e a conduta do ora apelante, que a submeteu a prática de atentado violento ao pudor.

E, como bem salientou a r. sentença recorrida, não há nenhuma dúvida ou suspeita de que a vítima esteja mentindo e/ou faltando com a verdade, pois não é razoável admitir-se que uma menina de pouca idade venha a juízo expor uma situação extremamente grave e vexatória, incriminando gratuitamente uma pessoa (fls. 158).

Destarte, existem provas suficientes para embasar o veredicto condenatório, sendo impossível a almejada absolvição.

Por tais razões, impõe-se o desprovimento do recurso.

EX POSITIS, ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso, consoante enunciado.

Participaram do julgamento os Senhores Desembargadores Eduardo Fagundes e Marcus Vinícius de Lacerda Costa.

Curitiba, 10 de dezembro de 2009.

DES. LAURO AUGUSTO FABRÍCIO DE MELO
Presidente e Relator

Publicado em 18/12/09




JURID - Crime contra a liberdade sexual. Atentado violento ao pudor. [17/12/09] - Jurisprudência

 



 

 

 

 

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